Direito Penal

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Segunda fase do julgamento no Tribunal do Júri



Em fevereiro o Supremo Tribunal Federal entendeu que o Ministério Público pode iniciar investigações criminais por si mesmo. Na visão da professora isso gera mais desequilíbrio entre acusação e defesa. O MP pode requisitar a autoridade policial ou instaurar ele mesmo o inquérito.

Vamos, agora, ver a segunda fase do julgamento no Tribunal do Júri.

Tópicos:

  1. Revisão
  2. Início da segunda fase
  3. O Plenário
  4. Convocação para o Tribunal do Júri
  5. Procedimentos na audiência
  6. Dosimetria e sentença

Revisão

Estávamos falando do crime doloso contra a vida. A primeira fase, que vimos na aula passada, é o juízo da acusação ou sumário da culpa. Vimos que ele se inicia no inquérito policial e vai até a sentença de pronúncia. Na verdade essa audiência pode ter quatro finais diferentes, como a sentença de impronúncia, de desclassificação, de absolvição sumária ou de pronúncia. Na impronúncia, ocorre a possibilidade do juiz entender que não há indícios de autoria e materialidade; é muito frágil porque a qualquer momento tudo que se passou naquela primeira fase pode vir a acontecer de novo. Na desclassificação, o juiz declara que não houve crime doloso, ou, se doloso, não foi contra a vida. A terceira possibilidade é a absolvição sumária, em que o juiz declara que o sujeito não é o autor, mas não diz nem pode dizer quem o é; pode dizer que não houve o crime ou houve uma excludente de ilicitude ou excludente de punibilidade. Ou, enfim, a situação que nos interessa: a pronúncia. O juiz pronuncia o réu quando entende que existem indícios suficientes de autoria e materialidade. O juiz não pode dizer, de forma alguma, que existem provas, só indícios. Então passamos para a segunda fase.

Início da segunda fase

A partir do momento em que temos o trânsito em julgado da sentença de pronúncia, ou seja, quando não mais se admitem recursos contra ela, os autos voltarão ao juiz, que abre vista para o Ministério Público. Nesse momento, antigamente, havia o que se chamava de libelo acusatório, que foi extinto. O Ministério Público arrola testemunhas e requisita diligências. Essa requisição de diligências é mínima, porque já tivemos uma instrução processual inteira antes; já tivemos inclusive audiência. Então, o que o Ministério Público normalmente pede é a FAP ou FAC. O que é isso? É o motivo da maior vergonha que a professora passou na vida: assim que tirou a carteira da OAB, ela foi, bastante confiante, à audiência com seu cliente. Quando requisitada, ela não soube o que era FAC, que outras vezes era chamada de FAP. Depois veio eventualmente a descobrir que era... ficha de antecedentes criminais ou ficha de antecedentes penais! Veio um grande alívio, pois na verdade aquilo era simples. A lição é que não entender é algo normal. Por que o Ministério Público requer a FAC? Porque desde a etapa da instrução, o acusado pode ter se envolvido noutro crime. Não necessariamente estará preso. Tivemos modificação substancial na prisão provisória, que é a prisão antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória: Agora o sujeito só pode ficar preso provisoriamente sem ter contra si sentença penal condenatória transitada em julgado se tivermos: a) prisão preventiva, b) prisão temporária, ou c) prisão em flagrante. Antigamente o réu era recolhido à prisão para passar à segunda fase. Hoje não acontece mais, só em caso de prisão preventiva.

Dada a vista ao Ministério Público, o juiz também tem que dar vista à defesa. É o princípio do contraditório. Isso para que o advogado arrole testemunhas e requeira diligências. Concluído isso, os autos vão a juízo e o juiz deferirá ou não as diligências, como nova colheita de provas.

Depois de realizadas, o juiz marcará a audiência em Plenário.

O próximo passo do processo é voltar para as mãos do Ministério Público para que este arrole testemunhas para levar ao Plenário. O mesmo pra defesa, em seguida.
 

O Plenário

Há o juiz, à sua direita está o promotor de justiça, à esquerda está o escrivão, à sua frente há uma cadeira vaga, que momentos depois será ocupada pelas testemunhas; mais atrás há a cadeira do réu, que ficará lá, a princípio sem algemas, e, atrás, a mesa com o advogado, de frente para a bancada do juiz. À direita do advogado, na perpendicular, há o lugar do Conselho de Sentença, com suas sete cadeiras. Atrás da mesa do advogado há a platéia. Essa é a disposição necessária do Plenário.
 

Convocação para o Tribunal do Júri

A convocação para o Tribunal do Júri é feita da seguinte forma: todo ano temos uma lista geral de jurados. Teremos, portanto, uma relação de aproximadamente 800 pessoas que são consideradas idôneas, que são mantidas nessa lista. Dificilmente se consegue perceber alguém só de ler a lista para impugná-lo como jurado. Esses nomes vão para uma urna geral. A cada julgamento no Tribunal do Júri, teremos um membro do Ministério Público, um advogado e um juiz, que aqui em Brasília é um membro da Defensoria Pública, para a retirada das cédulas. Dessas centenas retiram-se 25 nomes. O juiz determina que elas sejam intimadas, uma a uma, pelo oficial de justiça ou por carta com AR.

No dia marcado, os 25 tão separados. Iniciada a audiência, o escrivão levanta e faz a chamada dos jurados. Ele verifica o número de jurados, que deve ser de 25; a partir de 15 é permitido começar a seleção. Se não houver quorum, marca-se outro dia.

Antes da seleção, o juiz os falará sobre a questão da suspeição. Não pode o jurado ser amigo, inimigo, nem parente até terceiro grau, cunhado inclusive, do réu. Nessa hora as pessoas se voluntariam a se retirar, se se sentirem nessa situação.

O juiz retira uma cédula e pergunta ao Ministério Público se recusa ou aceita aquele nome. Se recusar, aquele candidato a jurado está excluído e nem há necessidade de perguntar ao advogado se aprova. Se o Ministério Público concorda com o nome, o juiz depois pergunta ao advogado. Até que sete são escolhidos. Cada parte poderá rejeitar três nomes sem justificar. Para os demais, será preciso que se demonstre o fundamento da rejeição, como suspeição. A ordem das cadeiras, se não observada, causará a nulidade do julgamento.

Formado o Conselho de Sentença, eles levantam e prestarão o juramento. A partir desse momento, não poderão mais se comunicar. Não é utilizada a Bíblia.
 

Procedimentos na audiência

Escolhidos os jurados, a audiência de instrução poderá ser iniciada. E o réu? A regra atual é que não utilizará algemas, a não ser que esteja causando constrangimento aos presentes. O Ministério Público também não poderá utilizar isso como argumento: “viu como ele está algemado? Isso demonstra o grau de periculosidade desse cidadão!” Isso causava preconceito. Se o promotor usar a questão das algemas como argumento, o julgamento é nulo.

A audiência começa com o depoimento da vítima, caso viva. Neste caso, ela só pode ter sido vítima de homicídio tentado, que é o único crime dentre os crimes dolosos contra a vida que admite a forma tentada. Ela se senta à frente do juiz.

Depois, haverá o depoimento das testemunhas da acusação, seguidas das da defesa. Com a recente mudança de 2008 no Código de Processo Penal, surgiu uma aberração jurídica: a ordem da inquirição. Se a testemunha foi arrolada pelo Ministério Público, então a ordem é que o promotor pergunte primeiramente, em seguida o advogado, e por último o juiz. Para as testemunhas da defesa, o advogado perguntará primeiro, seguido do Ministério Público, finalizando pelo juiz. Isso afronta o princípio do contraditório, defende a professora, pois a defesa sempre deverá falar por último. O princípio do contraditório não se aplica aos dois sentidos; o que é posto em debate pela defesa não necessariamente será obrigatoriamente questionado pela acusação. Independente da ordem, as partes deverão fazer perguntas objetivas, exceto o juiz, que poderá dizer: “conte o que você viu.”

Depois das testemunhas, esclarecimentos de peritos.

