Esta foi uma aula dada pelos nossos colegas que apresentaram seus trabalhos sobre os arts. 150 e 151 do Código Penal, com apenas algumas intervenções da professora.
Está no art. 150 do Código Penal:
SEÇÃO II DOS CRIMES CONTRA A INVIOLABILIDADE DO DOMICÍLIO Violação de domicílio Art. 150 - Entrar ou permanecer, clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito, em casa alheia ou em suas dependências: Pena - detenção, de um a três meses, ou multa. § 1º - Se o crime é cometido durante a noite, ou em lugar ermo, ou com o emprego de violência ou de arma, ou por duas ou mais pessoas: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, além da pena correspondente à violência. § 2º - Aumenta-se a pena de um terço, se o fato é cometido por funcionário público, fora dos casos legais, ou com inobservância das formalidades estabelecidas em lei, ou com abuso do poder. § 3º - Não constitui crime a entrada ou permanência em casa alheia ou em suas dependências: I - durante o dia, com observância das formalidades legais, para efetuar prisão ou outra diligência; II - a qualquer hora do dia ou da noite, quando algum crime está sendo ali praticado ou na iminência de o ser. § 4º - A expressão "casa" compreende: I - qualquer compartimento habitado; II - aposento ocupado de habitação coletiva; III - compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade. § 5º - Não se compreendem na expressão "casa": I - hospedaria, estalagem ou qualquer outra habitação coletiva, enquanto aberta, salvo a restrição do n.º II do parágrafo anterior; II - taverna, casa de jogo e outras do mesmo gênero. |
Introdução e qualificação doutrinária
O artigo 150 trás as condutas que o legislador considerou ofensivas pois dizem respeito à perturbação do lar alheio.
A lei penal fala em entrar e permanecer. Esses são os verbos do tipo. Entrar pode ser entendido como invadir ou ultrapassar limites. Permanecer: configura-se quando o agente recusa-se a sair da residência da vítima. De acordo com o caput, para que se verifique o crime, é preciso que o agente tenha adentrado astuciosamente, clandestinamente ou contra a vontade expressa ou tácita do dono.
A pessoa pode recusar o ingresso ou permanência em suas dependências. Quando falamos em astúcia, o agente age de forma a diminuir a vigilância do dono da casa, usando de algum artifício para isso. Clandestinamente: sem conhecimento do dono, às escondidas.
Situação interesse na doutrina e na jurisprudência: filhos e pais. Se você é o dono da casa, tem um filho já maior de idade, e sabe que um de seus coleguinhas é fanfarrão por isso você não quer que ele entre em sua residência, e ainda assim o tunante vem visitá-lo, há delito ou não? É que, em tese, havia consentimento de um dos moradores, e também que a norma visa a proteção do ocupante do espaço, e não do titular da propriedade. Mas trata-se de casa habitada por uma família, então cabe ao chefe de família a decisão final. Se o filho for criança não há discussão.
E se na casa mora um casal? Antigamente prevalecia a vontade do homem. Hoje, têm igualdade de condições o homem e a mulher para decidir quem é permitido entrar e permanecer. Em caso de dissenso, prevalece a negativa, segundo Fernando Capez. ¹
Outra situação interesse é a do cônjuge traído. Se por acaso há um casal e, por exemplo, a mulher leva o amante para dentro de casa, alguém que certamente é indesejado pelo homem que também é dono da casa, o amante está ou não cometendo violação de domicílio? Tivemos um caso em São Paulo sobre isso. Saiu em jornal até. Houve sim violação de domicílio porque tanto um quanto o outro têm poder sobre a casa, mesmo que com o consentimento de um dos cônjuges. Aqui se usa o bom-senso.
