Terminamos os crimes contra a vida e também vimos o procedimento no Tribunal do Júri, que é o competente para julgá-los, desde que se tratem de crimes dolosos. Vamos, agora, para as lesões corporais. Não falamos mais em Tribunal do Júri, pois a lesão corporal, apesar de ser um crime contra a pessoa, não é considerado crime contra a vida. Se houver confusão, é provavelmente por causa da lesão corporal seguida de morte.
O que vem a ser lesão corporal? Vamos ver o art. 129, seguido das características:
CAPÍTULO II
DAS LESÕES CORPORAIS
Lesão corporal Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: Pena - detenção, de três meses a um ano. Lesão corporal de natureza grave § 1º Se resulta: I - Incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias; II - perigo de vida; III - debilidade permanente de membro, sentido ou função; IV - aceleração de parto: Pena - reclusão, de um a cinco anos. § 2° Se resulta: I - Incapacidade permanente para o trabalho; II - enfermidade incuravel; III perda ou inutilização do membro, sentido ou função; IV - deformidade permanente; V - aborto: Pena - reclusão, de dois a oito anos. Lesão corporal seguida de morte § 3° Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quís o resultado, nem assumiu o risco de produzí-lo: Pena - reclusão, de quatro a doze anos. Diminuição de pena § 4° Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço. Substituição da pena § 5° O juiz, não sendo graves as lesões, pode ainda substituir a pena de detenção pela de multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis: I - se ocorre qualquer das hipóteses do parágrafo anterior; II - se as lesões são recíprocas. Lesão corporal culposa § 6° Se a lesão é culposa: Pena - detenção, de dois meses a um ano. Aumento de pena § 7º - Aumenta-se a pena de um terço, se ocorrer qualquer das hipóteses do art. 121, § 4º. § 8º - Aplica-se à lesão culposa o disposto no § 5º do art. 121. Violência Doméstica § 9o Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos. § 10. Nos casos previstos nos §§ 1o a 3o deste artigo, se as circunstâncias são as indicadas no § 9o deste artigo, aumenta-se a pena em 1/3 (um terço). § 11. Na hipótese do § 9o deste artigo, a pena será aumentada de um terço se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência. |
Modalidade dolosa da lesão corporal
Art. 129, caput:
Lesão corporal Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: Pena - detenção, de três meses a um ano. |
A modalidade do caput é a lesão corporal dolosa simples. A pena é de três meses a um ano. O caput, como sabemos, traz sempre a modalidade simples. Nos parágrafos é que descobriremos as qualificadoras, causas de aumento e diminuição e formas privilegiadas. Na lesão corporal qualificada teremos: lesão corporal grave e gravíssima. Qual a diferença? Serão exatamente as hipóteses previstas nos §§ 1º e 2º. Vamos às modalidades de lesão corporal qualificadas:
Lesão corporal de natureza grave
A
lesão corporal simples é sempre
residual. Significa que primeiro tentaremos qualificá-la, se não
pudermos,
encaixamo-la no caput e
classificamos
como simples.
Lesão corporal dolosa privilegiada e lesão corporal seguida de morte
Se estivermos lidando com aplicação da lei penal, usamos o sistema trifásico, e começamos com a pena-base. Vamos, por ora, pular a lesão corporal seguida de morte, vamos falar primeiramente do privilégio. O privilégio nunca se aplicará à lesão qualificada pelo resultado morte. O privilégio pode ser aplicado à lesão corporal simples, ou à qualificada grave ou gravíssima, só não por morte. Privilégio é o que mesmo? Sempre causa de redução de pena. Será, portanto, o mesmo privilégio que comentamos no homicídio. Quais eram as situações? Cometer o crime impelido por violenta emoção logo em seguida a injusta provocação da vítima, ou por motivo de relevante valor social ou moral. A situação jurídica aqui é exatamente a mesma. Diminuímos de 1/6 a 1/3. Isso é jurisprudência, não doutrina: não se aplica privilégio à última forma qualificada, que é a lesão corporal qualificada pelo resultado morte, que comina uma pena de 4 a 12 anos de reclusão. A lesão corporal seguida de morte é crime preterdoloso. É o único crime que temos a previsão legal de ser qualificado pelo resultado. Pode ter havido homicídio, mas que se conseguiu desclassificar, passando a se entender como lesão corporal seguida de morte.
E ainda sobre a lesão corporal seguida de morte: há casos de morte por emoção. O exemplo é ridículo, mas tem que ser anotado: Uma velhinha tem problema cardíaco, e o sujeito lhe dá um susto. A intenção é só provocar um “sustinho”. Ela vem a morrer por ataque cardíaco. De acordo com a doutrina, houve lesão no coração.
Lembrem-se que a forma privilegiada se aplica à grave e à gravíssima. Não há que se falar em relevante valor social ou moral aqui.
