Direito Penal

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Crimes contra a liberdade individual



Vamos ao IML na quinta-feira! Podem ir diretamente para lá. Não significa que não haverá aula de Direito Civil.
Quem tiver objeção sobre a prova pode enviar à professora por escrito.
Tópicos:

  1. Constrangimento ilegal
  2. Ameaça
  3. Seqüestro e cárcere privado
  4. Redução a condição análoga à de escravo

O primeiro crime é o constrangimento ilegal, descrito no art. 146. Qual a diferença entre constrangimento ilegal e ameaça? Veremos.

Constrangimento ilegal

Art. 146:

        Constrangimento ilegal

        Art. 146 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda:

        Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.

        Aumento de pena

        § 1º - As penas aplicam-se cumulativamente e em dobro, quando, para a execução do crime, se reúnem mais de três pessoas, ou há emprego de armas.

        § 2º - Além das penas cominadas, aplicam-se as correspondentes à violência.

        § 3º - Não se compreendem na disposição deste artigo:

        I - a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida;

        II - a coação exercida para impedir suicídio.

Qualificação doutrinária do crime de constrangimento ilegal:

Vamos ao caput: “constranger alguém mediante violência ou grave ameaça”: violência é a física, enquanto a grave ameaça é a promessa de mal injusto.

Redução da capacidade de resistência da pessoa: temos Capez e Bittencourt falando sobre narcóticos e álcool, que também podem provocar a redução da capacidade de resistência da pessoa. Isso é aceito pela doutrina. E mais: quando falamos em constrangimento ilegal, temos um princípio constitucional: princípio da legalidade, art. 5º, inciso II da Constituição. Por que o art. 146 está ligado ao princípio? Inciso II do art. 5º da Constituiçã

        Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

        [...]

        II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

É justamente o que o artigo diz contrariu sensu. Por exemplo: “você não vai votar não ou vou quebrá-lo”.

Ainda em relação ao caput, veja o verbo: constranger. Aqui, é sinônimo de ameaçar ou intimidar. É uma forma de ameaça. Temos que prometer um mal injusto, ou praticá-lo com violência física mesmo, ou de qualquer forma reduzir a capacidade de resistência da vítima. Para que se configure o constrangimento, tem-se que reduzir sua capacidade ou forçá-la a algo.

Se o sujeito ativo coloca uma arma na cabeça da vítima para forçá-la a atirar em alguém, temos constrangimento ilegal. Veremos a diferença disto para a ameaça em breve. Questão de prova: em função dessa grave ameaça, ele responderá pelo crime de homicídio? Não. Quem responde é o agente que constrange, por autoria mediata. Assim, o coator toda a capacidade de decisão da pessoa com a arma na cabeça e usa-a como instrumento. O coator é quem é o autor, e o coagido não responde por nada.

No constrangimento ilegal, a pena é aplicada em dobro se houver o uso de arma. A arma, por sua vez, pode ser própria ou imprópria. Bazuca e escopeta são armas próprias, pois foram construídas exatamente para ataque ou defesa. Faca de caça, pistola, granada, etc. E chave de fenda? É considerada arma imprópria, bem como faca de descascar laranja, pois não foram concebidas propriamente para o ataque ou defesa, mas podem acabar sendo usadas para tal. Com arma própria, a pessoa ainda responde por porte de arma, em concurso material com o crime de constrangimento ilegal.

Se o constrangimento for praticado mediante concurso de mais de 3 pessoas (no mínimo 4, portanto), haverá também aumento de pena.

Antigamente havia a Súmula 174 do STJ, que dizia: "no crime de roubo, a intimidação feita com arma de brinquedo autoriza o aumento de pena." Ela foi revogada, mas, até tal data, discutia-se se ela poderia se estender ao crime de constrangimento ilegal, não apenas roubo. Assim, seria possível agravar a pena de quem praticasse constrangimento ilegal com arma de brinquedo. Mas alegava-se que tal entendimento violava o princípio da reserva legal, pois assim se admitira analogia in malam partem. Agora, não mais incide a majorante. ²

Observação para nunca esquecer: haverá sempre concurso material quando houver crimes contra a liberdade individual e outros.

