Direito Penal

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Extorsão indireta, usurpação, dano e apropriação indébita

Tópicos:

  1. Extorsão indireta
  2. Capítulo III – da usurpação
  3. Alteração de limites
  4. Supressão ou alteração de marca em animais
  5. Dano
  6. Introdução ou abandono de animais em propriedade alheia
  7. Dano em coisa de valor artístico, arqueológico ou histórico
  8. Apropriação indébita
  9. Apropriação indébita previdenciária

Extorsão indireta

Na última aula falamos sobre o final do furto, roubo e extorsão. Falta falar sobre a extorsão indireta, fechando o Capítulo II do Título II da Parte Especial do Código Penal.

Art. 160:

       Extorsão indireta

        Art. 160 - Exigir ou receber, como garantia de dívida, abusando da situação de alguém, documento que pode dar causa a procedimento criminal contra a vítima ou contra terceiro:

        Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.

A extorsão indireta é a forma de extorsão em que a pessoa usa de documento de outra, abusando de sua situação de necessidade, sendo que esse documento é capaz de dar início a qualquer ação criminal.

O exemplo mais clássico de extorsão indireta ocorre quando alguém aceita, como garantia de dívida, um cheque sabidamente sem fundo. O cheque pode dar início a uma ação penal por estelionato. Então abusa-se da situação de necessidade de uma pessoa, emprestando a ela qualquer bem de valor e empregando, como garantia de dívida, qualquer documento que tenha condições de dar início a uma ação penal. O documento funciona como um instrumento de coação ou chantagem. Pode ser, além do cheque, um documento de próprio punho em que a vítima alega ter cometido um crime. Tem que ser documento escrito. A extorsão indireta é um abuso de necessidade garantido por um documento escrito que possa ensejar ação penal.

O verbo é ordenar ou receber. Quem determina que alguém entregue o documento comprometedor, ou simplesmente o recebe. Não necessariamente tem-se dolo direto, mas também dolo eventual: “Recebi mesmo esse cheque dele, e está aqui como garantia.”

Vamos à qualificação doutrinária.

 

Capítulo III – da usurpação

Todos os crimes de usurpação se referem à propriedade imóvel, com exceção do crime de supressão ou alteração de marcas em animais (art. 162).

Alteração de limites

CAPÍTULO III
DA USURPAÇÃO

        Alteração de limites

        Art. 161 - Suprimir ou deslocar tapume, marco, ou qualquer outro sinal indicativo de linha divisória, para apropriar-se, no todo ou em parte, de coisa imóvel alheia:

        Pena - detenção, de um a seis meses, e multa.

        § 1º - Na mesma pena incorre quem:

        Usurpação de águas

        I - desvia ou represa, em proveito próprio ou de outrem, águas alheias;

        Esbulho possessório

        II - invade, com violência a pessoa ou grave ameaça, ou mediante concurso de mais de duas pessoas, terreno ou edifício alheio, para o fim de esbulho possessório.

        § 2º - Se o agente usa de violência, incorre também na pena a esta cominada.

        § 3º - Se a propriedade é particular, e não há emprego de violência, somente se procede mediante queixa.

Temos usurpação simples, que é o crime do art. 161. Usa-se da supressão e alteração para alterar um limite de terra.

A partir desse momento temos a configuração da usurpação, seja esse limite estabelecido pela cerca, divisória, tapume, ou então pela árvore que os vizinhos convencionaram como o marco entre as duas propriedades.

No art. 161, caput, temos a alteração em relação aos limites da terra. No § 1º, temos a tipificação do crime de usurpação de águas. Exemplo: temos um pequeno rio e várias casas à margem, que foram compradas em função da presença daquele rio ali. Se um dos moradores resolve construir uma represa, os outros não terão mais rio passando perto de suas casas. Isso é usurpação. O mesmo também para desviar o rio. Cuidado: a usurpação de águas só se verificará se a venda das casas tiver sido condicionada à existência desse rio.

Em regra, o caput fala do limite da terra. O agente altera os limites para tomar uma parte de terra para si.
No § 1º temos a previsão para águas. Na usurpação de águas, o impedimento não precisa ser total para que o crime se configure.