E como provar a intenção do agente no caso de lesão corporal seguida de morte, ou lesão corporal qualificada por qualquer um dos resultados dos §§ 1º ou 2º? No interrogatório.
Há uma jurisprudência, citada por Greco, sobre outra situação incrível: relevante valor social ou moral em relação a árbitro de futebol que fora espancado por não marcar determinado penalty! Foi aceita essa tese em algum momento do século XX.
Observação sobre a modalidade
dolosa: temos causa de aumento de pena de 1/3 se a vítima for menor de
14 ou
maior de 60.
Lesão corporal decorrente de violência doméstica, familiar ou de hospitalidade
Incluída recentemente, em 2006. Aqui, é necessário que se tenha uma relação de confiança. Violência doméstica é coabitação, vivendo sob o mesmo teto. Com parentesco ou não. Companheiro, pessoa chamada de tio sem o ser também entram nesse grupo. Na violência familiar importa o laço sanguíneo, e o agente não necessariamente deve morar sob o mesmo teto. É o contrário, então. Aqui também entra a união estável, o companheiro, inclusive do mesmo sexo. Hospitalidade: colega convidado para dormir em casa, ou qualquer outra situação em que se oferece abrigo, como acolher a adolescente rebelde que foge de casa depois de brigar com a mãe.
Então, se houver uma relação dessas, voltamos à modalidade dolosa. Lesão corporal decorrente de violência doméstica: teremos causa de aumento de 1/3 dentro da lesão grave, da gravíssima, também se for seguida de morte. Não temos privilégio aqui. Se for na forma simples, damos uma nova pena: de 3 meses a 3 anos. Se por acaso a lesão com relação doméstica for qualificada, essa pena base já é mudada pois usamos uma qualificadora (primeira fase de aplicação da pena), e a causa de aumento se aplica ainda assim, na terceira fase de aplicação da pena.
Por fim, se a vítima for deficiente físico, aumenta-se em mais um terço. O artigo fala em deficiente, mas não se fala em mental ou físico, mas a jurisprudência já pacificou no entendimento que pode ser físico ou mental.
Recapitulando:
se dolosa, a lesão
corporal poderá ter as modalidades simples (caput),
grave (qualificada, § 1º), gravíssima (qualificada, § 2º) ou seguida de
morte
(qualificada, § 3º). Se houver privilégio, poderemos aplicar todas as
modalidades, menos a seguida de morte. Se estivemos falando de criança
menor de
14 anos ou de idoso maior de 60, haverá aumento de 1/3. Se o agente se
valer de
relação doméstica, familiar ou de hospitalidade, a pena-base será
modificada
para 3 meses a 3 anos, e teremos aumento de 1/3 se tivermos forma
qualificada.
Finalmente, se estivermos lidando com deficiente físico ou mental,
também
teremos aumento de 1/3.
Qual
a pena quem fura o olho de
outro sem querer? Deformidade permanente? Pois é, esse é o resultado.
Qual a
pena? 2 a 8 anos? Não! Se a lesão corporal for culposa, não importa a
modalidade, a pena será sempre de 2 meses a 1 ano de detenção. Quando
ocorre? Provocada
quando o agente não assume o risco do resultado, mas dá causa a ele por
negligência, imperícia ou imprudência. Haverá aumento de pena se
incidirem
quaisquer das hipóteses do § 4º do art. 121, como se resultar de
inobservância
de regra técnica, ofício ou profissão, ou se a pessoa não tenta minorar
o dano,
deixa de prestar socorro ou foge para evitar a prisão em
flagrante, temos
uma lesão corporal culposa qualificada, termo que é tecnicamente
errado, pois
aplica-se uma causa de aumento de 1/3. Se é causa de aumento, então ela
é
levada em conta na terceira fase da aplicação da pena, não na primeira,
na
fixação da pena base, momento em que se observa se há alguma
qualificadora.
Possibilidade de substituição ou redução de pena
Na lesão corporal, se as lesões forem recíprocas, o juiz pode ou reduzir a pena, ou substituí-la de pena privativa de liberdade por pena de pena de multa. Também temos a situação de redução de pena se estivermos falando em lesão corporal privilegiada. Há uma briga na jurisprudência, em que se fala que, "no privilégio, já se tem uma redução, é possível ainda reduzir a pena em caso de lesão corporal privilegiada?" Temos uma divergência jurisprudencial se podemos substituir a pena que já fora reduzida em razão do privilégio. Isso não é unânime. Cuidado com a situação de lesão recíproca. Nela, ambos têm que ser processados por lesão corporal, pois devem ser recíprocas as lesões para que haja substituição ou redução de pena. Se apenas um estiver sendo processado, poderá ser o caso de legítima defesa ou estado de necessidade.
Terminamos a lesão corporal!