Direito Internacional Público

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Extinção dos tratados

Tópicos:

  1. Introdução
  2. Denúncia
  3. Extinção do tratado por perda do objeto e cláusula rebus sic stantibus
  4. Efeitos jurídicos da denúncia
  5. O Direito ius cogens
  6. Críticas ao ius cogens

Introdução

Os tratados podem deixar de existir em função de ab-rogação, pela denúncia, que é a vontade unilateral da parte, e também por incompatibilidade com uma norma de ius cogens.

Ab-rogação é a extinção do tratado pela vontade de todas as partes. Ela pode decorrer de uma previsão, presente no texto do próprio tratado, e assim chega-se ao fim do compromisso de vigência determinada.

A ab-rogação é a vontade de todas as partes de um tratado de se desobrigar. A previsão pode estar no texto do próprio tratado. Essa previsão pode ocorrer por lapso temporal: o tratado é celebrado com propósito de durar um determinado tempo, um determinado número de anos. Ao fim desse período, o tratado se extingue automaticamente. Exemplo: China e Reino Unido, no pacto sobre Hong Kong, que tinha o propósito de durar 99 anos. Acabou em 1997.

Mas não é somente a expiração desse prazo que pode pôr fim a um tratado. Ele também pode se extinguir por ter cumprido seu papel. Exemplo: um tratado foi feito com o propósito de submeter determinado litígio a um tribunal arbitral ou a CIJ. Cumprida a função operacional, o tratado se extingue: feito seu trabalho, acabou sua razão de existir. Essas são as possibilidades de ab-rogação por previsão convencional.

O tratado também pode ser extinto por deliberação ulterior. As partes decidem, ainda que não haja a previsão convencional, que não querem mais prosseguir com aquele compromisso internacional. Não existe tratado que sobreviva à vontade de todas as partes de extinguir a obrigação. Normalmente isso é decidido por unanimidade. Por exemplo: tratados entre Portugal e Brasil entre as décadas de 50 e 90. Todos foram ab-rogados, e substituídos pelo Tratado Cooperação, Amizade e Consulta. Foram ab-rogados pela vontade comum das partes.

Nisso, surge a questão de saber se o tratado pode ser ab-rogado pela vontade da maioria das partes, sem unanimidade. A resposta é sim, ele pode ser ab-rogado pela vontade da maioria numa única hipótese: por expressa previsão no próprio texto do tratado. Ou seja, as partes terão, de alguma forma, concordado com isso: mesmo aquele Estado que depois não desejou se retirar concordou, antes, no momento em que fez parte da celebração, e sabia e consentiu em se celebrar com essa previsão. Então a unanimidade das partes concordou com a regra inicial, ainda que não sejam todos que, no futuro, manifestem vontade de terminar o compromisso. Assim, o tratado pode ser extinto pela vontade da maioria das partes. Ab-rogação é a extinção do vínculo pelo conjunto de partes do tratado.
 

Denúncia

É a retirada unilateral do tratado. Ocorre quando um Estado se retira unilateralmente do vínculo obrigacional. Em regra geral, a denúncia vem prevista no texto do tratado, exceto os irrenunciáveis, os de vigência estática, como os de transferência territorial. Compra do Alaska, Louisiana, Acre, etc. Esses tratados não podem ser objeto de denúncia; eles criam situação jurídica definitiva.

Em principio, os tratados de vigência estática são os únicos que não podem ser denunciados.

Os de vigência dinâmica trazem, em geral, uma cláusula que disciplina sua própria denúncia. Se pode ser denunciado, se não pode, se tem data de pré-aviso, que é o período de acomodação, e o momento da desobrigação definitiva. Se não disciplinam a própria denúncia, eles não são denunciáveis.

Charles Rousseau, internacionalista francês (não confundir com Jean-Jacques Rousseau, do século XVIII) disse haver importância na previsão convencional da denúncia, do contrário, a extinção unilateral é a forma de descumprir o tratado, ensejando a responsabilidade internacional. A Convenção de Viena de 1969 diz que, em princípio, se o tratado não traz a previsão, ele não pode ser denunciado.

