Esclarecimento de dúvida sobre aulas passadas: “motivo torpe” e “torpeza”, apesar de haver parte da doutrina falando sobre a diferença entre os termos, se referem, para a corrente majoritária, à mesma situação. Não precisa saber a diferenciação, mas se vocês quiserem, está aqui: torpeza, para esses autores, pode ser considerada como o meio de execução: “ele foi morto com torpeza”, enquanto o motivo torpe se refere à subjetividade, como já sabemos: o motivo vil, cruel, repugnante para se praticar o crime.
Terminamos de estudar o homicídio, o homicídio simples, homicídio culposo e o homicídio privilegiado. Mas não tem como seguirmos em nosso conteúdo sem falar em aplicação de pena. Vamos, então, falar de aplicação de pena dentro do homicídio.
Sabemos que houve uma grande mudança no Tribunal do Júri. A regra é que, para crimes dolosos contra a vida, teremos julgamento pelo Tribunal do Júri. E, além disso, se falarmos em homicídio culposo, teremos, ao invés de enviar o caso ao júri, um procedimento ordinário com aplicação da pena pelo juiz da Vara Criminal. Enfim, no Tribunal do Júri, temos todas as circunstâncias sendo avaliadas e julgadas pelo conselho de sentença durante a quesitação. Apesar da mudança, a essência permanece. Há soberania dos veredictos, e o réu será julgado pelos seus pares, pela comunidade.
Na aplicação da pena, usamos o sistema tripartido para a aplicação.
A primeira fase, como sabemos, é a pena-base. Dentro do homicídio, podemos trabalhar com três penas-base. A primeira é do caput do art. 121, como “matar alguém” pura e simplesmente, que é de 6 a 20 anos. Podemos também estar falando de um homicídio qualificado, o que eleva a pena-base para 12 a 30. Ou então homicídio culposo, com pena de 1 a 3 anos. Logo na primeira fase de aplicação da pena teremos três penas: ou do caput, ou da qualificadora, ou da forma culposa. Teremos que ter isso em relação a todos os crimes. Por exemplo: lesão corporal. Usamos todos os parágrafos, para ver se há privilégio, se há qualificadora ou se o crime foi praticado na forma culposa.
No homicídio simples, com 6 a 20 anos, temos que dosar a pena. Devemos, portanto, nos ater às circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal. Nesse primeiro momento, em que individualizamos a pena, usamos as circunstâncias judiciais. Vejamos, portanto, uma a uma das circunstâncias judiciais:
CAPÍTULO III
DA APLICAÇÃO DA PENA
Fixação da pena
Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: I - as penas aplicáveis dentre as cominadas; II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos; III - o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade; IV - a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível. |
1 – Culpabilidade. Primeiramente tipificamos o crime. Feito isso, descobrimos a pena-base em abstrato, lendo o preceito secundário no Código ou na legislação especial que contém o crime. Ao aplicar as circunstâncias do art. 59, descobrimos a pena em concreto. Então, para o homicídio simples, começamos com os 6 anos e vamos aumentando de acordo com a culpabilidade. Atenção para o significado de culpabilidade aqui. Neste momento, não é para pensar em teoria finalista ou causal, mas em outra coisa: excesso no crime, expressão de Cezar Bittencourt. Esse é o significado de culpabilidade na dosimetria. Exemplo concreto: era uma vez uma bonita jovem que transitava pelo Setor Comercial Sul de Brasília. Encontrou dois rapazes que ali estavam fazendo compras para um estabelecimento rural, como ração para porcos e coisas afins. Conversaram por um tempo. Ao entardecer, ela pediu a eles uma carona, já que eles estavam a caminho da Granja do Torto, e era para aquela direção que ela desejava ir. Mas ela estava sendo sincera, e queria apenas a carona mesmo, e não estava usando da “boa vontade” dos dois para conseguir algo mais. Mas não foi isso que eles entenderam. Ao chegar à Granja, eles a jogaram num mato e a estupraram. Finalizado o ato, um deles, para que a vítima se lembrasse para sempre desse saudável momento em sua vida, entalhou seu nome na perna da jovem usando um canivete.
Isso
deveria ser “simplesmente”
um crime de estupro, mas o autor foi além, cometendo um excesso
no crime, algo desnecessário. Isso eleva a culpabilidade do
agente. Nisso, há
uma gravidade já na fixação da pena-base. Cuidado com o bis
in idem; se essa circunstância for considerada aqui, ela não
mais deve ser considerada em nenhum outro momento de aplicação da pena.
