Em fevereiro o Supremo Tribunal Federal entendeu
que o Ministério
Público pode iniciar investigações criminais por si mesmo. Na visão da
professora isso gera mais desequilíbrio entre acusação e defesa. O MP
pode
requisitar a autoridade policial ou instaurar ele mesmo o inquérito.
Vamos, agora, ver a segunda fase do julgamento no Tribunal do Júri.
Tópicos:
Estávamos falando do crime doloso contra a vida. A
primeira fase, que
vimos na aula passada, é o juízo da acusação ou sumário da culpa. Vimos
que ele
se inicia no inquérito policial e vai até a sentença de pronúncia. Na
verdade
essa audiência pode ter quatro finais diferentes, como a sentença de
impronúncia, de desclassificação, de absolvição sumária ou de
pronúncia. Na
impronúncia, ocorre a possibilidade do juiz entender que não há
indícios de
autoria e materialidade; é muito frágil porque a qualquer momento tudo
que se
passou naquela primeira fase pode vir a acontecer de novo. Na
desclassificação,
o juiz declara que não houve crime doloso, ou, se doloso, não foi
contra a
vida. A terceira possibilidade é a absolvição sumária, em que o juiz
declara que
o sujeito não é o autor, mas não diz nem pode dizer quem o é; pode
dizer que
não houve o crime ou houve uma excludente de ilicitude ou excludente de
punibilidade.
Ou, enfim, a situação que nos interessa: a pronúncia. O juiz pronuncia
o réu
quando entende que existem indícios suficientes de autoria e
materialidade. O
juiz não pode dizer, de forma alguma, que existem
provas, só indícios. Então passamos para a segunda fase.
A partir do momento em que temos o trânsito em
julgado da sentença de
pronúncia, ou seja, quando não mais se admitem recursos contra ela, os
autos
voltarão ao juiz, que abre vista para o Ministério Público. Nesse
momento,
antigamente, havia o que se chamava de libelo acusatório, que foi
extinto. O Ministério
Público arrola testemunhas e requisita diligências. Essa requisição de
diligências é mínima, porque já tivemos uma instrução processual
inteira antes;
já tivemos inclusive audiência. Então, o que o Ministério Público
normalmente
pede é a FAP ou FAC. O que é isso? É o motivo da maior vergonha que a
professora passou na vida: assim que tirou a carteira da OAB, ela foi,
bastante
confiante, à audiência com seu cliente. Quando requisitada, ela não
soube o que
era FAC, que outras vezes era chamada de FAP. Depois veio eventualmente
a
descobrir que era... ficha de
antecedentes criminais ou ficha de
antecedentes penais! Veio um grande alívio, pois na verdade
aquilo era
simples. A lição é que não entender é
algo normal. Por que o Ministério Público requer a FAC?
Porque desde a
etapa da instrução, o acusado pode ter se envolvido noutro crime. Não
necessariamente estará preso. Tivemos modificação substancial na prisão
provisória,
que é a prisão antes do trânsito em julgado de sentença penal
condenatória: Agora
o sujeito só pode ficar preso provisoriamente sem ter contra si
sentença penal
condenatória transitada em julgado se tivermos: a) prisão preventiva,
b) prisão
temporária, ou c) prisão em flagrante. Antigamente o réu era recolhido
à prisão
para passar à segunda fase. Hoje não acontece mais, só em caso de
prisão
preventiva.
Dada a vista ao Ministério Público, o juiz também
tem que dar vista à
defesa. É o princípio do contraditório. Isso para que o advogado arrole
testemunhas e requeira diligências. Concluído isso, os autos vão a
juízo e o
juiz deferirá ou não as diligências, como nova colheita de provas.
Depois de realizadas, o juiz marcará a audiência em
Plenário.
O próximo passo do processo é voltar para as mãos
do Ministério Público
para que este arrole testemunhas para levar ao Plenário. O mesmo pra
defesa, em
seguida.
Há o juiz, à sua direita está o promotor de
justiça, à esquerda está o
escrivão, à sua frente há uma cadeira vaga, que momentos depois será
ocupada
pelas testemunhas; mais atrás há a cadeira do réu, que ficará lá, a
princípio
sem algemas, e, atrás, a mesa com o advogado, de frente para a bancada
do juiz.