Art. 150, § 1º:
§ 1º - Se o crime é cometido durante a noite, ou em lugar ermo,
ou com o emprego de violência ou de arma, ou por duas ou mais pessoas: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, além da pena correspondente à violência. |
Aqui fala-se que o crime é qualificado se praticado à noite, no período noturno. Em relação ao “período noturno” não devemos adotar o mesmo raciocínio do crime de furto, que já estudamos. No crime de violação de domicílio, o período noturno é a própria noite, astronomicamente considerada, em que o local do fato fica em região obscurecida da Terra. Notem a diferença, pois. Aqui é noite, e não período de descanso. No crime de furto quer-se aumentar a pena em função da menor vigília que se tem, e importa a habitualidade de cada região. Daí se dizer, no art. 155, § 1º, em “repouso noturno”.
Nélson Hungria defende que, se a residência estiver iluminada, não importa se está de noite, a qualificadora não incidirá. Lugar ermo: local solitário, não muito movimentado, difícil de se prestar socorro.
Outra forma de qualificar o crime é por meio da violência, que pode ser ocasionada por lesões corporais graves, leves ou gravíssimas, ou morte. Ocorrendo tais casos, haverá concurso de crimes da lesão corporal com a violação de domicílio, e ainda assim o agente responderá pela forma qualificada da violação, sem bis in idem.
Emprego de arma: também qualifica o crime. Pode ser arma própria ou imprópria, cuja diferença já sabemos ³. Também há a arma de brinquedo. Sobre ela, havia a Súmula 174 do STJ, que foi revogada por se entender que ela feria o princípio da reserva legal e fazia analogia in malam partem.
Por fim, qualifica o crime o concurso de duas ou mais pessoas. As duas têm que entrar e permanecer na residência. Com isso, ambos responderão em co-autoria, e não haverá partícipe.
Em relação ao concurso de agentes, apesar de parte da doutrina entender que os dois agentes teriam que entrar e permanecer, a jurisprudência do STJ é pacífica ao adotar o entendimento sobre o ajuste prévio e o domínio do fato. Então, relação à entrada e permanência em casa alheia, não precisarão ser todos autores, podendo ter partícipes no meio. Para concursos, aceitem esta tese também. Os autores têm o domínio intelectual sobre o fato, mesmo que não estejam presentes na casa invadida.
Mesma
situação em relação ao
furto. O furto só poderia ser aplicado aos que estivessem presentes,
mas hoje é
aceita a teoria do domínio do fato.
No crime de violação de domicílio a pena será aumentada em 1/3 se a conduta for praticada por funcionário público, e também em abuso de autoridade ou de poder e, também, fora dos casos legais. Funcionário público, aqui, pode ser o policial militar, policial civil, juiz, oficial de justiça, perito etc. Funcionário público em Direito Penal é entendido em sentido amplo:
Funcionário público Art. 327 - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública. § 1º - Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública. § 2º - A pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes previstos neste Capítulo forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público. |
O funcionário que invade o domicílio alheio responderá na forma da Lei 4898, a Lei de Abuso de Autoridade, pois esta é lei especial, então incide aqui o princípio da especialidade.
Devemos ter atenção para a seguinte questão: o artigo fala em violência, mas não fala em grave ameaça à pessoa. Poderíamos aplicar a qualificadora se tivéssemos a grave ameaça e não a violência? Haverá divergência. Na jurisprudência, há o princípio da reserva legal, portanto só se aplica a qualificadora quando houver violência. Mas a doutrina diz que a grave ameaça também é uma forma de violência, não física, mas psicológica. O artigo diz somente “violência”, e não “violência física”. Isso quer dizer que a violência psíquica está incluída neste raciocínio. No entanto, a interpretação dentro do Código Penal é sempre restritiva. Isso é provavelmente questão de prova. Cuidado com as situações sutis.
§ 4º:
§ 4º - A expressão "casa" compreende: I - qualquer compartimento habitado; II - aposento ocupado de habitação coletiva; III - compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade. |
Conceito legal de casa: de acordo com Cezar Bitencourt, casa não necessariamente precisa ser a residência fixa. Pode ser um barco cabinado, trailer, baixo da ponte, quarto de pensão. As partes anexas da casa que estejam separadas da parte externa, se cercadas, são consideradas interior inviolável. Se não estiverem, é como se não fosse casa. O inciso II do § 4º fala do aposento ou quarto de ocupação coletiva: hotel, motel, pensão. Nos hotéis e similares há uma parte do saguão, lobby, “área lounge”, que são de acesso coletivo, então não são considerados casa. Só mesmo quarto em que se hospeda.
