Fecharemos o conteúdo hoje. Vamos falar do Direito de Guerra.
O Pacto da Sociedade das Nações dizia que a guerra era lícita. Era um exercício legítimo de soberania dos Estados. Uma expressão é jus in bellum, que é o Direito aplicado à guerra, e outra é o jus ad bellum, que é o direito de fazer guerra quando lícita, a guerra justa. É uma ideia que veio de São Tomás de Aquino, Santo Agostinho, Santo Ambrósio de Milão, etc.
Guerra justa era aquela que respondia a uma violação do Direito e buscava evitar o mal maior. O jus in bello era o Direito aplicado na guerra, que tinha um conteúdo costumeiro, que buscava a proteção das principais vítimas da guerra: os não combatentes, a população civil, os religiosos, os médicos e enfermeiros... Derivava de acordo entre chefes militares.
Esse Direito aplicado durante o conflito armado, antes da proscrição (proibição) da guerra no século XX, teve uma codificação progressiva. As Declarações de Paris de 1866, que proibiam a prática do corso foram o primeiro sinal. Os corsários, diferentemente dos piratas, eram navegadores que executavam pilhagens, saques, e causavam dano direto a embarcações de bandeiras inimigas, com o objetivo de causar o maior prejuízo material e psicológico possível, sem necessariamente auferir a vantagem do roubo. Agiam a mando de um soberano, que lhes expediam uma “carta de corso”.
Em seguida vieram as Declarações de Bruxelas, em 1864, trazendo garantias a pessoas que não participavam dos combates, e a de São Petersburgo, de 1868, que proibiu o sofrimento desnecessário. Finalmente a Convenção de Genebra, que foi o marco do Direito Humanitário, que protege as principais vítimas da guerra. Inspirado no que presenciou na Batalha de Solferino, uma das mais sangrentas que teve notícia, Henry Dunant (1828 – 1910), homem de negócios e ativista político, escreveu suas memórias e idealizou um movimento pela humanização da guerra. Compilou-as numa obra chamada Uma Lembrança de Solferino, livro que acabou criando um movimento de opinião que desencadeou a Convenção de Genebra e o Comitê Internacional da Cruz Vermelha. Foi a primeira convenção sobre o Direito Humanitário. Assim o “Direito de Genebra” ficou conhecido como o “Direito Humanitário”.
São regras de proteção não dos combatentes, mas dos hospitais e das pessoas que servem na guerra, como médicos, religiosos, enfermeiros, psicólogos e outros.
O Direito da Haia, também conhecido como Direito da Guerra propriamente dita, surge mais tarde, em 1907. São 13 convenções que surgem dessas conferências. Algumas delas sobre rituais de guerra, protocolos, armistício, normas proibitivas de armas como balões para lançar gases tóxicos, e os rituais da guerra em si.
A proibição da guerra começou a surgir, progressivamente, no Pacto da Sociedade da Nações em 1919. Nele, houve uma limitação no Direito da Guerra. O Pacto dizia que as nações deveriam recorrer a soluções pacíficas para a resolução dos conflitos, como decisões judiciárias, arbitragem, soluções políticas, e deveriam esperar três meses contados da data da decisão que traduzia a solução pacifica para só então usar a força. Se, por exemplo, a decisão arbitral ou judiciária não surtisse efeito, as nações estariam autorizadas a usar a força. Esses três meses eram o que se chamava prazo moratório.
Em 1928, houve o famoso pacto de Briand-Kellog. Estados Unidos e França celebraram um tratado geral de arbitragem, que tinha uma cláusula em que as duas nações renunciavam expressamente ao uso da força em suas relações. O Primeiro Ministro Francês teve a ideia, depois disso, de estender essa cláusula ao conjunto das nações, de forma que se tornasse um pacto global de renúncia ao uso da força nas relações internacionais. Praticamente todas as soberanias aderiram.