Contudo pode ser também, de acordo com a Convenção de Viena, que surja para as partes a necessidade de interpretar um texto do tratado e definir, pela sua natureza ou pela natureza da obrigação, ou interpretando de acordo com a finalidade, o objeto, e até com a prática posterior pelos Estados, e só então definir se ele é ou não denunciável. É uma situação rara. Na década de 60, a Indonésia quis denunciar a Carta das Nações Unidas. O pacto da Sociedade das Nações trazia possibilidade de denúncia, mas das a Carta das Nações Unidas não. O Secretário Geral se viu na difícil situação de interpretar o tratado e decidir se aceita ou não a denúncia pela Indonésia. Ele deixou que o tempo passasse. A Indonésia, que havia suspendido o pagamento da sua cota de contribuição das Nações Unidas, retornou e pagou todas as parcelas atrasadas, e continuou como se nunca tivesse tentado denunciar. Na prática, os tratados disciplinam sua própria denúncia, e estipulam, sobretudo, o pré-aviso. O que é? O período entre o momento em que o Estado denuncia e o momento em que ele efetivamente se desobriga. Esse prazo de acomodação é, em geral, de 12 meses. É o previsto pela Convenção de Viena.

A denúncia é um ato unilateral, que, assim como a reserva, a assinatura e ratificação, tem um sentido próprio em Direito Internacional, e quem pode denunciar são somente as pessoas que têm voz externa, que falam em nome do Estado.

Pode ser transmitida pela via diplomática, pela comunicação pelo Estado denunciante, por comunicação entre governos, emissão de uma nota, um comunicado, uma carta formal, etc.

Quando a denúncia é de um tratado coletivo, o Estado envia uma carta ao depositário. Este recebe e comunica aos demais. Ele concentra todos os atos jurídicos relativos ao tratado, como modificações, denúncia, propostas de emenda, adesões, etc.

Outra questão que se levanta neste momento é se um Estado pode denunciar parcialmente um tratado. Pode ele se manter obrigado, mas negando algumas das disposições? Depende, em primeiro lugar, se o tratado admite reservas, e se aquela parte do tratado que se pretende denunciar pode ser objeto de reserva. E, depois, verifica-se se o tratado é aberto é adesões. Dessa forma, o Estado pode denunciar completamente e logo em seguida aderir opondo reservas àquelas cláusulas das quais agora tem interesse em se ver desobrigado. Para evitar esse caminho mais longo é que se permite a denúncia parcial. O efeito é o mesmo, e o Estado fatalmente usaria essa via mais difícil, que porém é perfeitamente lícita. Por isso se permite a denúncia parcial presentes essas duas condições.

Outro ponto de grande importância: quais os poderes envolvidos na denúncia? Na formação do consentimento, quando o Estado decide ingressar no domínio jurídico do tratado, há uma conjugação de vontades. Há dois poderes envolvidos na formação do consentimento, que é o Executivo e o Legislativo. Raras são as exceções em que o tratado não passa pelo Congresso para a formação do consentimento do Estado. E no momento da extinção de um tratado? Depende também do Parlamento? Ou pode o Poder Executivo decidir abandonar o compromisso sozinho? Vejam bem: na prática, é o Poder Executivo quem denuncia os tratados, sem pedir a autorização do Congresso Nacional. Como se justifica? Em 1926, quando o Brasil foi instruído na cadeira do Conselho da Sociedade das Nações, o Estado decidiu denunciá-lo. Então começou a se indagar se, para denunciar o pacto, o Poder Executivo precisaria consultar o Congresso, seguindo a mesma liturgia da celebração do tratado. Clóvis Bevilacqua, então consultor jurídico do Itamaraty, entendeu que não. Qual era o fundamento? Se o tratado traz a previsão de sua denúncia, no momento de referendá-lo, o Congresso Nacional aprovou também a possibilidade de sua denúncia, portanto ela não precisa novamente passar pelo crivo do Parlamento, pois já foi aceita previamente por ele. Francisco Rezek contesta esse fundamento, embora concordando com sua conseqüência final. Ele diz que o Executivo pode denunciar sem autorização, mas o fundamento que ele vê é outro. A idéia é a seguinte: o consentimento repousa sobre dois pilares: vontade do Poder Executivo e do Poder Legislativo. No momento em que uma das bases é retirada, seja a vontade do Poder Legislativo ou do Poder Executivo, ao ruir essa estrutura, o consentimento já não mais se sustenta. A única diferença é que, quando a base de sustentação é a vontade do Poder Executivo, este, que tem voz externa, e que é o responsável pela dinâmica das relações internacionais, denuncia o tratado. Quando, ao contrário, é a vontade do Poder Legislativo que desaparece, as condições são desiguais: o Congresso Nacional, nesse caso, depende de submeter a questão ao plenário de forma diferente; como não existe essa previsão de denúncia do tratado por meio de votação nem por meio de pronunciamento do Presidente de uma das Casas, o que o Parlamento tem que fazer é forçar a extinção do tratado por meio da edição de uma lei ordinária. E, mesmo assim, ao final, ela ficará sujeita ao veto do Presidente da República. Todavia o Congresso Nacional pode forçar sua vontade se tiver maioria absoluta nas duas Casas. Só assim tolhe-se o poder de veto do Presidente da República.

