Art. 130:
CAPÍTULO III DA PERICLITAÇÃO DA VIDA E DA SAÚDE Perigo de contágio venéreo Art. 130 - Expor alguém, por meio de relações sexuais ou qualquer ato libidinoso, a contágio de moléstia venérea, de que sabe ou deve saber que está contaminado: |
É um capítulo do Código Penal sobre o qual temos certa divergência. Estamos acostumados a lidar com coisas racionais, e que de preferência nos levem a uma solução certa. O Direito não é certo; ele se faz por posicionamentos. Nos crimes contra o patrimônio, ocorre muita divergência tanto na doutrina quanto na jurisprudência. É fácil haver modificação nas duas. Então, devemos adotar um posicionamento e fundamentar. Se ninguém mais o adota, então pode ser caso para repensá-lo. Procure pesquisar sobre outro pensador que corrobore essa visão. Por quê? Por que, aqui nos crimes de perigo, e na periclitação da vida e da saúde, deve-se tomar cuidado, principalmente quem adota a obra de Fernando Capez, que diz que nos crimes de perigo não existe a questão da forma, como se falar em crime formal ou material. Ele adota os conceitos de perigo concreto e abstrato. O concreto é o que tem que ser aferido caso a caso, enquanto o abstrato é o notório, e dispensa a discussão. A professora não gosta dessa parte específica da obra de Capez portanto não a adota, mas jamais retira a recomendação para que leiamos o autor. O Cespe também não adota o Capez nesse ponto.
Então voltemos aos crimes de perigo.
Quando falarmos em perigo de contágio venéreo, teremos uma situação de exposição. Essa é a ação nuclear do tipo. Para a consumação do crime, basta a mera exposição. A tentativa não está ligada à transmissão; mas o agente tenta ter relação sexual com aquela pessoa e não consegue. A transmissão é mero exaurimento do crime. Acharemos divergência dizendo que, no caput, quando menciona que o agente deveria saber que está contaminado, isso não seria uma situação de culpa, mas de dolo eventual. Mas nesse particular a jurisprudência adota o posicionamento de Magalhães Noronha. Então falamos na modalidade culposa sim: a pessoa que deveria saber que estava contaminada em função dos atos praticados anteriormente: se ela é sexualmente ativa, tem muitos parceiros e não costuma usar preservativo, é de se pensar que ela provavelmente tem uma moléstia.
A culpa será consciente ou inconsciente? Não fará diferença.
Logo, para haver perigo de contágio venéreo, temos que ter duas situações: transmissão por meio do ato libidinoso, ou por meio de relação sexual. Ao tentar transmitir a moléstia com a mão, não estamos mais no crime de perigo de contágio venéreo, mas lesão corporal. Caiu na prova do Cespe se era possível enquadrar neste artigo a transmissão da moléstia com a mão. Então, para que se tenha perigo de contágio venéreo, basta haver a mera exposição de uma DST. O método de transmissão tem que ser ato libidinoso ou relação sexual. E nisso existe mais uma divergência, sobre AIDS: Magalhães Noronha admite a AIDS como doença venérea, enquanto Capez e Nucci entendem que doença não estaria dentro do conceito de doença venérea. Vejamos: o contágio é mera exposição, assim já temos o crime consumado. Se houver qualquer resultado, o crime não é simplesmente de expor. Se a pessoa é contaminada mesmo, então já passamos para um crime mais grave: lesão corporal ou homicídio. Por isso a situação da AIDS ficou um pouco complicada nessa discussão. É DST, de acordo com Magalhães. Se expuser e a vítima não pegar a doença, já temos pelo menos o perigo de contágio venéreo. A outra parte da doutrina dirá que AIDS não é perigo de contágio venéreo, pois, como não tem cura, no momento em que se expõe, há o risco assumido de matar ou há o próprio animus necandi, então fala-se em homicídio.
Logo,
para que se configure o
crime de perigo de contágio venéreo tem que ter relação sexual ou ato
libidinoso. Se pegar a doença, será caso de lesão corporal ou homicídio.
Perigo
de contágio de moléstia grave
Art. 131:
Art. 131 - Praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de
que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa. Perigo para a vida ou saúde de outrem |
O
perigo de contágio de moléstia
grave é mais amplo, porque pode se dar por qualquer meio de
transmissão. Não
precisa ser por ato libidinoso. Para que se verifique o crime de perigo
de
contágio de moléstia grave, precisa-se de perícia técnica. É outra
situação de exposição de perigo,
porque a partir do
momento em que a pessoa é contaminada, não falamos mais em perigo, mas
em lesão
corporal ou homicídio.