Inciso III: aqui falamos em escritório. Laboratório de ciências experimentais, de odontologia, escritório de contabilidade ou de advocacia etc. sala de espera não, nem recepção, pelos mesmos motivos: são de acesso coletivo.
§ 5º:
§ 5º - Não se compreendem na expressão "casa": I - hospedaria, estalagem ou qualquer outra habitação coletiva, enquanto aberta, salvo a restrição do n.º II do parágrafo anterior; II - taverna, casa de jogo e outras do mesmo gênero. |
Mais pela atividade comercial desenvolvida nesses lugares. É bem diferente do Código Civil, que define domicílio de outras formas, com diferença inclusive entre moradia, residência e domicílio.
Resumindo,
para o Direito Penal,
o significa de casa é: compartimento fechado onde se mora ou exerce
atividade
habitual.
Também dizemos que a objetividade jurídica da norma penal do art. 150 é a incolumidade doméstica. É o local de repouso da pessoa. Se houver delimitação, com proteção ao público, podemos considerar como domicílio.
Claro
que há grande discussão
sobre o carro. 4
Na doutrina, o único que aceita o carro como domicílio é o Heleno Fragoso.
Jurisprudência: se você escolhe um local, guarda suas coisas ali, delimita e dorme, mesmo que sua presença ali não seja habitual aquele espaço será domicílio. Nesse sentido, sua casa de praia também é domicílio, pois é de sua propriedade e é fechada, embora ocupada esporadicamente. E a casa em construção e casa desabitada? Ai não, pois elas não servem de abrigo para o repouso. 5 A primeira por não ter condições para oferecer o que um domicílio necessita, e a segunda simplesmente por não ser usada como casa, não ser usada de abrigo para ninguém.
Situações a serem observadas (a primeira é fácil, mas que deve cair em prova):
Excludente de ilicitude: não
há
crime quando a invasão se der em caso de flagrante
delito, desastre, ou
para prestar socorro. Ou então para cumprir mandado judicial durante o dia. O Código não abarca todas
as excludentes. Ele só coloca dentro da excludente de ilicitude a
situação de
flagrante delito. Mas o art. 5º, inciso XI da Constituição traz uma
lista mais
completa:
Art.
5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial; |
Como a Constituição estende, também aplicamos ao Direito Penal. Então anote o inciso XI da Constituição no art. 150 do Código Penal.
Dependências
da casa: garagem, canil, que poderia ser considerada violação de
domicílio. Se
tiver cercada ou murada, há violação. Existe um limite para o público?
Se não, então,
não se tem a violação de domicílio. Limite a ser ultrapassado é a chave
para o
entendimento.
Crimes contra a inviolabilidade de correspondência: violação de correspondência
Art. 151:
SEÇÃO III DOS CRIMES CONTRA A INVIOLABILIDADE DE CORRESPONDÊNCIA Violação de correspondência Art. 151 - Devassar indevidamente o conteúdo de correspondência fechada, dirigida a outrem: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa. Sonegação ou destruição de correspondência § 1º - Na mesma pena incorre: I - quem se apossa indevidamente de correspondência alheia, embora não fechada e, no todo ou em parte, a sonega ou destrói; Violação de comunicação telegráfica, radioelétrica ou telefônica II - quem indevidamente divulga, transmite a outrem ou utiliza abusivamente comunicação telegráfica ou radioelétrica dirigida a terceiro, ou conversação telefônica entre outras pessoas; III - quem impede a comunicação ou a conversação referidas no número anterior; IV - quem instala ou utiliza estação ou aparelho radioelétrico, sem observância de disposição legal. § 2º - As penas aumentam-se de metade, se há dano para outrem. § 3º - Se o agente comete o crime, com abuso de função em serviço postal, telegráfico, radioelétrico ou telefônico: Pena - detenção, de um a três anos. § 4º - Somente se procede mediante representação, salvo nos casos do § 1º, IV, e do § 3º. |
O artigo descreve, na verdade, três crimes: violação de correspondência, sonegação ou destruição de correspondência e violação de comunicação telegráfica, radioelétrica ou telefônica.
