Direito Internacional Público

quinta-feira, 20 de março de 2008

Desenvolvimento histórico do Direito Internacional



Esta é a parte introdutória. Vamos ver o desenvolvimento histórico do Direito Internacional.

Qual é o conceito atual de Direito Internacional? Conjunto de regras que regem relações entre Estados soberanos. Então, por esse conceito, quando tem início o Direito Internacional? E já que é um conjunto de regras que coordenarão as relações entre os Estados, esse Direito deve existir somente a partir do momento em que os Estados começam a existir. Isso seria no final da Idade Média, no início da Era Moderna, no século XV, quando os Estados se formam. Mas é bem antes disso que podemos identificar o princípio daquilo que se chama Direito Internacional. Entre as comunidades independentes, por exemplo, havia Esparta e Atenas. Há indícios de que elas praticavam Direito Internacional Público e tratados de paz. Ainda antes, havia confederações nos tempos do Egito Antigo.

Celso Albuquerque de Mello diz que o Direito Internacional surge exatamente assim que houver uma equivalência entre as comunidades que se relacionam, entre as civilizações. Deve haver uma equivalência cultural, ou haverá império e dominação, não o Direito. Então Albuquerque fala em um diálogo de equivalência entre as sociedades. Roma, por exemplo: não respeitou nenhuma civilização, invadiu a Europa, a Grécia, Cartago, Ásia, Bretanha... então Roma é o contrário, a negação do Direito. O Império nada respeita, só domina.

Mas, mesmo assim, Roma deixou um legado importante para a humanidade quanto ao Direito Internacional. Por exemplo o chamado jus fetiale e o jus gentium. O jus fetiale era um Direito de cunho religioso. Era o que fazia a distinção entre a guerra justa e a injusta. Seria primeiramente uma guerra proclamada, e uma guerra empreendida depois de uma decisão segundo um ritual religioso. Os sacerdotes que aplicavam essa lei eram invioláveis. Depois, surge a inviolabilidade dos legatários e diplomatas, que teria origem em Roma. E o jus gentium? Era o Direito das gentes. Essa expressão é de origem romana. O que é isso? É o Direito do mundo. Roma era a capital do Império Romano do Ocidente; aplicar o jus civils aos estrangeiros era uma idéia inadmissível em Roma. Era um Direito que, ao contrário do Direito das gentes que temos hoje, o Direito Internacional, era um Direito de natureza privada. Esses elementos se transmitem à Europa, de forma que mesmo depois da queda do Império Romano na Idade Média já podemos encontrar elementos que fazem algum tipo de remissão ao Direito Romano.

Então, o que era Direito Internacional na Idade Média? Temos que distinguir as duas Idades Médias. A alta é o período sombrio, marcado por invasões bárbaras; a baixa é o período que vai do século XI ao século XV, justamente quando são lançados as primeiras bases do Direito Internacional. Mas as Monarquias não tinham um verdadeiro poder político, só simbólico, porque o poder mesmo estava na mão dos senhores feudais, com influência da Igreja. Então as estruturas de poder da Idade Média são fragmentárias, dispersas, e com isso, começa a se formar um Direito na Baixa Idade Média.

