Direito Internacional Público

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Solução pacífica dos conflitos internacionais - conclusão



Na última aula falamos que a CIJ tem quinze integrantes, distribuídos por repartição geográfica, que devem representar as diferentes formas de pensar o Direito no mundo.

A Corte Internacional de Justiça tem duas funções, como vimos na última aula; uma é a função consultiva, em que a Corte, quando requisitada, emite pareceres, que não têm força obrigatória. Servem para a elucidação de questões jurídicas que eventualmente contraponham os Estados e/ou as organizações internacionais. A outra é a função contenciosa. As organizações internacionais não têm acesso à função contenciosa da CIJ. A Corte pode dirimir conflitos a pedido da Assembleia Geral das Nações Unidas; esta função só é acionada para resolver pendências entre Estados soberanos, proferindo acórdãos obrigatórios, mas não executórios, a princípio. A parte vencedora de uma demanda, caso enfrente recalcitrância por parte da adversa, pode comunicar ao Conselho de Segurança das Nações Unidas para que tome medidas coercitivas.

A Corte só pode operar com o consentimento das partes. Como fazem? Uma das formas é mediante tratado bilateral. As partes celebram um tratado submetendo um determinado litígio à Corte Internacional de Justiça, como no caso Haya De La Torre, em que Peru e Colômbia discutiam o instituto do asilo diplomático.

Submissão implícita: o que é isso? Ocorre quando um Estado ajuíza uma ação contra outro, e este não contesta a jurisdição da Corte, mas ataca diretamente o mérito da ação ajuizada. Foi o caso do incidente no Estreito de Corfu, em que o Reino Unido interpelou a Albânia, pretendendo responsabilizá-la por não garantir a segurança de seu mar territorial ao omitir-se em recolher minas aquáticas ali distribuídas, que vieram a detonar sobre a quilha de um navio britânico. Inicialmente, a Albânia não contestou a jurisdição, mas contestou diretamente o mérito, procurando eximir-se da responsabilidade, negando ter plantado as minas. Mais tarde o Estado albanês voltou atrás e tentou contestar a própria jurisdição da Corte Internacional de Justiça, atribuindo a anterior aceitação a um erro de formalidade, mas a CIJ entendeu que a aceitação da jurisdição já havia sido manifestada. Significa que houve submissão implícita.

Há uma outra forma de aceitação da jurisdição, em que um Estado comunica à Corte que, se a outra parte aceitar a jurisdição, ele também aceitará. É a cláusula de compromisso de submissão à Corte Internacional de Justiça. As partes concordam que qualquer conflito resultante da interpretação de um tratado, por exemplo, será dirimido ante a Corte Internacional de Justiça.

Por fim, a cláusula facultativa de jurisdição obrigatória: essa cláusula leva o nome do brasileiro Raul Fernandes. Surgiu durante os trabalhos preparatórios de elaboração do Estatuto da CPJI (A Corte Permanente de Justiça Internacional, antecessora da Corte Internacional de Justiça). A ideia era que a Corte se tornasse um órgão de jurisdição obrigatória ao conjunto da comunidade internacional, e que não fosse precisa a autorização dos Estados pontualmente. Eles deveriam se comprometer previamente a aceitar a jurisdição da Corte. Diz o seguinte: todos os Estados-partes do Tratado Constitutivo das Nações Unidas são parte no Estatuto da CIJ. Por quê? Porque o Estatuto da Corte integra a Carta das Nações Unidas. Entretanto, a cláusula relativa à aceitação da jurisdição da Corte é uma cláusula facultativa. Os Estados podem ou não aceitá-la. Se aceitam, eles são potencialmente jurisdicionáveis ante a Corte. Quer dizer que eles podem, se consentirem, ter seus litígios julgados pela Corte. A cláusula é facultativa, mas a jurisdição, uma vez aceita, é obrigatória. O Brasil não aceita; nós nunca aceitamos a jurisdição da CIJ embora o Estado brasileiro tenha indicado e tenha tido vários acentos na Corte. Por ironia do destino a cláusula leva o nome de um brasileiro.

Os Estados podem assinar a cláusula facultativa com limitações. Podem declarar que aceitam a jurisdição da Corte, mas com limitações temáticas: por exemplo, a França: “aceito, exceto se a matéria disser respeito à segurança nacional ou do meu território”. Na década de 70 a França fez experimentos nucleares no Pacifico Sul, o que levou a Austrália e a Nova Zelândia ajuizaram uma ação contra ela. A Corte não aceitou a limitação, pois certamente o Oceano Pacífico nada tinha a ver com a segurança do território francês. Então a França se submeteu, mas depois denunciou a cláusula facultativa.

Procedimento: não há diferença na essência em relação ao que se pratica nos juízos internos que conhecemos. As partes produzem provas, documentos escritos  e sustentações orais; os idiomas que a Corte trabalha são o inglês e o francês, e a decisão se dá por voto majoritário.

O acórdão da Corte é obrigatório, mas o parecer consultivo não. Não cumprir um acórdão da Corte é um ilícito internacional. Lembrem-se que o acórdão de um tribunal arbitral não é executório. Mas o da CIJ é, pois há meios de se forçar sua execução; quando uma das partes se recusa a cumprir a decisão da Corte, a outra parte, se entender que aquela desobediência implica uma ameaça à paz e à segurança internacional, pode reclamar perante o Conselho de Segurança das Nações Unidas, que é o órgão que tem autoridade para deferir medidas coercitivas contra determinado Estado, conforme já dito.

Quantas vezes isso aconteceu? Nunca. Por quê? Em primeiro lugar, porque o comum é que os Estados cumpram o acórdão da Corte. Os Estados não gostam de ser conhecidos como violadores nem praticantes de ilícitos. Em segundo lugar, nas poucas vezes em que um Estado se negou a cumprir um acórdão, razões diferentes tornaram essa solução pelo Conselho de Segurança desnecessária. Por exemplo: quando a Albânia, no caso do Estreito de Corfu, foi condenada a indenizar o Reino Unido, ela recusou-se a cumprir a decisão. O Reino Unido se contentou com o acórdão condenatório, que reputou muito mais importante do que o pagamento da reparação do dano em si. O inadimplemento da Albânia não seria uma ameaça à paz e segurança internacional. Em outra vez, no caso do patrocínio americano aos paramilitares na Nicarágua, os Estados Unidos foram condenados. Negaram-se a cumprir o acórdão. O Conselho de Segurança não interveio porque o recalcitrante era justamente um Estado que tinha poder de veto, e não aprovaria medidas coercitivas contra si mesmo.

Medidas cautelares: quando houver a possibilidade dos direitos que formam o objeto, o núcleo do pedido estarem ameaçados, a Corte pode autorizar medidas cautelares para proteger o objeto da ação. Aconteceu nos casos Breard, LaGrand e Avena, que já estudamos. No caso Angel Breard, um nacional paraguaio condenado à morte na Virgínia; ele não teve acesso ao cônsul de seu Estado, conforme manda a Convenção de Viena sobre Relações Consulares de 1963. O Paraguai ajuizou uma ação contra os Estados Unidos perante a Corte Internacional de Justiça, o que é uma forma de endosso com proteção diplomática: o Estado assume como seu aquele dano e interpela outro no plano internacional. O Paraguai pediu medidas cautelares para suspender a execução. Mas o Estatuto da Corte Internacional de Justiça tem uma redação bastante ambígua quanto às cautelares: a Corte “pode autorizar” medidas cautelares. As autoridades americanas interpretaram o estatuto como sendo sugestivo, e não determinativo. Executaram Breard. LaGrand, um nacional alemão, por sua vez, foi condenado à morte no Arizona, e também teve seu direito ao aconselhamento consular negado. Isso fez com que a Alemanha ajuizasse uma ação contra os EUA, que reconheceram o ilícito, mas entenderam que o desfecho não teria sido diferente, e que as medidas cautelares não tinham caráter obrigatório; e LaGrand foi executado. A diferença foi que o Paraguai não prosseguiu na ação. Já a Alemanha quis um julgamento de mérito. A CIJ teve a oportunidade de dizer que suas medidas tinham sim caráter obrigatório. Até que, em 2004, no caso Avena, as execuções de um grupo de condenados foram suspensas. Foi uma ação movida pelo México contra os Estados Unidos.