Direito Internacional Público

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Fontes de Direito Internacional Público

Tópicos:

  1. Introdução
  2. Do direito costumeiro internacional à Convenção de Viena de 1969, o tratado dos tratados
  3. Competência para a celebração de tratados
  4. Estrutura do texto do tratado
  5. Momento do consentimento
  6. Ratificação
  7. Depositário do tratado

Introdução

Vejam o art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça:

Artigo 38

1. A Corte, cuja função é decidir em conformidade com o direito internacional as controvérsias que lhe forem submetidas, aplicará:

a. As convenções internacionais, quer gerais, quer especiais, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes;
b. O costume internacional, como prova de uma prática geral aceite como direito;
c. Os princípios gerais de direito, reconhecidos pelas nações civilizadas;
d. Com ressalva das disposições do artigo 59, as decisões judiciais e a doutrina dos publicistas mais qualificados das diferentes nações, como meio auxiliar para a determinação das regras de direito.

2. A presente disposição não prejudicará a faculdade da Corte de decidir uma questão ex aequo et bono, se as partes assim convierem. 

O artigo tem princípios gerais de direito. Há outras fontes, referidas pela doutrina, que são os atos unilaterais dos Estados e as decisões das organizações internacionais.

O art. 38 do ECIJ menciona também a doutrina, equidade e jurisprudência. Mas não são fontes de Direito Internacional. Elas são meios auxiliares de interpretação do Direito Internacional e a equidade é uma forma de aplicação do Direito, quando a norma é ineficiente. É uma forma de compensação.

Pelo art. 38, são os tratados, costumes e princípios gerais do Direito. Vamos falar mais dos tratados, e depois vamos às outras fontes.
 

Do direito costumeiro internacional à Convenção de Viena de 1969, o tratado dos tratados

Depois da segunda guerra mundial houve a explosão normativa em que muitos ramos do Direito Internacional tinham um caráter costumeiro e sofreram uma codificação. Exemplo: convenção sobre diplomacia, de 61, que era praticada, tradicionalmente, somente com base no Direito Costumeiro.

Começaram os trabalhos preparatórios para a codificação dos Direito dos tratados em 1950, discussões que duraram até 1969, ano em que se conseguiu celebrar a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados.

A Convenção de Viena de 1969 demorou a entrar em vigor (1980); muitos foram os Estados que não ratificaram, entre eles Estados Unidos, França e Brasil, que só veio a ratificar no semestre passado. Antes nosso Estado recorria às regras da convenção a título de Direito Costumeiro. Levamos 40 anos para aderir à Convenção.

O que é um tratado à luz da Convenção de Viena de 1969? O “tratado dos tratados” é todo acordo formal concluído entre sujeitos de Direito Internacional destinado à produção de efeitos jurídicos e regido pelo Direito Internacional. Vamos lá então: o que é um acordo formal? Tem que ser escrito. Há compromissos verbais no Direito Internacional, mas não são considerados acordos formais, portanto não são tratados, nem são objeto da Convenção de Viena de 1969. “Concluído” quer dizer “em vigor”. Antes de concluído ele não é um compromisso internacional. E quem são mesmo os sujeitos de direito internacional? Estados, organizações internacionais e a Santa Sé, que é uma personalidade jurídica anômala.

O tratado é norma; ele cria direitos e obrigações e vincula os Estados-partes. É regido pelo Direito Internacional, mas não apenas. Ele também é regido por um complexo de normas constitucionais dos Estados. Para o Direito Internacional interessa que ele tenha a formalidade e que seja destinado a produzir seus efeitos jurídicos.

Diferença entre tratado e gentlemen’s agreement: não é como se pensa no primeiro momento. O gentlemen’s agreement é um compromisso entre pessoas, entre homens, geralmente estadistas, e não entre pessoas jurídicas de direito internacional. Esses chefes de Estado não falam em nome deles mesmos, mas em nome dos Estados. O acordo de cavalheiros, a exemplo da Carta do Atlântico de 1941 entre Winston Churchill e Franklin Roosevelt antes mesmo de terminar a segunda guerra, em que se encontraram no mar para celebrá-lo, era uma opção política, para traçar ideais a serem perseguidos visando ao fim da guerra. Eram, em outras palavras, planos para a Europa do pós-guerra. É um compromisso baseado na honra que tende a durar enquanto as personalidades que o celebram viverem ou permanecerem no poder. Não vincula os Estados para a além da permanência dessas pessoas no poder.