O Direito Internacional, na verdade, se divide em Direito Internacional da guerra e Direito Internacional da paz. O da paz tem natureza comercial, quando surgem as primeiras relações entre os povos. Eram regras relativas à arbitragem, e a acordos de paz. E o da guerra? É aquele usado para fazer a distinção entre guerra justa e injusta. Segundo os filósofos cristãos, como São Tomás de Aquino, a guerra justa seria decidida pelo chefe de Estado, e existiria em resposta a uma ofensa a um Direito; em outras palavras, uma guerra que buscasse evitar um mal maior. Essa seria a guerra justa. Então sabemos que no final da Idade Média o poder feudal começa a se desfazer, o poder da Igreja enfraquece, e começam a surgir os primeiros Estados soberanos. Os Estados Nacionais se formam nessa época. Surge também a busca de mercados nas terras além-mar. Os comerciantes agora estavam em toda parte do mundo, e os Estados Nacionais começam a se formar; surgem as primeiras embaixadas e chancelarias, um cenário que podemos dizer ser o embrião das relações diplomáticas. Os primeiros consulados se espalham pelo mundo. Surge também o Direito do mar, e lançam-se, no final da Idade Média, as primeiras bases do Direito Internacional. Mas o nascimento mesmo, o dito “oficial” do Direito Internacional, como é considerado, é Paz de Vestfália (1648), que colocou fim à guerra dos 30 anos (1618 – 1648), que moveu diversos Estados europeus. Eram, na verdade, tratados de Münster e Osnabürck. Não se conheciam, ainda, as técnicas dos tratados multilaterais. De um lado, havia a rainha da Suécia e seus aliados e, de outro, o que viria a ser a Alemanha. Formaram o mapa da Europa. Então esse conjunto de tratados foi um marco tanto no Direito Internacional quanto no cenário político da Europa. Não havia, ainda, consideração pela nacionalidade dos súditos, eram apenas critérios de hereditariedade que se levavam em conta.

Entretanto se consolida a idéia de que, em cada Estado pertencente a um príncipe, deveria viger uma única ordem jurídica. É o que se chama de sistema vestfaliano – um sistema de relações internacionais baseado na soberania dos Estados. Essa ordem jurídica deve ser respeitada pelos demais, pelo conjunto da comunidade internacional. É aqui que nasce o germe dessa idéia de que os Estados-nações devem se unir para pertencer a uma comunidade mais vasta. Ainda assim, todavia, a idéia de um Direito acima dos Estados ainda não se consolida. E por que não? É que os monarcas que formam os Estados Nacionais começam a se julgar donos do Estado, e se desenvolve um conceito absoluto de soberania: tanto do ponto de vista interno quanto do externo. Soberania seria, dessa forma, o domínio do território, capacidade de manter a ordem pública, as fronteiras, distribuir o bem-comum, e, no plano externo, a soberania seria a relação entre Estados com seus pares. Mas o que se desenvolve depois é o absolutismo, a idéia absoluta de soberania. A que leva isso? A vontade do Estado é a vontade do príncipe. Significa que não é a vontade dos súditos que tem importância. O que é isso, no plano interno? Despotismo ou tirania, ou simplesmente, autoritarismo. E no plano externo? É a idéia de que os Estados não devem se submeter a nenhum outro mas que um Estado deve prevalecer sobre os demais. Isso leva, de certo, a conflitos. Portanto, ainda não temos a idéia de Estados ligados pelo Direito. Então, a paz vestfaliana é a paz conseguida em período de guerras e grande autoritarismo. Mas, de qualquer forma, são chamadas guerras de equilíbrio. É assim que o sistema se mantém: através do medo. Ainda não há o conceito de nação, não porque estejam unidos por um ideário maior, mas porque se temem.

É depois da Revolução Francesa que se inicia um processo que dura até nossos dias. Em primeiro lugar: a idéia de soberania, que se instalou depois dos tratados de Vestfália, foi muito forçada pelos filósofos políticos da época, como Maquiavel. Ele entendia que toda violência contra os Estados se justificaria pela manutenção da pátria; um século depois veio Hobbes, com a idéia de poder absoluto do monarca e Estado Leviatã. A vontade dele é a vontade da nação e de seus súditos, porque ele que é capaz de manter a paz e a coesão da pátria. Os filósofos justificam essa idéia de soberania, mas a Revolução Francesa muda tudo isso. Ela não acabou com a idéia de soberania, mas o conceito sofre uma grande mudança. O que muda? Antes, a vontade do soberano era a vontade do Estado. E agora, o que é a vontade do Estado? É a vontade do povo, a vontade geral nos moldes de Rousseau. E, com isso, vem o princípio do nacionalismo, que é a idéia de que cada nação, cada povo pode se constituir num Estado independente.

