Direito Penal

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Crimes contra a honra – calúnia e difamação


A edição desta nota foi possibilitada graças à nossa colega Lígia, que me emprestou suas anotações. :)

As normas penais que tipificam as condutas lesivas à honra visam à proteção dos bens imateriais. Honra, segundo Magalhães Noronha, é o conjunto de predicados da pessoa que a levam a ter sua estima própria. Os atributos como a moral, a conduta social da pessoa e até atributos físicos são parte da honra.

A honra é dividida em honra objetiva, que é a idéia que os outros têm de determinada pessoa, e em honra subjetiva, da auto-estima própria da pessoa. Há também a honra-dignidade: conduta, caráter e decoro. Inclui aspectos intelectuais. O Direito Penal busca tutelar os direitos da personalidade mas dá uma atenção maior à imagem; se falamos de uma conduta que só afeta a honra objetiva, podemos ter uma pessoa jurídica como vítima, mas não se houver ofensa à honra subjetiva, pois uma pessoa jurídica não tem auto-estima. A pessoa jurídica tem puramente uma imagem social e de sua lesão podem advir inúmeros prejuízos. Daí a proteção dada ao Direito Penal à pessoa jurídica contra os crimes contra a honra.

Vamos começar pela calúnia.
 

Calúnia

Art. 138:

CAPÍTULO V
DOS CRIMES CONTRA A HONRA

        Calúnia

        Art. 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:

        Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

        § 1º - Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga.

        § 2º - É punível a calúnia contra os mortos.

        Exceção da verdade

        § 3º - Admite-se a prova da verdade, salvo:

        I - se, constituindo o fato imputado crime de ação privada, o ofendido não foi condenado por sentença irrecorrível;

        II - se o fato é imputado a qualquer das pessoas indicadas no nº I do art. 141;

        III - se do crime imputado, embora de ação pública, o ofendido foi absolvido por sentença irrecorrível.

Imputar falsamente a outrem fato definido como crime. Para incorrer em calúnia deve-se imputar algo que se sabe falso. Se o agente que imputa o crime não sabe que se é falso, estamos diante de um erro de tipo e não falamos em calúnia. Deve haver, portanto, o dolo de imputar falsamente. O fato tem que ser determinado e também delimitado em sua ocorrência em relação ao tempo. Se não houver reação do meio social, ou se todos souberem é tal afirmação é mentirosa, pode-se alegar exceção da notoriedade do fato.

Na calúnia, imputa-se a outrem fato definido como crime. Crime, como já sabemos, é fato típico + ilicitude. Cabe aqui relembrar, mais uma vez, o princípio da reserva legal. O que é mesmo? A regulamentação de uma norma por meio de lei formal. Se imputo a alguém um fato definido como contravenção, não estarei incorrendo no crime de calúnia. Não se pode acusar alguém de calúnia por imputar contravenção a alguém, como dizer falsamente que alguém joga Poker na casa dos colegas com habitualidade, pois isso seria usar da analogia in malam partem.

Ademais, se retiramos a palavra “falsamente”, não estamos mais em situação de calúnia.

Vamos qualificar doutrinariamente o crime de calúnia.

Exceção da verdade: “exceptio veritatis”: é uma forma de defesa que o acusado de crime de calunia (não confunda, o caluniador informalmente acusa alguém de determinado crime também; nisso ele pratica o crime de calúnia e por isso é acusado). Vamos ver um exemplo: estou numa festa e presencio, em meio ao som alto e à bebedeira, um estupro. Eu imputo ao sujeito o crime de estupro e ele, incomodado, me acusa formalmente de calúnia. Se eu tenho sucesso em provar a veracidade do fato alegado, cai o “falsamente” do tipo do art. 138, e não mais estou praticando crime de calúnia. Nenhum crime contra a honra tem a modalidade culposa; se não houve vontade, o dolo está excluído.

Complicação surge quanto a imputação de crimes de ação penal privada. O mais notório era o estupro antes da Lei 12015/09. Se Aldo imputa a Bené o estupro de Carminha, e em virtude disso Aldo se vê diante da acusação do crime de calúnia, caberia a ele, a princípio, demonstrar a exceção da verdade, em que ele provaria que Bené estuprou mesmo Carminha. Mas, para isso, Carminha teria, à época do fato, que ajuizar ação penal privada contra Bené, já que o crime não era de ação penal pública. Assim sendo, até o trânsito em julgado da sentença de Bené pelo estupro, Aldo não pode opor a exceção da verdade para se defender da acusação de calúnia.

Se o imputado já tiver sido absolvido por sentença transitada em julgado, o imputante também não poderá se defender com a exceptio veritatis.

Também não se admite a exceção se o imputado foro Presidente da República ou chefe de governo estrangeiro. (art. 138, § 3º, inciso III). A norma que proíbe a exceção busca proteger o atentado ao prestígio daquelas pessoas.
 

Difamação

Art. 139:

        Difamação

        Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:

        Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

        Exceção da verdade

        Parágrafo único - A exceção da verdade somente se admite se o ofendido é funcionário público e a ofensa é relativa ao exercício de suas funções.

Difamar é propalar característica negativa conjuntamente com o fato determinado. Propalar é contar a várias pessoas, ou falar uma única vez na frente de várias. Para que haja várias, a doutrina considera que deve haver pelo menos 3 pessoas ouvindo. Para que se configure a difamação, portanto, é necessário que haja 3 ou mais pessoas, que a característica seja negativa, desabonadora, que afete a reputação, ou seja, a honra objetiva do imputado e que o fato imputado seja determinado.

Observação: não há fato determinado na injúria.

Qualificação doutrinária da difamação:

E se o funcionário público tiver deixado o cargo? Aí temos dois posicionamentos, um deles sustentado por Magalhães Noronha e Nelson Hungria e outro por Cezar Bittencourt e Fernando Capez. Os primeiros defendem que não se admite a exceção da verdade pois o parágrafo único do art. 139 é claro ao dizer: “...é funcionário público...”. Por outro lado, Capez e Bittencourt dirão que é admissível a exceção, pois, se o ofendido deixa o cargo depois de imputado o fato, subsiste ao sujeito ativo o direito à demonstratio veri. Bittencourt, citado por Capez,  complementa dizendo que, se a difamação é inerente à função pública, e o ofendido não mais desempenhava a função quando foi imputado, a exceção será inadmissível.

No caso da difamação, a exceção da verdade funcionará como excludente de ilicitude. Na calúnia, se o sujeito ativo tem sucesso em mostrar a verdade, cairá o termo “falsamente” do art. 138 e, junto, vai-se também a tipicidade. Não confundam, portanto, o papel da exceção da verdade nos dois crimes. Na calúnia, se exclui a tipicidade, na difamação, exclui-se a ilicitude.

Por fim, cabe dizer que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal admite pacificamente a possibilidade de difamação contra pessoa jurídica. 


 1 – CADICuTu, pra nunca mais esquecer.