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Na soberania existe o princípio da igualdade soberana dos Estados. Do ponto de vista do Direito Internacional, os Estados são todos igualmente soberanos. Mas uma questão interessante é a dos micro-Estados. Eles possuem igualdade de fato, em relação aos outros Estados? Pensem no Brasil: tem 8.514.977 km2. Nosso Estado é 13,5 vezes maior que a França. A área da França é menor que a de Mato Grosso, e ainda assim é um dos maiores Estados da Europa. Agora pensem em Andorra: 468 km2. E também em Liechtenstein: 160km2, pequeno Estado que fica entre a Áustria e a Suíça. Não acabamos de falar dos pequenos Estados: há a República de San Marino, com 61 km2, Mônaco, 2 km2. Então todos esses Estados são soberanos? Aliás, são eles Estados mesmo? São sim, pois eles têm território, povo, e um governo soberano, que não se submete formalmente a nenhum outro. São Estados soberanos, portanto. Eles têm pessoa jurídica de direito internacional e têm assento nas Nações Unidas.
Mas qual o problema em relação a eles? Não é por que são pequenos territorialmente, nem porque são pequenos no que diz respeito à dimensão humana; mas em razão dessa exigüidade eles muitas vezes não conseguem exercer o conjunto de suas competências, como, por exemplo, ter sua própria moeda e sua própria defesa nacional. Mônaco, por exemplo, antes do Euro, usava o Franco Francês. San Marino usava o a Lira Samarinesa, produzida pela Casa da Moeda Italiana. E, em geral, a defesa nacional desses pequenos Estados é assegurada pelos Estados com quem eles têm relações mais próximas. Eles são hipossuficientes, e não conseguem exercer com autonomia o conjunto de suas competências.
O
que acontece quando eles se
encontram num fórum internacional, já que por muito tempo não tinham
cadeira
nas Nações Unidas? Como Mônaco tende a votar? De acordo com o interesse
do Estado
que lhe protege. Isso gera um cenário em que, praticamente, os votos do
Estado
protetor têm peso 2. É uma crítica que se faz: os micro-Estados têm
soberania
formal, mas não conseguem exercer o conjunto de suas competências, e,
por essa
razão, se tornam dependentes de Estados com os quais tendem a prestar
deveres
de lealdade.
É o nome da pessoa jurídica, como é conhecida. O local é o Estado da Cidade do Vaticano. Tem território: 0,44 km2. A Santa Sé tem dimensão humana? Ela tem um governo, e uma população de cerca de 1000 pessoas, e o governo é a Cúria da Igreja Católica. O que falta à Sé para ser um Estado? Entende-se que ela carece da dimensão humana. Os habitantes têm a nacionalidade vaticana, mas não se considera que se trata daquele vínculo político-jurídico que liga o indivíduo ao seu Estado. Todas as pessoas do vaticano guardam sua nacionalidade originária. O vínculo é meramente funcional. Então falta à Sé um povo. Há quem diga também que os objetivos, a finalidade de um Estado são diferentes da finalidade da Santa Sé. A finalidade dela é administrar a Igreja Católica ao redor do mundo.
Então o que é a Santa Sé? É uma personalidade jurídica internacional anômala. Não é Estado e não é organização internacional. Mas tem personalidade jurídica porque celebra tratados com outros Estados, tem representação diplomática, tem chefe de missão diplomática, que é o Núncio Apostólico.
Nos
tratados bilaterais figura a Santa
Sé. A diferença entre Santa Sé e Vaticano é como a diferença entre
Brasil e República
Federativa do Brasil.