2 – Antecedentes. É a segunda circunstância judicial. O que vêm a ser os antecedentes? Daqui já surgem perguntas: inquérito é mau antecedente? Não, é necessário, antes que o sujeito seja considerado portador de maus antecedentes, o oferecimento da denúncia ou queixa-crime. E o reincidente, é também portador de mau antecedente? Sim, claro. Contudo, não vamos valorizar a reincidência aqui, pois ela também é agravante. Então, se a utlizamos nas circunstâncias judiciais, devemos deixar de usá-la como agravante. Não está errado, mas é melhor deixar os maus antecedentes para esta fase e a reincidência para as agravantes. Outra pergunta: criança infernal ao completar 18 anos. Esse marginal tem maus antecedentes? Não. Então, o que analisamos em relação aos antecedentes? Se há processos penais correndo contra o sujeito, ou se, terminado o cumprimento da pena, não tiverem decorrido 5 anos.
Não
se pode manter o sujeito como
eternamente como portador de maus antecedentes porque nossa
Constituição
garante que não haverá penas de caráter perpetuo.
3 – Conduta social
Agora
sim o jovem delinqüente
está desfavorecido. Todas as infrações praticadas por ele incidirão
para a
valoração da conduta social. Também se verifica se ela é, por exemplo,
frequentador de igreja, é
bom pai
de família, se tem boa convivência com a vizinhança, etc. Então é aqui
que
surgem as famosas testemunhas instrumentárias. São testemunhas que não
viram
nada, mas que atestam que o réu “faz altas coisas boas”, como
participar de
trabalhos voluntários, doar sangue, fazer retiro espiritual, etc. Tudo
tem que
estar registrado nos autos, ou o juiz não poderá levar em consideração.
4 – Personalidade
É impossível de ser valorada. É o primeiro e único momento em que se vai olhar para o futuro. “Tem aquela pessoa potencial delitivo?” – essa é a pergunta que se faz. Se o juiz, na sentença, disser que a personalidade do agente é voltada para o crime porque o crime é muito grave, ele está incorrendo em bis in idem pois isso já é considerado na própria tipicidade. ¹ Concurso de agentes: se, por acaso, o crime é cometido em concurso de agentes, entende-se que é provável que o autor volte a se associar com novos grupos no futuro para delinqüir. Toxicômanos, drogados, alcoólatras: idem; também se pensa que esse comportamento se repetirá. Mas há que se tomar muito cuidado quando a personalidade é considerada, pois, como acreditam muitos doutrinadores, ela deveria ter sido removida do art. 59 quando da reforma do Código em 1984 justamente por empresária dificuldade de se mensurá-la, mas não foi. Portanto, é hora de prestar atenção no princípio da congruência ou correlação jurídica: só se pode recorrer do que é dito na sentença. Neste caso, se o juiz tiver elevado a pena por motivo obscuro, que pode ter a ver com a personalidade, deve o advogado usar o embargo declaratório, para que o juiz declare mais claramente o que foi posto na sentença. Os juízes, em geral, só dizem que “a personalidade foi analisada”, mas não entram nos pormenores. Uma vez retificada a sentença, caberá a apelação.
Observação:
se o réu alegar que
não se arrepende, é porque ele tem dificuldades de sentir remorso e,
portanto,
isso pode ser encarado como doença. Cabe alegar incidente de insanidade
neste
caso.
5 – Motivos
Não
é motivo do crime, mas motivo
do motivo! Motivo do furto: animus
furandi. Querer uma vantagem econômica. Motivo do homicídio: animus necandi, a vontade de matar. Não é
isso o que queremos
aqui. O que se quer é o que levou o
sujeito a fazê-lo. Como furtar porque se está querendo
drogas, e não furtar simplesmente para obter a vantagem econômica. As
drogas é que são o motivo por trás do furto. No caso, como adquirir
drogas é algo ilícito, isso será
considerado em desfavor do réu. E
se a droga é conseqüência da tragédia de vida, como ter o pai do
acusado
morrido, a namorada deixado-o, ter sido demitido, e ter o réu sido
atraído para o mundo das drogas por conta disso, caberá ao
advogado
falar sobre isso nas alegações finais, ou por meio de testemunhas. O
objetivo
do advogado é trazer da vida real para o mundo jurídico. Pode o sujeito
ter
praticado roubo para comprar um remédio caro para a avó. Isso também
será
valorado, desde que posto nos autos.
6 – Circunstâncias
Circunstâncias do crime foram introduzidas no artigo a pedido do Ministério Público. Quando não se tem lugar nenhum para se colocar uma situação jurídica que ocorreu e causou um gravame, colocamos aqui. Então, as circunstâncias viraram uma “lixeira”. É de interesse do Ministério Público contar a repercussão imediata e a má sensação deixada nas testemunhas do crime, como as que presenciaram o sujeito que passou por cima da cabeça de outro com o carro, e tiveram o desprazer de ouvir “aquele barulho de cabeça explodindo.” Então, só valorizamos aqui circunstâncias jurídicas que não puderam ser enquadradas em nenhum momento, mas que devem ser valorizadas na aplicação da pena. São sempre negativas.
