Direito Penal

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Procedimentos administrativos, ação penal e introdução à parte especial do Código Penal


Tópicos:
  1. Revisão
  2. Inquérito e termo circunstanciado
  3. Justa causa
  4. A Parte especial
  5. Art. 121, caput
  6. Circunstâncias qualificadoras do homicídio
  7. Motivo torpe e motivo fútil

Revisão

Paramos em flagrante delito na aula passada. Vamos recapitular.

O crime aconteceu, o que fazer em seguida? Haverá a instauração de um inquérito ou qualquer procedimento dentro da delegacia. Ou seja, procedimentos administrativos, não processuais, feitos pela Polícia Judiciária, que pertence ao Poder Executivo (não se esqueça dessa possibilidade de confusão: a polícia é chamada “Judiciária”, e até podemos entender isso intuitivamente já que o fruto de seu trabalho serão provas para serem usadas posteriormente em juízo, entretanto ela é um órgão do Poder Executivo.) Então, a primeira coisa a fazer é resguardar as provas, chamando a polícia. Com esse procedimento administrativo, o que se objetiva é apurar o maior indicio e materialidade para se instaurar a ação penal.

Depois de ver o instituto do flagrante delito, já temos condições de identificar quando alguém está ou não na situação. No art. 302 do Código de Processo Civil, temos as modalidades de flagrante. O primeiro é o facultativo, que qualquer um do povo decretar, mas não deve fazê-lo, enquanto as autoridades têm o dever de fazê-lo; há também os flagrantes impróprio e ficto (ou presumido).

O primeiro é o flagrante real, como no caso da professora assassina cuja história ouvimos na aula passada. Na situação em que a polícia chega ao local, não vê o autor do crime, mas colhe provas e sai em perseguição do sujeito, se capturado, ele está em flagrante impróprio ou quase-flagrante. Neste caso, não interessa quanto tempo se leva, podemos demorar anos, se necessário. O que tem que haver para caracterizar o flagrante impróprio é a continuidade. Por fim, o flagrante ficto ou presumido é o que o sujeito é encontrado sem que esteja em perseguição, mas num estado tal que se faça presumir que ele acabara de cometer um crime, como portar uma faca ensangüentada ou um quadro que só o museu do município teria em exposição.

Enfim, vamos iniciar o procedimento até a apuração do ilícito. Por que isso? Porque, nesta disciplina de Direito Penal, parte especial vemos o procedimento para a caracterização do delito, para só então entrar estudo do art. 121.

Temos, portanto, o ilícito. Quando falamos em ilícito penal, estamos nos referindo ao crime em sentido amplo. Crime em sentido amplo = crime + contravenção. Qual a diferença entre crime e contravenção? Se formos falar em relação à hermenêutica jurídica, os termos são sinônimos e não tem diferença entre eles, mas aqui tomaremos os termos como diferentes em relação à gravidade do delito. O crime é apenado com prisão e/ou multa, enquanto a contravenção é apenada com prisão simples ou somente multa.

Então temos nosso ilícito, em sentido amplo, crime. O que é? Ao passar pelas teorias do crime, falamos que adotamos a teoria finalista. Então, crime é todo fato típico + ilicitude. Fato típico é o comportamento da vida perfeitamente adequado à lei penal. Fato típico está no preceito primário da norma jurídica, e é dirigida a todos. Ilicitude, por sua vez, é a contrariedade ao Direito. Fato típico + ilicitude = crime. Onde estaria a culpabilidade? Ela é incidiária. Não tem, para a teoria finalista, o mesmo significado que tem para a teoria causal. Para a teoria causal, a culpabilidade = dolo + culpa. Para a teoria finalista, a culpabilidade é juízo de valoração, ou também chamado de razão social. Por que isso? A partir do momento em que temos fato típico e ilícito já temos crime. Mas, depois disso, precisamos de uma valoração pessoal do juiz, o que é chamado de valoratividade, ou juízo de valor. É a exigibilidade; o sujeito não poderá ser considerado culpável se ele estava, ao momento do fato, em situação de inexigibilidade de conduta diversa.