Formas excepcionais de personalidade jurídica
No plano dos ordenamentos jurídicos internos, as pessoas jurídicas são muito bem delimitadas. No plano jurídico internacional, não existe isso. Não existe uma lista daqueles que têm personalidade jurídica internacional, daqueles que têm competência para celebrar tratados em nome próprio. Não há como saber, no plano internacional, quais são os Estados. Não existe uma lista oponível a todos, justamente porque, como vimos na aula passada, o ato de reconhecimento da pessoa jurídica internacional é um ato discricionário, unilateral, portanto os Estados são livres para reconhecer como pessoa jurídica internacional outro que eles bem quiserem. As conseqüências do reconhecimento é o estabelecimento de relações diplomáticas e de tratados bilaterais. Por essa razão é que na história achamos formas excepcionais de personalidade jurídica, como a França na segunda guerra mundial. Charles de Gaulle comandava a resistência francesa de Londres por meio de uma rádio. Era com ele que as potências aliadas se relacionavam, não com a autoridade que ficou no território francês. Por isso que a França se tornou um dos Estados vencedores da guerra. O Marechal Philippe Pétain ficou no território (que depois veio a render se render, entregando a França para a Alemanha e vindo a ser considerado traidor, sendo julgado e condenado à morte, quando de Gaulle comutou sua sentença para prisão perpétua.) A França Livre, portanto, não tinha território.
Entretanto faz pouco tempo que estão começando a falar sobre isso nas escolas francesas. A França não se gostava de falar que o Estado havia sido dividido e que havia um governo colaboracionista.
A
palestina também é uma forma
excepcional de personalidade jurídica. É um Estado em vias de formação.
As organizações internacionais: personalidade
jurídica, conceito e
constituição
São pessoas jurídicas de direito internacional. Os Estados têm personalidade jurídica originária, enquanto as organizações internacionais têm personalidade jurídica derivada. Por que isso mesmo? Porque os Estados precedem historicamente as organizações internacionais. Elas são produtos do século XX, em primeiro lugar, enquanto aqueles já existem desde o século XV. Os Estados também têm uma tripla dimensão: territorial, político-jurídica e humana, enquanto as organizações internacionais têm unicamente uma dimensão jurídica. O patrimônio delas está assentado sobre o território de outro Estado. Não há vínculo de nacionalidade.
As organizações internacionais são fruto da manifestação da vontade dos Estados.
O conceito de organização internacional, portanto, é toda organização criada por tratados celebrados pelos Estados que a integra, que define a competência, os objetivos, a organização, a composição da organização internacional, e dotadas de personalidade jurídica distinta das dos Estados membros. Elas têm personalidade jurídica derivada, mas a personalidade é própria desde sua constituição. O tratado que cria a organização internacional é um tratado constitutivo.
Outra diferença entre Estado e organização internacional é quanto à finalidade. O Estado quer o bem comum, a paz, a segurança e o desenvolvimento integral de determinada comunidade. Os objetivos da organização internacional podem ser quaisquer e são definidos em seu tratado constitutivo.
Quantos
Estados são necessários
para uma organização internacional? No mínimo dois. Mas não se tem
registro de
uma organização internacional com apenas dois. A menor atualmente
existente é a
Benelux, composta Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo.
Organizações internacionais e organismos
internacionais
Agora, sabendo o que é uma organização internacional, também saberemos o que não é uma organização internacional e o que se chama, talvez por falta de conhecimento, de organismo internacional. É uma entidade que tem elemento de internacionalidade e/ou transnacionalidade. Essa seria a definição genérica de um organismo internacional. Vejamos alguns exemplos:
Em
outras palavras, organismo
internacional é qualquer entidade internacional. A expressão organização internacional tem um sentido
próprio, que não dever ser confundido com o de organismo internacional.
Há
mais de trezentas organizações
internacionais na atualidade. Cada uma tem uma composição, uma
competência, um
objetivo, e é uma disciplina à parte. Sobre cada uma pode render uma
tese de
300 páginas. O objetivo nosso aqui é identificar organogramas
semelhantes nas
organizações internacionais. O que se pode notar é que as organizações
internacionais de hoje em dia têm: uma assembléia geral, uma secretaria
e um
conselho executivo. A assembléia é o órgão legislativo da organização,
que reúne
todos os Estados que a integram. O órgão que decide os rumos é o
conselho
executivo, que tem finalidade executiva, que pode reunir todos os
membros da
assembléia, como é o caso da OEA, ou apenas alguns deles, como a ONU,
que tem o
conselho executivo, que é o Conselho de Segurança, que reúne apenas
alguns Estados-membros,
sendo cinco permanentes e dez rotativos, que ocupam a vaga por um
período de
dois anos. Há também uma secretaria, que é um órgão permanente. Nas
organizações internacionais em geral, os membros da assembléia e do
conselho
executivo têm voz para falar em nome do Estado que representam, têm uma
função
representativa, portanto. Na secretaria não. Os funcionários têm
obrigação de
neutralidade. A única lealdade que eles têm é para com a própria
organização.