Objetividade jurídica: o bem jurídico protegido é a liberdade individual do sigilo da correspondência, mais especificamente no que se relaciona com a liberdade de manifestação do pensamento, garantia essa prevista no art. 5º, inciso IV da Constituição Federal.
A ação nuclear se consubstancia no verbo “devassar”, que significa invadir, olhar, tomar conhecimento, de forma total ou parcial do conteúdo daquela correspondência. Esse devassamento é feito normalmente pela abertura da correspondência. Mas pode ocorrer por outros meios? Pode sim; o agente pode pegar a carta, colocá-la contra a luz e ler o que conseguir, ou usando um meio análogo. 6
Objeto material: correspondência fechada. A Lei 6538, em seu art. 47 define:
TÍTULO VI DAS DEFINIÇÕES Art. 47º - Para os efeitos desta Lei, são adotadas as seguintes definições: CARTA - objeto de correspondência, com ou sem envoltório, sob a forma de comunicação escrita, de natureza administrativa, social, comercial, ou qualquer outra, que contenha informação de interesse específico do destinatário. [...] |
E vejamos agora alguns detalhes sobre a correspondência:
Hipóteses de autorização para a violação
Sobre a última há divergência. Capez cita diferentes opiniões na doutrina sobre isso. Parte dela entende que não há crime pois a disciplina do casamento prevista no Código Civil, art. 1566, inciso II afasta a possibilidade de se considerar como alheia a um dos cônjuges a correspondência do outro. Outro setor da doutrina entende que configura o crime em tela. E Mirabete defende o posicionamento intermediário: há consentimento tácito dentro da sociedade conjugal, ressalvado o direito de um ocultar sua correspondência pessoal do outro, quando quiser.
Só há a exclusão da ilicitude se houver expressa previsão legal. Normalmente vamos encontrar, e inclusive pode ser cobrado em prova, a questão sobre o diretor do presídio. Onde está a autorização, a norma expressa? Lei de Execução Penal. Nisso surge o cotejo de dois direitos fundamentais: liberdade do preso e segurança nacional.
Sonegação ou destruição de correspondência
Inciso I do § 1º do art. 151:
Sonegação ou destruição de correspondência § 1º - Na mesma pena incorre: I - quem se apossa indevidamente de correspondência alheia, embora não fechada e, no todo ou em parte, a sonega ou destrói; |
A primeira coisa a destacar é que este inciso foi também foi revogado tacitamente pelo art. 40, § 1º da Lei 6538/78:
VIOLAÇÃO DE CORRESPONDÊNCIA Art. 40º - Devassar indevidamente o conteúdo de correspondência fechada dirigida a outrem: Pena: detenção, até seis meses, ou pagamento não excedente a vinte dias-multa. |
Agora, pune-se a conduta de se apossar de correspondência alheia com a finalidade de sonegá-la ou destruí-la, ao contrário do art. 151 do Código Penal que pune a conduta material de sonegar ou destruir a correspondência alheia. A nova redação dada transforma o fato em delito de natureza formal.
Ação nuclear: verbo apossar, isto é, reter, apoderar-se de correspondência alheia. A conduta de se apossar da correspondência alheia para destruí-la, no todo ou em parte.
Em que consiste a sonegação ou destruição? Sonegar, para Nelson Hungria, é desviar algo de seu destino, ocultá-la, não manifestá-la, enquanto destruir é danificar algo, inutilizar até a coisa se torne imprestável. Em relação à violação de correspondência, é necessário que o agente tome conhecimento dos termos dela. Essa é a diferença entre caput e este parágrafo: aqui, basta que o indivíduo se apodere com o fim de sonegá-la ou destruí-la.
Se o sujeito ativo tomar conhecimento do conteúdo dessa correspondência e em seguida destruir, não haverá concurso material, e ele responderá somente pelo crime de sonegação ou destruição da correspondência.