Prestados os esclarecimentos, teremos o reconhecimento de pessoas ou coisas. Aqui, se o acusado constranger os depoentes, ele poderá ser retirado. As pessoas é quem tentarão reconhecê-lo. Aqui vale a experiência do advogado: se temos reconhecimento de testemunha dentro desta audiência, elas poderão não ser outras além das que já depuseram na audiência anterior, o sumário da culpa. Pode acontecer de esta ser exatamente a segunda vez que elas deparam com o cliente e, por conta disso, elas podem ter ficado com o rosto do cliente em mente. Pode ser uma boa o para o advogado recomendar ao seu cliente que só suba do cárcere ao Plenário apenas na hora do interrogatório, que ainda está por ocorrer.

Depois: acareação. Testemunha com testemunha, nunca com vítima ou com o acusado.

Em seguida, o interrogatório. Só então que se deve, se o advogado for prudente, trazer o cliente à presença de todos. O advogado deverá ter instruído o cliente para responder todas as perguntas daquele, que já foram planejadas. Quanto às perguntas do juiz, o cliente deve ser instruído a pensar antes de responder, pois ele pode acabar se comprometendo. E, quanto às do Ministério Público, não se deve responder a absolutamente nenhuma. O Conselho de Sentença, se tiver, passa as perguntas para o juiz, que então passa para o acusado.

Depois do interrogatório vem a leitura de peças: a parte mais chata, que pode demorar dias. Evitem ao máximo pedir isso. Só solicitem se precisar demais, desde que não se tenha chance de tirar copia das peças para os jurados. Como eles não podem se comunicar, essa etapa fará eles acharem que o serviço de jurado é pior que de mesário.

Debates orais: uma hora e trinta minutos, tempo esse concedido primeiramente para o Ministério Público, se tivermos um réu. Se houver dois, o tempo é de duas horas de trinta minutos. No trabalho do Ministério Público só não poderão ser feitas três coisas: mencionar o uso de algemas, que provoca a nulidade do julgamento, nem mencionar a opção pelo silêncio do acusado,¹ nem se referir à sentença de pronúncia. Por quê? Porque só se vem para esta fase quando se tem sentença de pronúncia. O promotor, se “espertão”, poderia dizer “são tão fortes os indícios que o próprio juiz optou por pronunciar o acusado, quando poderia ter optado por impronunciá-lo!” É que os jurados são leigos e têm medo de julgar errado. Em outras palavras, estar em júri já pressupõe que o réu foi pronunciado na primeira fase.

O advogado pode pedir o aparte: “pela ordem!”. O contrário também pode acontecer. Isso é malandragem, ainda que lícita. A técnica é usá-lo quando se quer quebrar o liame: o advogado percebe que o promotor está conquistando os jurados, ao ver suas feições, suas expressões faciais. A experiência dirá como entendê-las.

Na vez do advogado, no debate oral, é recomendável inclusive usar recursos emocionais como chegar bem perto de determinado jurado que parecia desinteressado e dizer: “aquele rapaz precisa de sua ajuda.” O jurado fica lisonjeado. O toque é importante.

Observação: o advogado deverá, antes de começar sua sustentação, dizer ao juiz que não concederá nenhum aparte ao promotor. Isso para prevenir que o promotor use a técnica de pedir aparte sem nenhum motivo aparente, mas apenas como meio de quebrar o raciocínio do advogado. Assim ele não poderá pedir durante, mas poderá pedir depois de terminada essa etapa. Também se deve lembrar que o advogado não pode ser extremamente técnico. Cabe frisar que os melhores advogados, que sustentam perante o STJ e o Supremo, que sabem que estão falando para os melhores (que inclusive entendem de Filosofia e de dever-ser), não têm a devida habilidade para lidar com a comunidade do acusado. O advogado deve falar no nível do Conselho, de preferência até treinando as gírias e sotaque deles. É valido fazer analogias com histórias conhecidas por aquela comunidade. ² ³

Neste momento é ilícito levar qualquer objeto que não tenha sido submetido ao contraditório. Podem-se entregar papéis aos jurados, desde que tenha sido observada a regra do contraditório. Faça, portanto, um pequeno livrinho com os procedimentos já realizados, devidamente grifados. E, durante a sustentação, diga aos jurados: “conforme escrito na página 3, aconteceu isso, isso e mais aquilo; vejam o que está destacado aí...”