Excludente de tipicidade: teremos se tivermos uma intervenção médica ou cirúrgica. De novo surge o problema em relação às testemunhas de Jeová. Alguém precisa de transfusão de sangue mas é da religião. O médico pratica constrangimento, mas não responde pelo crime. Por quê? Em relação ao médico, isso será um estado de necessidade em favor de terceiro. Então, temos uma excludente de tipicidade. Constrange-se, provoca-se algo que, para o fiel, é uma grave ameaça e violência mesmo. O fiel ainda está numa situação em que tem direito à privacidade, mas a situação que não é considerada antijurídica. Porém, se ela não estiver correndo risco, o médico responderá pelo constrangimento ilegal. É a coisa mais difícil de ter: a comprovação do contrário, pois será difícil encontrar um colega médico que se disponha a emitir laudo contrário por força do corporativismo.

Coloquem uma observação em seus Códigos: art. 146, § 3º liga-se ao art. 23, inciso I, que prevê o estado de necessidade ¹. Encontraremos na doutrina divergência dizendo se isso é excludente de tipicidade ou de ilicitude. Parte da doutrina defende a excludente de tipicidade porque não podemos exigir do médico uma conduta contrária, pois ele tem que salvar vidas. E, para os que defendem que as hipóteses do § o art. 146 se tratam de excludentes de ilicitude, entende-se que o coator está agindo em favor de terceiro, agindo sob estado de necessidade.

Segunda possibilidade de excludente de tipicidade: para impedir suicídio. Também aqui temos uma excludente de tipicidade para parte da doutrina, porque não é antijurídico o fato; o direito à vida tem que ser defendido por todos. Para outros é excludente de ilicitude também porque está-se agindo em estado de necessidade.

Observação sobre as hipóteses do § 3º: deve-se usar método proporcional ao agravo, de forma que baste à cessação do perigo. Não deve o coator, portanto, depois de salvar a vítima, espancá-la em sinal de punição. Nunca caiu em prova, a não ser subjetiva. Boa tese de monografia! Houve duas no semestre passado.

A professora aceitará as duas teses.
 

Ameaça

Art. 147:

        Ameaça

        Art. 147 - Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave:

        Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

        Parágrafo único - Somente se procede mediante representação.

Teremos, aqui, como verbo, ameaçar alguém a mal grave e injusto.

Qualificação doutrinária:

  1. Sujeitos ativo e passivo: qualquer pessoa. Também com a observação de que o sujeito passivo tem que ser capaz de entender a situação de mal injusto e grave.
  2. Tipo objetivo: ameaçar, que é igual a intimidar.
  3. Tipo subjetivo: dolo.
  4. Ação penal: pública condicionada à representação, conforme o parágrafo único do art. 147.
  5. Tentativa: admissível, desde que o sujeito passivo não tome conhecimento. Existe divergência porque é um crime formal. Em regra, o crime formal não admite a tentativa. Nucci e Greco trazem, em suas obras, a hipótese da cartinha ameaçadora: se ela não chega ao destinatário, está configurada a tentativa. Para Capez e Bittencourt, entretanto, no momento em que o bilhete é escrito, independente do conhecimento do destinatário, o crime já está consumado.
  6. O crime é instantâneo, de ação livre, com gestos, palavras, qualquer meio simbólico, como enviar uma caveira de presente de aniversário, ou um bonequinho espetado com agulhas, etc.

Qual é a diferença entre ameaça e constrangimento ilegal? A melhor maneira de lembrarmos é o famoso SE. Se colocamos um “SE”, estamos em constrangimento ilegal. Se não há o se, trata-se de ameaça. Como funciona: “se você vier à aula, você morre.” Aqui há o se, então estamos falando de constrangimento ilegal. Mas, se viro para alguém e faço aquele famoso gesto de garganta cortada, está consumada a ameaça, não o constrangimento. E se houver os dois? Dois crimes. A diferença é muito sutil. Dentro do constrangimento, devemos provocar o mal maior, mas não de uma maneira exata, sem vincular a outro ato. Na ameaça, o ato é direto. Bittencourt diz que no constrangimento ilegal temos dois atos. Por isso utilizamos o se. A ameaça é instantânea em relação ao constrangimento ilegal. Neste, podemos ter os dois atos: “Se você não matá-la (1), eu te mato! (2)”

Cai em prova: Joaquim encontra seu Gilmar, seu desafeto, e o proíbe de sair à rua sob ameaça de matá-lo. Qual o crime? Constrangimento ilegal. Ou então, ao encontrá-lo na rua, faz-lhe o sinal de corte. Nisso, há ameaça.