É importante ressaltar que a sonegação ou a destruição pode constituir crime mais grave, como a supressão de documento, que está no art. 305 do CP...
Supressão de documento Art. 305 - Destruir, suprimir ou ocultar, em benefício próprio ou de outrem, ou em prejuízo alheio, documento público ou particular verdadeiro, de que não podia dispor: Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa, se o documento é público, e reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é particular. |
...se é realizada com a finalidade de ocultar a realidade sobre um fato juridicamente relevante.
Observação: pode-se cometer o crime se o sujeito acha que o dono da correspondência está em flagrante delito. Quem abre pode dispor de indícios, mas é preciso uma autoridade pública com esse fim. O faxineiro do Ministério Público não tem autorização para isso, obviamente. Mas o estagiário? Se acha que alguém está cometendo algo, então subtrai a correspondência achando que o sujeito está em flagrante delito, ele só poderá legitimamente fazê-lo se tiver poderes investidos pelo Estado para isso.
E se está no lixo: já foi disposta. Não há mais nada envolvendo aquele documento, nem nada fazendo com que eles não se tornem públicos. Na pior das hipóteses há erro de tipo. Para que se tenha violação, necessariamente algum meio deve ter sido empregado, antes, no esforço de impedir a publicidade do conteúdo daquela correspondência.
Violação de comunicação telegráfica, radioelétrica ou telefônica
§ 1º - Na mesma pena incorre: [...] Violação de comunicação telegráfica, radioelétrica ou telefônica II - quem indevidamente divulga, transmite a outrem ou utiliza abusivamente comunicação telegráfica ou radioelétrica dirigida a terceiro, ou conversação telefônica entre outras pessoas; III - quem impede a comunicação ou a conversação referidas no número anterior; IV - quem instala ou utiliza estação ou aparelho radioelétrico, sem observância de disposição legal. |
“Indevidamente”, aqui, significa sem autorização legal. O inciso fala de três ações nucleares: divulgar é levar a conhecimento público o conteúdo da informação. Transmitir: é dar ciência, notificar alguém. Utilizar: usar o conteúdo para algum fim. Se o crime fim for mais grave que o crime do art. 151, ele será absolvido por aquele.
Inciso II foi revogado? Começou uma discussão na doutrina depois do advento da Lei 9296/96, a Lei de Interceptação Telefônica. Para entender se ele foi revogado, precisamos primeiramente entender o art. 10 dessa lei:
Art.
10. Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas,
de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem
autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei. Pena: reclusão, de dois a quatro anos, e multa. |
O
artigo é divido em duas partes.
Primeiro: interceptação de comunicação telefônica. Interceptar é um
terceiro
fazer gravação sem autorização das duas pessoas (ou mais) que participam da
conversa,
como o grampo. Isso é diferente da gravação clandestina, quando um dos
dois participantes
da ligação grava a conversa sem o conhecimento do outro. Essa gravação dita clandestina não é
considerada
crime; o crime é só a interceptação, feita por terceiro. Essa diferença
tem que
ficar bem clara, adverte a professora. Costuma colocar-se em prova: “um terceiro
realiza a gravação
não-autorizada da conversa de duas outras pessoas. Qual é o crime em
tela?” O
ato é de gravar, mas o crime é de interceptação
telefônica. Ao se interceptar uma conversa telefônica, é provável que o
bisbilhoteiro que interceptou também grave a conversa. não se fixem nos
nomes
“interceptação” e “gravação”. Não confundam!
Se o interlocutor estiver gravando, não há problema algum. O terceiro só com autorização judicial ou Comissão Parlamentar de Inquérito. Fora disso o terceiro não pode interceptar, nem com anuência de um dos interlocutores.
E se você, que muito por acaso possui, conectada ao seu telefone, uma transmissora de rádio no fundo do quintal, captura uma linha cruzada? A região toda vai ouvir o teor da conversa entre as duas pessoas. Qual seu crime? Nenhum, pois a interceptação não admite a forma culposa.
