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É o aparelho político do Estado. Hoje estudaremos o governo como elemento constitutivo do Estado. O conceito de governo para o Direito Internacional é o conjunto de órgãos mediante o qual o Estado manifesta a sua vontade.
O que é o governo para o Direito Internacional? Quando dizemos: “o governo brasileiro concedeu ou não refúgio a Cesare Battisti”, não estamos falando na a Administração, que é a função do Poder Executivo, à frente do qual está o chefe de governo, o que pode dar margem para confusão; aqui no Direito Internacional o governo deve ser entendido como o conjunto dos poderes públicos. O Direito Internacional não faz essa repartição interna. Envolve todas as competências, não só executivas, mas também as legislativas e judiciárias.
Só se pode dizer que há um Estado se nele houver um governo. E, além de tudo, o governo tem que ser soberano, insubmisso a qualquer outra autoridade jurídica. Por isso que em geral não se diz que a soberania é um elemento constitutivo do Estado.
Qual
a diferença entre governo soberano
e governo autônomo? O primeiro é o
que não se submete a nenhuma outra
autoridade, que tem voz na cena internacional, enquanto o autônomo é
aquele que
está submetido a uma autoridade superior, como os governos estaduais
numa
federação. O governo de Mato Grosso do Sul é um governo autônomo, mas
não
soberano.
Em que circunstâncias se faz necessário o reconhecimento de governo ou de Estado? O reconhecimento de um Estado como pessoa jurídica de direito internacional é manifestado quando ele se torna independente, ou quando um novo Estado forma através de um processo de desmembramento. É quando a questão do reconhecimento da personalidade jurídica se coloca.
Para que o Estado exista, é necessário que ele seja reconhecido? Essa é uma pergunta bem controvertida. Existem duas concepções dentro da doutrina jurídica internacional a respeito disso. Uma dessas concepções é a atributiva e a outra é a declaratória.
De acordo com a concepção atributiva, o Estado tem aqueles três elementos constitutivos. Quais são mesmo? Território, povo e governo. Alguns, como vimos, ainda incluem a soberania, mas não é um entendimento seguido por toda a doutrina. Mas é importante a questão de saber se os elementos do Estado são apenas esses três ou se entra, como quarto elemento, o reconhecimento do Estado. A concepção atributiva inclui o reconhecimento como elemento constitutivo, o que arremataria o processo de criação de um Estado. O Estado só existe como pessoa jurídica de direito internacional a partir do momento em que é reconhecido pelo conjunto de seus pares. O Estado, para existir, tem que ser reconhecido, segundo essa corrente.
A concepção declaratória, por sua vez, diz que não. O ato de reconhecimento de um Estado é simplesmente um ato declaratório, e os outros Estados apenas reconhecem que aquele Estado não apenas consegue reunir os três elementos constitutivos, mas que ele consegue efetivamente existir, quer conseguindo manter as fronteiras de seu território, quer mantendo a ordem pública dentro de seu território, quer recolhendo tributos, quer honrando seus compromissos internacionais. Portanto, quando o Estado reúne esses elementos constitutivos, ele existe efetivamente e não precisará do reconhecimento dos demais.
Claro que o reconhecimento é fundamental e importante para que o Estado possa coexistir na comunidade internacional, muito embora não seja essencial.
Como e quando essa questão se faz presente mesmo? No momento da independência do Estado, ou apenas de uma parte, ou da independência de uma colônia, ou quando um Estado é desmembrado. Condicionar a existência do Estado ao reconhecimento dos outros é condicioná-lo ao reconhecimento dos Estados preexistentes. Começando pelo Estado do qual aquele novo Estado se torna independente. Então, de acordo com os adeptos da concepção declaratória, essa idéia de condicionar a existência de um Estado ao reconhecimento externo é uma forma de perpetuar a dominação, uma forma de colonialismo, daí vem a crítica dos adeptos da concepção declaratória contra os da concepção atributiva. Não existe soberania de segunda classe, nem Estado parcialmente reconhecido, nem soberania relativa; o estado é soberano ou não é. Essa é a posição da OEA. Vejamos, portanto, os artigos 12 a 14 da Carta da OEA, especialmente o 13:
Artigo 12 Os direitos fundamentais dos Estados não podem ser restringidos de maneira alguma. Artigo 13 A existência política do Estado é independente do seu reconhecimento pelos outros Estados. Mesmo antes de ser reconhecido, o Estado tem o direito de defender a sua integridade e indepen-dência, de promover a sua conservação e prosperidade, e, por conseguinte, de se organizar como melhor entender, de legislar sobre os seus interesses, de administrar os seus serviços e de determinar a jurisdição e a competência dos seus tribunais. O exercício desses direitos não tem outros limites senão o do exercício dos direitos de outros Estados, conforme o direito internacional. Artigo 14 O reconhecimento significa que o Estado que o outorga aceita a personalidade do novo Estado com todos os direitos e deveres que, para um e outro, determina o direito internacional. |
Uma das funções do Estado, ao existir, é se relacionar com os outros.
O reconhecimento de Estado é um ato discricionário, unilateral, e nenhum Estado é obrigado a reconhecer outro. O reconhecimento pode ocorrer de forma expressa ou tácita. O reconhecimento é expresso quando o Estado reconhecedor pratica algum ato jurídico com o reconhecido ¹ deixando expresso seu reconhecimento. Exemplo: emissão por um Estado de uma nota diplomática, que é um ato unilateral e discricionário de reconhecimento. Quando as Repúblicas Bálticas se declararam independentes da União Soviética, o Brasil emitiu uma nota reconhecendo a existência de cada uma daquelas repúblicas.