Então, voltemos. Fato típico e ilícito: se verificamos que o fato é típico e existe ilicitude, temos crime. Mas se vamos ou não aplicar pena a ele, estaremos falando em culpabilidade. Qual a razão para ter essa possibilidade de não-aplicação da pena? Para o Direito Penal, o agente pode cometer o crime, mas ter uma exclusão não de ilicitude, mas de culpabilidade. Neste caso, significa que o crime foi cometido sim, mas não será aplicada pena pois o indivíduo não será culpado. Isso é normatividade: o juiz verificará se a pessoa é imputável e tem a mente sã e, também, a exigibilidade, baseada na conduta do homem médio diante daquela mesma situação. É, portanto, uma valoração social. Por fim, o juiz determinará se a pessoa tinha, à data do fato, a consciência de sua ilicitude. Em primeira análise, somos levados a crer que poderia haver a possibilidade de alegação de desconhecimento da lei. Isso não é caso de potencial consciência da ilicitude; não é saber se é certo ou errado para o Direito, mas a consciência geral, consciência do senso comum. Portanto, se o juiz determinar que o homem médio teria a consciência “de que aquilo é errado”, se o sujeito alegar a inconsciência, essa alegação deverá ser rechaçada. Em outras palavras, se o sujeito alega que não sabe a lei, isso nada interessará para a redução da culpabilidade.

Então temos a teoria finalista, nos dizendo o que é crime, e, quando o ilícito ocorre, podemos ou não decretar o flagrante. Para que ele serve? Para a apuração de materialidade e autoria. O que é materialidade? É o “corpo”. Corpo humano? Não. Em que sentido? Qualquer corpo que tenha tutela jurídica. É também, então, um objeto, apesar da doutrina falar em “corpo”. E autoria? É a pessoa. De que modo? Facere ou non facere. Por quê? Porque qualquer atividade humana em favor de algum evento terá facere (fazer). A partir do momento em que se tem facere, tem-se comissão, dolo, ao passo que o non facere é nenhum movimento corpore, mas que tem que ser considerado ilícito. Nada se faz, mas deixa-se que o evento aconteça. Exemplo: babá, que assume a responsabilidade de cuidar de uma criança, que vem a cair de uma janela.

Mas temos dolo no non facere? Demos dolo na omissão? Claro que sim. Dessa forma, o dolo não necessariamente é fazer, mas a vontade. Não fazer tendo o dever de fazer implica dolo. Logo, dolo e culpa não estão ligados a facere ou non facere.

Flagrante, então, é procedimento administrativo realizado pela Polícia Judiciária. Aí temos aquela historinha recorrente, contada especialmente para os que querem advogar: “é possível o juiz pegar alguém em flagrante delito por falso testemunho?” A rigor, o juiz não pode fazer isso, exceto o juiz criminal, que é o único que pode decretar a prisão. Os demais poderão prender como qualquer um do povo, e encaminhará o autor do falso testemunho para a Polícia Judiciária. Em algumas audiências, na inquirição da testemunha, o advogado insiste que a testemunha seja presa por falso testemunho, até como recurso usado em favor de seu cliente, que o juiz prenda a testemunha. Neste caso o juiz cede ao pedido, e a testemunha, também valendo de suas faculdades de “qualquer uma do povo” pode prender o juiz! Mas pelo quê? Pelo crime de exercício arbitrário ou abuso de poder (art. 350 do Código Penal).
 