Tratado, convenção, pacto, protocolo, acordo, compromisso, concordata, qual a diferença entre tudo isso? O único que tem um sentido específico aqui é a concordata, que é um tratado que só pode ser celebrado pela Santa Sé. No mais são todos sinônimos. Não existe compromisso científico entre essa terminologia e os tipos de tratado. Existe uma praxe, apenas. Por exemplo: quando se fala nos tratados constitutivos das organizações internacionais, falamos em estatuto, pacto, carta; compromisso geralmente designa um compromisso arbitral entre os Estados, submetendo determinado litígio a um tribunal arbitral; protocolo, em geral é um tratado que acrescenta um conteúdo um outro tratado preexistente, como é o caso do Protocolo 11 que extinguiu a comissão da corte Européia dos direitos do homem, tornando o acesso à corte direito aos grupos de pessoas e Estados.

Acordos: normalmente usados para as relações comerciais. Convenção: tratados coletivos, multilaterais, como as de Viena sobre direito consular e diplomático, e as grandes convenções das Nações Unidas.

Os tratados podem ser lavrados num único instrumento ou em mais de um, como o tratado por troca de notas. O Estado 1 redige uma nota, emite essa nota a um Estado 2, que a recebe. Este, por sua vez, convenciona um outro texto que é sua nova proposta, confecciona sua nota-resposta e envia ao Estado 1. E o tratado será a soma desses dois instrumentos: da nota proposta e da nota-resposta.

Tratado pelo número de partes: no mínimo duas, claro. Não é possível pactuar consigo próprio.

Há também os tratados coletivos ou multilaterais.

Os tratados podem ser celebrados em uma única fase ou duas fases. São os chamados tratados bifásicos ou tratados unifásicos. Os unifásicos se concluem no momento da assinatura, os outros se concluem pela assinatura e ratificação. Os tratados unifásicos são os tratados de procedimento breve. No bifásico, o compromisso se perfaz no momento da ratificação.

Acordo executivo: o acordo que dispensa, prescinde da aprovação do parlamento. É decidido inteiramente no domínio do Poder Executivo. Nossa Constituição diz que o Poder Executivo é responsável pela dinâmica das relações internacionais, portanto ele que decide sobre a conveniência da iniciativa da celebração, assina e ratifica. Mas o Poder Legislativo resolve definitivamente sobre os tratados e compromissos internacionais. Temos, entretanto, algumas modalidades de acordos executivos que são celebrados unicamente pelo Poder Executivo. Veremos na próxima aula. Eles existem com bases muito limitadas no Brasil. O acordo executivo, adiantemos, não necessariamente é unifásico. São comuns nos Estados Unidos. Lá há diferença entre treaties e agreements.
 

Competência para a celebração de tratados

Quem tem competência para celebrar tratados? É diferente de perguntar: “quem resolve sobre os tratados?”. Nossa Constituição diz que quem resolve definitivamente sobre eles é o Congresso Nacional. O que é importante passa pelo Congresso. Mas quem tem voz externa, em outras palavras, a competência? Isso está escrito na Convenção de Viena. Em primeiro lugar é o Chefe de Estado, mesmo que não mande nada, como a Rainha da Inglaterra. Ela fala em nome do Estado. Em segundo lugar, o Chefe de Governo. Esses dois têm representatividade exterior originária. Já o Ministro das Relações Exteriores tem representatividade derivada. No plano dos tratados bilaterais também tem o Chefe de Missão Diplomática.

Falam em nome do Estado sem carta de plenos poderes: o Chefe de Estado, o Chefe de Governo, o Ministro das Relações Exteriores e o CMD.

O chefe de Estado e o chefe de governo podem autorizar o compromisso do Estado. Então eles podem emitir carta de plenos poderes para o Chefe de Delegação Nacional. Delegações são grupos de pesquisa e debates que são constituídos em conferências internacionais. Quem fala em nome dele é o chefe da delegação nacional, com carta de plenos poderes expedida pelo Chefe de Estado ou de Governo.

Qualquer Ministro de Estado precisa de carta de plenos poderes, bem como qualquer funcionário público que esteja em missão em nome do Estado. Aqui vem um detalhe: o Zezinho precisa de carta de plenos poderes bem como o Ministro de Estado da Justiça. O único ministro que pode ir às negociações sem a carta é o Ministro das Relações Exteriores.