O reconhecimento expresso também pode vir por meio de um tratado entre dois Estados. Exemplo: Tratado de Paz Israel – Jordânia (1994), em que esta reconhecia expressamente o Estado de Israel. Também o Tratado de 1825 entre Brasil e Portugal, em que o último reconhece expressamente a existência do Brasil recém-emancipado.
É tácito o reconhecimento quando o Estado mantém com outro relações diplomáticas, sem fazer qualquer referência à sua existência. Se Portugal não houvesse feito essa referência expressa no Tratado de 1825, ainda assim haveria o reconhecimento por parte de Portugal da existência do Estado brasileiro porque não se celebram tratados com Estados que não existem. O só fato de celebrar o tratado já é a sinalização do reconhecimento do Estado.
Observação: acordo de exportações também é uma forma de reconhecimento tácito.
Um Estado reconhece outro pela celebração de um tratado bilateral. Essa realidade não existe quando falamos de tratados coletivos. Exemplo: tratado constitutivo das Nações Unidas, que pode reunir Estados como Israel e Estados árabes que não reconheciam a existência de Israel. Isso remete à questão do reconhecimento individual e coletivo. Quando um Estado reconhece outro e pratica determinado ato para com o Estado reconhecido, aquele se vincula e não pode mais voltar atrás. Os Estados também podem fazer tratados de forma coletiva, como quando um grupo de Estados da comunidade Européia resolve reconhecer a existência de uma das repúblicas originárias do desmembramento da antiga URSS.
Outra questão é a de se saber se, do fato de um Estado pertencer a uma organização internacional com caráter político, como a Organização das Nações Unidas, segue que ele é reconhecido pelo conjunto dos países membros dessa organização internacional. Vejamos. Em primeiro lugar, quando um Estado é reconhecido pela Organização das Nações Unidas, isso funciona mais como uma consagração de cunho político. Significa que a maioria dos Estados que integram as Nações Unidas reconhecem aquele Estado. Mas isso não quer dizer que cada um dos Estados-membros reconheça, individualmente, aquele Estado que ali ingresse. Cada um deles está obrigado a reconhecer aquele Estado no âmbito da organização, mas não fora dali. Os Estados podem, apesar de fazerem parte do mesmo grupo internacional de outros, não reconhecê-los e nem com eles manter relações diplomáticas ou com eles celebrar tratados bilaterais. ²
A
regra geral de reconhecimento é
que é difícil que um Estado exista efetivamente sem tê-lo. Mas, se tem
condições de existir, dificilmente não terá reconhecimento. Não existe
no
Direito Internacional o direito a ser reconhecido.
Quando a questão do reconhecimento de governo se torna importante na cena internacional? Não se trata da mesma situação do reconhecimento de Estado e nada tem a ver com a personalidade jurídica de direito internacional. Surge a discussão do reconhecimento de governo quando pairam dúvidas sobre o caráter legítimo da autoridade jurídica de um Estado. Dá-se em momentos de instabilidade política, revolução, golpes de Estado, fraudes em geral, mudanças na ordem constitucional do Estado, etc.
Podem
os Estados vocalizar esse
reconhecimento ou não da autoridade jurídica de outro Estado? Essa
questão já
foi colocada em vários momentos da história da América Latina. O
assunto estava
dado como superado, mas agora voltou à tona quando do incidente em
Honduras em
que o presidente Manuel Zelaya foi deposto por militares que agiam por
ordem da
Suprema Corte do país, com apoio do Legislativo, por atentar contra a
ordem
constitucional do Estado. A manobra foi criticada pela comunidade
internacional, especialmente a OEA. 3
A
doutrina Tobar e a doutrina Estrada
Carlos Tobar (1853 – 1920) foi Ministro das Relações Exteriores equatoriano no início do século XX. Em 1907, ele proferiu uma declaração. Disse que a única forma para evitar golpes de Estado na região americana seria a comunidade internacional se recusar a reconhecer os governos golpistas como legítimos, rompendo relações diplomáticas e formulando contra eles uma declaração de não-reconhecimento, até que aquele governo fosse confirmado nas urnas. De fato, essa doutrina esteve presente na América Latina, inclusive na Venezuela, que aplicou-a rompendo relações com Estados cujos governos não concordava, inclusive o Brasil. Até que em 1930 o Ministro das Relações Exteriores venezuelano, Genaro Estrada (1887 – 1937), proferiu uma nova declaração. Nela, ele sustentava o entendimento de que a vocalização do reconhecimento do Estado seria uma ofensa à soberania dos Estados. A doutrina Estrada defende que a declaração expressa do reconhecimento de uma nova soberania é uma prática afrontosa, uma falta de respeito à soberania da nação preexistente, pois não é necessário o reconhecimento para que o Estado inicie suas atividades. Nisso existe uma comparação com a pessoa natural: uma pessoa nasce, cresce, e quando chega à idade adolescente surge um médico e emite um laudo em que reconhece expressamente que se trata de um ser humano; nisso, feriu-se a dignidade de um ser humano, que não precisaria ser reconhecido com tal que iniciasse suas atividades como pessoa 4.
Assim, se o Estado não concorda com determinado governo, ele tem a opção de simplesmente não manter relações com ele. Mas emitir um juízo de valor seria uma ofensa. Vemos que essa doutrina não se aplica na Europa, mas mais na América Latina.
A questão já parecia superada por décadas, e já fora de moda a questão de se reconhecer ou não a legitimidade dos governos. Isso voltou a emergir com o caso Hondurenho. A doutrina Tobar foi retomada, mesmo quando já parecia sepultada.
O não-reconhecimento tem muito mais a ver com a legitimidade de um governo perante seu próprio ordenamento jurídico. Considera-se que o governo interino de Honduras não é legítimo porque alega-se que não foi constituído à luz da própria Constituição daquele Estado.
Observações: