Direito Internacional Público

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Dimensão humana do Estado


Tópicos:

  1. Nacionalidade e cidadania
  2. Critérios para atribuição da nacionalidade
  3. Conflitos de nacionalidade
  4. Nacionalidade das coisas e pessoas jurídicas
  5. Nacionalidade e a Corte Internacional de Justiça
  6. Nacionalidade brasileira

Vamos falar da dimensão humana do Estado e também da nacionalidade.  No final deste conteúdo vamos ver a nacionalidade brasileira.

O que é a dimensão humana do Estado? O povo? O que distingue a comunidade nacional, daquilo que integra, como elemento constitutivo do Estado, da população? O povo é o titular de direitos políticos, mas não só isso. O que distingue é o vínculo jurídico-político entre as pessoas e Estado. Esse vínculo se chama nacionalidade. A população é o conjunto de habitantes de um território, enquanto a comunidade nacional é o conjunto de pessoas que tem com o Estado esse vínculo.

A nacionalidade tem papel fundamental em Direito Internacional, mas recebe uma disciplina jurídica de direito interno: cada Estado tem autonomia para formular suas próprias regras sobre nacionalidade. Somente o Estado soberano pode outorgar a nacionalidade. Existem países, entretanto, cujas províncias podem outorgar nacionalidade, mas a discussão sobre o valor internacional dessa nacionalidade ainda permanece. Deve-se verificar se a Constituição daquele Estado, não apenas da província, confere a nacionalidade.

Nacionalidade e cidadania

Quem tem cidadania italiana, na verdade, tem a nacionalidade. A cidadania é o conjunto de direitos que decorrem do vínculo político-jurídico do indivíduo com o Estado. A cidadania, na maioria das vezes, está associada à nacionalidade. São os direitos políticos que decorrem desse vínculo. Veremos que pode haver, entretanto, direito de cidadania sem a nacionalidade. Exemplo: portugueses sob o estatuto da igualdade no Brasil. Eles exercem o direito de cidadania mantendo o vínculo com seu Estado de origem, que é Portugal. O mesmo para brasileiros em Portugal, que exercem direitos políticos lá, sem perder o vínculo com o Estado brasileiro.

A nacionalidade recebe disciplina de direito interno, significando que cada Estado legisla sobre suas regras de nacionalidade, mas, justamente porque se trata de um tema importante, que pode causar conflitos, existem regras de Direito Internacional a serem observadas. Ou seja, o Estado legisla, mas observa essas regras gerais. Vamos, então, ver os princípios gerais de Direito Internacional.

O primeiro deles é um princípio que garante que nenhum Estado pode se privar de ter sua dimensão humana. Não tem um nome, mas esse é o seu teor. Todo Estado tem que dizer quem são os seus nacionais. Decorre do direito de que todo indivíduo tem direito a uma nacionalidade. Este, por sua vez, foi um direito enunciado no art. 15 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Muito embora, assim posto, é um direito difícil de ser executado. Quem é o destinatário, sobre quem recai? Para isso, há algumas normas costumeiras de Direito Internacional. A primeira é a proibição de que filhos de agentes estatais tenham a nacionalidade do território onde nascem. E o impedimento é a regra que proíbe, que evita os filhos de agentes estatais tenham a nacionalidade do Estado onde venham a nascer em decorrência do exercício da função do pai. No Brasil, essa norma está na Constituição. Também a conseqüência outorga os agentes estatais aqui não tem a nacionalidade brasileira. São regras de Direito costumeiro. Outro princípio é o que proíbe a pena de banimento. O Estado não pode banir, não pode expulsar seus próprios nacionais. Ele deve acolher seus próprios nacionais em qualquer circunstância. Analogamente, o Estado também não pode mandar seus nacionais para o alto-mar.
 

Critérios para atribuição da nacionalidade

A nacionalidade originária pode ser atribuída basicamente de duas formas: pelo critério territorial ou pelo critério familiar. Interessante notar que os países da Europa continental têm a tendência a adotar o jus sanguinis (direito do sangue), enquanto os países do “novo mundo” preferem o jus soli (Direito do solo). Por quê? Porque foram compostos por imigração, então a adoção do jus soli seria uma forma de absorver esses contingentes migratórios. Mas não na Inglaterra, que é considerada a pátria do jus soli. Esse costume teria sido transferido para os EUA e, daí, para o resto da América.

Nacionalidade originária: a que se tem ao nascer, ou que se pode ter ao nascer, ainda que seja atribuída mais tarde a título retroativo. O italiano nascido no Brasil, mas neto de italiano é considerado italiano originário. A nacionalidade derivada é fruto de uma escolha; é adquirida, em razão de longo tempo de residência em um país, ou por prestação de serviços, contribuição em impostos, domínio do idioma, etc. Muitas vezes, a nacionalidade derivada vem em caráter substitutivo, para entrar no lugar da originária. Nem sempre, mas em geral.
 