Em geral a negociação do tratado bilateral se dá no território de um dos Estados envolvidos, mas não necessariamente; se houver conflitos entre partes, os Estados podem eleger um território neutro para a negociação, como fizeram os Estados Unidos e o Vietnã em Paris, para acabar com a guerra em 1973. Tratados do mesmo teor foram os acordos de Camp David, em 1978, celebrados por Israel e Egito em Washington, pondo fim ao conflito entre os dois Estados, que durava desde 1948 com a criação do Estado de Israel. Observação: as negociações foram feitas secretamente em Camp David, a assinatura do tratado foi na Casa Branca, tendo o presidente Carter como testemunha.

Se os Estados têm idiomas diferentes, deverão escolher um terceiro idioma na negociação do tratado. Ao fim da negociação, os Estados assinam o tratado e, se for de procedimento breve, ou se for um tratado que, para ambos, fique dispensada a ratificação, eles se comprometem no momento da assinatura. Se for um tratado de procedimento longo, ele terá duas fases. Ocorre se uma das partes precisar ratificar o tratado. Sendo um tratado de procedimento longo, sujeito à ratificação posterior, a assinatura tem um único valor: o de reconhecimento do texto. Isso é uma declaração do Estado com a intenção de prosseguir, embora não seja um compromisso definitivo. O ideal é que o texto do tratado seja escrito em somente um idioma caso os estados celebrantes tenham línguas diferentes, e assim evitar lacunas e dúvidas sobre interpretação do tratado. É importante que haja uma única versão autêntica em um terceiro idioma. Exemplo: Brasil e Polônia, que celebraram um tratado em 1910, e escolheram uma versão do tratado em inglês para ser a autêntica, e ter valor interpretativo.

Negociação coletiva e tratado multilateral: ocorrerá quando houver uma conferência internacional. São grupos de negociação, de debates; há um chefe de delegação e sua equipe de suporte técnico. Ele negociará em nome do Estado com a carta de plenos poderes.

No tratado coletivo, há um interesse internacional. A negociação pode ocorrer no território de um dos Estados que fazem parte do tratado. Pode ocorrer também no âmbito de uma organização internacional. As partes escolhem os idiomas em que debaterão e o idioma que produzirá a versão autêntica do tratado. Diferente da versão oficial, que é a produzida sobre autoridade de determinado Estado. A carta das Nações Unidas tem seis versões autênticas: inglês, francês, russo, chinês, espanhol e árabe.

O tratado coletivo precisa de pelo menos 2/3 a menos que o próprio tratado estipule um outro tipo de maioria. A assinatura segue as regras de procedimento breve ou longo. No longo, a assinatura confere autenticidade ao texto. Em geral, o procedimento breve é incompatível como tratado coletivo. Seria necessário que, na negociação, não houvesse nenhum outro Estado que tivesse necessidade de ratificação para se comprometer, bem como a importância dos temas debatidos deveria ser bem menor do que os que normalmente se levam à discussão multinacional.

A assinatura ocorre com o objetivo de conferir reconhecimento ao texto. Alguns Estados, como sinal de protesto, dizem que se negam a assinar. De qualquer forma a simples assinatura não comprometeria o Estado; a ratificação em geral seria necessária.
 

Estrutura do texto do tratado

Preâmbulo: circunstâncias e objetivos do tratado; menciona-se como ele será interpretado, como trazendo a previsão em caso de lacuna. O preâmbulo tem força normativa? Não. Ele serve de apoio à interpretação do tratado.

Parte dispositiva: em linguagem jurídica, tem o conteúdo da obrigação propriamente dita, com as cláusulas e artigos.

Anexos: integram o conteúdo do tratado e a parte dispositiva. Há os que têm força normativa e os que não têm. Cálculos, gráficos, mapas e outros documentos são postos no final e têm força normativa. Exemplo: o tratado sobre o conflito envolvendo Tailândia e Camboja. As partes aceitam o mapa como sendo o correto, então tais desenhos têm força vinculante.
 

Momento do consentimento

Quando o consentimento se perfaz? No momento da assinatura? Em que circunstâncias? Se for um tratado de procedimento breve, o consentimento se consuma no momento da assinatura. Outra forma de manifestação definitiva é a adesão. Ela ocorre quando um Estado que não tenha participado das negociações do tratado, que não estava presente às discussões e trabalhos preparatórios, e que portanto não assinou, decide, posteriormente, ingressar no domínio jurídico do pacto, desde que ele seja aberto à adesão.
 