É por isso que o século XIX é o século do colonialismo europeu. É quando se livram dos turcos otomanos, quando surge a unificação da Itália, Alemanha, Estado Belga... Então o século XIX é também o século do nacionalismo. Mas o nacionalismo, desde então até hoje, desapareceu ou não? No final do século XX, o que aconteceu? Fim da Iugoslava e a recuperação, pelas ex-repúblicas soviéticas, de sua identidade. É o princípio do nacionalismo mostrando sua face no século XIX e também no final do século XX. O princípio do nacionalismo também justifica a união de outro princípio que vamos estudar mais tarde, um dos mais importantes do Direito Internacional, lecionado pela ONU, que é o princípio da autodeterminação dos povos. É esse princípio que determinou todo o princípio de descolonização, começando na América no século XIX e depois na África no século XX. E assim os Estados se consolidam.

Quanto mais Estados soberanos no mundo, mais se consolida a idéia do Estado Nacional. Então, como a sociedade internacional segue o sistema vestfaliano, há uma posição de soberania, com soberanias que se multiplicam cada vez mais, num sistema de relações interestatais, praticando a diplomacia, e respeito mútuo entre soberanias. Isso até o século XX. É quando acontece algo, que vai fazer com que a sociedade internacional pense: “onde foi que erramos??” É no início do século XX. O que é? Primeira guerra mundial. É aqui que a sociedade internacional pára e pensa: erramos. Esse sistema baseado nas relações interestatais é insuficiente para manter a paz mundial. A primeira guerra mundial foi até proporcionalmente mais violenta do que a segunda. O que estava faltando? Um sistema de cooperação internacional que não fosse superior aos Estados, mas que fosse baseado num acordo entre Estados, um acordo expresso. Um sistema de cooperação internacional que não pensa, de forma alguma, em substituir as relações internacionais interestatais; não se pensa em poder supranacional. Mas sim numa cooperação baseada na vontade dos Estados, no consentimento deles, que possa ajudar no diálogo entre as nações. O que seria isso? Não é ainda a Organização das Nações Unidas, que vem somente depois da segunda guerra. Antes disso, tem a Liga das Nações, ou Sociedade das Nações. Foi a primeira organização internacional de vocação universal que tinha como objetivo preservar a paz mundial, evitando um segundo conflito mundial. O Brasil fez parte por alguns anos. Foi fundada em 1919, logo depois da primeira guerra mundial. Não tinha poderes para evitar uma nova guerra; ela tinha uma estrutura muito mais frágil do que a ONU. Era, na verdade, um grande fórum de discussão das nações. Uma explicação para a sua fragilidade é que ela foi criada muito pouco tempo depois da primeira guerra, quando os ânimos ainda não estavam equilibrados e os levantamentos da real destruição ainda não aferidos. Mas é que ela não conseguiu cumprir seu objetivo, tanto que fechou as portas 20 anos depois, em 1939, quando começa a segunda guerra mundial. Ela não deixa de existir oficialmente em 1939, mas depois da guerra ela será sucedida pela ONU. A colaboração da Sociedade das Nações foi ter inaugurado a era das organizações internacionais, como a OIT. Também a Corte Permanente de Justiça Internacional, que é uma instituição judiciária de Direito Internacional.

Depois da segunda guerra mundial a liga acaba, e em 1945 surge a ONU, que tem uma estrutura bastante diferente da sociedade das nações. É uma estrutura muito mais habilitada a evitar um novo conflito mundial. Qual a principal contribuição da organização? Não é bem a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, que foi anexada à Carta das Nações Unidas. Mas, em 45 mesmo, foi a proibição da guerra, o uso da força nas relações internacionais. Até então, no tempo da Liga das Nações, a guerra era um recurso legítimo de política internacional. Com a carta das Nações Unidas, houve um prazo moratório para as nações aderirem ou não. Seria um tempo de três meses que, a partir do momento em que se tentasse uma solução pacífica de um conflito, se não houvesse resultado, a guerra passaria a ser lícita. Isso no período de 1919 a 1939. Em 1928 veio o Briand-Kellogg, 1 que foi justamente um tratado de arbitragem, e uma cláusula renunciando ao emprego da força foi pensada. “Boa idéia” – pensaram. “Mas e se fizéssemos essa cláusula aberta a todas as soberanias?” Houve aceitação maciça da sociedade internacional, e, em 1928, a sociedade internacional renuncia oficialmente ao emprego da força.

