Direito Penal

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Lesão corporal


Tópicos:

  1. Introdução
  2. Modalidade dolosa da lesão corporal
  3. Lesão corporal de natureza grave
  4. Lesão corporal gravíssima
  5. Lesão corporal dolosa privilegiada e lesão corporal seguida de morte
  6. Lesão corporal decorrente de violência doméstica, familiar ou de hospitalidade
  7. Modalidade culposa
  8. Possibilidade de substituição ou redução de pena

Introdução

Terminamos os crimes contra a vida e também vimos o procedimento no Tribunal do Júri, que é o competente para julgá-los, desde que se tratem de crimes dolosos. Vamos, agora, para as lesões corporais. Não falamos mais em Tribunal do Júri, pois a lesão corporal, apesar de ser um crime contra a pessoa, não é considerado crime contra a vida. Se houver confusão, é provavelmente por causa da lesão corporal seguida de morte.

O que vem a ser lesão corporal? Vamos ver o art. 129, seguido das características:

CAPÍTULO II
DAS LESÕES CORPORAIS

        Lesão corporal

        Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:
        Pena - detenção, de três meses a um ano.

        Lesão corporal de natureza grave
        § 1º Se resulta:
        I - Incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias;
        II - perigo de vida;
        III - debilidade permanente de membro, sentido ou função;
        IV - aceleração de parto:
        Pena - reclusão, de um a cinco anos.

        § 2° Se resulta:
        I - Incapacidade permanente para o trabalho;
        II - enfermidade incuravel;
        III perda ou inutilização do membro, sentido ou função;
        IV - deformidade permanente;
        V - aborto:
        Pena - reclusão, de dois a oito anos.

        Lesão corporal seguida de morte
        § 3° Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quís o resultado, nem assumiu o risco de produzí-lo:
        Pena - reclusão, de quatro a doze anos.

        Diminuição de pena
        § 4° Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.

        Substituição da pena
        § 5° O juiz, não sendo graves as lesões, pode ainda substituir a pena de detenção pela de multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis:
        I - se ocorre qualquer das hipóteses do parágrafo anterior;
        II - se as lesões são recíprocas.

        Lesão corporal culposa
        § 6° Se a lesão é culposa: 
        Pena - detenção, de dois meses a um ano.

        Aumento de pena
        § 7º - Aumenta-se a pena de um terço, se ocorrer qualquer das hipóteses do art. 121, § 4º.

        § 8º - Aplica-se à lesão culposa o disposto no § 5º do art. 121.

        Violência Doméstica
        § 9o  Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade:
        Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.

        § 10. Nos casos previstos nos §§ 1o a 3o deste artigo, se as circunstâncias são as indicadas no § 9o deste artigo, aumenta-se a pena em 1/3 (um terço).

        § 11.  Na hipótese do § 9o deste artigo, a pena será aumentada de um terço se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência.

 

Modalidade dolosa da lesão corporal

Art. 129, caput:

        Lesão corporal

        Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:

        Pena - detenção, de três meses a um ano.

A modalidade do caput é a lesão corporal dolosa simples. A pena é de três meses a um ano. O caput, como sabemos, traz sempre a modalidade simples. Nos parágrafos é que descobriremos as qualificadoras, causas de aumento e diminuição e formas privilegiadas. Na lesão corporal qualificada teremos: lesão corporal grave e gravíssima. Qual a diferença? Serão exatamente as hipóteses previstas nos §§ 1º e 2º. Vamos às modalidades de lesão corporal qualificadas:

Lesão corporal de natureza grave

  1. Incapacidade para as atividades habituais por mais de 30 dias: cuidado, não estamos falando ainda em incapacidade para o trabalho. Significa dizer que: no momento do ato da lesão, não podemos dizer que ela é grave, mas somente no 31º dia, e teremos que ter, nesse momento, a perícia técnica. Portanto não há a possibilidade de ser considerada grave antes da pericia ou antes dos trinta dias. A perícia é obrigatória. Se, por acaso, houver qualquer impossibilidade de ter pericia técnica, passaremos para o tipo do caput. Observação: pode acontecer de, quando a vítima procura um médico, ele, depois de realizar os exames, instrui o paciente a ficar 45 dias sem trabalhar, e lhe dá o atestado. Nisso, o médico está sinalizando que a pessoa deverá voltar às atividades, com segurança, somente depois desse período. Mas isso não significa que a pessoa ficou realmente incapacitada por 45 dias, fazendo com que a lesão que sofrera fosse qualificada. Para se averiguar o real tempo em que a pessoa ficou incapacitada, mas não sob orientação de repousar, a perícia técnica será indispensável. Não se confundem atestado médico e perícia técnica.
  2. Perigo de vida: há necessidade de perícia técnica, pois não pode haver mera presunção, o perigo tem que ser concreto. Se o agente tem a intenção na morte, a lesão corporal tem que ser desclassificada. O perigo de vida, portanto, é um crime preterdoloso. Tem que haver dolo na lesão e culpa na morte.
  3. Debilidade permanente de membro, sentido ou função: membro é qualquer parte do corpo ligada ao tronco. Sentido: olfato, audição, tato, paladar e visão. Função: atividade do órgão, como a função respiratória, circulatória, cardíaca, etc. essa deformidade permanente não precisa ser eterna; só precisa ser considerada durável.
  4. Aceleração de parto: esta é a última hipótese de lesão corporal de natureza grave. Aqui temos que notar que, necessariamente, tem que nascer com vida a criança. Se nascer morta, a lesão corporal não será qualificada pela aceleração de parto, mas por aborto, que é uma das hipóteses do parágrafo seguinte. Se houver intenção no aborto, responderá o agente por aborto. Não pode haver a intenção no propósito de acelerar o parto.

 

Lesão corporal gravíssima

  1. Incapacidade para o labor por período superior a 30 dias. Como saber? Com laudo pericial expedido por técnicos. Não vale atestado de saúde; a pessoa tem que ser encaminhada para o IML. A corrente majoritária fala que não se pode considerar lesão corporal gravíssima para crianças ou idosos que não mais têm condições de trabalhar; pois para as primeiras não é facultado trabalhar, para os últimos não se fala, a princípio, em trabalho, pois eles se presumem já aposentados. Verificaremos, depois, uma causa de aumento para maiores de 60 ou menores de 14. Considerar duas circunstâncias para elevar a pena seria algo injustificável. Atenção: na obra de Fernando Capez, edição de 2003, está escrito que não há necessidade da perícia técnica. Esqueçam isso, pois a perícia é necessária sim. Capez é um excelente autor, apenas cuidado com obras mais velhas. Nada antes de 2007 deve ser procurado hoje em dia. 
  2. Enfermidade incurável: estado mórbido de evolução lenta e de difícil cura. Apesar do texto legal dizer “incurável”, basta que seja de difícil cura. Também não precisa ter caráter perpétuo. O nome enfermidade incurável, portanto, não requer que seja incurável! Deve haver evolução gradativa. Exemplos da doutrina: cardiopatias e doenças sexualmente transmissíveis. Agora atentem para esta situação: se o agente tem a intenção de ofensa à integridade física, e tem relações sexuais consentidas com alguém, estamos falando em lesão corporal gravíssima. Mas veja: AIDS seria incurável mesmo, então não há maiores discussões. Mas e se fosse outra DST, que na verdade é curável, apesar de asqueroso? Também seria caso de aplicar este inciso. Se, entretanto, o agente não tem a intenção de transmitir, mas só assume o risco de transmissão, estamos falando de periclitação da saúde, e não de transmissão.
  3. Inutilização ou perda de membro, sentido, ou função: a perda é de fácil entendimento. Inutilização: também não precisa ser para sempre. Quem manca por muito tempo está em situação de inutilização. Debilidade e Inutilização: de acordo com Cezar Bittencourt, a primeira só se usa para sentidos. Para outros doutrinadores, debilidade é sinônimo de incapacidade.
  4. Deformidade permanente: qualquer alteração anatômica. A famosa cicatriz. Então temos uma situação bem cruel: facada. Facada deixa cicatriz. Mas e se ela tiver pegado de leve, de raspão? Aí terá sido, praticamente, uma tentativa, mesmo que deixe uma leve cicatriz. Mas e quanto aos que têm problema de queloide, que agrava a cicatrização? Essa situação ficará como gravíssima? Dependerá do caso, a começar pelo local onde aconteceu. Foi no rosto? Então, por mais que tenha sido bem fraca, de forma que pudéssemos encaixar essa lesão nas graves, deveremos incluir na gravíssima caso a pessoa tenha esse problema.
  5. Aborto: o feto tem que ser expelido morto. Se sair vivo, tem que morrer em decorrência do ato praticado enquanto ele estava no útero. 

