Art. 175:
Fraude no comércio Art. 175 - Enganar, no exercício de atividade comercial, o adquirente ou consumidor: I - vendendo, como verdadeira ou perfeita, mercadoria falsificada ou deteriorada; II - entregando uma mercadoria por outra: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa. § 1º - Alterar em obra que lhe é encomendada a qualidade ou o peso de metal ou substituir, no mesmo caso, pedra verdadeira por falsa ou por outra de menor valor; vender pedra falsa por verdadeira; vender, como precioso, metal de ou outra qualidade: Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa. § 2º - É aplicável o disposto no art. 155, § 2º. |
Vamos ver que esta é essencialmente a mesma situação do estelionato do art. 171. A diferença é que aqui temos uma especialidade na figura do agente: ele tem necessariamente que ser comerciante. Então temos no art. 175 um crime próprio. Nesse sentido, temos: enganar o adquirente ou consumidor.
Inciso I: foi revogado pelo Código de Defesa do Consumidor? Essa discussão já foi suscitada na doutrina. Entende a professora que não houve revogação. Esta norma subsiste.
§ 1º: dispõe sobre pedras preciosas ou metais. Se você faz uma encomenda, como um brinco em ouro branco com uma pedra especial, e o comerciante adultera a qualidade ou quantidade do material, temos uma qualificadora na fraude no comércio.
A fraude simples é apenada com detenção de seis meses a dois anos. Se a fraude for qualificada pela adulteração de pedra preciosa, a pena passa do furto: reclusão de um a cinco anos e multa. Entende a professora que isso é uma desproporcionalidade. Mas por que isso? Porque haveria uma dificuldade maior de verificação pelo consumidor se é verdadeira ou não a joia.
Na fraude no comércio, podemos aplicar o mesmo privilégio do furto: se a pessoa não é reincidente, e é de pequeno valor a coisa, o juiz pode diminuir a pena em um a dois terços, ou aplicar somente a multa.
Para
resumir: a fraude no comércio
é um estelionato, mas com uma qualidade especial em relação ao agente,
que tem
que ser comerciante. Comerciante, para o Código Penal, é qualquer
pessoa que
pratica o comércio com habitualidade, seja com regulamentação ou não.
Pode ser
inclusive em casa. Basta a intenção de lucro.
Art. 176:
Outras fraudes Art. 176 - Tomar refeição em restaurante, alojar-se em hotel ou utilizar-se de meio de transporte sem dispor de recursos para efetuar o pagamento: Pena - detenção, de quinze dias a dois meses, ou multa. Parágrafo único - Somente se procede mediante representação, e o juiz pode, conforme as circunstâncias, deixar de aplicar a pena. |
Tomar refeição em restaurante, alojar-se em hotel ou pegar transporte sem recursos suficientes para o pagamento. É interessante porque pensamos: e o “pendura”, tanto praticado por estudantes de Direito no dia 11/8? Tomar refeição pode ser em qualquer lugar que forneça alimentos: bares, restaurantes, lanchonetes, carrocinha de cachorro quente, etc. Hotel é qualquer hospedaria como república, pousada, motel, pensão. Transporte: também qualquer um: taxi, ônibus, van, carroça, charrete, trenzinho da alegria da Turma da Mônica, balsa para atravessar rio, e outros.
Estudantes caloteiros: eles têm dinheiro, mas “deixam para depois”. Não incide dentro do caput porque elas têm dinheiro para o pagamento. Para que se configure o crime, o agente deve tomar a iniciativa de se hospedar, usar o transporte ou comer em algum lugar já sabendo que não tem dinheiro.
Parágrafo
único: a ação penal é
pública condicionada à representação. Há também no parágrafo a previsão
do perdão
judicial. Mesma situação: se for de pequeno valor a coisa, até um
salário
mínimo ¹, o juiz poderá deixar de aplicar a pena.
Fraudes e abusos na fundação ou administração de sociedade por ações
Art. 177:
Art.
177 - Promover a fundação de sociedade por ações, fazendo, em prospecto
ou em comunicação ao público ou à assembléia, afirmação falsa sobre a
constituição da sociedade, ou ocultando fraudulentamente fato a ela
relativo: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa, se o fato não constitui crime contra a economia popular. [...] |
Este artigo também foi objeto de briga doutrinária: a Lei de recuperação judicial e falência, 11101/05, revogou este artigo? Não. O caput contém um crime formal. O que seria esse crime? Promover fundação de sociedade por ações levando ao público o conhecimento de informação falsa ou ocultando fraudulenta e dolosamente algum tipo de informação que o “consumidor” deveria saber.