Então, o que acontece na prática? O Governo denuncia sem autorização do Congresso sempre que lhe parecer conveniente. Aconteceu somente em 1911 essa possibilidade, em que o Congresso Nacional forçou a denúncia de um tratado de extradição que existia na época.
 

Extinção do tratado por perda do objeto e cláusula rebus sic stantibus

Se o tratado perde seu objeto, se essa perda não puder ser imputada a nenhuma das partes, isso implicará extinção do tratado sem que a outra parte possa responsabilizar a que deixa de cumprir. Exemplo: imagine que no século XIX houvesse um tratado entre França e Suíça. As duas partes convencionam que a França, que detém a margem do Reno, permitirá à Suíça o direito de navegação sobre esse rio. Em troca, a Suíça fornecerá queijos para a França, ou chocolate, ou relógios.

O tempo passa e vem a guerra franco-prussiana. França perde a Alsácia-Lorena e domínio ocidental sobre o Reno. Ela não tem mais como cumprir o tratado; há agora impossibilidade total de sua execução. A Suíça suspende sua contrapartida sem acusar a França descumprimento do tratado exatamente em função dessa impossibilidade.

Questão muito diferente é saber se algumas mudanças circunstanciais, que não acarretam a perda, mas que tornam a execução injusta podem ensejar o fim do vínculo obrigacional. E aqui aprendemos o conceito de cláusula rebus sic stantibus. Está ligada ao princípio pacta sunt servanda (o que foi pactuado deve ser cumprido). Aquela cláusula, que em latim significa “enquanto as coisas estão assim”, é uma exceção ao pacta. Mais uma vez Charles Rousseau dirá que essa cláusula, ou melhor, essa teoria é perigosa, que ameaça a força obrigatória dos tratados. Se os Estados alegarem mudanças cada vez que pretenderem se exonerar do vínculo obrigacional, os tratados estarão seriamente ameaçados. O que diz a Convenção de Viena? Ela tem uma redação bem restritiva quanto a isso. As partes podem argüir mudanças nas circunstâncias, mas dentro de condições restritivas e limites muito claros. Vejamos as condições.

  1. É preciso que a situação que se transforma tenha sido essencial, determinante à formação do consentimento;
  2. É preciso que aquela circunstância tenha sido contemporânea à formação do consentimento, não podendo ter sido anterior nem posterior;
  3. Essa alteração tem que ter proporção significativa;
  4. Finalmente, a alteração nas circunstâncias tem que ser absolutamente imprevisível. Se era previsível, e mesmo assim o tratado não puniu e não versou sobre ela, é porque os Estados pactuantes esperam que o acordo seja cumprido mesmo assim.

Essas são as condições da aplicação da cláusula rebus sic stantibus.

Houve um acordo internacional celebrado pelo Brasil e a Arábia Saudita nos anos 50, em que ficou convencionado que a Arábia ofereceria petróleo em troca de bananas. O tempo passou, o preço do petróleo subiu, a banana barateou, e os sauditas pretenderam alegar alteração substancial nas circunstâncias. Alegaram que o acordo não poderia ser cumprido à luz da cláusula rebus sic stantibus. O que o Brasil poderia alegar? Que era previsível, que e o mercado é assim: petróleo tende a valorizar, enquanto bananas tendem a decair de preço. E se ficasse muito difícil para os Sauditas manterem o compromisso? Pode ter se tornado impossível, injusta a prestação. Diferente do que era quando da formação do consentimento. A Arábia poderia cessar o cumprimento do tratado unilateralmente e arcar com o ônus do descumprimento.