Pelo ano da celebração, podemos chegar à óbvia conclusão de que o Pacto de Briand-Kellog não surtiu efeito, apesar de fortalecer uma norma costumeira. Pouco tempo depois eclodiu a segunda guerra mundial. Findo o conflito, nasceu a Carta de São Francisco em 1945, a Carta das Nações Unidas, a qual traz, em seu art. 2º, uma proibição expressa ao uso da força. Evitou-se usar o termo “guerra”, pois este poderia ser interpretado restritivamente, então preferiram usar o termo “uso da força”.
Claro que existem algumas exceções ao emprego da força, na própria Carta das Nações Unidas. A primeira é a legítima defesa, que ocorre quando um Estado aplica a força de forma unilateral contra outro respondendo a uma agressão. Na versão inglesa da Carta, usa-se o termo “ataque armado”. É o art. 51 da Carta das Nações Unidas:
Artigo 51 Nada na presente Carta prejudicará o direito inerente de legítima defesa individual ou coletiva no caso de ocorrer um ataque armado contra um Membro das Nações Unidas, até que o Conselho de Segurança tenha tomado as medidas necessárias para a manutenção da paz e da segurança internacionais. As medidas tomadas pelos Membros no exercício desse direito de legítima defesa serão comunicadas imediatamente ao Conselho de Segurança e não deverão, de modo algum, atingir a autoridade e a responsabilidade que a presente Carta atribui ao Conselho para levar a efeito, em qualquer tempo, a ação que julgar necessária à manutenção ou ao restabelecimento da paz e da segurança internacionais. |
É claro que o ato de legítima defesa é um ato ilícito se procedido em desconformidade com diversas limitações impostas pela própria Carta. Ele deve ser imediato, em que o Estado repele a agressão mediante a defesa legítima. A legítima defesa em direito interno também tem limitações. Ela tem que ser um ato efêmero, durando o tempo necessário para repelir a agressão. Não justifica a ocupação de territórios. É um ato proporcional, e principalmente controlado. Quer dizer que o Estado pode exercer a legítima defesa sem autorização do Conselho de Segurança, mas, imediatamente após a prática do ato de legítima defesa, o Estado precisará informá-lo ao Conselho e submetê-lo ao seu controle.
Indaga-se, com muita polêmica, se é lícita a legítima defesa preventiva. A jurisprudência da Corte Internacional de Justiça confirma que a legítima defesa decorre, é posterior ao ataque armado. Então, pode ou não haver legítima defesa preventiva? Na iminência de um ataque, o Estado que está para ser atacado pode responder antecipadamente? Num mundo com armas químicas, biológicas, e com tecnologia para prever ofensivas, seria justo ter que esperar que viessem os ataques, que poderiam se dar com armas biológicas, químicas, bombas sujas ou armas nucleares? Mesmo com tantos perigos, a doutrina majoritária é contrária à tese da legítima defesa preventiva, encarando-a como ato ilícito. A tese da legítima defesa preventiva avança mais entre os Estados que entre os doutrinadores. Alguns alegam ser perigoso o poder destrutivo do empreendimento de outro Estado em seu território, como alegaram os Estados Unidos ante à possibilidade de um ataque com armas químicas do Iraque de Saddam Hussein.
Alguns entendem que a interpretação extensiva da Carta das Nações Unidas no que tange ao Direito de Guerra é perigosa porque permite o aumento do poder dos Estados de agir unilateralmente. Outros defendem que podem sim praticar a legítima defesa preventiva, desde que provem que o ataque era iminente.
Os Estados deverão indenizar e reconstruir os danos que produziram no território do atacado.
Outra limitação: para que se acolha a legítima defesa, não basta que o Estado que pretende praticá-la alegue que o iminente agressor acaba de adquirir ou produzir armas; é preciso que haja uma operação em curso, que deve ser demonstrada depois da legítima defesa.
A segunda forma de exceção à regra da proibição ao uso da força é o emprego da força pelas Nações Unidas em defesa da segurança coletiva. O Conselho de Segurança autoriza, em nome das próprias Nações Unidas, uma intervenção armada pela segurança coletiva e garantir a paz e segurança internacional. Quando o Conselho de Segurança autoriza, as nações põem suas forças à disposição das Nações Unidas, que agem não em nome próprio, mas em nome da Organização. Foi o que aconteceu na Guerra do Golfo de 1990.