A lesão corporal simples é sempre residual. Significa que primeiro tentaremos qualificá-la, se não pudermos, encaixamo-la no caput e classificamos como simples.
 

Lesão corporal dolosa privilegiada e lesão corporal seguida de morte

Se estivermos lidando com aplicação da lei penal, usamos o sistema trifásico, e começamos com a pena-base. Vamos, por ora, pular a lesão corporal seguida de morte, vamos falar primeiramente do privilégio. O privilégio nunca se aplicará à lesão qualificada pelo resultado morte. O privilégio pode ser aplicado à lesão corporal simples, ou à qualificada grave ou gravíssima, só não por morte. Privilégio é o que mesmo? Sempre causa de redução de pena. Será, portanto, o mesmo privilégio que comentamos no homicídio. Quais eram as situações? Cometer o crime impelido por violenta emoção logo em seguida a injusta provocação da vítima, ou por motivo de relevante valor social ou moral. A situação jurídica aqui é exatamente a mesma. Diminuímos de 1/6 a 1/3. Isso é jurisprudência, não doutrina: não se aplica privilégio à última forma qualificada, que é a lesão corporal qualificada pelo resultado morte, que comina uma pena de 4 a 12 anos de reclusão. A lesão corporal seguida de morte é crime preterdoloso. É o único crime que temos a previsão legal de ser qualificado pelo resultado. Pode ter havido homicídio, mas que se conseguiu desclassificar, passando a se entender como lesão corporal seguida de morte.

E ainda sobre a lesão corporal seguida de morte: há casos de morte por emoção. O exemplo é ridículo, mas tem que ser anotado: Uma velhinha tem problema cardíaco, e o sujeito lhe dá um susto. A intenção é só provocar um “sustinho”. Ela vem a morrer por ataque cardíaco. De acordo com a doutrina, houve lesão no coração.

Lembrem-se que a forma privilegiada se aplica à grave e à gravíssima. Não há que se falar em relevante valor social ou moral aqui.

E como provar a intenção do agente no caso de lesão corporal seguida de morte, ou lesão corporal qualificada por qualquer um dos resultados dos §§ 1º ou 2º? No interrogatório.

Há uma jurisprudência, citada por Greco, sobre outra situação incrível: relevante valor social ou moral em relação a árbitro de futebol que fora espancado por não marcar determinado penalty! Foi aceita essa tese em algum momento do século XX.

Observação sobre a modalidade dolosa: temos causa de aumento de pena de 1/3 se a vítima for menor de 14 ou maior de 60.