Réplica e tréplica: uma hora para cada um, dobrando esse tempo caso haja mais de um acusado. Em relação a elas, também existe uma malandragenzinha. O juiz perguntará se as partes desejam replicar ou treplicar, e perguntará primeiro para o Ministério Público. O certo é que ele diga apenas “sim” ou “não”, mas ele poderá querer dizer “não, Excelência, pois a acusação está perfeitamente formalizada.” Ora, isto é exatamente fazer uma réplica, pois foi-se além de dizer “não.” Apenas diga sim ou não. Ao se dizer que está satisfeito, ocorre a preclusão do direito de replicar. Ainda assim o advogado poderá treplicar.

E mais uma observação, uma dica dada pela professora: cuidado com “cursinhos de oratória”. Não prestam, é dinheiro jogado fora. Para aprender a trabalhar diante do júri, devemos ir. É na vivência que se aprende. Vão como estagiários, pelo menos tentem esgotar as perguntas que podem ser consideradas “despreparadas” ainda enquanto estagiário, pois medo teremos sempre. Não ter medo é sinal claro de indiligência e irresponsabilidade.

Terminado tudo isso, o juiz inquirirá o Conselho se há alguma dúvida.
 

Do questionário e sua votação (CPP, art. 482)

Neste momento, a sala é esvaziada, permanecendo apenas promotor, juiz, advogado, escrivão e conselho de sentença. O réu volta ao cárcere enquanto durar o procedimento a seguir.

O juiz passa a palavra ao MP falar sobre os quesitos: materialidade, autoria, desejo de absolver o acusado, causas de diminuição de pena, agravantes e causas de aumento de pena, nesta ordem. Dirá também as conseqüências das respostas a estas perguntas. Quando se pergunta aos jurados se eles decidiram que havia ou não um corpo no local alegado, se responderem sim, eles estarão atestando que concordam com a existência da materialidade. Quando perguntados se decidiram que o autor do crime é exatamente o acusado, como ter sido ele o autor dos disparos, eles fazem um juízo a respeito da autoria. Em seguida, a pergunta é sobre o desejo ou não de absolver. Se os jurados decidem absolver, significa que eles reconheceram uma excludente de ilicitude. Perguntará o MP, em seguida, se reconhecem causas de diminuição da pena e, finalmente, agravantes ou causas de aumento de pena.

Se sucumbente, o Ministério Público poderá recorrer alegando que o julgamento dos jurados foi contrário à prova apresentada.

Parte-se, finalmente, para as votações. São distribuídas 7 cédulas com a palavra “sim” e 7 com a palavra “não”. Dois oficiais de justiça, um homem e uma mulher, cada um deles carregando uma urna, o primeiro deles recolhendo as cédulas com as respostas que devem ser consideradas, enquanto o segundo recolherá as cédulas com as respostas que não foram escolhidas.

A urna com as respostas será aberta pelo juiz presidente, que as lerá, uma a uma. Se mais de três cédulas contiverem a palavra “sim” para a pergunta “deseja condenar o réu”, o réu está condenado. Não é necessário ler os outros três votos pois, caso a condenação ou absolvição seja por 7 x 0, significa que não houve sigilo das votações pois todos terão votado no mesmo sentido.
 

Dosimetria e sentença

Finda a votação, o juiz se retira para sua sala privativa para fazer a dosimetria. Nela, ele deverá se ater ao que foi falado no julgamento.

Finalmente ele volta, o Plenário está cheio novamente, para a leitura da sentença.


Aproveitem o Tribunal do Júri. A melhor maneira de aplicar o Direito para o povo mesmo é aqui. É assim que se conhecem as pessoas.

Na próxima aula: lesão corporal. Segunda que vem vamos ao IML.

  1. Adicionei este item depois de ler o art. 478 do Código de Processo Penal.
  2. Como Acerola e Laranjinha?
  3. Post relevante no blog “Promotor de Justiça”: http://promotordejustica.blogspot.com/2009/06/apartes.html – acessível em 25/08/09.

A professora alertou ainda que alguns dos que se voluntariam para o júri são cidadãos que anteriormente foram vítimas de crimes e estão lá, na verdade, para buscar alguma forma de vingança.