Também é necessário que seja feita com objetivo não autorizado em lei ou carecendo da autorização judicial. Mas, mesmo que eu tenha autorização judicial e eu desvio a finalidade da autorização, que é investigação criminal ou instrução processual penal, incorro em crime. Os dois requisitos têm que ser atingidos.
A segunda parte do art. 10 da Lei 9296 é a que dá problema com a doutrina. Teria ela revogado ou não o inciso II do § o art. 151 do Código Penal? Veja de novo o artigo 10:
Art. 10. Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei. |
A tentativa também será admissível se eu sou a pessoa no cargo que tem autorização legal para ter acesso ao conteúdo da conversa e se pretendo avisar o interceptado, mas não consigo falar diretamente com ele, então resolvo enviá-lo uma carta. Se ela for extraviada no caminho, haverá a tentativa.
O inciso II do § 1º art. 151 do Código não foi revogado, de acordo com Capez, pois, de acordo com ele, o crime do art. 151 é comum, praticável por qualquer pessoa, mas o crime do inciso II é próprio, então só funcionário pode praticar.
Pelo inciso III do § 1º, incorre na mesma pena...
III - quem impede a comunicação ou a conversação referidas no número anterior; |
Neste inciso, o que é punida é a conduta de impedir a comunicação entre duas pessoas.
De acordo com o art. 72 da Lei 4117, “A autoridade que impedir ou embaraçar a liberdade da radiodifusão ou da televisão fora dos casos autorizados em lei, incidirá no que couber, na sanção do artigo 322 do Código Penal”. Entende-se que o inciso não foi revogado pela Lei 9296 também porque esta trata da interceptação telefônica, e não de impedir a comunicação. Isso é importantíssimo. A posição de Fernando capez é aceita pela corrente majoritária, ou seja, a Lei 9296 não revogou o inciso. A Lei 9296 fala somente da possibilidade jurídica da interceptação telefônica e somente ela.
Para que se incida no inciso III, deve haver o dolo de impedir a comunicação.
Pune-se tanto a conduta daquele que impede a comunicação quanto daquele que impede a continuação da comunicação já iniciada. Por ser de menor potencial, há a incidência da lei do dos Juizados Especiais.
Inciso IV: também incorre na mesma pena quem...
IV - quem instala ou utiliza estação ou aparelho radioelétrico, sem observância de disposição legal. |
É um crime de ação múltipla, que tem mais de um verbo: instalar ou utilizar. Se o agente pratica um dos verbos, o crime está cometido.
O inciso foi tacitamente revogado pelo art. 70 da Lei 4117:
Art.
70. Constitui crime punível com a pena de detenção de 1 (um) a 2 (dois)
anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro, a instalação ou
utilização de telecomunicações, sem observância do disposto nesta Lei e
nos regulamentos. (Substituído pelo Decreto-lei nº 236, de 28.2.1967) Parágrafo único. Precedendo ao processo penal, para os efeitos referidos neste artigo, será liminarmente procedida a busca e apreensão da estação ou aparelho ilegal. |
É um crime formal, que se consuma mesmo sem haver dano a terceiro, mas se houver, a pena aumenta de metade. Relacionados a ele há outros dois artigos, da Lei 9472:
Capítulo II Das Sanções Penais Art. 183. Desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação: Pena - detenção de dois a quatro anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro, e multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, direta ou indiretamente, concorrer para o crime. Art. 184. São efeitos da condenação penal transitada em julgado: I - tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime; II - a perda, em favor da Agência, ressalvado o direito do lesado ou de terceiros de boa-fé, dos bens empregados na atividade clandestina, sem prejuízo de sua apreensão cautelar. Parágrafo único. Considera-se clandestina a atividade desenvolvida sem a competente concessão, permissão ou autorização de serviço, de uso de radiofreqüência e de exploração de satélite. |
Aqui chegamos no § 2º do art. 151 do CP.
