Direito Processual Civil

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Dos poderes, dos deveres e da responsabilidade do juiz



Pequena relação de idéias importantes para esta aula

  1. Poderes e deveres do juiz - CPC, arts. 125 a 132
  2. Princípio da congruência ou da correlação (adstrição) - art. 128, CPC
  3. Princípio da persuação na apreciação da prova - art. 131
  4. Responsabilidade do juiz - Por dolo, por fraude ou pela demora na entrega da prestação jurisdicional - art. 133

Por mais que estudemos ainda será pouco. O semestre acaba rápido, lembrem disso. Na prática, precisaremos mais do que imaginamos destas matérias que estamos cursando atualmente.

Primeiramente vamos ver os poderes, deveres e responsabilidades do juiz, conforme o art. 125 do Código de Processo Civil, e vamos até o art. 133. Na próxima aula vamos trabalhar o art. 134 até o art. 138. Devemos ir rapidamente para os atos processuais. Fora isso ainda faltarão 125 artigos para encerrarmos.

A partir do momento em que o juiz faz a citação, já temos prestação jurisdicional. Qual o dever do magistrado nessa relação jurídica? A função dele é apenas decisória? Como cada uma das partes também têm sua própria responsabilidade, o juiz também tem seu importante papel no processo. Ele fiscaliza, remove testemunhas falsas, tem poder de polícia, coloca ordem no tribunal, manda riscar palavras de baixo calão, cassa a palavra do advogado que o ofende ou qualquer outra pessoa presente. Dentro desses casos, essa atividade tem que ser exercida com segurança e firmeza.

Se o próprio juiz não tivesse essas responsabilidades, as partes poderiam fazer o que quisessem no processo, o que não pode acontecer. Então cada um de nós, advogados, teremos nossa responsabilidade e nosso papel dentro do processo. Assim sendo, percebemos constantemente que alguns advogados abusam de seu trabalho, bem como alguns juízes. Para dirigir o processo, deve haver no mínimo uma relação cordial entre magistrado e advogados. Percebemos na própria audiência que às vezes acontece de uma parte xingar outra dentro do processo, especialmente em causas trabalhistas e familiares. Isso não é necessário, porque na verdade as decisões futuras não levarão em conta as ofensas, mas as provas concretas que foram levadas a conhecimento do juiz. Quem xinga só tem a perder.

O juiz tem que desempenhar seu papel com isonomia, buscando julgar com segurança e ao mesmo tempo rapidez, mas não de qualquer jeito.

Art. 125:

CAPÍTULO IV
DO JUIZ

Seção I
Dos Poderes, dos Deveres e da responsabilidade do Juiz

        Art. 125.  O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, competindo-lhe:

        I - assegurar às partes igualdade de tratamento;

        II - velar pela rápida solução do litígio;

        III - prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da Justiça;

        IV - tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes.

No primeiro inciso, temos a igualdade de tratamento. O juiz tem suma importância dentro do processo. Por quê? Quem dirige o processo é o próprio magistrado; a direção tem que ser feita com segurança e probidade, respeito, e também a própria igualdade entre as partes. A Constituição Federal fala em igualdade em todos os sentidos. Se o autor tem prazo para recorrer, o réu também deverá ter o mesmo prazo. Se uma parte tem direito de pedir a suspensão do processo, a outra parte terá direito de se manifestar sobre isso também. É o princípio da ampla defesa e do contraditório. Dentro dos atos processuais, veremos os prazos próprios, para as partes, e os prazos impróprios, para o juiz. O inciso traz segurança jurídica para ambas as partes. Não se pode abrir vistas para os autos para A e não para B.

Inciso II:

        II - velar pela rápida solução do litígio;

Embora percebamos que, quanto mais rápido o processo, melhor, o mais importante é que a rápida solução não necessariamente é a mais justa, pois não se pode entregar a prestação jurisdicional de qualquer jeito. Deve haver um ponto de equilíbrio: entre a rápida decisão e a segurança da decisão. Mas, se se pode fazer uma audiência de mediação entre as partes, fazendo perguntas, marcando uma audiência de conciliação, antecipando a lide, quando incidirem as hipóteses do art. 330, que estudaremos no processo de conhecimento, o juiz buscará todos os meios para compor a lide. O art. 162, por sua vez, fala sobre os atos do juiz, as formas de sentença, seja de mérito, seja definitiva, seja interlocutória; assim sendo, o processo deve ser julgado levando-o ao equilíbrio entre rapidez e segurança. Nosso Código de Processo Civil exige a segurança, e o juiz, dentro de suas atribuições, deverá verificar as provas constantes nos autos, ou tudo que for usado como meio de prova, seja testemunhal, pericial, documental, etc. O magistrado poderá antecipar a lide; se o autor anexar desde já provas que levam ao convencimento do juiz, ele poderá antecipar o julgamento e o mérito da causa. Também em caso de revelia, em que a parte passiva não contesta dentro de 15 dias. Assim o juiz poderá antecipar o mérito. Aqui cabe observar que parte da doutrina fala em antecipação da lide, mas o professor nos alerta que o mais correto é chamar de “antecipação do mérito”.