Inquérito e termo circunstanciado

Dentro da delegacia somente temos procedimentos administrativos, nenhum judicial, pois a delegacia não é órgão da jurisdição, somente um órgão da Polícia Judiciária, que é do Poder Executivo. A finalidade de qualquer ato do delegado é a apuração de indícios de materialidade e autoria. Então instaura-se ou inquérito ou termo circunstanciado. Qual a diferença? Para ambos os casos, temos a apuração de crime ou contravenção. Mas calma! É possível a instauração, em tese, de inquérito para a apuração de crime ou contravenção, e também de termo circunstanciado para qualquer das duas infrações. A diferença é a verificação se aquele crime é de maior ou de menor potencial ofensivo. Se tem menor potencial ofensivo, temos um termo circunstanciado. O que seria um crime de menor potencial ofensivo? Qualquer crime ou contravenção cuja pena máxima cominada em abstrato não seja superior a dois anos, não importando se de detenção ou reclusão, cumulada ou não com multa, de acordo com a Lei 9099/95. O termo circunstanciado é parecido com o inquérito, em princípio. Mas no inquérito temos um prazo maior. Por quê? Para a possibilidade de ampla defesa. O procedimento administrativo, dentro do Direito Penal, remove o direito à ampla defesa. Não se tem, nesta etapa, o direito à ampla defesa e ao contraditório. É um resquício de um tempo ditatorial, segundo a professora. Mas direito à ampla defesa e ao contraditório são garantias individuais, e, por isso, são princípios constitucionais.

Mas por que ainda assim falamos que o sujeito tem direito à ampla defesa? Somente para o procedimento judicial. Isso no crime. Essa informação é importante para a prova da OAB. Para todo tipo de procedimento administrativo, o advogado não tem acesso aos documentos. Significa que é no Direito Penal que não se tem tais direitos. Para não violar o princípio, dá-se ao advogado o amplo acesso ao processo. Mas aí surge outra questão: pode-se dar acesso total e amplo ao advogado às degravações de interceptações telefônicas envolvendo seu cliente? O Supremo Tribunal Federal decidiu que sim, mas só tendo acesso quando aquela diligência estiver completa e colocada nos autos do inquérito. Do contrário a interceptação perderia seu efeito. Não adianta, então, gritar no balcão da delegacia nem dar qualquer tipo de "piti", aconselha a professora.

Voltemos, então. Inquérito e termo circunstanciado são processos instaurados pela autoridade policial. Para quê? Para a verificação de indícios de autoria e materialidade. E por que materialidade e autoria são importantes? Para a formação do que chamamos de justa causa.
 

Justa causa

Vejam: o inquérito e o termo circunstanciado são procedimentos administrativos para a verificação de autoria e materialidade. Se as diligências instauradas vão ou não comprovar aquela autoria e materialidade, não interessa, pois o procedimento administrativo não vincula o Poder Judiciário, mesmo que o laudo final aparente ser conclusivo. Então, toda fase administrativa só serve para a apuração de justa-causa. Para quê? Formar indícios suficientes para a instauração da ação penal.

No inquérito, temos depoimentos dos condutores, que são os policiais ou quem quer que tenha capturado o sujeito em flagrante delito; temos depoimentos também das testemunhas. Testemunhas do fato ou qualquer testemunha instrumentária. Por ser um ato formal, o inquérito prevê testemunhas. Significa que deve haver pelo menos duas. E, se ninguém tiver visto, precisar-se-á chamar duas pessoas quaisquer, ali mesmo dentro do ambiente da delegacia, para atestar a ocorrência. É uma situação jurídica ridícula que só serve para a formalidade. Para nada servem elas. Mas sua ausência pode, entretanto, provocar a nulidade do processo.

Em seguida, temos depoimento do ofendido ou vítima. E, por fim, o interrogatório do indiciado. Esse interrogatório do indicado é o ato mais importante do inquérito. E aqui, se por acaso o sujeito é confesso, isso fará diferença para o inquérito? Negativo. Já sabemos por que: porque, no Processo Penal, busca-se a verdade real, e, diante da confissão de um sujeito, especialmente se estranho, não deverá o delegado dar por terminados os trabalhos de investigação.