Não vigora nas relações interestatais o mesmo princípio, vigente nos ordenamentos internos, de que a maioria terá a prevalência nas votações. Numa assembléia de Estados, uma decisão a respeito de uma matéria substantiva (importante) obrigará apenas os Estados que votaram a favor, mas não vinculará os contrários. As decisões que vincularão a minoria serão apenas as de caráter instrumental, como a nomeação de secretários e a fixação de calendários de atividades.
Um exemplo de questão material foi a decisão, em 1963, da OEA de instaurar uma investigação sobre atividades comunistas no continente. O Brasil se opôs. Com isso, as investigações ficaram adstritas ao território americano e às repúblicas hispano-americanas. ¹
As
decisões instrumentais têm a
ver com as funções administrativas da organização internacional.
As
organizações internacionais
têm sempre uma sede. Às vezes mais de uma, como a ONU, que tem sede em
Genebra e
em Nova York. A Liga da Sociedade Árabe tem sede no Cairo. O local é
determinado em função do acordo de sede. O Estado que apóia a
organização
internacional não necessariamente é Estado-membro. Até pouco tempo
atrás a Suíça
não era membro das Nações Unidas, mas a sede da Organização estava lá,
na
cidade de Genebra. O acordo de sede cria obrigações para os dois lados.
A
obrigação do Estado que acolhe a organização internacional é assegurar
as
imunidades da Convenção de Viena de 1961 aos integrantes, assegurar o
acesso
aos domínios da organização por parte de nacionais de outros Estados, a
segurança da organização. Isso é feito em tratado bilateral entre a
organização
e o Estado que acolhe.
Também
as organizações
internacionais têm representação em outros lugares, mas não são sedes.
São os
escritórios, como da UNESCO aqui em Brasília. Existe um tratado de
representação que fixa seus termos. Em geral, asseguram-se imunidades à
jurisdição local. E também imunidades aos membros da instituição à
jurisdição
local. As organizações são imunes por meio dos acordos de sede. Não os
funcionários contratados no local, mas os enviados pela organização,
que são
membros do pessoal da secretaria, que têm obrigação de neutralidade, e
não
servem aos seus Estados de origem. O exercício das funções, os membros
do
secretariado se desnacionalizam. Falam apenas em nome da organização.
Não
importa a nacionalidade deles.
As imunidades das organizações internacionais
Elas
são imunes à jurisdição
local. Os funcionários das organizações internacionais são imunes
também à
jurisdição local, por força dos tratados bilaterais de representação.
Isso pode
estar até exposto no tratado constitutivo da organização. Existem
decisões
isoladas na justiça trabalhista brasileira que, quando diante de uma
ação
trabalhista contra a organização, decide-se pela quebra de sua
imunidade. Com
base em quê? No acórdão proferido pelo Supremo, ACi
9696, vemos a quebra da imunidade do Estado estrangeiro à
jurisdição local.
Já vimos isso antes. Isso cairá.
Onde está a
regra da imunidade do Estado à jurisdição local? No princípio par in parem non habet judicium: "Entre
os pares não pode haver jurisdição". É uma norma de direito
costumeiro, que foi relativizada no mundo inteiro. O Supremo decidiu
com base
num costume internacional. Onde está a regra da imunidade das
organizações
internacionais? Nos tratados bilaterais de representação, acordos de
sede, e também
nos próprios tratados constitutivos da organização internacional. São,
portanto
fundamentos jurídicos distintos, então, de acordo com os
internacionalistas, a
jurisprudência trabalhista é errada. Ao fazer isso, o juiz induz o
Estado
brasileiro a romper com o compromisso internacional. O que deveria ter
sido
feito é uma negociação no momento da celebração dos tratados, que se
pactuasse
que as organizações internacionais não fossem imunes à jurisdição
trabalhista
local.