Perigo
para a vida ou saúde de outrem
Art. 132:
Art. 132 - Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente: Pena - detenção, de três meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave. Parágrafo único. A pena é aumentada de um sexto a um terço se a exposição da vida ou da saúde de outrem a perigo decorre do transporte de pessoas para a prestação de serviços em estabelecimentos de qualquer natureza, em desacordo com as normas legais. |
O cuidado aqui é com os crimes de perigo comum, a partir do art. 250. A situação de perigo pode ser qualquer uma, e será verificado caso a caso. Este é um crime residual, subsidiário, e só será enquadrado quando não se puder enquadrar a conduta em mais nenhum outro tipo. Vamos qualificar doutrinariamente.
Muito se cobra sobre o disparo de arma de fogo. E também a situação da pessoa que, embriagada, dirige ao volante. Se for o primeiro caso, aplicamos a lei do desarmamento, que é a lei especial, por força do princípio da especialidade. E, quanto ao alcoolizado no volante, aplicamos o art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro:
Art. 306. Conduzir
veículo automotor, na via pública, estando com concentração de
álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou
sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine
dependência: (Redação dada pela Lei Seca) Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. |
Antes de 1997, portanto, antes de 23 de janeiro de 1998, que foi quando o CTN entrou em vigor, ao agente que dirigisse alcoolizado seria imputado o crime de perigo para a vida ou saúde de outrem.
A outra situação que temos é a causa de aumento no parágrafo único:
Parágrafo único. A pena é aumentada de um sexto a um terço se a exposição da vida ou da saúde de outrem a perigo decorre do transporte de pessoas para a prestação de serviços em estabelecimentos de qualquer natureza, em desacordo com as normas legais. (Incluído pela Lei nº 9.777, de 29.12.1998) |
Significa que a causa de aumento não incide se o transporte é para lazer. Se é para lazer, em razão do princípio da reserva legal, não poderemos aplicar. Essa norma surgiu para acabar com o risco para a atividade dos bóias-frias, mas não teve eficácia alguma. Não interessa se é transporte público ou particular. E mais uma situação: para que se aplique essa causa de aumento, o transporte deverá estar sendo feito em desacordo com as normas legais. Na prova cairá de maneira bem besta. Cuidado também na hora de aplicar o CTN em vez do CP.
Se sobrevier uma situação de lesão corporal, responde-se por lesão corporal. Se sobrevier a morte, o sujeito responde por homicídio culposo.
Vamos agora dar um pulo para o art. 250:
TÍTULO VIII DOS CRIMES CONTRA A INCOLUMIDADE PÚBLICA CAPÍTULO I DOS CRIMES DE PERIGO COMUM Incêndio Art. 250 - Causar incêndio, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem: Pena - reclusão, de três a seis anos, e multa. Aumento de pena § 1º - As penas aumentam-se de um terço: I - se o crime é cometido com intuito de obter vantagem pecuniária em proveito próprio ou alheio; II - se o incêndio é: a) em casa habitada ou destinada a habitação; b) em edifício público ou destinado a uso público ou a obra de assistência social ou de cultura; c) em embarcação, aeronave, comboio ou veículo de transporte coletivo; d) em estação ferroviária ou aeródromo; e) em estaleiro, fábrica ou oficina; f) em depósito de explosivo, combustível ou inflamável; g) em poço petrolífico ou galeria de mineração; h) em lavoura, pastagem, mata ou floresta. Incêndio culposo § 2º - Se culposo o incêndio, é pena de detenção, de seis meses a dois anos. |
Note que o art. 250 está no Capítulo I (dos crimes de perigo comum) do Título VIII, que é o título dos crimes contra a incolumidade pública. Veja bem: perigo comum. Lembram que falamos em pessoas certas e determinadas no sujeito passivo do tipo penal do art. 132? Não é o caso aqui. Se estamos num avião, o grupo de passageiros é determinado e seleto. Mas, se tenho uma cerca eletrificada, e fico torcendo para que invadam meu domicílio, não falamos mais em grupo certo, pois qualquer um poderá cair na armadilha do ofendículo. Daí perigo comum.
E o avião que estiver para cair sobre uma região habitada? Ele poderá muito bem cair na cabeça de alguém. Neste caso sim, é argüível a imputação de crime de perigo comum.
O
crime de perigo para a vida ou
saúde de outrem não admite tentativa para a maior parte da doutrina.
Entretanto
para a jurisprudência é perfeitamente admissível. Capez, Nucci e Cespe
admitem.