A alegação da alteração fundamental, substancial das circunstâncias não pode ser motivo para denúncia, para a retirada unilateral do Estado da relação obrigacional. É preciso que os Estados decidam de comum acordo à luz da teoria da imprevisão. A cláusula pode é criar uma oportunidade para que as partes, de comum acordo revejam os termos do compromisso para fazer uma adaptação. Se as partes não conseguem chegar a um consenso, elas devem recorrer ao foro político, judiciário ou arbitral.

Observação: a cláusula, assim como o pacta sunt servanda, não está prevista no texto do tratado. Ela se presume implícita. Nenhum tratado traz uma cláusula de afirmação de que “aquilo que foi pactuado tem que ser cumprido”. Tudo fica implícito, obviamente. Assim como a cláusula rebus sic stantibus.
 

Efeitos jurídicos da denúncia

A denúncia extingue o vínculo obrigacional, se tratar de um tratado bilateral. Os Estados não se obrigam se um deles se retira. No tratado multilateral, a denúncia não extingue o vínculo, mas somente para a parte dissidente do domínio jurídico do tratado.
 

O Direito Ius cogens

É a grande questão polêmica do Direito Internacional.

O que é uma norma ius cogens? É aquela norma com vários adjetivos: fundamental, obrigatória, peremptória, irrenunciável, que só pode ser derrogada por outra da mesma estatura. É um Direito que obriga. É uma tentativa de se adotar, no plano internacional, aquelas normas de ordem pública que limitam a capacidade dos indivíduos de celebrar contratos. Por exemplo: como será um contrato celebrado entre Anazús e Anaírda para assassinar a professora? O contrato pode existir? Não, porque existe um princípio maior, de ordem pública, que é o direito à vida, que limita a liberdade delas de contratar. O contrato será nulo. Da mesma forma, imagine celebrar com a empregada doméstica de sua casa um contrato estabelecendo: “você morará aqui, terá alimentos e cama para dormir, terá inclusive uma televisãozinha para assistir novela então você não receberá nenhum salário. Eu ainda sustento sua família no Nordeste, mas você pessoalmente não ganhará trabalhar aqui.” Isso pode acontecer? Não. Existem normas de ordem pública que limitam. Quaisquer contratos que colidam com esses princípios são nulos. Daí dizer que se tratam de normas ius cogens.

O conceito é: Direito que limita a capacidade dos Estados em celebrarem tratados que colidam com essas normas obrigatórias. O art. 53 da Convenção de Viena que define uma norma ius cogens. O tratado é nulo se, no momento de sua conclusão, ele contrariar uma norma ius cogens. O que é uma norma dessa natureza? Uma norma de Direito Internacional geral aceita e reconhecida pelo conjunto da comunidade internacional e que só pode ser derrogada por uma regra da mesma natureza. É inderrogável pelo conjunto da comunidade internacional.

Artigo 53

Tratado em Conflito com uma Norma Imperativa de Direito

Internacional Geral (jus cogens)

É nulo um tratado que, no momento de sua conclusão, conflite com uma norma imperativa de Direito Internacional geral. Para os fins da presente Convenção, uma norma imperativa de Direito Internacional geral é uma norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados como um todo, como norma da qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modificada por norma ulterior de Direito Internacional geral da mesma natureza.

O artigo define, em primeiro lugar, que o tratado é nulo quando, em sua conclusão, colide com normas preexistentes e também define o que é uma norma de direito ius cogens.

Leia também o art. 64 da Convenção:

Artigo 64

Superveniência de uma Nova Norma Imperativa de

Direito Internacional Geral (jus cogens)

Se sobrevier uma nova norma imperativa de Direito Internacional geral, qualquer tratado existente que estiver em conflito com essa norma torna-se nulo e extingue-se.

...que fala das normas ius cogens posteriores ao tratado.