Conflitos de nacionalidade

Então os Estados têm competência para legislar soberanamente sobre sua própria nacionalidade. Mas, em razão justamente disso, dessa liberdade, muitas vezes ocorrem conflitos de nacionalidade. Exemplo: apatria e polipatria. Que tipos de conflitos são esses? Vamos imaginar, por exemplo, que a Amanda se casa com um estrangeiro. E, no casamento, o Estado do marido atribua a ela automaticamente a nacionalidade. Não é o caso do Brasil, em que é necessário que a pessoa manifeste desejo de se tornar nacional do Estado brasileiro. Neste caso, ela se torna polipátrida. Mas suponha que o Estado de origem do marido da Amanda não conceda a nacionalidade. Há também alguns Estados que excluem a nacionalidade das mulheres que casam com homens nacionais. Outro exemplo: a criança que é adotada por nacionais de outro Estado. Imagine que o Estado de origem exclua a nacionalidade da criança adotada por estrangeiros, enquanto o Estado de origem dos pais adotantes não outorga a nacionalidade à criança vindoura. Qual o resultado? A criança se torna apátrida.

Então esses conflitos podem derivar de diversas possíveis combinações. Por isso que se vêm celebrando tratados sobre esse tema com o objetivo de evitar conflitos de nacionalidade, como a situação de apatria. Para isso, há a Convenção de Haia de 1930 sobre Conflitos de Lei em Matéria de Nacionalidade. Veio antes da Declaração de 48. Menciona, por exemplo, a questão da adoção. Prevê que o Estado de origem da criança adotada até pode excluir a nacionalidade da criança que foi adotada por estrangeiros, mas tem que se certificar, antes, que a criança recebeu a nacionalidade do Estado dos pais.

Outra regra é a que se preocupava com os efeitos sobre a nacionalidade da mulher em decorrência das mudanças da nacionalidade do marido. Surgiu na Convenção sobre Nacionalidade da Mulher, em Montevideo, 1933: proíbe práticas discriminatórias em razão do sexo. Os problemas de nacionalidade recaiam sempre sobre a mulher. A França, até pouco tempo, atribuía nacionalidade à mulher que se casava com um francês, não ao homem. Surgiu, em 1973, o Código de Nacionalidade Francês.

Convenção das Nações Unidas de 1957 sobre a Nacionalidade da Mulher Casada: proíbe a incidência das mudanças na nacionalidade do marido no estado de nacionalidade da mulher. Então, se o marido muda de nacionalidade, a mulher não pode mudar automaticamente a sua.

Convenção sobre o Estado de Apatria de Nova York – 1961: o Estado atribuirá nacionalidade às pessoas que nascerem num território se aquelas pessoas não tiverem direito a nenhuma outra. Parece contraditório com o art. 15 da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Mas de quem é a obrigação? Esta convenção veio para dizer, pela primeira vez, de que Estado é a nacionalidade.

E a criança que é encontrada? Se não houver possibilidade de se atribuir a ela uma nacionalidade, ela terá a nacionalidade do Estado onde for encontrada.

Pacto de San Jose da Costa Rica: introduz uma nova regra, que é a nacionalidade não é imutável.
 

Nacionalidade das coisas e pessoas jurídicas

O que fazer? Em geral as coisas têm a nacionalidade do próprio lugar de onde vieram. Mas, na verdade, isso é uma metáfora. O que se quer é atribuir um vínculo de sujeição administrativa, ou de qualquer outra natureza entre uma pessoa jurídica ou um objeto a um Estado. É metáfora porque a nacionalidade é um vínculo político-jurídico entre o indivíduo e o Estado. Não são coisas, portanto, da mesma natureza, não é a nacionalidade propriamente dita. Mas como se atribui a nacionalidade, por assim dizer, das coisas? Algumas já têm normas previstas, como navios e aeronaves. A Convenção de Chicago dispõe sobre regras: o Estado em que há o registro, a matrícula da aeronave. Só pode haver uma matrícula. Então vem a Convenção de Montego Bay sobre Direito do Mar, trazendo algo semelhante para os navios, com o objetivo de evitar as chamadas “matrículas de conveniência.”

E a nacionalidade das pessoas jurídicas, das empresas? Pode se dar pela nacionalidade dos acionistas principais, do lugar de controle, do local de constituição, da sede social. Petrobrás, atuando na Bolívia: a empresa foi constituída nos países baixos, mas o controle é brasileiro. Qual será, então, a nacionalidade? Para fins de responsabilidade diplomática, a nacionalidade é definida em razão de seu foro de constituição. Veremos isso mais tarde.
 

Nacionalidade e a Corte Internacional de Justiça

E o que diz a Corte Internacional de Justiça sobre a nacionalidade? Ela manda que a nacionalidade produza efeitos no plano jurídico internacional. Alguns Estados são mais liberais e generosos para a concessão da nacionalidade. Um caso importante foi o de Friedrich Nottebohm, alemão, jus sanguinis, que posteriormente veio a se mudar para a Guatemala, onde viveu por mais de 30 anos. Não se radicou. Em 1939, ele tinha um vasto patrimônio, e se viu na iminência de perder tudo; havia medidas de execução em andamento contra ele.