Claro que não deu muito certo. Onze anos depois houve outra guerra. Então, as Nações Unidas põem ordem na casa e proíbem o uso da força. Os Estados passaram a ter a obrigação de buscar soluções pacificas para os conflitos internacionais. A partir daí, a expressão “guerra” foi praticamente banida do Direito. A carta cria exceções a essa proibição, que devem ser obedecidas à risca. A primeira é o art. 51 da Carta das Nações Unidas que é a legítima defesa. Quando um Estado é atacado injustamente, ele tem o direito de revidar. A segunda é a luta dos povos pela autodeterminação. A terceira é quando as próprias Nações Unidas autorizam, como na Guerra do Golfo, em 1990, que foi uma intervenção armada autorizada pelas ONU numa das exceções admitidas pela Carta.

Mas a guerra, que era um recurso legítimo, é banida e passa a ser um ilícito internacional. O que acontece? Havia o Direito Internacional da guerra. No início do século XX, os Estados haviam celebrado tratados coletivos, como as Convenções da Haia em 1899 e 1907. Não havia regras que regulavam os rituais da guerra. Ela não necessariamente deveria, por exemplo, ser declarada, e nem se proibiam armas específicas. Essas regras se tornaram obsoletas, evidentemente, mas algumas sobreviveram. Não deixaram de existir, mas ficaram no tempo. Regulavam algo que ficou ilícito internacionalmente. Algumas disposições permaneceram porque de fato ainda havia guerras. O que houve, então, foi uma pacificação relativa da sociedade internacional. É um Direito Internacional que, enfim, era muito influenciado, e tinha que procurar um novo rumo. Tinha que disciplinar as relações em tempo de paz. Por quê? A guerra, sendo agora ilícita, faz com que deixe de ter sentido formular convenções sobre a ela. O que seriam essas regras? Daí derivam novos tratados, uma profusão de tratados. Já na década de 60 surge enfim um Direito costumeiro que seria convertido em tratados. Direito do Mar, Direito das Relações Diplomáticas, Convenção de Viena sobre relações diplomáticas de 1961, numa tentativa de codificar um Direito que era costumeiro. Trazia regras sobre direitos humanos, desarmamento, armas nucleares, temas relacionados à Convenção de Genebra, Direito humanitário para as vítimas, Direito de proteção ambiental, e muitos outros.

Então, é uma profusão de acordos multilaterais para regular as relações pacíficas entre Estados. É por isso que o Direito Internacional da atualidade é multidisciplinar. Havia, antes, Direitos reservados aos Estados, como o Direito Penal, que sempre foi considerado monopólio do Estado, e hoje já se fala em crimes internacionais, Corte Internacional, TPI, etc. E sobre Direito Ambiental, preservação do meio-ambiente (que também era considerada prerrogativa do Estado). Hoje não; hoje se preocupa com o meio-ambiente e os Estados têm obrigações para com os outros de preservar o próprio ecossistema. É um Direito Internacional que entra por diversos ramos do conhecimento, e vai normatizar relações que até então eram consideradas prerrogativas exclusivas dos Estados. Direitos humanos, por exemplo.

Hoje há mais de 300 organizações internacionais. E a tendência é se multiplicarem. Blocos de cooperação, blocos regionais, União Européia, tribunais sobre direitos humanos... Esse é o Direito Internacional da atualidade e do futuro. As relações tendem a se tornar objeto de interesse pelo Direito Internacional.


1 – A professora usou outro nome, que não consegui anotar.