No inciso II do § 1º temos o esbulho possessório. É a invasão de prédio ou terreno, sendo prédio qualquer edificação. Lembrem-se: tudo neste capitulo se refere a bens imóveis, exceto o art. 162. Terreno: solo sem edificação.

No esbulho, para que tenhamos crime, precisamos ter a invasão do prédio com mais de duas pessoas ou que a invasão seja feita com violência ou grave ameaça. Se a conduta é praticada com intenção de apossamento, falamos em esbulho possessório, crime que recebe a mesma pena do caput. A violência ou grave ameaça é à pessoa, não à coisa.

Se o ato resultar em violência superior à lesão corporal leve, responderá o sujeito pelo crime de usurpação mais a lesão corporal grave ou gravíssima. Se resultar em morte, ele responderá também por homicídio. Ambos os concursos são materiais. Só não se responde por dois crimes se por acaso a violência resultar somente em vias de fato ou lesão corporal simples, pois neste caso ainda estamos na norma do esbulho.    

Qualificação doutrinária:

Supressão ou alteração de marca em animais

Art. 162:

        Supressão ou alteração de marca em animais

        Art. 162 - Suprimir ou alterar, indevidamente, em gado ou rebanho alheio, marca ou sinal indicativo de propriedade:

        Pena - detenção, de seis meses a três anos, e multa.

Também é caso de usurpação, mas são bens móveis, porque os animais são semoventes.

Na supressão ou alteração de marcas, o agente pratica a conduta para conseguir uma maior parte de um rebanho. Diga que haja uma Fazenda que abrigue gado de dois pecuaristas, cada um com uma certa quantidade de cabeças de gado. As vacas do Paulo estão gravadas com a letra P, e as do Ronaldo estão marcadas pela letra R. Num dia em que não há ninguém vendo, Ronaldo aproveita para pegar uma vaquinha com a letra P e adiciona a “perninha” para transformá-la na letra R. A marca foi alterada, e Ronaldo incide no caput.

O que é rebanho: a doutrina diz que é um conjunto de animais de pequeno porte. E as galinhas? Não recebem marca com ferro em brasa, claro, mas um anel identificador na pata. Num certo estado brasileiro, onde havia duas granjas adjacentes, um avícola alterou os anéis das galinhas do vizinho. E, apesar do princípio da reserva legal, sua criação foi considerada rebanho para fins penais. Claro que foi no Rio Grande do Sul.

Vamos achar doutrina dizendo que não admite tentativa. Mas admite sim. Qual seria uma situação de tentativa? O agente pega a galinha e, na hora em que vai alterar os anéis, alguém o flagra.

Qualificação doutrinária:

  1. Objetividade jurídica: proteção ao patrimônio dos bens imóveis;
  2. Sujeito ativo: qualquer pessoa;
  3. Sujeito passivo: é o proprietário dos animais;
  4. Tipo objetivo: suprimir (eliminar), alterar (mudar);
  5. Tipo subjetivo: dolo, intenção livre e consciente;
  6. Ação penal: pública incondicionada;
  7. Formal, comum, de ação livre, instantâneo e de dano;
  8. Tentativa: admissível, em face do desdobramento do iter criminis.

Para fechar a usurpação: em regra, falamos de proteção ao patrimônio de imóveis. A exceção são os animais.
 

Dano

Art. 163:

CAPÍTULO IV
DO DANO

        Dano

        Art. 163 - Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia:

        Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

        Dano qualificado

        Parágrafo único - Se o crime é cometido:

        I - com violência à pessoa ou grave ameaça;

        II - com emprego de substância inflamável ou explosiva, se o fato não constitui crime mais grave

        III - contra o patrimônio da União, Estado, Município, empresa concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista; (Redação dada pela Lei nº 5.346, de 3.11.1967)

        IV - por motivo egoístico ou com prejuízo considerável para a vítima:

        Pena - detenção, de seis meses a três anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

O que vem a ser? A norma do crime de dano existe para a proteção do patrimônio. O dano é, então, a destruição, inutilização ou deterioração de coisa alheia. Seja ela bem móvel ou um bem imóvel. A doutrina faz a diferença entre destruição, inutilização e deterioração.