Proteção diplomática: nada tem a ver com a Convenção de Viena. É quando o Estado interpela, no plano internacional, outro Estado, podendo ser politicamente, ou perante o tribunal internacional, ou perante as Nações Unidas, enfim, como se aquele problema, aquele dano fosse dele. Foi o que aconteceu com Nottebohm. Ele não podia pedir à Alemanha, que estava em guerra. Então ele vai ao Principado de Liechteinstein procurar seu irmão. Ele não tinha nenhum vínculo com aquele pequeno Estado entre a Áustria e a Suiça, que concede a nacionalidade de forma mais graciosa do que outros Estados fariam. Alguns anos mais tarde, Liechteinstein interpelou a Guatemala assumindo como seu o dano sofrido por Nottebohm. A CIJ disse algo muito interessante sobre a nacionalidade: cada Estado legisla soberanamente sobre sua nacionalidade. Mas, para que essa nacionalidade produza efeitos jurídicos no plano internacional, a coisa não pode ser tão fácil assim. Ela tem que se basear num vínculo substancial entre o indivíduo e o Estado, seja originário ou derivado. ¹
 

Nacionalidade brasileira

Em alguns Estados há códigos de nacionalidade, não definidos em sede constitucional. São casuísticos e prevêem uma infinidade de situações. No Brasil, o assunto é quase que inteiramente tratado na Constituição. Art. 12:

...

CAPÍTULO III
DA NACIONALIDADE

        Art. 12. São brasileiros:

        I - natos:

        a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país;

        b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil;

        c) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira; 

        II - naturalizados:

        a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral;

        b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira.

        § 1º   Aos portugueses com residência permanente no País, se houver reciprocidade em favor de brasileiros, serão atribuídos os direitos inerentes ao brasileiro, salvo os casos previstos nesta Constituição. 

        § 2º - A lei não poderá estabelecer distinção entre brasileiros natos e naturalizados, salvo nos casos previstos nesta Constituição.

        § 3º - São privativos de brasileiro nato os cargos:

        I - de Presidente e Vice-Presidente da República;

        II - de Presidente da Câmara dos Deputados;

        III - de Presidente do Senado Federal;

        IV - de Ministro do Supremo Tribunal Federal;

        V - da carreira diplomática;

        VI - de oficial das Forças Armadas.

        VII - de Ministro de Estado da Defesa 

        § 4º - Será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que:

        I - tiver cancelada sua naturalização, por sentença judicial, em virtude de atividade nociva ao interesse nacional;

        II - adquirir outra nacionalidade, salvo no casos: 

        a) de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira; 

        b) de imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em estado estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis;

A doutrina complementa, mas os princípios mais básicos estão aqui. Inciso I: nacionalidade nata, originária: ao nascer. Se são brasileiros, ainda que de pais estrangeiros, o critério é o territorial, jus solium, desde que os pais não estejam a serviço de seu país. Essa é aquela regra que busca evitar que os filhos de agentes estatais adquiram a nacionalidade do país onde o serviço é prestado. Pergunta: se uma funcionária da embaixada francesa tem um filho que nasce aqui no Brasil, ele será brasileiro? Não, pois os pais estão a serviço do próprio pais. Mas e se, por acaso, ela for belga, mas servindo na embaixada da França? A criança terá nacionalidade brasileira! Por quê? Porque a mãe, belga, não estava a serviço do próprio país, mas de outro.

Quanto aos que estão a serviço de seu país, seus filhos presumidamente terão sua própria nacionalidade, e atribuir a nacionalidade local a eles é abrir possibilidade para um quase certo conflito, deixando-os bipátridas.

Alínea c: Antigamente, a nacionalidade brasileira ficava sujeita a uma confirmação posterior. ²

Inciso II: pessoas que vieram de países de língua portuguesa têm o privilégio de necessitar apenas um ano de residência aqui antes de solicitar a nacionalidade brasileira. Os demais precisam de 15 anos. Em ambos os casos o candidato não poderá ter sofrido condenação criminal.


  1. Leiam sobre isso no site do Cedin.
  2. Depois de falar sobre essa alínea, a professora discorreu sobre três momentos na atual ordem constitucional brasileira: antes da Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994, entre a Emenda de 94 e a Emenda 54, de 2007, e desde então. Não consegui acompanhar essa parte e o livro que tenho em mãos agora está desatualizado (é de 2002). Sinto que é algo relevante pois o período entre 94 e 07 foi, na opinião do Prof. Rezek, em palestra dada ontem, foi um retrocesso, e que, na edição da Emenda de 94, os constituintes derivados foram inspirados por alguém de pouca iluminação. Na aula de hoje a professora repetiu o problema.