Infelizmente veremos que, no decorrer da vida prática, chegaremos a uma audiência e o juiz estará sentado, e dirá a nós: “as partes já chegaram a um acordo?” Às vezes ele faz essa pergunta justamente porque não leu o processo. Basta perguntar: “sobre o quê?” nisso, o juiz começará a olhar o processo. Pode ser tanto por negligência ou por excesso de carga de trabalho mesmo.

Inciso III:

        III - prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da Justiça;

Quando falamos nisso, o juiz poderá coibir, conforme este inciso, qualquer ato atentatório à dignidade da justiça. O juiz poderá mandar riscar palavras, conforme já vimos antes, e também pode ordenar que o advogado não use palavras feias. Também pode repelir a litigância de má-fé. Colocar expressões injuriosas no processo é desnecessário. Nada de falar que o sujeito de quem se cobra é caloteiro, vagabundo, etc. Basta falar sobre a dívida; se for uma ação de separação ou divórcio, não precisa falar sobre os motivos em detalhes, basta falar na incompatibilidade de gênios, como já bem sabemos. O que importa a nós, em qualquer profissão, seja de advogado, da carreira no Ministério Público, delegado, o que for é ética e respeito. O que está por trás é o princípio da dignidade da pessoa humana.

Inciso IV:

        IV - tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes.

Esta questão de conciliação é de grande importância. Essa primeira audiência, conhecida como audiência de conciliação, é dita a audiência preliminar. O juiz deve, nela, demonstrar qual é a vantagem e a desvantagem de não se fazer um acordo. Infelizmente, alguns juízes insistem em fazer a conciliação, enquanto outros nem se importam: perguntam se há acordo, se não, partem para a instrução. Então cabe a nós, na condição de advogado, ao negar o acordo, justificar. Importa a humanidade do juiz ao alertar para as vantagens e desvantagens de uma conciliação.

Art. 126:

        Art. 126.  O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito.

É um artigo bastante interessante porque traz a vedação do non liquet. Qual é o princípio? Princípio da Indeclinabilidade da jurisdição. Por que razão? Porque, quando o juiz inicia a prestação jurisdicional, o que se quer é uma resposta. O juiz está proibido de não pronunciar. Lei de Introdução ao Código Civil, art. 4º...

        Art. 4º  Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

...para complementar este art. 126 do CPC. O juiz tem sempre que resolver a lide. O juiz não legisla, mas tem que dar uma solução.

Art. 127:

        Art. 127.  O juiz só decidirá por eqüidade nos casos previstos em lei.

Percebemos que a lei tem sempre que ser aplicada atendendo ao fim social e o bem comum, também por força do art. 5º da LICC:

        Art. 5º  Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.

Também em ação de alimentos, ou até nas ações penais, em que o juiz aplica 12 anos de reclusão. Nos alimentos, por que o juiz condena o pai a pagar 20%, até 30% do salário ao filho alimentado? O magistrado busca o aspecto social, decidindo de acordo com a disponibilidade do alimentando e a necessidade do alimentado. Busca-se proteger o estado de pessoas como os menores, daí vemos a atuação do Ministério Público. Essas decisões são tomadas por equidade, buscando o aspecto social. Também já foi pedida a falência de uma empresa de uma cidade do interior por um credor, mas o juiz, entendendo que o estabelecimento tinha uma função social, notou que entre 60 e 70% dos habitantes da cidade trabalhavam nela. Então ele decidiu por não decretar a falência. Ele julgou de acordo com o fim social.

Art. 128:

        Art. 128.  O juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte.

Vamos ver a lista no começo desta nota: princípio da congruência ou da correlação (adstrição). A doutrina usa esses termos. O que o legislador queria com este artigo? De fato, devemos pensar no que é fixação da lide. O art. 128 fixa a lide da seguinte maneira: na verdade é o autor quem fixa, em sua petição inicial, os limites da lide. O que ele tem que colocar na inicial? Vamos ao art. 460:

        Art. 460.  É defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que Ihe foi demandado.

        Parágrafo único.  A sentença deve ser certa, ainda quando decida relação jurídica condicional.

Este artigo veremos muitas vezes ao longo de nosso curso. Natureza diversa da pedida: significa que o juiz não pode julgar extra petita, ultra petita ou infra petita, que querem dizer, respectivamente, fora do que foi pedido, acima do que foi pedido, ou abaixo do que foi pedido. Quem limitará o pedido é o autor mesmo, que colocará sua pretensão em sua peça inicial. Por isso a correlação: é proibido, é defeso proferir sentença a favor do autor de natureza diversa do pedido. Por isso juiz não pode exceder-se. No art. 460, combinado com o art. 128, o juiz decidirá as lides no limite em que foram propostas. Se, na peça inicial, não se pede, dentro da parte reservada ao pedido, que o réu lhe pague juros, correções e honorários, o juiz pode condenar o réu a pagá-los? Não. Só os honorários, que são direito do advogado, em caso de sucumbência (art. 20).