Não se tem a sociedade formada ainda. Daí falar-se na fundação da sociedade. A norma visa, portanto, a proteção do mercado de valor econômico, principalmente na venda de ações no mercado.
Como o caput é um crime formal, a partir do momento em que levo ao público informações não verdadeiras ou oculto informações relevantes antes da fundação, o crime já está consumado. Se houver prejuízo, ele será mero exaurimento. E se causar dano? Entende-se que o dano está consumido por este crime. Mas a pessoa poderá buscar indenização por dano material ou moral.
Nas mesmas penas incorre quem:
§ 1º -
Incorrem na mesma pena, se o fato não constitui crime contra a economia
popular: I - o diretor, o gerente ou o fiscal de sociedade por ações, que, em prospecto, relatório, parecer, balanço ou comunicação ao público ou à assembléia, faz afirmação falsa sobre as condições econômicas da sociedade, ou oculta fraudulentamente, no todo ou em parte, fato a elas relativo; II - o diretor, o gerente ou o fiscal que promove, por qualquer artifício, falsa cotação das ações ou de outros títulos da sociedade; III - o diretor ou o gerente que toma empréstimo à sociedade ou usa, em proveito próprio ou de terceiro, dos bens ou haveres sociais, sem prévia autorização da assembléia geral; IV - o diretor ou o gerente que compra ou vende, por conta da sociedade, ações por ela emitidas, salvo quando a lei o permite; V - o diretor ou o gerente que, como garantia de crédito social, aceita em penhor ou em caução ações da própria sociedade; VI - o diretor ou o gerente que, na falta de balanço, em desacordo com este, ou mediante balanço falso, distribui lucros ou dividendos fictícios; VII - o diretor, o gerente ou o fiscal que, por interposta pessoa, ou conluiado com acionista, consegue a aprovação de conta ou parecer; VIII - o liquidante, nos casos dos ns. I, II, III, IV, V e VII; IX - o representante da sociedade anônima estrangeira, autorizada a funcionar no País, que pratica os atos mencionados nos ns. I e II, ou dá falsa informação ao Governo. § 2º - Incorre na pena de detenção, de seis meses a dois anos, e multa, o acionista que, a fim de obter vantagem para si ou para outrem, negocia o voto nas deliberações de assembléia geral. |
Enfim:
em relação à sociedade por
ações, o que temos que ter na cabeça? Temos diferenciar dos crimes
contra a
economia popular. Como? Pelo número de pessoas atingidas. Indeterminado
no
crime contra a economia popular, e determinado no crime de fraude e
abuso na
administração de sociedades por ações.
Emissão irregular de conhecimento de depósito ou
“warrant”
Art. 178:
Emissão irregular de conhecimento de depósito ou "warrant" Art. 178 - Emitir conhecimento de depósito ou warrant, em desacordo com disposição legal: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa. |
O que é isso? Nota de conhecimento de depósito ou warrant são institutos do Direito Civil. Temos empresas que funcionam como armazéns, e que em geral têm contrato de depósito de mercadorias. Em função de a mercadoria ser de difícil movimentação, como ter várias toneladas de açúcar ou feijão, temos o crime. A nota de conhecimento transfere a própria propriedade. O armazém expede um título comercial.
Eu faço um contrato de depósito com o dono do armazém, que me dá uma nota de conhecimento. Esse documento é uma nota comercial mercantil, que pode ser vendida. Ela representa um produto, portanto. Se ela não estiver fielmente representando o produto, temos fraude, estelionato, em uma forma própria. Em relação à nota de conhecimento, transferimos a propriedade. Em relação ao warrant, transferimos somente a posse.
A nota serve para a garantia de dívidas.
É
crime formal. Ao se emitir a nota
em desacordo com o depósito, seja na qualidade, quantidade ou natureza
do
produto, o crime está consumado.
