Tópicos:
Vamos fechar aquele tópico da aula passada jurisdição contenciosa.
Nosso Estado, em regra, veda qualquer autotutela privada; ninguém pode fazer justiça com as propriedades mãos. Cabe a quem se sente lesado procurar o Poder Judiciário através da jurisdição. Essa é a corrente e a idéia que permanece na atualidade. As mudanças vieram principalmente no aspecto jurisdicional; houve grandes mudanças dentro do Direito Processual, especialmente no Direito Processual Civil, desvinculando-se do Direito Material. Na aula passada foram demonstrados princípios pertinentes à jurisdição e, de fato, eles fazem parte da nossa aula; mais que isso, do ninho jurídico pela aplicabilidade que terão. Não deixaremos nunca de ver a importância disso. O princípio da economia processual, por exemplo, ou o próprio princípio do duplo grau de jurisdição, o devido processo legal, contraditório, ampla defesa... Nenhum será deixado de lado.
Dentro da jurisdição que estamos falando, na existência de um interesse, as pessoas procurarão a jurisdição voluntária ou a contenciosa. Variará com a situação, e elas têm liberdade para escolher. A própria tutela pode estar dentro da jurisdição voluntária, ou mesmo da contenciosa. Dependendo do caso concreto, cabe aos litigantes ou aos interessados resolver essa questão. Grande diferença que verificamos entre as duas jurisdições é que na voluntária não há existência de autor ou réu, não há partes, ou pelo menos não existe esta nomenclatura. Como? Quem está presente? Os interessados. Toda a doutrina nacional e estrangeira vem se posicionando desta maneira: na jurisdição voluntária há interessados buscando resolver um problema, mas que não pode ser caracterizado como conflito intersubjetivo pois não há tal conflito; o que se busca, na verdade, é que o juiz dê validade a determinado negócio jurídico. Esta será a prestação buscada do Estado-juiz pela jurisdição voluntária.
Na jurisdição voluntária, também é de se notar que não são necessários múltiplos advogados, como um para cada pessoa, pois os interesses, em geral, convergem. Também a jurisdição voluntária não faz coisa julgada material e não tem revelia. Então, a diferença é mais de procedimento do que do próprio processo em si. Vemos, dentro do art. 1103 e seguintes do Código de Processo Civil itens que podem ser reivindicados pela jurisdição voluntária:
TÍTULO II DOS PROCEDIMENTOS ESPECIAIS DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA CAPÍTULO I DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 1.103. Quando este Código não estabelecer procedimento
especial, regem a jurisdição voluntária as disposições constantes deste
Capítulo. |
Alguns autores têm se posicionado no sentido de que a jurisdição voluntária, por sua simplicidade, não é considerada propriamente jurisdição, mas, nessa parte, não podemos concordar com isso porque, conforme nosso art. 1º do CPC...
LIVRO I DO PROCESSO DE CONHECIMENTO TÍTULO I DA JURISDIÇÃO E DA AÇÃO CAPÍTULO I DA JURISDIÇÃO Art.
1o A jurisdição civil, contenciosa e voluntária, é exercida pelos
juízes, em todo o território nacional, conforme as disposições que este
Código estabelece. |
...então, de qualquer situação que seja, há sim a existência de jurisdição voluntária e de jurisdição contenciosa. Temos a presença da prestação jurisdicional para resolver qualquer conflito. Os autores dizem que a jurisdição contenciosa é a verdadeira jurisdição. Por quê? Porque lá existe o conflito, há a existência da lide, o conflito qualificado pela pretensão resistida. É nessa jurisdição contenciosa em que há existência de um conflito entre partes. Agora que observamos a existência de autor, de partes, de réu, em que serão contratados advogados por parte do autor e do réu. Nesse conflito, há a existência de todos os meios de prova que serão analisados pelo juiz, que depois dirá quem está certo. Aqui, ele proferirá uma sentença, não uma homologação, e faz coisa julgada material, e não meramente processual. Se o réu não apresenta contraprova, há presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor. Presunção. Mas há possibilidade de o réu demonstrar fatos modificativos, impeditivos e extintivos do réu.