À direita do advogado, na perpendicular, há o lugar do Conselho de
Sentença,
com suas sete cadeiras. Atrás da mesa do advogado há a platéia. Essa é
a
disposição necessária do Plenário.
Convocação
para o
Tribunal do
Júri
A convocação para o Tribunal do Júri é feita da
seguinte forma: todo ano
temos uma lista geral de jurados. Teremos, portanto, uma relação de
aproximadamente
800 pessoas que são consideradas idôneas, que são mantidas nessa lista.
Dificilmente
se consegue perceber alguém só de ler a lista para impugná-lo como
jurado.
Esses nomes vão para uma urna geral. A cada julgamento no Tribunal do
Júri,
teremos um membro do Ministério Público, um advogado e um juiz, que
aqui em Brasília
é um membro da Defensoria Pública, para a retirada das cédulas. Dessas
centenas
retiram-se 25 nomes. O juiz determina que elas sejam intimadas, uma a
uma, pelo
oficial de justiça ou por carta com AR.
No dia marcado, os 25 tão separados. Iniciada a
audiência, o escrivão
levanta e faz a chamada dos jurados. Ele verifica o número de jurados,
que deve
ser de 25; a partir de 15 é permitido começar a seleção. Se não houver
quorum,
marca-se outro dia.
Antes da seleção, o juiz os falará sobre a questão
da suspeição. Não
pode o jurado ser amigo, inimigo, nem parente até terceiro grau,
cunhado
inclusive, do réu. Nessa hora as pessoas se voluntariam a se retirar,
se se
sentirem nessa situação.
O juiz retira uma cédula e pergunta ao Ministério
Público se recusa ou
aceita aquele nome. Se recusar, aquele candidato a jurado está excluído
e nem
há necessidade de perguntar ao advogado se aprova. Se o Ministério
Público
concorda com o nome, o juiz depois pergunta ao advogado. Até que sete
são
escolhidos. Cada parte poderá rejeitar três nomes sem justificar. Para
os
demais, será preciso que se demonstre o fundamento da rejeição, como
suspeição.
A ordem das cadeiras, se não observada, causará a nulidade do
julgamento.
Formado o Conselho de Sentença, eles levantam e
prestarão o juramento. A
partir desse momento, não poderão mais se comunicar. Não é utilizada a
Bíblia.
Escolhidos os jurados, a audiência de instrução
poderá ser iniciada. E o
réu? A regra atual é que não utilizará algemas, a não ser que esteja
causando
constrangimento aos presentes. O Ministério Público também não poderá
utilizar
isso como argumento: “viu como ele está algemado? Isso demonstra o grau
de
periculosidade desse cidadão!” Isso causava preconceito. Se o promotor
usar a
questão das algemas como argumento, o julgamento é nulo.
A audiência começa com o depoimento
da vítima, caso viva. Neste caso, ela só pode ter sido vítima
de homicídio
tentado, que é o único crime dentre os crimes dolosos contra a vida que
admite
a forma tentada. Ela se senta à frente do juiz.
Depois, haverá o depoimento
das testemunhas
da acusação, seguidas das da defesa. Com a recente mudança de 2008 no
Código de
Processo Penal, surgiu uma aberração jurídica: a ordem da inquirição.
Se a
testemunha foi arrolada pelo Ministério Público, então a ordem é que o
promotor
pergunte primeiramente, em seguida o advogado, e por último o juiz.
Para as
testemunhas da defesa, o advogado perguntará primeiro, seguido do
Ministério
Público, finalizando pelo juiz. Isso afronta o princípio do
contraditório,
defende a professora, pois a defesa sempre deverá falar por último. O
princípio
do contraditório não se aplica aos dois sentidos; o que é posto em
debate pela
defesa não necessariamente será obrigatoriamente questionado pela
acusação. Independente
da ordem, as partes deverão fazer perguntas objetivas, exceto o juiz,
que
poderá dizer: “conte o que você viu.”
Depois das testemunhas, esclarecimentos
de peritos.
Prestados os esclarecimentos, teremos o reconhecimento de pessoas ou coisas.
Aqui, se o acusado constranger
os depoentes, ele poderá ser retirado. As pessoas é quem tentarão
reconhecê-lo.