Penas: o constrangimento ilegal tem pena de 3 meses a 1 ano, enquanto a ameaça é 1 a 6 meses.

Se por acaso em decorrência da ameaça ocorrer lesão corporal ou morte, o sujeito só responderá pela ameaça. Mesmo que o sujeito passivo fique muito amedrontado e pare de prestar atenção, vindo logo em seguida a tropeçar, cair e bater a cabeça.

O que precisamos saber é a situação de simplesmente apresentar um símbolo, que é ameaça, ou então constranger dizendo que, se a pessoa não fizer algo, farei outra, que é um mal grave, estamos dentro do constrangimento ilegal. Um ato é ameaça, dois é constrangimento ilegal.

É ameaça ou não chegar a alguém que te deve dinheiro e ameaçar executar a nota promissória? Não. Por quê? Porque é um exercício regular do direito. Se alguém te deve, você pode ajuizar uma ação de cobrança contra a pessoa, e a ação, como sabemos, é o direito público subjetivo de provocar a jurisdição. Alertar sobre a desgraça financeira que pode advir do pagamento da dívida, para o devedor, é o mesmo que alertar para a conseqüência jurídica do fato. Portanto, não há crime. Dentro da ameaça, o mal tem que ser injusto. Se o mal é justo, não temos crime. Há um porém: o sujeito lhe deve, e você, querendo receber o que é seu por direito, toma-lhe a carteira e abre-a. Isto é exercício arbitrário das próprias razões. Art. 345:

        Exercício arbitrário das próprias razões

        Art. 345 - Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite:

        Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa, além da pena correspondente à violência.

        Parágrafo único - Se não há emprego de violência, somente se procede mediante queixa.

Como definir a justiça do mal? Pelo exercício regular do direito. Em outras palavras, se houver forma lícita de conseguir o que lhe é devido, não se pode usar a autotutela.
 

Seqüestro e cárcere privado

Art. 148:

        Seqüestro e cárcere privado

        Art. 148 - Privar alguém de sua liberdade, mediante seqüestro ou cárcere privado:

        Pena - reclusão, de um a três anos.

        § 1º - A pena é de reclusão, de dois a cinco anos:

        I – se a vítima é ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro do agente ou maior de 60 (sessenta) anos; 

        II - se o crime é praticado mediante internação da vítima em casa de saúde ou hospital;

        III - se a privação da liberdade dura mais de quinze dias.

        IV – se o crime é praticado contra menor de 18 (dezoito) anos; 

        V – se o crime é praticado com fins libidinosos. 

        § 2º - Se resulta à vítima, em razão de maus-tratos ou da natureza da detenção, grave sofrimento físico ou moral:

        Pena - reclusão, de dois a oito anos.

Quando falamos em seqüestro, e quando falamos em cárcere privado? Este é para recinto fechado. Seqüestro se aplica quando há locomoção. É unânime a questão do recinto fechado para o cárcere privado. Mas posso estar numa fazenda, que é um local aberto, e obrigo a pessoa a ficar ali. Isso é cárcere privado. Então, por mais que achemos na doutrina que o cárcere privado se dá em recinto fechado, também podemos enquadrá-lo no caso da fazenda, que é um local por natureza aberto. Não é preciso necessariamente que ele ocorra em local fechado. Entretanto, se encontramos em provas de V ou F, digam que é verdadeira a afirmativa: "o cárcere privado se dá em local fechado". A doutrina é omissa em relação a isso. Cárcere privado é manter alguém em local em que se lhe restringe o direito de ir e vir. No seqüestro, locomovemos a pessoa contra sua vontade, então também a restringimos. Cuidado com a possibilidade de confusão.