  1. Destruição: fazer em partes; desmanchar.
  2. Inutilizar: tornar a coisa imprestável, imprópria.
  3. Deteriorar: estragar em parte a coisa.

Bitencourt e Magalhães Noronha usam a expressão “fazer desaparecer”. Capez não faz observação sobre essa expressão. Essa diferença, dizendo que fazer desaparecer não é crime de dano, foi colocada no anteprojeto do próximo Código Penal. Então, na situação de furto, poderia haver a perseguição em que o ladrão jogava a coisa no rio. Respondia pelo furto. E no caso do dano? Alguém pega algo e joga imediatamente no rio, fazendo a coisa desaparecer para sempre, mas não pegou com vontade de se assenhorar. Neste caso não se pode responder por furto. Nem roubo, caso tenha havido violência ou grave ameaça. Para Capez, responde-se por dano. Para ele, fazer desaparecer = destruir. Para Bitencourt e Magalhães Noronha não é verdade, porque não temos mais a coisa própria. A coisa em si, na verdade, está intacta, só está desaparecida. Se só desaparece, a coisa própria ainda existe, então não há que se falar em crime de dano. Seria fato atípico, respondendo o sujeito só no cível por isso.

Acham-se decisões nos dois sentidos. Por isso a importância dessa diferença. Não se trata de destruição porque, quando se desparece com o objeto, ele ainda é próprio. Mas se desmancho a coisa para fazê-la desaparecer, temos destruição, então há dano.

O que seria uma destruição? Tomemos um relógio. Destruir seria fazê-lo em pedaços. Inutilizar: tirar os ponteiros, ou as engrenagens. E quanto à castração de animais, temos inutilização ou deterioração? Depende. Se o animal era o garanhão reprodutor, sua castração implica inutilização. Se ele é um animal comum, a castração pode ser entendida como uma deterioração. Será uma ou outra. Na prática, essa diferenciação não acontece muito, ela é feita mais para fins doutrinários e de prova.

Parágrafo único: causa de aumento ou qualificadora? Temos nova pena, então os incisos são qualificadoras. Cuidado com a doutrina, que falará em “dano majorado”. Não é dano majorado, pois majorante é causa de aumento, e aqui temos qualificadoras.

Quando teremos o crime qualificado de dano? Quando tivermos violência ou grave ameaça à pessoa. O cuidado que temos que ter nessa qualificadora é que o crime de dano não se confunde com furto ou roubo. No furto e no roubo há vontade de assenhorar, enquanto que no crime de dano a vontade é de destruir, inutilizar ou deteriorar.

O que temos que ter cuidado? Questão de prova: se alguém se utiliza da violência ou grave ameaça após o dano, responderia o agente pelo dano simples mais a violência, ou pelo dano qualificado? Para que se tenha dano qualificado pela violência ou grave ameaça, ela tem que ser anterior ou concomitante ao dano. Se for posterior, responde-se em concurso material pelo dano e pela violência ou grave ameaça.

Também temos dano qualificado quando usamos explosivo ou material inflamável para destruir, inutilizar ou deteriorar. Se por acaso o explosivo ou material inflamável foi capaz de colocar em risco a pessoa, estaremos no art. 250 ou 251. Não pode causar risco às pessoas; se causar, não responde o sujeito por dano qualificado.

Patrimônio público: que patrimônio público é esse? Bens da União, dos estados, dos municípios, das concessionárias públicas e das sociedades de economia mista. Trabalhamos com o princípio da reserva legal. E aí, dentro do inciso III, falamos do Distrito Federal ou das permissionárias do serviço público? Não. Então, como fica a situação do DF e das permissionárias? A jurisprudência já se manifestou nos dois sentidos: há e não há o crime de dano qualificado. Não há manifestação nem do Superior Tribunal de Justiça nem do Supremo Tribunal Federal a respeito. No TJDFT, o que temos? Ao destruir banco da praça, o sujeito não responderá por dano qualificado.