Art. 179:
Fraude à execução Art. 179 - Fraudar execução, alienando, desviando, destruindo ou danificando bens, ou simulando dívidas: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa. Parágrafo único - Somente se procede mediante queixa. |
O que seria fraude à execução? Simulacro de dívidas para não pagar credores. Mas a discussão aqui em relação à doutrina e à jurisprudência é: a partir de que momento que se comete o crime? Que execução é essa? Execução cível. Temos um procedimento judicial, que é o processo de conhecimento, e no final temos uma sentença, que funciona como título executivo judicial, seguida do cumprimento de sentença. Podemos ter fraude ao cumprimento de sentença, quando temos um processo de conhecimento. Exemplo: dano moral. Tive uma instrução processual para aferir o valor do dano. O réu foi condenado ao pagamento de R$ 3.000,00. Depois da fase instrutória, há a fase executiva, em que o ganhador da ação busca a satisfatividade (o recebimento da indenização).
Também podemos ter um título executivo extrajudicial, como um contrato. Como sabemos, para títulos executivos extrajudiciais, não temos fase de cumprimento de sentença, mas iniciamos um processo de execução. A fraude à execução do Código Penal aplica-se ao título executivo extrajudicial mesmo, em que inicia-se um processo de execução, ou ao cumprimento de sentença. Isso está caindo em prova. Trabalhamos com o princípio da reserva legal. Deveria ser somente ao processo executório, não? Mas adotamos a interpretação analógica. Isso porque, antes, quando o Código Penal foi criado, ainda havia os dois processos autônomos, o de conhecimento e o de execução. Agora, com a Lei 11232/05, que reformou o Código de Processo Civil, dispensa-se o processo de execução quando a parte dispõe de um título executivo judicial, e parte diretamente para o cumprimento de sentença. Entende-se que o crime pode ser cometido também no cumprimento de sentença.
Temos, portanto, o procedimento cível e, para burlar os credores, o sujeito aliena, vende, dilapida, destrói o patrimônio, tudo para não pagá-los. Incide-se nisso a partir do momento em que o devedor é citado no processo de execução. Então, no processo de conhecimento, o sujeito pode alienar “livremente”. As aspas são porque ele não cometerá fraude à execução no processo de conhecimento, na forma do Código Penal, pois não há crime aqui, mas estará praticando fraude contra credores nos termos do art. 158 do Código Civil.
A citação tem que ser válida? Sim.
Em resumo, entendam não só como fraude à execução mas também como fraude ao cumprimento de sentença, em função da interpretação analógica. A execução tem que ser iniciada.
§ 1º: situação atípica nos crimes contra o patrimônio: temos o início com a queixa-crime, então a ação penal é privada.
Todos
os crimes do art. 171 em
diante são crimes de picaretagem, cujos autores não têm medo da ficha
suja.
Art. 180:
CAPÍTULO VII DA RECEPTAÇÃO Receptação Art. 180 - Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa. [...] |
A primeira parte do art. 180 contém o crime chamado receptação própria. A pessoa que adquire, oculta, recebe, transporta, ou que conduz algo que saber ser produto de crime pratica o que se chama receptação própria. Necessariamente temos dolo. E aqui o dolo tem ser específico. Não é aceito o dolo eventual. Na receptação, ao invés de classificarmos uma situação como dolo eventual, consideramos como receptação praticada na modalidade culposa. Vejam a sutileza. O dolo eventual na receptação se transforma em modalidade culposa. Fernando Capez fala bem sobre isso.
A primeira parte do caput é receptação própria porque o agente sabe que a coisa é produto de crime, e ele mesmo transporta, venda ou utiliza a coisa.
A segunda parte do caput fala sobre a influência exercida sobre terceiro para que adquira, oculte ou transporte de boa-fé. Influenciar esse terceiro de boa-fé é um crime formal, que é chamado de receptação imprópria. Basta o ato de influenciar o terceiro de boa-fé com o objetivo de fazê-lo adquirir. Se ele adquire mesmo ou não, não faz diferença; o crime já terá acontecido.