Atenção para o habeas corpus: já caiu em prova! É loucura, mas já caiu sim. Imagine que uma pessoa é pródiga e interdita. Seu curador ou sua família impede-a de sair. O que é isto? Cárcere privado. Pode-se ajuizar habeas corpus contra a família? Em função dessa situação ser tão rotineira, a doutrina e a jurisprudência aceitam! A família estaria cometendo um crime de cárcere. Outra situação é aquela em que não temos um crime de cárcere: hospital particular. O paciente tem que deixar o cheque-caução, mas não deixa, e por causa disso não é deixado ir embora. A doutrina e a jurisprudência entendem que cabe habeas corpus neste caso também,  entendendo que não houve crime do paciente, então concede-se em favor dele a liberdade.

Limitação do direito de ir e vir, ou locomover alguém contrariamente à vontade da pessoa são o objeto deste art. 148.

Temos qualificadoras em relação ao seqüestro. Podemos ter pena de 2 a 5 anos substituindo a pena do caput, que é de reclusão de 1 a 3 anos, e é qualificadora mesmo porque atribui-se uma nova pena-base. São os casos em que a privação da liberdade ocorre internando-se a vítima em clinicas, hospitais, quando se tratam de menores de 18 anos, quando a privação dura mais de 15 dias, quando o crime é praticado com fins libidinosos e... cuidado. Cônjuge, ascendente, descendente, irmão, curador ou tutor: não se esqueçam que o famoso “CADICuTu” é agravante ou qualificadora de vários crimes. Aqui no seqüestro e cárcere privado, exclua tudo, exceto o “CAD”, deixando apenas o cônjuge, ascendente e descendente. Dentro do “cônjuge” admite-se também o(a) companheiro(a). Irmão responde pelo caput. E finalmente se o crime for praticado contra maior de 60 anos. O tempo de restrição de liberdade em si não faz diferença, mas a partir do momento em que há animus contrário do sujeito passivo, o crime já está consumado. Deve haver uma vontade contrária da pessoa. Deve haver ânimo contrário do sujeito passivo para se considerar o caput.

Outra qualificadora: 2 a 8 anos de reclusão, se por acaso em função dos maus tratos causar-se um grave sofrimento psíquico ou físico. Deixar a vítima aos ratos, em ambiente nocivo à saúde,  sem condições de higiene, ou ainda em local previamente preparado para causar dano psicológico, como sala cheia de fotos desagradáveis.

Qualificação doutrinária do crime de seqüestro e cárcere privado:

Redução a condição análoga à de escravo

Art. 149:

        Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: 

        Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência. 

        § 1o Nas mesmas penas incorre quem: 

        I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; 

        II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.

        § 2o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido: 

        I – contra criança ou adolescente; 

        II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem. 

Crime intimamente ligado a ao trabalho. É forçar a um trabalho excessivo, a uma jornada excessiva, com condições de trabalho degradantes, ou, por qualquer meio, limitar a capacidade de locomoção para outro lugar. A partir do momento em que limito alguém a sair do local de trabalho, seja por retenção de documentos, dívida, etc, já estou limitando o direito de ir e vir e praticando a conduta de reduzir à condição análoga à de escravo. Acontece muito em fazendas.

Também se aplica àquele que vigia ostensivamente, especialmente com segurança armada. Reter a carteira de trabalho, para alguém de renda mais baixa, é uma das piores coisas que pode ocorrer.  Tanto os vigias quanto o empregador responderão pelo crime.  

Causa de aumento: no art. 149, temos a situação em relação a criança ou adolescente. Criança até 12 anos completos, adolescente de 12 a 18. Ao fazer 18, já é adulto.


Continuaremos depois. Não esqueçam do IML na quinta, 8/10.
  1. Apenas se lembrem que não são admitidas colas. A professora aceita que se coloque a pequena observação junto ao art. 146: “art. 23, inciso I”, mas nada de escrever “excludente de ilicitude – estado de necessidade”, por exemplo.
  2. Trecho retirado da obra de Fernando Capez.