Aqui vale a experiência do advogado: se temos reconhecimento de
testemunha
dentro desta audiência, elas poderão não ser outras além das que já
depuseram na
audiência anterior, o sumário da culpa. Pode acontecer de esta ser
exatamente a
segunda vez que elas deparam com o cliente e, por conta disso, elas
podem ter
ficado com o rosto do cliente em mente. Pode ser uma boa o para o
advogado
recomendar ao seu cliente que só suba do cárcere ao Plenário apenas na
hora do
interrogatório, que ainda está por ocorrer.
Depois: acareação.
Testemunha
com testemunha, nunca com vítima ou com o acusado.
Em seguida, o interrogatório.
Só então que se deve, se o advogado for prudente, trazer o cliente à
presença
de todos. O advogado deverá ter instruído o cliente para responder
todas as
perguntas daquele, que já foram planejadas. Quanto às perguntas do
juiz, o
cliente deve ser instruído a pensar antes de responder, pois ele pode
acabar se
comprometendo. E, quanto às do Ministério Público, não se deve
responder a
absolutamente nenhuma. O Conselho de Sentença, se tiver, passa as
perguntas para
o juiz, que então passa para o acusado.
Depois do interrogatório vem a leitura
de peças: a parte mais chata, que pode demorar dias. Evitem
ao máximo pedir
isso. Só solicitem se precisar demais, desde que não se tenha chance de
tirar copia
das peças para os jurados. Como eles não podem se comunicar, essa etapa
fará
eles acharem que o serviço de jurado é pior que de mesário.
Debates orais: uma hora e trinta minutos, tempo esse
concedido primeiramente para o Ministério Público, se tivermos um réu.
Se
houver dois, o tempo é de duas horas de trinta minutos. No trabalho do
Ministério
Público só não poderão ser feitas três coisas: mencionar o uso de
algemas, que
provoca a nulidade do julgamento, nem mencionar a opção pelo silêncio
do
acusado,¹ nem se referir à sentença de pronúncia. Por quê? Porque só se
vem
para esta fase quando se tem sentença de pronúncia. O promotor, se
“espertão”,
poderia dizer “são tão fortes os indícios que o próprio juiz optou por
pronunciar o acusado, quando poderia ter optado por impronunciá-lo!” É
que os
jurados são leigos e têm medo de julgar errado. Em outras palavras,
estar em
júri já pressupõe que o réu foi pronunciado na primeira fase.
O advogado pode pedir o aparte:
“pela ordem!”. O contrário também pode acontecer. Isso é malandragem,
ainda que
lícita. A técnica é usá-lo quando se quer quebrar o liame: o advogado
percebe
que o promotor está conquistando os jurados, ao ver suas feições, suas
expressões faciais. A experiência dirá como entendê-las.
Na vez do advogado, no debate oral, é recomendável
inclusive usar
recursos emocionais como chegar bem perto de determinado jurado que
parecia
desinteressado e dizer: “aquele rapaz precisa de sua ajuda.” O jurado
fica lisonjeado.
O toque é importante.
Observação: o advogado deverá, antes de começar sua
sustentação, dizer
ao juiz que não concederá nenhum aparte
ao promotor. Isso para prevenir que o promotor use a técnica
de pedir
aparte sem nenhum motivo aparente, mas apenas como meio de quebrar o
raciocínio
do advogado. Assim ele não poderá pedir durante,
mas poderá pedir depois de terminada essa etapa. Também se
deve lembrar que
o advogado não pode ser extremamente técnico. Cabe frisar que os
melhores
advogados, que sustentam perante o STJ e o Supremo, que sabem que estão
falando
para os melhores (que inclusive entendem de Filosofia e de dever-ser),
não têm
a devida habilidade para lidar com a comunidade do acusado. O advogado
deve
falar no nível do Conselho, de preferência até treinando as gírias e
sotaque
deles. É valido fazer analogias com histórias conhecidas por aquela
comunidade.
² ³
Neste momento é ilícito levar qualquer objeto que
não tenha sido
submetido ao contraditório. Podem-se entregar papéis aos jurados, desde
que tenha
sido observada a regra do contraditório. Faça, portanto, um pequeno
livrinho
com os procedimentos já realizados, devidamente grifados. E, durante a
sustentação, diga aos jurados: “conforme escrito na página 3, aconteceu
isso,
isso e mais aquilo; vejam o que está destacado aí...”