E há, também, as perícias, que sucedem os depoimentos. Perícias técnicas são feitas por quem? Polícia judiciária, Poder Executivo. Tivemos mudança grande no CPP em julho de 2008. Até então o laudo precisaria ser assinado por dois peritos. Agora, basta um. Isso agiliza o andamento do processo. Dentro do termo circunstanciado, a mesma coisa: depoimentos e pericias técnicas. A diferença, como dissemos, é o prazo dilatório bem maior para o inquérito. Ambos servem para a apuração da justa causa. O que é mesmo? Indícios de autoria, materialidade e condições ação. Indícios de autoria: quem é ou são os suspeitos. Materialidade: qual é o fato típico e que corpo sofreu ofensa? E condições da ação, que aprendemos em Teoria Geral do Processo. Condições da ação penal são, como qualquer ação, possibilidade jurídica, interesse e legitimidade. Aqui no Direito Penal pensamos em justa causa, ou seja, qual é o fundamento, o fundo do direito para iniciar uma ação penal? A possibilidade jurídica, então, é a verificação da tipicidade. Só teremos apuração de autoria de ilícito penal se aquilo for mesmo um ilícito penal, que é, taxado na lei penal. Interesse: atribuído ou Estado, ou ao particular. É do Estado quando estivermos falando de crimes em que a ação penal é pública, cuja gravidade costuma ser muito maior, a ponto de exigir uma atuação do poder público independente da vontade da vítima. É interesse do Estado, portanto, que se apurem os crimes de gravidade maior. E, por outro lado, quando surge interesse do particular, é porque o crime não é considerado tão grave. São crimes de ação penal privada. ¹

Enfim, o interesse é do Estado quando temos ação penal pública. O Ministério Público atuará, o que significa que o direito é indisponível. Não pode ofendido dizer que não quer que o ofensor seja condenado. Então, sobram, para a ação penal privada, os crimes contra a honra e o erro essencial sobre a pessoa do cônjuge (CP, art. 236). Entenda logicamente: é quando o interesse for particular. O Estado não deve querer se intrometer numa questão de família. A honra, por sua vez, é algo de foro íntimo do indivíduo, que deverá procurar a jurisdição se e somente se ele se sentir ofendido.

A última condição da ação penal é a legitimidade. Quem é parte legítima para a propositura da ação penal? Só temos duas possibilidades: Ministério Público ou o particular. O Ministério Público é para ações publicas, e o particular para privadas. ²

Então, a justa causa é a soma dessas três coisas: autoria, materialidade e condições da ação (possibilidade, interesse e legitimidade).

Só então podemos partir para a inicial acusatória: denúncia ou queixa-crime. A denúncia é carregada pelo Ministério Público, enquanto a queixa-crime é carregada pelo particular.

Só quem oferece (não use, aqui, os verbos impetrar ou ajuizar) a denúncia é o Ministério Público. Sendo o Ministério Público, o que já sabemos? Que o interesse é do Estado, e estamos falando de um crime grave. Se se trata de uma queixa-crime, então o crime não é considerado tão grave e está dentro da esfera particular da pessoa. A queixa-crime é uma peça feita por advogado. Já estamos dentro do juízo, então já falamos em jurisdição. Começa com o oferecimento. O sujeito, a partir deste momento, não é mais considerado indiciado, mas réu.

Sucedendo o oferecimento da denúncia ou queixa, teremos a apuração do ilícito penal e possível aplicação da pena. Quando falamos em apuração, falamos em instrução. Temos jurisdição, com o início da ação penal. Com o início da ação penal, temos a instrução, que culminará na sentença. Instrução do feito é instrução do processo, o colhimento de provas feito em juízo. Já que é feito em juízo, necessariamente têm que se observar ampla defesa e o contraditório, até porque não mais estamos na etapa administrativa cumprida na delegacia. Então, dada uma prova, ao o Ministério Público dar vista, o advogado também tem direito a ter vista dessa prova. Abre-se um prazo para as duas partes impugnarem-na. Em seguida realiza-se o debate e, no final, afere-se se o réu ou querelado deve ser considerado culpado ou não.