§ 1º:
Receptação qualificada § 1º - Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, coisa que deve saber ser produto de crime: Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa. § 2º - Equipara-se à atividade comercial, para efeito do parágrafo anterior, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino, inclusive o exercício em residência. § 3º - Adquirir ou receber coisa que, por sua natureza ou pela desproporção entre o valor e o preço, ou pela condição de quem a oferece, deve presumir-se obtida por meio criminoso: Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa, ou ambas as penas. § 4º - A receptação é punível, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor do crime de que proveio a coisa. § 5º - Na hipótese do § 3º, se o criminoso é primário, pode o juiz, tendo em consideração as circunstâncias, deixar de aplicar a pena. Na receptação dolosa aplica-se o disposto no § 2º do art. 155. § 6º - Tratando-se de bens e instalações do patrimônio da União, Estado, Município, empresa concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista, a pena prevista no caput deste artigo aplica-se em dobro. |
Temos uma qualificadora no crime de receptação. A qualificadora em relação à receptação é o produto utilizado no comércio. A partir do momento em que se tem uma coisa sabidamente produto de crime, e que também se sabe que houve crime antecedente para chegar ao receptador, que por sua vez o põe no comércio, a venda ou expõe, ele está delinquindo. Não precisa ser um comércio regularizado. Aqui, comerciante é tratado em sentido amplo, como vemos no § 2º. Observação: tem que ser venda, não pode ser permuta.
Qualquer pessoa que tenha a habitualidade e tenha obtenção de lucro pode ser o criminoso da receptação qualificada.
§ 3º: aqui temos a receptação culposa. Muito cuidado: o dolo eventual entra aqui. O que é o dolo eventual? Exemplo: compro esta coisa, e dane-se se for roubada. No caput, compro já sabendo que se trata de um produto de crime. Aqui é um pouco diferente. Então no § 3º o sujeito deveria saber que é produto de crime em função das condições e da pessoa que oferece. Exemplo: menino de 11 anos, na rua, vendendo joias verdadeiras. Comprar sem se importar é dolo.
Também temos a receptação culposa quando há desproporcionalidade entre a coisa e o valor exigido. Isso cai muito em concursos: dolo eventual está dentro do caput do artigo ou da modalidade culposa? Aí vem a questão: por acaso o agente que influencia um terceiro de boa-fé poderia incidir na modalidade culposa? Sim. Aquele que influencia incide no caput e o adquirente incide na modalidade culposa, ou ambos em co-autoria na modalidade culposa? Esta última opção é a correta. Influenciar o terceiro na modalidade culposa é co-autoria.
A modalidade culposa tem pena de um mês a um ano. Por isso é um crime da competência do Juizado Especial Criminal.
§ 4º: a punibilidade independe do crime anterior. Se no crime anterior, também chamado delito pressuposto, não se conseguiu encontrar o autor, o receptador responderá por receptação independente de se ter apurado o crime de antes ou não. Mesmo que tenha havido a prescrição ou outra extinção da punibilidade do crime anterior ele responderá. Se o autor do delito pressuposto tiver obtido perdão judicial, ainda assim o receptador não estará isento de pena. Nada influencia no delito conseqüente.
§ 5º: aplicamos perdão judicial na modalidade culposa e privilégio na modalidade dolosa. O juiz pode deixar de aplicar a pena. Isso é elemento normativo, que dependerá de um juízo de valor. O juiz não está obrigado. E o privilégio? Aplicado só na modalidade dolosa. Que situação seria essa? A mesma do furto: criminoso primário, pequeno valor a coisa, substituição de reclusão para detenção, diminuição da pena de um a dois terços, ou aplicação somente da pena de multa. O crime existe, mas é minorado.
§ 6º: temos causa de aumento. Se houver o crime contra o patrimônio da União, estado, município, empresa concessionária de serviço público ou sociedade de economia mista, a pena do caput é dobrada. Temos, portanto, uma causa de aumento (que, portanto, será aplicada na terceira fase da dosimetria). E aí vem a pergunta que já fizemos no estelionato: na literalidade do § 6º não vemos o Distrito Federal nem as permissionárias do serviço público. O que fazer? Também se aplica ao patrimônio do DF e das permissionárias por força da interpretação analógica.
Vejam
que situação interessante:
conselhos profissionais: CREA, OAB, CRM... O profissional que pagar uma
taxa
anual à entidade. Essa taxa é considerada tributo. Além disso,
elas têm
exercício de poder de polícia, justamente porque podem tributar. São
entidades
privadas ou são estatais? O Supremo já se manifestou no sentido de
considerá-las equiparadas a agentes estatais porque têm delegação do
poder
público. A receptação de bens dessa entidade, então, se encaixa no §
6º? Essa
situação não chegou ao STJ ainda.
Aqui
termina nossa matéria!