Então nesta jurisdição contenciosa há a existência de autor e réu, e também do conflito de interesses que faz coisa julgada material e processual. Também há revelia, e o andamento do processo se dá até alcançar, através de uma sentença, a decisão final. É quando o autor e réu tomam conhecimento da decisão. Resumindo:
Jurisdição voluntária |
Jurisdição contenciosa |
Inexistem partes, autores e réus, ao invés disso, existem interessados; |
Há conflito subjetivo, lide; |
Não há conflito intersubjetivo, mas busca-se que o juiz confira validade a determinado negócio jurídico por meio de uma homologação; |
Há autores, partes, réus, não somente interessados; |
Não são necessários múltiplos advogados, um advogado para todos os interessados pode ser satisfatório; |
Necessidade de um advogado para cada parte; |
Não faz coisa julgada material, só processual; |
Termina com uma sentença, não com uma homologação; |
Ausência de revelia. |
Faz coisa julgada material; |
|
Gera presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor em caso de ausência do réu. |
Finalizamos
esta parte da
jurisdição, e vamos agora para a ação, seguindo nosso Código de
Processo Civil.
Na sexta-feira vamos ver partes e procuradores.
Já sabemos que o Estado veda a autotutela. Qual o caminho, portanto, que o Estado encontrou, partindo dessa idéia, de que ninguém pode fazer justiça com as próprias mãos, para resolver os conflitos? Não existe sociedade sem Direito e sem conflito. Ubi societas, ibi jus. De fato é.
Vejamos, então: existe um conflito. Você comprou um carro numa concessionária, ou alugou um imóvel. Se você comprou seu carro e não pagou, ou não quitou as prestações para com o dono do imóvel que alugou, como e de que maneira ele irá fazer para correr atrás do prejuízo? Será que a concessionária, de posse de seu endereço, guarda também uma cópia da chave do carro e vai até sua residência para tomá-lo de volta? Não. O que ela faz, então? Ajuíza uma ação contra você. Então o credor tem um meio processual para afirmar seu direito e o descumprimento do pactuado pelo devedor. Se ele, credor, não pode fazer por si mesmo, alguém terá que fazer. Esse alguém é o Estado.
Depois
observaremos que a ação,
para pelo menos ser observada, exigirá algumas condições, do contrário
a ação,
se protocolada, poderá ser arquivada.
A ação é um direito público. Por que direito público? Cabe esclarecer um pequeno detalhe: ação pode existir entre A e B, como ação de cobrança, de separação, de alimentos, e outras. Essas são ações entre particulares. Se a ação é entre particulares, ela é pública ou privada? Não existe apenas entre eles? Veja bem: nós podemos ser levados a crer, num primeiro momento, que a ação, quando ajuizada por um particular contra outro particular, é algo eminentemente privado. Mas não é o caso; este fato não descaracteriza a ação como direito público. Mesmo numa ação entre marido e mulher, locador e locatário, a briga de direito material pode sim ser privada, mas a ação será sempre de direito público. O Direito Processual é Direito Público por excelência, não importando o ramo do Direito Processual, seja Civil, Penal, Trabalhista, etc. Quem tem o monopólio para dirimir o conflito? O Estado, sempre. Isso posto, ele tem poder, e, portanto, é público.
O particular pode, também, ajuizar uma ação contra a União, sobre tributos, por exemplo. Ainda assim, o Estado-juiz neste caso atuará mesmo se a parte ativa ou passiva for um ente público, por meio do juiz federal. Mas não são os entes públicos, que são órgãos do próprio Estado ou os entes federativos em si muito mais fortes que os particulares? Não, eles são partes como outras quaisquer. No caso da ação tributária de que começamos a falar, sendo a ação pública, quando se ajuíza, ajuizamos contra o devedor ou contra o Estado? Para saber, caberá a nós saber, primeiro, quem está no pólo passivo. No caso é o Estado, já que ajuizei para questionar a cobrança de um tributo que considerei inconstitucional, ilegal, incidindo sobre fato gerador inexistente, duplicado ou abusivo. Por isso é direito público: a ação é ajuizada contra o Estado.
Agora
veja bem: o Estado tem sim
seu poder. Se ele não tem seu poder jurisdicional, o que acontecerá? Se
o juiz
dá uma sentença favorável acolhendo o meu pedido naquela ação
tributária,
haverá uma etapa chamada “cumprimento de sentença”. Não basta ter todo
o
direito material, e a jurisdição ter todo esse poder se o réu optar
simplesmente
por não pagar. Por isso há o cumprimento de sentença.