Ratificação

Finalmente a ratificação. Tanto a assinatura quanto a ratificação, ainda que haja vacatio legis, são formas de entrada em vigor da norma. Depois da manifestação do consentimento, ele é definitivo. E a ratificação, o que é? Confirmação. Por quem? Pelo Poder Legislativo? Não mesmo! Joguem no lixo a expressão “é tarefa do Poder Legislativo ratificar um tratado”, se vocês já a tiverem ouvido. A ratificação é um ato de governo, que tem um sentido próprio para o Direito Internacional. É a confirmação do Estado, no plano internacional, de seu compromisso e de seu ingresso no domínio jurídico do tratado. Ratificação nada tem a ver com aprovação pelo Parlamento. Por que essa confusão? É que antigamente os soberanos investiam seus plenipotenciários do poder de celebrá-los e, ao final, deveriam voltar ao soberano para relatório e então obter a autorização final.

Com o tempo, em função do intervalo entre o compromisso e a sua confirmação, esse tempo foi sendo preenchido com a autorização do Parlamento. É comum que essa tarefa seja dividida entre poderes, com o Poder Executivo consultando o Legislativo. Dizemos, mais precisamente, que o tratado é referendado, aprovado pelo Parlamento. A ratificação é o ato de confirmação do ingresso do Estado no domínio do tratado. Quem tem mesmo competência para ratificá-los? Personalidades com representatividade internacional. Chefe de Estado, de Governo, e o Ministro das Relações Exteriores.

A ratificação é um ato unilateral, discricionário e irretratável. Por que unilateral? Porque as partes ratificam individualmente, unilateralmente aquele compromisso. Não há exigência de reciprocidade. Claro que, num tratado bilateral ou multilateral, se a outra parte não ratifica, o tratado não será concluído, portanto não as obrigará. Mas cada uma delas terá ratificado individualmente. É também um ato discricionário, pois o Estado não está obrigado a ratificá-lo. Não constitui ato ilícito a não-ratificação do tratado. Assim como os Estados Unidos não ratificaram o Tratado de Roma mesmo depois de terem participado de todos os trabalhos preparatórios. E é irretratável a ratificação porque os Estados não podem voltar atrás, ainda que haja vacatio legis, que é o período de acomodação entre a assinatura e a entrada em vigor, a manifestação definitiva do consentimento.

Antes de terminar o prazo e a vacatio legis, o tratado já é um compromisso internacional? O que é mesmo tratado? Acordo formal concluído entre sujeitos de Direito Internacional destinado à produção de efeitos jurídicos. O que significa “concluído”? Em vigor. O tratado não está em vigor, portanto não está concluído, mas mesmo assim a ratificação é irretratável. Não cabe invocação ao pacta sunt servanta porque o tratado não está concluído. O princípio aqui é o da boa-fé e da segurança das relações internacionais.

A ratificação é necessariamente escrita, um ato formal. Então, quando virmos um chefe de Estado ratificando oralmente um compromisso internacional, saibam que deverá vir, em seguida, um documento escrito. Os Estados podem ratificar simultaneamente, mas não necessariamente, isso porque é um ato unilateral.

O próprio tratado pode determinar um prazo para a ratificação depois da assinatura. A própria Convenção de Viena de 1969 não traz previsão, mas há uma idéia de razoabilidade. Entende-se que o Estado está atentando contra o objeto do tratado, ou, em outras palavras, sabotando-o se demora a ratificar.
 

Depositário do tratado

Sempre um Estado ou uma organização internacional aceita a incumbência, a obrigação de concentrar todos os atos relativos ao tratado. Essa é a função do depositário: concentrar documentos de ratificação de cada Estado, adesões, pedidos de denúncia, comunicações às partes sobre alterações de circunstâncias, etc. É comum que o depositário seja a própria Organização das Nações Unidas, através do Secretário Geral.

Os acordos executivos não necessariamente são unifásicos, então cuidado com a confusão. Isso porque o Poder Executivo pode comparecer ao plano internacional com uma autorização prévia de seu Poder Legislativo ou quem a Constituição indique como ente que autorize.

Quanto à sua execução no tempo, temos duas classificações: tratados de vigência estática e de vigência dinâmica. A primeira é a relação jurídica definitiva. Exemplo: tratado de fronteira. O tratado é um título jurídico que disciplina aquelas vontades. Os de vigência dinâmica dependem da execução de outros atos jurídicos no tempo, como os tratados de extradição ou de cooperação militar. Sua execução não se esgota com o tratado inicial, mas depende dos atos executados na duração.

Acordos comerciais: são executados por meio de outros atos jurídicos. Não se esgotam quando da celebração, então são tratados de vigência dinâmica.