Art. 133:
Abandono de incapaz Art. 133 - Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono: Pena - detenção, de seis meses a três anos. § 1º - Se do abandono resulta lesão corporal de natureza grave: Pena - reclusão, de um a cinco anos. § 2º - Se resulta a morte: Pena - reclusão, de quatro a doze anos. Aumento de pena § 3º - As penas cominadas neste artigo aumentam-se de um terço: I - se o abandono ocorre em lugar ermo; II - se o agente é ascendente ou descendente, cônjuge, irmão, tutor ou curador da vítima. III – se a vítima é maior de 60 (sessenta) anos (Incluído pela Lei nº 10.741, de 2003) |
Abandonar incapaz é deixar de prestar assistência a ele. É pessoa que está sobre seu cuidado, autoridade ou vigilância.
É considerado crime formal. Basta o ato de abandonar, e não precisa de nenhum resultado naturalístico para que se verifique o crime.
Outra observação: abandonar é não querer mais o incapaz. Abandonar temporariamente, por outro lado, configura o crime de maus-tratos.
Situações qualificadas:
§§ 1º e 2º:
§ 1º - Se do abandono resulta lesão corporal de natureza grave: Pena - reclusão, de um a cinco anos. § 2º - Se resulta a morte: Pena - reclusão, de quatro a doze anos. |
São
qualificadoras, então substituímos
a pena do caput, ainda na primeira
fase. Temos também causas de aumento: se por acaso abandona-se o
incapaz, que
não necessariamente é uma criança, em local ermo, há aumento de pena de
1/3. O local
ermo é um local solitário, com pouco fluxo de pessoas. Segunda causa de
aumento:
ser o agente cônjuge, ascendente, descendente, irmão, curador, tutor da
vítima.
Macetinho: “CADICuTu”. Isso porque a assistência relativa a essas
pessoas
presume-se maior. Terceira possibilidade de causa de aumento: ser a
vítima maior
de 60 anos. Esse inciso foi acrescentado com o Estatuto do Idoso.
Art. 134:
Art. 134 - Expor ou abandonar recém-nascido, para ocultar desonra
própria: Pena - detenção, de seis meses a dois anos. § 1º - Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave: Pena - detenção, de um a três anos. § 2º - Se resulta a morte: Pena - detenção, de dois a seis anos. |
Encontraremos jurisprudência dizendo que o disposto neste tipo penal é um privilégio em relação ao abandono de incapaz. Não aceitem isso. Abandono de recém-nascido é deixar o recém-nascido sem assistência. Vamos qualificar.
Causas de aumento:
Se
resultar lesão corporal grave
ou gravíssima ou morte, não estamos mais na pena do caput,
mas na da qualificadora. A pena, que era detenção de seis
meses a dois anos, passará para detenção de um a três anos, caso
resulte lesão
corporal grave ou gravíssima, ou detenção de dois a seis anos, se
resultar
morte.
Art. 135:
Omissão de socorro Art. 135 - Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa. Parágrafo único - A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte. |
Omissão de socorro é deixar de prestar assistência podendo fazê-lo sem prejuízo de exposição própria a uma pessoa que esteja em situação de perigo iminente. Também considera-se omissa a pessoa que deixa de ligar para a autoridade competente pelo socorro.
Notem que, no abandono de incapaz, há o liame do dever legal de cuidado, mas aqui não.
Isso é o caput.
Não pode haver situação de garante, ou de dever jurídico. Qualifiquemos o crime:
Quanto à omissão de socorro, já sabemos que a conduta está prevista dentro do homicídio culposo. Então, na situação de omissão de socorro juntamente com homicídio, a primeira pergunta a se fazer é: teve a omissão algum nexo de causalidade com aquele homicídio? Se sim, estamos dentro do homicídio culposo, no art. 121, § 4º.
Passar de carro por um acidente e não prestar socorro: responde-se por omissão de socorro, pois houve nexo com o resultado, caso as vítimas do acidente venham a morrer. Se, entretanto, o motorista pára o carro para socorrer as vítimas e se impressiona com o a cena sangrenta, também há relação de causalidade. Foi homicídio culposo. Neste caso responde-se por homicídio culposo qualificado. CUIDADO. Essa expressão é errônea, pois o § 4º é uma causa de aumento, e não uma qualificadora do homicídio culposo, então não se deve falar em homicídio culposo qualificado.
Não se responde pelos dois crimes.
O caput diz que a assistência tem que ser prestada desde que isso não importe risco pessoal. O risco patrimonial é irrelevante como escusa. Então, não pode o agente pretender se eximir da culpabilidade alegando que, em vez da vítima, ele preservava seu patrimônio.
Última observação: expor-se a perigo é entrar em estado de necessidade. Ninguém espera de nós uma situação de heroísmo.