A ação também é um direito abstrato. No semestre passado, houve uma briga na Hungria em que se falava que só se podia ganhar a ação de direito material quando se tem o direito certo, correto, concreto. Mas, quando se busca a jurisdição, sabemos que vamos ganhar a causa? Nunca. Há a possibilidade de ganhar ou não. Mas no passado só se tinha o direito de ação se se tinha a absoluta certeza. No direito de ação, o Estado é obrigado a dar uma solução, independentemente se o autor tem ou não razão. Falamos que o Estado não pode se eximir alegando lacuna na legislação. A ação é um direito abstrato. O direito de ajuizar não requer a certeza. Ninguém que aguarda uma decisão do Poder Judiciário pode dizer que sabe.
Também dizemos que o direito de ação é autônomo porque independe do direito material. Normalmente, todas as normas são colocadas de uma maneira genérica, independente de quem quer que seja. A aplicação da lei é para toda a sociedade. A partir da existência dessa norma, busca-se a norma de caráter abstrato para aplicá-la ao caso concreto. Mas, quando verificamos que o Direito Processual é autônomo, é porque ele independe do Direito Material.
O andamento do Direito Processual Civil é quase que igual todo o mundo.
Finalizando
esse tópico, vamos à
subjetividade: é a facultas agendi, ou faculdade de agir. Só que, na
verdade, não podemos esquecer que, quando o direito é disponível, cabe
ao
indivíduo agir ou não. E se o direito é indisponível? Como a vida,
tutelada
pelo art. 121 do Código Penal? A própria família de uma vítima de
homicídio,
caso queira, pode dispensar o Estado do trabalho de investigação,
processo e
julgamento do criminoso? Negativo. Logo, quando falamos em direitos
indisponíveis,
não cabe falar em direito subjetivo, pois o Estado tem a obrigação de
agir. O
mesmo para a mãe que dispensa o ex-marido de pagar pensão alimentícia
do filho.
Ela não pode fazer isso.
Antes de ver os elementos, cuidado: quando virmos o art. 242 em diante, haverá ligação com o conteúdo do próximo semestre.
Existe uma ação sem autor ou réu, ou, melhor ainda, sem sujeitos processuais? Não. Essas partes estão dentre os elementos listados no art. 282, inciso I e seguintes:
TÍTULO VIII DO PROCEDIMENTO ORDINÁRIO CAPÍTULO I DA PETIÇÃO INICIAL Seção I Dos Requisitos da Petição Inicial Art. 282. A petição inicial indicará: I - o juiz ou tribunal, a que é dirigida; II - os nomes, prenomes, estado civil, profissão, domicílio e residência do autor e do réu; III - o fato e os fundamentos jurídicos do pedido; IV - o pedido, com as suas especificações; V - o valor da causa; VI - as provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados; VII - o requerimento para a citação do réu. |
Quando se pedem informações das partes, cada detalhe tem sua importância. Qual a importância de ser casado ou solteiro? É só imaginar uma ação envolvendo o apartamento de um casal. A não-citação válida de um dos cônjuges implicará nulidade absoluta do processo. E, ainda, quando falamos em casado, também nos remetemos à idéia da legitimidade. Perguntar a idade tem por fim aferir a legitimidade da parte. A ocupação também pode ter suas repercussões. Militares, por exemplo, são citados dentro do quartel.
Então, esse autor tem seu interesse no processo. Ele é parte parcial, bem como o réu. Observamos que o juiz, para obedecer ao princípio do juiz natural, tem que ser imparcial. Ele tem que ter, também, a competência e estar investido no cargo. Assim sendo, trabalharemos com uma ação pelo menos pacífica em que o Estado atuará com sua legitimidade e imparcialidade.
Quando a citação chega ao réu, é porque os elementos da ação já foram examinados. Por que se citaria o réu sem se ter tais elementos constitutivos da ação? Seria uma afronta ao princípio da economia processual. Daí a importância da qualificação das partes ao se protocolar a ação. A identificação também é importante para verificar a existência de litispendência ou de coisa julgada. Por quê? Porque, de acordo com o art. 282, teremos condição de verificar se já existe uma outra ação com a mesma causa de pedir, pedido e partes.
Trabalharemos também com o art. 267, que o advogado deve observar caso queira demonstrar ao Estado que houve uma litispendência na defesa. Veja o inciso V. Então, a partir do momento em que o juiz verifica uma correspondência entre autor e réu, ou uma litispendência (lide pendente), quem demonstrará isso? O advogado. Se for o caso, o juiz deve extinguir o processo sem resolução de mérito. Veremos isso na última aula.
Outra
coisa que há de se
verificar é a existência de conexão e continência. Isso é
importantíssimo na
identificação das partes.