Lesão corporal decorrente de violência doméstica, familiar ou de hospitalidade 

Incluída recentemente, em 2006. Aqui, é necessário que se tenha uma relação de confiança. Violência doméstica é coabitação, vivendo sob o mesmo teto. Com parentesco ou não. Companheiro, pessoa chamada de tio sem o ser também entram nesse grupo. Na violência familiar importa o laço sanguíneo, e o agente não necessariamente deve morar sob o mesmo teto. É o contrário, então. Aqui também entra a união estável, o companheiro, inclusive do mesmo sexo. Hospitalidade: colega convidado para dormir em casa, ou qualquer outra situação em que se oferece abrigo, como acolher a adolescente rebelde que foge de casa depois de brigar com a mãe.

Então, se houver uma relação dessas, voltamos à modalidade dolosa. Lesão corporal decorrente de violência doméstica: teremos causa de aumento de 1/3 dentro da lesão grave, da gravíssima, também se for seguida de morte. Não temos privilégio aqui. Se for na forma simples, damos uma nova pena: de 3 meses a 3 anos. Se por acaso a lesão com relação doméstica for qualificada, essa pena base já é mudada pois usamos uma qualificadora (primeira fase de aplicação da pena), e a causa de aumento se aplica ainda assim, na terceira fase de aplicação da pena.

Por fim, se a vítima for deficiente físico, aumenta-se em mais um terço. O artigo fala em deficiente, mas não se fala em mental ou físico, mas a jurisprudência já pacificou no entendimento que pode ser físico ou mental.

Recapitulando: se dolosa, a lesão corporal poderá ter as modalidades simples (caput), grave (qualificada, § 1º), gravíssima (qualificada, § 2º) ou seguida de morte (qualificada, § 3º). Se houver privilégio, poderemos aplicar todas as modalidades, menos a seguida de morte. Se estivemos falando de criança menor de 14 anos ou de idoso maior de 60, haverá aumento de 1/3. Se o agente se valer de relação doméstica, familiar ou de hospitalidade, a pena-base será modificada para 3 meses a 3 anos, e teremos aumento de 1/3 se tivermos forma qualificada. Finalmente, se estivermos lidando com deficiente físico ou mental, também teremos aumento de 1/3.
 

Modalidade culposa

Qual a pena quem fura o olho de outro sem querer? Deformidade permanente? Pois é, esse é o resultado. Qual a pena? 2 a 8 anos? Não! Se a lesão corporal for culposa, não importa a modalidade, a pena será sempre de 2 meses a 1 ano de detenção. Quando ocorre? Provocada quando o agente não assume o risco do resultado, mas dá causa a ele por negligência, imperícia ou imprudência. Haverá aumento de pena se incidirem quaisquer das hipóteses do § 4º do art. 121, como se resultar de inobservância de regra técnica, ofício ou profissão, ou se a pessoa não tenta minorar o dano, deixa de prestar socorro ou foge para evitar a prisão em flagrante, temos uma lesão corporal culposa qualificada, termo que é tecnicamente errado, pois aplica-se uma causa de aumento de 1/3. Se é causa de aumento, então ela é levada em conta na terceira fase da aplicação da pena, não na primeira, na fixação da pena base, momento em que se observa se há alguma qualificadora.
 

Possibilidade de substituição ou redução de pena

Na lesão corporal, se as lesões forem recíprocas, o juiz pode ou reduzir a pena, ou substituí-la de pena privativa de liberdade por pena de pena de multa. Também temos a situação de redução de pena se estivermos falando em lesão corporal privilegiada. Há uma briga na jurisprudência, em que se fala que, "no privilégio, já se tem uma redução, é possível ainda reduzir a pena em caso de lesão corporal privilegiada?" Temos uma divergência jurisprudencial se podemos substituir a pena que já fora reduzida em razão do privilégio. Isso não é unânime. Cuidado com a situação de lesão recíproca. Nela, ambos têm que ser processados por lesão corporal, pois devem ser recíprocas as lesões para que haja substituição ou redução de pena. Se apenas um estiver sendo processado, poderá ser o caso de legítima defesa ou estado de necessidade.

Terminamos a lesão corporal!