Quais são as normas inderrogáveis? Existe uma lista. Como conseguiu se chegar a um consenso? A União Soviética propôs normas com grande e claro conteúdo político, então a comunidade preferiu deixar como estava: as normas de Direito Internacional reconhecidas como inderrogáveis o eram gradualmente. Autodeterminação dos povos, não-ingerência dos Estados nos assuntos internos de outro, direitos humanos, princípio da igualdade soberana dos Estados, para citar apenas alguns exemplos. Claro que houve dificuldade em consagrar tais direitos como normas ius cogens.

Conceito de ius cogens: como vimos, entende-se por uma norma de Direito Internacional geral aceita por todos os Estados, que só pode ser derrogada por outra norma de igual estatura. Mas precisar o significado é muito difícil. Não existe um Poder Legislativo global, como existe no plano interno.
 

Críticas ao ius cogens

Primeira: de onde viriam essas normas, se não existe um Poder Legislativo central que se imponha ao conjunto da comunidade internacional, que fale em nome dela? Essa é a primeira crítica.

Segunda: os críticos também atentam para uma questão de lógica: em primeiro lugar, quando uma norma é aceita como inderrogável, se ela é de fato aceita e reconhecida como tal, os Estados não atentarão contra ela. Há algumas normas que são de fácil delimitação, como a proibição da tortura, da discriminação racial, do genocídio... Claro que todas elas são normas de ius cogens. Se os Estados resolverem atentar contra essa regra, não o farão por meio de tratado. Eles não celebrariam tratados colidentes com essas normas, como: “fica autorizada a tortura nas hipóteses previstas nesta Carta”, ou “pessoas das etnias A, B e C estão excluídas das garantias trabalhistas dos Estados pactuantes”. Se houver um desrespeito, será um desrespeito de fato, não de direito. A Convenção de Viena diz que a conseqüência na teoria do Direito ius cogens é a nulidade dos tratados colidentes. Isso é ilógico, porque não se pode celebrar um tratado que entre em choque com algo que é aceito por todos. O Direito é tão mais cogente quanto mais óbvio ele é, quer dizer, a norma “não haverá genocídio ou democídio ¹” é tão forte quanto simples. Pode até haver uma política de extermínio, mas não será consagrada em tratado.

Outra crítica: por mais abrangentes que sejam os tratados, eles nunca serão propriamente universais. Uma norma de Direito ius cogens, considerada como tal por uma grande maioria de Estados, certamente não integrará todos os membros da comunidade internacional. Logo, a idéia de que uma norma considerada como de ius cogens, que se imponha ao conjunto da comunidade internacional é, na verdade, algo que na melhor das hipóteses só segue o princípio majoritário. A maioria reconhece a norma como inderrogável, só isso. Pretender que tal norma reconhecida pela maioria seja também imposta aos discordantes é o mesmo que pensar num direito da maioria exercido erga omnes, oponível aos demais. Isso atenta contra o princípio majoritário do Direito Internacional, que tem o consentimento como principal fonte. É como se os Estados que não concordam com determinada disposição se obrigassem contra sua vontade. O Direito Internacional tem característica de coordenação, e não de subordinação. Exemplo hipotético, mas quase real: a maioria esmagadora dos Estados declaram se opor à guerra preventiva, usada por George Bush em seu mandato. Seria como se os EUA estivessem obrigados a se abster de invadir determinado Estado apenas por a maioria da comunidade internacional, contra essa medida, impor seu direito ao Estado isolado ou aos poucos que o apoiaram (Inglaterra, Austrália e Coréia do Sul).¹

E mais uma, esta de caráter operacional: o ius cogens pode, de certa forma, atentar contra a força obrigatória dos tratados, porque permite que cada Estado denuncie unilateralmente um tratado por entender que o tratado atenta contra uma norma ius cogens.


  1. Termo cunhado por R. J. Rummel, cientista político da Universidade do Hawaii, que significa “matança de civis por seus próprios governos”, como feito na União Soviética no tempo da segunda guerra ou, posteriormente, por Mao Tse Tung na China.
  2. A parte verdadeira desse trecho é a invasão do Iraque, que teve caráter preventivo, e também que a maioria folgada da comunidade internacional condenou o ataque. Também é verdade que os três países ajudaram com o envio de tropas em apoio aos EUA. O que não tenho certeza é, passado certo tempo, como ficou a posição da Austrália e da Coréia do Sul.