Estávamos no art. 282. Colocamos os incisos III e IV...
[...] III - o fato e os fundamentos jurídicos do pedido; IV - o pedido, com as suas especificações; [...] |
Na petição inicial, é necessário que haja um fundamento jurídico para que o próprio juiz, ao analisar o pedido, acolha-o e acate-o. Esse pedido tem que estar pelo menos fundamentado por que razão? Nós, em nosso Código de Processo Civil, acolhemos a teoria da substanciação da causa de pedir, que diz que “deve o demandante indicar, na petição inicial, não só a causa de pedir próxima (os fundamentos jurídicos) como também a causa de pedir remota (o fato gerador do direito). Essa teoria diverge da teoria da individualização, segundo a qual bastaria, na inicial, a indicação do fundamento jurídico, causa remota, que deu origem à demanda.” ¹
E o pedido? Tem como haver ação sem pedido? Não. Veja os artigos 286 a 294, em que o Código traz todos os tipos de pedidos. Não os estudaremos aqui neste semestre. Temos dois pedidos, perceptíveis no requerimento, trazidos pela doutrina: um pedido mediato e um pedido imediato. Não precisa colocá-los na petição inicial, é uma questão doutrinária. O imediato seria a providencia jurisdicional, como se fosse uma sentença, uma resposta. E o que seria o pedido mediato? O bem ou a prestação que foi pedida. O automóvel, por exemplo. Não pode haver pedido mediato sem imediato; sempre há ligação de um com outro. O pedido mediato é conseguido pelo pedido imediato.
Uma vez verificados esses tópicos, vamos às condições da ação.
Faltando qualquer uma delas, a ação não será conhecida. São elas: legitimidade das partes, possibilidade jurídica do pedido e Interesse de agir. Comecemos pela possibilidade jurídica do pedido. Vejam o art. 295:
Seção III Do Indeferimento da Petição Inicial Art. 295. A petição inicial será indeferida: I - quando for inepta; [...] |
Se inepta, haverá trancamento da petição inicial. O mesmo artigo, no inciso I, quando fala em inépcia, está dizendo que a petição não está apta a ser processada. Faltando pedido ou causa de pedir, a peça é inepta.
No último inciso, há a previsão de indeferimento da petição inicial caso haja pedidos incompatíveis entre si. O juiz, na verdade, não indefere de imediato. Há um prazo legal para a petição ser emendada.
Pela exigência da possibilidade jurídica devemos entender que todo pedido tem que ser tipificado pela nossa ordem jurídica. Como o divórcio, que não era permitido antes de 1977, quando foi promulgada a Lei 6515. Outro pedido não amparado pelo ordenamento são os ganhos com jogo do bicho. Não só não é respaldado pela ordem jurídica, como a prática é também uma contravenção.
Interesse de agir: se temos um título executivo extrajudicial em mãos, como um cheque ou nota promissória, temos a faculdade de ajuizar uma ação de cognição? Alguns autores colocam de maneira simplificada: seria útil e necessário que a pessoa, na qualidade de locador, dono daquele imóvel, ajuíze uma ação de despejo por falta de pagamento se o próprio locatário resolve sair? Outro exemplo muito simples é uma situação em a que mulher resolve pedir o divórcio, mas, de paixão, ele morre. Será útil e necessário ajuizar a ação? Não. Sem utilidade e necessidade, não há o interesse de agir. Fácil de entender.
Finalmente, como condição da ação, temos a legitimidade das partes. Vamos pegar um artigo simples, o art. 3º:
CAPÍTULO II DA AÇÃO Art. 3o Para propor ou contestar ação é necessário ter interesse e legitimidade. |
...e o art. 6º:
Art. 6o Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei. |
Vejam aí, patentemente, o direito alheio, o que significa que o sujeito não tem legitimidade. “Salvo quando autorizado por lei”: neste caso, o que temos? Duas situações que podemos observar é a legitimação ordinária, quando o sujeito reivindica um direito próprio, em seu próprio nome. Exemplo: reintegração de posse de um bem imóvel de propriedade do sujeito. Quando a lei permite a invocação do direito de outra pessoa, falamos em legitimação extraordinária. Exemplo: um sindicato defendendo a própria categoria, ou o síndico defendendo todo o condomínio.
Veremos a continuação na aula que vem. Art. 7º ao art. 45, com partes e procuradores.
Terminamos. Na próxima aula, tragam o Código de Processo Civil.