A instrução é o que vamos estudar em Processo Penal. Como é feita? Recebida a acusatória, abre-se um prazo de 10 dias para a defesa preliminar, e marca-se uma audiência de instrumento de julgamento. Lá terá depoimento da vítima, testemunhas, interrogatório do acusado e, por fim, sentença. Esta pode ser absolutória, condenatória, ou condenatória imprópria. Onde entramos com o Direito Penal? Dentro da instrução. É lá que discutimos o fato típico, a ilicitude, a culpabilidade e a punibilidade. Precisamos saber nesta etapa as nuances daquele crime específico. Usamos a parte geral do CP que é aplicada à parte especial toda. Observe o art. 1º do Código: para que se tenha fato típico, há a exigência de que se tenha lei anterior. Qual é o primeiro crime da parte especial? Homicídio. Mas cuidado, pois o Código Penal não contém todos os crimes. Tem a legislação especial, e não podemos nos esquecer da regrinha: se o crime está no Código Penal, o rito associado está no Código de Processo Penal. Se o crime está numa legislação especial, então o rito também estará numa legislação especial.
 

A Parte especial

Vamos começar a estudar os crimes de per si.

Art. 121, caput



PARTE ESPECIAL

TÍTULO I
DOS CRIMES CONTRA A PESSOA

CAPÍTULO I
DOS CRIMES CONTRA A VIDA

        Homicídio simples

        Art 121. Matar alguem:

        Pena - reclusão, de seis a vinte anos.

        Caso de diminuição de pena

        § 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, ou juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.

        Homicídio qualificado

        § 2° Se o homicídio é cometido:

        I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;

        II - por motivo futil;

        III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;

        IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossivel a defesa do ofendido;

        V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime:

        Pena - reclusão, de doze a trinta anos.

        Homicídio culposo

        § 3º Se o homicídio é culposo:

        Pena - detenção, de um a três anos.

        Aumento de pena

        § 4o No homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as conseqüências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante. Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos.

        § 5º - Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as conseqüências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária.

A parte especial é a tipicidade, ou seja, a possibilidade jurídica da ação penal. Matar alguém. O verbo do tipo é sempre comissivo ou omissivo. Tem com saber, pela só observação do tipo penal do homicídio, se é um crime comissivo ou omissivo? Não! Pode ser dos dois tipos. Se há movimentos corpóreos com uma finalidade, há comissão. Se o agente se mantém quieto, há o non facere, e a atitude é omissiva. Em relação a esse “alguém”, quem é alguém para o Direito Penal? Toda pessoa humana. Que pleonasmo, não? Não. No Direito, há também a pessoa jurídica. Portanto, alguém, para o Direito Penal, é pessoa humana nascida com vida. A partir de que momento em que juridicamente se anuncia o nascimento dessa pessoa? Se o ser humano veio a morrer pouco antes, durante ou pouco depois de sair do útero materno, deve-se aplicar o procedimento da Docimasia de Galeno, que consiste em medir a densidade do pulmão da criança contrastada com a da água. Se o pulmão extraído boiar num recipiente com água, é porque havia ar nos pulmões, e a criança respirou, portanto ela chegou a adquirir o status de pessoa humana antes de morrer, e aquele(a) que deu causa à sua morte deverá ser processado por homicídio. Isso faz toda a diferença. Então, nascer e respirar. Se a criança tiver saído do útero e tiver sido morta, ainda há que se aferir se foi vítima de aborto, infanticídio ou homicídio, dependendo da presença ou não de ar no pulmão da criança.

Então, o crime de homicídio é matar alguém, por comissão ou omissão, qualquer pessoa humana com vida.
 

Circunstâncias qualificadoras do homicídio

Em relação ao caput do art. 121, temos que fazer a verificação das qualificadoras do homicídio, se saber foi simples, privilegiado, qualificado, ou culposo. Se teve alguma qualificadora, então foi um crime hediondo, e o procedimento pra apuração do crime é mais severo. Quando temos um homicídio qualificado? Sempre que estivermos falando das hipóteses qualificadoras previstas no § 2º. Em função do princípio da reserva legal, devemos olhar atentamente as hipóteses que qualificam o crime, e não há mais, o que significa que o rol do parágrafo é taxativo.