Motivo egoístico: não pensem que esse motivo é raiva, inveja, dor de cotovelo, que são coisas já abrangidas dentro do dano, do caput. O motivo egoístico, então, não pode ser simplesmente a raiva, o ódio, ou o ciúme; é necessário que as circunstâncias sejam mais graves. É o que se chama de “motivo do motivo”. Lembram da dosimetria e as circunstâncias do art. 59? Achamos isso na obra de Bitencourt e de Magalhães Noronha. Exemplo: castrar animal alheio para não haver competição na venda de sêmen. Ou destruir outro carro de corrida para que se obtenha vantagem na competição. O ônus de comprovação é do Ministério Público.

Prejuízo considerável à vítima: quando a destruição de algo é grande para a vítima? O valor sentimental não qualifica o dano. O prejuízo considerável que tem que ser um valor econômico. Se for a bicicleta de 1990 que vale hoje R$ 23,00, mas que é o transporte da pessoa, então sim, há prejuízo grande para a vítima, e o dano é qualificado. O prejuízo tem que ser patrimonial. Para o valor sentimental temos a indenização por dano moral no cível.
 

Introdução ou abandono de animais em propriedade alheia

Art. 164:

        Introdução ou abandono de animais em propriedade alheia

        Art. 164 - Introduzir ou deixar animais em propriedade alheia, sem consentimento de quem de direito, desde que o fato resulte prejuízo:

        Pena - detenção, de quinze dias a seis meses, ou multa.

É um crime de dano também: desde que o fato resulte prejuízo! Então também há dano. Para introduzir animais nalgum lugar, deve haver um ato comissivo para tal. Ou simplesmente deixar-se o animal adentrar em propriedade alheia. Se não causar prejuízo, não falamos em nenhum crime. Se minha cabra comer a horta do vizinho, falamos em dano.

Também há o dano específico e o dano genérico em relação à introdução de animais. O que seriam o dano específico e o dano genérico? O específico praticado com dolo específico: introduzo o animal. No dano genérico, temos dolo eventual. Deixei as cabras soltas, e, se entrarem na casa do vizinho, entraram. Prevejo o resultado e não me importo.

Essa introdução de animais pode ser tanto introduzir como deixar entrar.

Não admite tentativa. Por quê? Porque o crime é condicionado ao efetivo prejuízo. Aconteceu o prejuízo, temos o crime. Deixei o animal porque queria que ele comesse toda a plantação.

Observação: não existe dano na forma culposa no Código Penal, só em legislação especial.

Art. 167:

        Ação penal

        Art. 167 - Nos casos do art. 163, do inciso IV do seu parágrafo e do art. 164, somente se procede mediante queixa.

 

Dano em coisa de valor artístico, arqueológico ou histórico

Arts. 165 e 166:

        Dano em coisa de valor artístico, arqueológico ou histórico

        Art. 165 - Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa tombada pela autoridade competente em virtude de valor artístico, arqueológico ou histórico:

        Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

        Alteração de local especialmente protegido

        Art. 166 - Alterar, sem licença da autoridade competente, o aspecto de local especialmente protegido por lei:

        Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa.

Esses dois artigos foram revogados pela Lei 9605 de 1998. É uma Lei específica. Quando falamos em dano a coisa protegida por lei, ato administrativo ou decisão judicial, temos outra pena. Não aplicamos o art. 165, mas a Lei 9605. Risquem o art. 166 em seus Códigos e coloquem essa observação. Pelo princípio da especialidade, a lei específica será aplicada em detrimento da lei genérica. Art. 62 da Lei 9605:

Seção IV

Dos Crimes contra o Ordenamento Urbano e o Patrimônio Cultural

        Art. 62. Destruir, inutilizar ou deteriorar:

        I - bem especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial;

        II - arquivo, registro, museu, biblioteca, pinacoteca, instalação científica ou similar protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial:

        Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.

        Parágrafo único. Se o crime for culposo, a pena é de seis meses a um ano de detenção, sem prejuízo da multa.

Dano em coisa de valor artístico, arqueológico ou histórico era dano a coisa tombada. Era isso, mas não é mais. Temos agora dano a coisa que seja protegida por lei, ato administrativo ou decisão judicial. E aqui sim temos modalidade culposa. Quando essa coisa for danificada culposamente, teremos a previsão de culpa. Neste caso aplicamos a pena menor.