7 – Conseqüências
Verificamos
quem foi afetado com
esse crime. Ao falar da morte de um pai de família, significa que ele
deixou
filhos. Temos uma conseqüência drástica, pois. Em relação a drogas,
isso não muda:
todo traficante, quando julgado, tem contra si a alegação de que
conseqüências de
seu crime foram nefastas
para a sociedade. Dentro da consideração das conseqüências não
interessa o réu, mas o que está em volta da sociedade.
8 – Comportamento da vítima
Só pode ser verificado pelo juiz em desfavor do acusado a partir do momento em que esse comportamento seja ostensivo. Não se fala disso em homicídio, mas mais em crimes sexuais, porém tenha muito cuidado. Caem perguntas em todos os tipos de prova sobre comportamento da vítima em relação a crimes sexuais. Mulher aparecer pelada, hoje em dia, é considerado uma situação normal, então uma mulher atraente usar roupas provocantes não pode ser considerado para alterar a situação do réu. Mulher de casa noturna que trabalha nua ou seminua, sentando e se esfregando nos fregueses também não é válido como escusa.
Dito isso, já sabemos valorizar as circunstâncias judiciais. Então, para fazer a primeira fase da dosimetria, vamos imaginar um crime apenado com 4 a 12 anos de reclusão. Desenhamos um segmento de reta e colocamos 4 na extremidade esquerda e 12 na direita:
4 ____________________________ 12
E, sob ele, outro segmento similar, começando em zero, e terminando na distância entre os valores acima (12 – 4 = 8)
0 ____________________________ 8
Isso facilitará a aplicação das circunstâncias judiciais desfavoráveis, pois elas são exatamente 8.
Então, no último segmento, partindo do 0, para cada circunstância desfavorável vamos adicionando um ano, o que corresponde a 1/8 da distância total:
0 ___|___|___|___|___|___|___|___ 8
...o que significa que a pena-base deve ser incrementada em 1 ano, caso haja apenas uma circunstância desfavorável pesando contra o réu. No hipotético crime acima, cuja pena-base cominada em abstrato é de 4 a 12 anos, a fixação em concreto deverá em 5 anos: 4, que é o limite mínimo, mais 1, resultante da valoração das circunstâncias judiciais.
Observação: não poderá o juiz atribuir maior grau de reprovabilidade a uma circunstância em detrimento de outras.
Depois
disso, o que faremos?
Segunda fase!
Agravantes e atenuantes
Estão na parte geral do Código nos artigos 61, 62, 65 e 66. Os quantitativos não estão previstos em abstrato. O cuidado é que todas as agravantes são também qualificadoras de crimes. O uso de fogo, por exemplo, é agravante prevista no art. 61. Assim, o homicídio com uso de fogo terá pena agravada. Mas se já a usamos como qualificadora, modificando a pena-base para qualificar o homicídio, então o emprego de fogo não pode ser usado novamente como agravante pois incorreríamos em bis in idem. Podemos usar, entretanto, a agravante da asfixia, pois não é a mesma do fogo.
Atear fogo em alguém para então furtar: o que é isso? Furto qualificado pelo uso de fogo, certo? Errado! Cuidado com a tipificação, pois empregar fogo para subtrair não é furto, mas roubo. Veja a violência ou grave ameaça aí. E se, para furtar, o ladrão rompe obstáculo? Aí sim, temos uma qualificadora. Lembre-se que o que não é usado como qualificadora pode ser usado como agravante. ²
E se houver 4 agravantes e 2 atenuantes? Aí devemos proceder pela diferença de número entre elas, a não ser que haja uma atenuante preponderante. Justamente pelo nome “preponderante”, não interessa quantas agravantes haja do outro lado se o agente for menor de 21 anos, o que é uma circunstância atenuante preponderante.
Atenção: há atenuante genérica do art. 66, que é pouco usada, mas faz toda a diferença:
Art. 66 - A pena poderá ser ainda atenuada em razão de circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime, embora não prevista expressamente em lei. |
Sempre incide quando o réu tiver em relação a ele um gravame muito grande por ter cometido o crime, mas não tão grande a ponto de se falar em perdão judicial, ele poderá ter sua pena reduzida. Exemplo: o agente pratica lesão corporal contra alguém, que depois se reúne com amigos para se vingar, vindo a causar ainda mais lesões no agressor original, deixando inclusive seqüelas. Note que esta situação não é tão extrema quanto provocar culposamente a morte de um filho. ²