Motivo torpe e motivo fútil

Vamos começar com motivo torpe e o motivo fútil (incisos I e II). São circunstâncias judiciais especiais que agravam a pena. Que pena é essa? É a pena final ou a pena inicial? A inicial. Motivo fútil e motivo torpe são as duas primeiras qualificadoras que vamos trabalhar. Motivo fútil: é o motivo desarrazoado, desproporcional. Motivo torpe: é o motivo repugnante, egoístico. Existe uma discussão sobre ser o ciúme um motivo fútil ou torpe. Para a corrente majoritária, é fútil. Mas tome muito cuidado, porque a partir do momento em que se entende que o ciúme é doentio, ele passa de fútil para torpe. Historinhas-exemplo, a primeira real, a segunda hipotética: Aqui em Brasília, na 216 Norte, havia um quiosque de cachorro quente. Um freguês habitual parava com seu carro de alto valor, pedia seu lanche e lá ficava, numa postura que evocava exibicionismo. Um belo dia, um meliante, maior e mais forte, o mandou sair do carro. O motorista negou. Foi quando o ladrão o jogou para fora do carro, extraindo-o pela janela, fazendo com que caísse inconsciente. O ladrão assumiu o volante, ligou o carro, ajustou o retrovisor para enxergar o corpo caído no chão, alinhou os pneus do carro à cabeça do desafortunado e deu à ré, explodindo sua cabeça. Isso é repugnante. Podemos dizer, portanto, que o motivo foi torpe.

Outra situação: briga de transito, com discussão sobre quem bateu no veículo de quem, que terminou com tiro. Mas isso não é exatamente repugnante, mas ainda assim a circunstância qualifica o crime. Se, a partir do momento em que se tem repugnância ou ojeriza, temos torpeza. Alguns autores falam em “crueldade”. Cuidado, porque não pode ser gigantesca, ou será tortura. Por isso que o ciúme, em princípio, é considerado fútil. Mas, se for paranóico, é torpe.


1 – Para jamais esquecermos as condições da ação penal, a professora nos ofereceu algo que parece ser um macete de cursinho: “PIL”, salientando que esta palavra, apesar de representar a onomatopéia do som emitido por uma ave, não deve, jamais, ser imaginada como terminando com a letra U. As iniciais da palavra se referem, respectivamente, à possibilidade (jurídica do pedido), ao interesse (de agir) e à legitimidade (ad causam).

Nessa hora também a professora contou um caso em que representara em juízo um pedófilo. Disse ela que é dos melhores tipos de criminoso para se lidar. A tendência é que o pedófilo negue tudo. Como a pedofilia é considerada doença, quando o cliente fizer a clássica pergunta “o que pode acontecer comigo”, a resposta poderá ser: “você não pegará pena.” O pedófilo fica feliz. “Você pegará medida de segurança, e não pena.” – completa o advogado. “e para onde é que eu vou?”. E aí vem a notícia, que eles não sabem que pode ser mais triste do que a própria pena em sentido estrito: “para o manicômio, ficar lá até que se considere que você está curado.”

Agora pensem: o trabalho do advogado foi feito, tudo dentro do limite da lei. Se não pegasse medida de segurança, o sujeito pegaria pena, e iria para um estabelecimento no qual conviveria com condenados que, tradicionalmente, não aceitam muito a presença de colegas que praticaram esse crime. Ele poderia vir a morrer ou a contrair HIV se assim fosse. Cabe, portanto, ao réu decidir que caminho tomar: a pena pode levar a esse fim, apesar de ter data de término determinada e trazer consigo alguns direitos extras. A medida de segurança, por outro lado, apesar de menos violenta, pode durar muito mais tempo e o sujeito ficará num lugar propício ao real enlouquecimento: se ele, na verdade, era um “consciente pedófilo”, que por força de um entendimento da comunidade psiquiátrica, teve a oportunidade de ir para um hospital de tratamento como o Hospital Pronto Atendimento Psiquiátrico, passará de são a louco mesmo, contaminado pelo ambiente em que pessoas conversam com plantas.

2 – Saliente-se que quem movimentará a ação será o Estado em ambos os casos; apenas a ação será pública ou privada, ou seja, a provocação do Judiciário.