§ 2º - As penas aumentam-se de metade, se há dano para outrem. |
A pena aumenta de metade se ocasionar algum dano a outrem. Pode ser dano moral ou material. Mas é preciso que se comprove o dano para que a pena seja aumentada. Pode ser a qualquer pessoa, não só ao remetente ou destinatário.
§ 3º:
§ 3º -
Se o agente comete o crime, com abuso de função em serviço postal,
telegráfico, radioelétrico ou telefônico: Pena - detenção, de um a três anos. |
A pena é de um a três anos de detenção se o crime for praticado por abuso de função em serviço postal, telegráfico, radioelétrico ou telefônico. É um crime subsidiário; a só devassa é crime autônomo, mas ela deixa de sê-lo e passa a ser elemento acidental de outro se ela for usada como meio para a prática de um delito mais grave. Exemplo: violar correspondência para praticar extorsão. Assim, responde-se apenas pela extorsão.
Ação penal: pública condicionada à representação do ofendido ou de seu representante legal. Não importa na mão de quem está a correspondência. A norma protege a liberdade e segurança da correspondência, e não a própria liberdade do indivíduo.
No
caso, então, a objetividade jurídica
é a liberdade do pensamento. É
chamado de
crime de dupla subjetividade. Há a
exceção
do § 3º, que fala sobre abuso de função, e também o inciso IV do § 1º.
Os dois
são de ação penal pública incondicionada.
O agente tem capacidade em relação ao trabalho; ele exerce atividade
estatal. A
partir do momento em que há crime na atividade de funcionário público
teremos ação
penal pública incondicionada porque há interesse do Estado.
Temos um posicionamento do STF com o sopesamento de dois direitos fundamentais: liberdade de comunicação do preso e a segurança pública. O Supremo considerou constitucional o diretor do presídio violar a correspondência do preso. Ele pode restringir ou mesmo suspender o conhecimento do presidiário acerca daquela correspondência.
TJSP:
habeas corpus sobre interceptação telefônica, contra norma do inciso IV do § 1º. Fala que não constitui crime de
interceptação a
instalação. 10
Intimidade conjugal: difícil provar que houve violação, pois é até contraditório.
Violação de e-mail: está também no art. 10 da Lei 9296:
Art. 10. Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei. Pena: reclusão, de dois a quatro anos, e multa. |
Portanto, é mais grave violar o e-mail do que a correspondência que chegou em casa. Até porque há a senha a ser quebrada ou descoberta. Se há algo obstando a informação de chegar ao conhecimento do público, como a senha ou o envelope lacrado, há violação.
Comissão Parlamentar Inquérito
É possível a CPI acessar correspondências? Acessar a sua comunicação, interceptá-la? Ou precisam da devida autorização judicial? Art. 58, § 3º da Constituição:
Seção VII DAS COMISSÕES Art. 58. O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação. [...] § 3º - As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores. |
Ela pode sim interceptar, fazer devassas, pode adentrar em domicílios; são poderes instrutórios. Não precisa de autorização judicial. Mas também incorre na Lei 4898, do abuso de autoridade. Observação: qualquer atividade investigativa tem que ser aprovada por unanimidade pela CPI, não por maioria absoluta. Isso para facilitar a responsabilização em caso de crime de abuso de autoridade.
Outra situação: a Constituição preserva no art. 5º a situação de prioridade como garantia fundamental o direito de privacidade e liberdade de expressão do pensamento. É um direito fundamental. Sabemos que nenhum deles é absoluto. E aí surge a questão: seria possível a Constituição afastar o direito de liberdade e colocar dentro do texto constitucional uma possibilidade de violação de domicílio e correspondência? Sim, no próprio art. 5º: flagrante delito, desastre socorro ou calamidade para invasão de domicílio. É uma cláusula pétrea. Há duas normas jurídicas, a previsão de direito ao domicílio e de outro a possibilidade de adentrar na privacidade são duas idênticas em hierarquia. A pergunta é: posso abrir a correspondência sem autorização legal? O texto constitucional dá em algum momento a possibilidade jurídica? Sim. Estado de defesa, conforme o art. 136. Temos a relativização do direito à comunicação. Estado de defesa, não de sitio.