São essas as duas exceções.
Falando no emprego unilateral da força, não confundam legítima defesa com retaliações e retorsões. Retorsões são atos lícitos que respondem a outro ato lícito, porém desagradável, praticado por um Estado. Essa resposta é dada discricionariamente. Exemplo: rompimento de relações diplomáticas, como aconteceu no caso Battisti. A represália ou retaliação ocorre quando um Estado exerce um ato ilícito respondendo a outro ilícito. Em 1903, a Venezuela tomou algumas medidas confiscatórias de bens de estrangeiros. Um grupo de Estados europeus, buscando defender o patrimônio de seus nacionais, bombardeou um porto venezuelano. É só um exemplo, pois àquela época não seria ilícito já que o uso da força era permitido, mas seria sim proibido na perspectiva dos nossos paradigmas atuais.
A Carta das Nações Unidas proscreveu o conflito armado. A expressão “guerra” foi banida do Direito. O Direito da Haia e grande parte das Convenções de 1899 e 1907 e outros textos internacionais sobre o assunto aprovados em conferências caem em desuso. Regras sobre rituais da guerra, por exemplo, são regras que se tornaram obsoletas. O estatuto da neutralidade, entretanto, subsiste. O Estado que se mantém neutro pode praticar atos de comércio com ambos os Estados beligerantes, sem discriminação, pode continuar exercendo a passagem inocente, e deve continuar permitindo a passagem. Em troca, deve se manter neutro. Não têm os Estados neutros, entretanto, a obrigação de coibir manifestações em apoio a um dos Estados em conflito, desde que tais manifestações não tenham participação do governo, nem mesmo frustrar o patrocínio oferecido por um particular a um dos beligerantes.
Os conflitos, não obstante, não deixam de ser um fato. Tanto que em 1949 surgem novas Convenções de Genebra sobre Direito Humanitário. São quatro convenções:
O sistema de Genebra gravita em torno de três princípios: da neutralidade, da não discriminação e da responsabilidade. Quem recebe ajuda humanitária deve se abster de participar de combates, de atitudes hostis, bem como quem oferece não pode intervir no conflito. O princípio da não discriminação reza que não se pode dar ajuda em função de caracteres pessoais dos enfermos, como etnia, orientação política, religião ou nacionalidade. Responsabilidade: os Estados respondem internacionalmente pelos excessos praticados por suas tropas. Embora a responsabilidade dos infratores já tenha sido preconizada no primeiro Protocolo de 1977. As Convenções de Genebra sofreram emendas, mas já previam responsabilidade dos infratores. Depois a responsabilidade individual foi reforçada com o desenvolvimento do Direito Penal internacional. Mas não ficou excluída a responsabilidade do próprio Estado.
Os Protocolos de 1977 são regras de reforço à execução dos mecanismos de proteção dos direitos materiais assegurados pelas Convenções de Genebra. Complementam os direitos enunciados, mas o mais importante é que os Protocolos 1 e 2 trazem regras de equiparação a certos conflitos que ocorrem no âmbito das fronteiras, que são elevados à categoria de conflitos internacionais. O Protocolo 1 faz com que o conflito armado contra a dominação estrangeira ou colonial ou contra perseguição de regimes racistas seja considerado um conflito internacional, e o Protocolo 2 equipara as guerras civis à categoria de conflito internacional desde que se identifique uma organização responsável.
O poder de polícia de limitar conflitos interiores é limitado pelo Direito Internacional, ainda que o conflito só envolva nacionais seus. O fundamento é a proteção dos direitos humanitários.
Os tribunais ad hoc foram criados com base nas Convenções de Genebra de 1949. Os iugoslavos foram acusados de graves crimes contra o direito humanitário.
O Direito humanitário é o Direito que não perde sua atualidade mesmo com a proibição do uso da força, pois ele continua sendo uma realidade.