Réplica e tréplica: uma hora para cada um, dobrando esse tempo
caso haja mais de um acusado. Em relação a elas, também existe uma
malandragenzinha.
O juiz perguntará se as partes desejam replicar ou treplicar, e
perguntará
primeiro para o Ministério Público. O certo é que ele diga apenas “sim”
ou
“não”, mas ele poderá querer dizer “não, Excelência, pois a acusação
está
perfeitamente formalizada.” Ora, isto é exatamente fazer uma réplica,
pois
foi-se além de dizer “não.” Apenas diga sim ou não. Ao se dizer que
está
satisfeito, ocorre a preclusão do direito de replicar. Ainda assim o
advogado
poderá treplicar.
E mais uma observação, uma dica dada pela
professora: cuidado com “cursinhos
de oratória”. Não prestam, é dinheiro jogado fora. Para aprender a
trabalhar
diante do júri, devemos ir. É na
vivência que se aprende. Vão como estagiários, pelo menos tentem
esgotar as
perguntas que podem ser consideradas “despreparadas” ainda enquanto
estagiário,
pois medo teremos sempre. Não ter medo é sinal claro de indiligência e
irresponsabilidade.
Terminado tudo isso, o juiz inquirirá o Conselho se
há alguma dúvida.
Do questionário e sua
votação
(CPP, art. 482)
Neste momento, a sala é esvaziada, permanecendo
apenas promotor, juiz,
advogado, escrivão e conselho de sentença. O réu volta ao cárcere
enquanto
durar o procedimento a seguir.
O juiz passa a palavra ao MP falar sobre os
quesitos: materialidade,
autoria, desejo de absolver o acusado, causas de diminuição de pena,
agravantes
e causas de aumento de pena, nesta ordem. Dirá também as conseqüências
das
respostas a estas perguntas. Quando se pergunta aos jurados se eles
decidiram
que havia ou não um corpo no local alegado, se responderem sim, eles
estarão
atestando que concordam com a existência da materialidade.
Quando perguntados se decidiram que o autor do crime é exatamente o
acusado, como
ter sido ele o autor dos disparos, eles fazem um juízo a respeito da autoria. Em seguida, a pergunta é sobre
o desejo ou não de absolver. Se os jurados decidem absolver, significa
que eles
reconheceram uma excludente de ilicitude. Perguntará o MP, em seguida,
se
reconhecem causas de diminuição da pena e, finalmente, agravantes ou
causas de
aumento de pena.
Se sucumbente, o Ministério Público poderá recorrer
alegando que o
julgamento dos jurados foi contrário à prova apresentada.
Parte-se, finalmente, para as votações. São
distribuídas 7 cédulas com a
palavra “sim” e 7 com a palavra “não”. Dois oficiais de justiça, um
homem e uma
mulher, cada um deles carregando uma urna, o primeiro deles recolhendo
as
cédulas com as respostas que devem ser consideradas, enquanto o segundo
recolherá as cédulas com as respostas que não foram escolhidas.
A urna com as respostas será aberta pelo juiz
presidente, que as lerá,
uma a uma. Se mais de três cédulas contiverem a palavra “sim” para a
pergunta “deseja
condenar o réu”, o réu está condenado. Não é necessário ler os outros
três
votos pois, caso a condenação ou absolvição seja por 7 x 0, significa
que não
houve sigilo das votações pois todos terão votado no mesmo sentido.
Finda a votação, o juiz se retira para sua sala
privativa para fazer a
dosimetria. Nela, ele deverá se ater ao que foi falado no julgamento.
Finalmente ele volta, o Plenário está cheio
novamente, para a leitura da
sentença.
Aproveitem o Tribunal do
Júri. A melhor maneira de aplicar
o Direito para o povo mesmo é aqui. É assim que se conhecem as pessoas.
Na próxima aula: lesão
corporal. Segunda que vem vamos ao
IML.
A professora alertou ainda
que alguns dos que se
voluntariam para o júri são cidadãos que anteriormente foram vítimas de
crimes
e estão lá, na verdade, para buscar alguma forma de vingança.