Há dano culposo? Não no Código Penal. É fato atípico, e a pessoa só responderá na esfera cível. Então a previsão da Lei 9605 é a única possibilidade de dano na forma culposa.

O mesmo para o art. 166. A partir do momento em que o Código Penal fala em local protegido por lei, ao se ter alteração da estrutura do local, temos crime. A lei 9605 dispõe que há o crime se é feita alteração de lugar protegido por lei ou se feita em desconformidade com a licença obtida para essa alteração. Lei, ato administrativo ou decisão judicial. Temos, portanto, um alargamento do art. 166. A tutela jurídica está não apenas para os lugares do Código Penal, mas também pelos previstos em lei.

O plano arquitetônico de Brasília é tombado. “Puxadinho” nas comerciais nada mais é que uma alteração de local protegido por lei. Também quando se tem a autorização para modificar, mas ela não é seguida, ou quando a autorização é extrapolada.

Crime subsidiário: princípio da consunção. No crime de dano, temos que ver se realmente a intenção do agente era de destruir, inutilizar ou deteriorar. Se tenho inveja dos óculos de alguém, e desfiro um tapa na cara do felizardo pretendendo quebrar-lhe a armação, respondo pelo dano qualificado (já que fiz com violência), ou pelo dano e pela lesão corporal? Só pelo dano qualificado pela violência, pois a intenção era só destruir os óculos.

Para saber, basta verificar a intenção do agente. Se quero bater no indivíduo, não respondo pelo dano, pois os óculos eram apenas “uma pedra no meio do caminho”. Até porque acerto a coisa culposamente. Pode-se discutir entretanto que, se pretendo agredir alguém que usa óculos, é perfeitamente previsível o dano ao objeto, e provavelmente estarei agindo com dolo eventual, pois causarei dano, e não me importarei com o resultado. Eu deveria, portanto, responder pela lesão corporal em concurso material com o dano praticado com dolo eventual. Mas isso ainda não é aceito, salvo numa monografia ou numa questão subjetiva. Não aceitem isso para responder questões objetivas.
 

Apropriação indébita

Art. 168:

CAPÍTULO V
DA APROPRIAÇÃO INDÉBITA

        Apropriação indébita

        Art. 168 - Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção:

        Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

        Aumento de pena

        § 1º - A pena é aumentada de um terço, quando o agente recebeu a coisa:

        I - em depósito necessário;

        II - na qualidade de tutor, curador, síndico, liquidatário, inventariante, testamenteiro ou depositário judicial;

        III - em razão de ofício, emprego ou profissão.

Essa apropriação é diferente de subtração. Por quê? Nesta, pego a coisa sem o consentimento da vítima. Na apropriação, temos inversão no animus. Chama-se isso de animus nocendi: intenção de prejudicar. Na apropriação temos a entrega da coisa, de boa-fé, pelo legítimo possuidor ou proprietário para o agente. O agente não subtraiu, e não toma a coisa contrariamente à vontade do dono. Ele recebe espontaneamente, e sabe que terá que devolver no futuro. A partir do momento em que a pessoa que recebeu está no poder da coisa, ela pode ter vontade de ser dona, e tem vontade de assenhoramento.  Nisso temos a apropriação indébita. A apropriação indébita só acontece no momento em que o legítimo possuidor ou proprietário pede a coisa de volta e o agente nega. Note que, quando o legítimo possuidor ou proprietário entrega ao agente, o agente estava, àquele momento, de boa-fé. Se restar provado que estava de má-fé, não falamos mais em apropriação indébita, mas em estelionato.

A apropriação indébita é diferente do furto porque neste temos a retirada da coisa sem a vontade do dono. Na apropriação, temos a entrega da coisa pelo dono.

Causa de aumento em 1/3: quando a coisa é entrega em função de um depósito necessário. É o “depósito miserável”, em função de uma calamidade. Não tenho onde botar meu microondas na enchente. Entrego para alguém que mora numa casa mais alta e a pessoa recebe de boa-fé. Depois de ter o microondas sob sua posse, o depositário pode gostar do aparelho, e querer ficar com ele.

Inciso II: é um rol taxativo. Essas pessoas que têm a detenção, a posse da coisa em razão de tem essa condição terão causa de aumento. Não existe apropriação indébita qualificada, mas apropriação indébita majorada.

Por fim, é bom nos perguntarmos se há causa de aumento se a coisa é entregue em razão do ofício, emprego ou profissão no seguinte caso: o operador de caixa da loja recebe dinheiro dos clientes, e o coloca no caixa em função do ofício ou emprego. Ele recebe o dinheiro de boa-fé. A partir do momento em que aquilo está ali, falamos em furto ou apropriação indébita caso ele resolva levar para casa? Furto! Porque não tivemos o consentimento do dono da loja. A vítima é o dono da loja. Costuma cair em prova. Importa saber quem entrega e para quem. Quem entrega tem que ser a vítima.
 

Apropriação indébita previdenciária

Art. 168-A:

        Apropriação indébita previdenciária 

        Art. 168-A. Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional: 

        Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. 

        § 1o Nas mesmas penas incorre quem deixar de: 

        I – recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público;  

        II – recolher contribuições devidas à previdência social que tenham integrado despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços;  

        III - pagar benefício devido a segurado, quando as respectivas cotas ou valores já tiverem sido reembolsados à empresa pela previdência social.  

        § 2o É extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, declara, confessa e efetua o pagamento das contribuições, importâncias ou valores e presta as informações devidas à previdência social, na forma definida em lei ou regulamento, antes do início da ação fiscal. 

        § 3o É facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a de multa se o agente for primário e de bons antecedentes, desde que:  

        I – tenha promovido, após o início da ação fiscal e antes de oferecida a denúncia, o pagamento da contribuição social previdenciária, inclusive acessórios; ou  

        II – o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido pela previdência social, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais.

Deixar de repassar aos cofres da previdência os valores das contribuições sociais e previdenciárias dos segurados. Quando deixo de repassar a contribuição previdenciária, o desconto do INSS feito no salário, que é feito em folha de pagamento pelo empregador, estamos fazendo apropriação indébita previdenciária. O caput, então, fala em deixar de repassar a contribuição previdenciária dos segurados.

§ 1º: temos duas condutas que incidem na mesma pena. Deixar de recolher, e não de repassar, a contribuição sobre o salário, e no inciso II falamos em recolhimento previdenciário sobre produtos ou serviços.

Não confundam, então. O caput fala em repasse, enquanto o § 1º fala em recolhimento.

Discussão: poderíamos ter essa modalidade culposa? Pode o sujeito dizer que não queria causar prejuízo ao erário? Para o STF, sim. Para o Cespe, portanto, sim também. Na doutrina acharemos muita coisa diferente a esse respeito.

O § 2º: fala em extinção da punibilidade, que deve obrigatoriamente ser observada pelo juiz caso o agente pague integralmente o débito antes da propositura da ação fiscal. Não confundam, evidentemente, com ação penal, que começa com o oferecimento da denúncia ou queixa-crime. A ação fiscal inicia com a entrega da notificação do auto de infração, e essa notificação tem que ser válida. Então, se o agente paga integralmente o débito, é extinta a punibilidade.

O § 3º fala da faculdade da extinção de punibilidade. Significa que o juiz poderá aplicar a extinção em duas hipóteses: ação fiscal já se iniciou, ou seja, o sujeito já foi notificado do auto de infração, mas a ação penal ainda não, então não houve oferecimento da denúncia. Nesse meio-tempo, ele paga integralmente o débito. Então, criminalmente, o juiz pode deixar de aplicar a pena. A segunda hipótese que temos dessa faculdade de extinção de punibilidade é se por acaso o débito não for superior ao mínimo exigido para a execução fiscal. A Fazenda não executa qualquer valor; a partir do momento em que se tem uma execução fiscal, com cobrança judicial daquele crédito fiscal da Fazenda, teremos a utilização do Poder Público. Como movimentar a máquina custa dinheiro, a Fazenda coloca um limite, na Lei 10522, no art. 20:

A Fazenda não executa se o valor for igual ou inferior a 10 mil Reais. Não teremos execução fiscal. É o que diz a Lei 10522 no art. 20. Se seu débito em relação à previdência for menor que R$ 10.000,00, o juiz poderá declarar a extinção de punibilidade.