E a situação em que o autor requer o pagamento de R$ 1 milhão e o juiz condena o réu ao pagamento de apenas R$ 500 mil? Não está o juiz julgando abaixo do que foi pedido? Não confunda; não está sendo abaixo, porque, na verdade, o juiz analisou o pedido, ele entrou no mérito. Ele analisou a defesa e entendeu que o autor não tem o direito de receber o milhão, mas apenas metade dele. Estaria o juiz julgando abaixo se esse R$ 1.000.000,00 correspondesse ao valor do pedido depois de feitos os cálculos pelo autor-credor, em que já estivessem embutidos os juros de mora, correção monetária, multa contratual e o próprio valor principal, que é exatamente de R$ 500.000,00, tudo isso devidamente discriminado na petição inicial; em outras palavras, os R$ 500 mil restantes corresponderiam aos adicionais, incluídos no pedido, que foram ignorados pelo juiz, que levou em conta somente o principal.

Observação: não é correto ganhar o dano emergente para somente em processo futuro cobrar os lucros cessantes.

Quer ganhar dinheiro? Seja dedicado. A dedicação não começa na colação de grau, mas agora mesmo.

Não façam confusão entre os artigos 128 e 460.

Art. 129:

        Art. 129.  Convencendo-se, pelas circunstâncias da causa, de que autor e réu se serviram do processo para praticar ato simulado ou conseguir fim proibido por lei, o juiz proferirá sentença que obste aos objetivos das partes.

Não se pode usar o processo para fins simulatórios. O devedor não pode vender seus bens para dilapidar seu patrimônio e evitar o credor, nem podem duas pessoas simularem uma compra e venda para provocar o Judiciário com ela e conseguir algo escuso. Há simulação quando as partes vão a juízo afirmando um litígio aparente, que na realidade não existe, afim de conferir ou transmitir direitos simuladamente, age com fraude à lei quem frustra o alcance da lei, visando a obter aquilo que a legislação proíbe. As circunstâncias da causa servem ao convencimento do juiz, aí compreendida igualmente a conduta das partes. Se convencido, o juiz extinguirá o processo sem resolução de mérito (art. 267). 1

Art. 130:

        Art. 130.  Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias.

No art. 130, o juiz poderá, ex officio, determinar a produção de provas para enaltecer a convicção. Dentro do ônus da prova, cabe ao autor demonstrar fato constitutivo de seu direito, enquanto ao réu cabe demonstrar fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Exemplo: eu tenho direito de receber aquela quantia pois, conforme o contrato, o devedor ficou de me pagar R$ 4,00. O réu também demonstra que já pagou, por exemplo. Lembrando que, quem paga mal para duas vezes.

O princípio subjacente é o princípio inquisitivo.

Quando um edifício desaba, as partes precisam requerer a perícia para verificar o que aconteceu? Não, o juiz poderá fazê-lo ex officio.

Art. 131:

        Art. 131.  O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que Ihe formaram o convencimento.

Princípio da livre apreciação das provas. O que o legislador tinha em mente? Dizer ao juiz para apreciar todas as provas. O professor não concorda com aquela simplicidade que aprendemos de que “no Processo Penal, busca-se a verdade real, enquanto no Processo Civil busca-se a verdade formal”. O juiz, no Processo Civil, também verifica sim se a prova é verdadeira, embora ela seja extraída de um cartório. Também verificará se a testemunha está faltando com a verdade. Então, até que ponto vigora no Processo Civil a verdade formal? O legislador só manda que o juiz fundamente sua decisão. Este é o artigo do livre convencimento motivado. Veja o final do artigo: o juiz deverá indicar na sentença o que lhe motivou a apreciar as provas de tal maneira. Este dispositivo está intimamente ligado ao art. 93, inciso IX da Constituição:

        Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

        [...]

        IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;

Já vimos muitas vezes essa norma constitucional. Sem fundamentação, nulidade.

Art. 132:

        Art. 132.  O juiz, titular ou substituto, que concluir a audiência julgará a lide, salvo se estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado, casos em que passará os autos ao seu sucessor.

É o princípio da identidade física do juiz. O juiz que inicia o processo o julgará. Na verdade, o artigo nem precisaria estar no Código de Processo Civil. Automaticamente, se uma pessoa sai de uma vara, o processo não será dirigido à pessoa física do juiz. A petição inicial é dirigida ao juízo, não ao juiz. Cuidado com isso, e lembrem-se de tomar cuidado quando forem ver em detalhes o art. 282. Se o juiz se aposentou ou se licenciou, os autos serão enviados ao seu sucessor.

Parágrafo único:

        Parágrafo único.  Em qualquer hipótese, o juiz que proferir a sentença, se entender necessário, poderá mandar repetir as provas já produzidas.

O juiz poderá ordenar a repetição dos atos processuais. Caso não queira, não haverá problema. É uma faculdade do juiz substituto, pois, quando a sentença é proferida, é porque a substituição dos juízes já ocorreu. Se ele achar necessário, algumas diligências serão repetidas.

Art. 133, para finalizar:

        Art. 133.  Responderá por perdas e danos o juiz, quando:

        I - no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude;

        II - recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício, ou a requerimento da parte.

        Parágrafo único.  Reputar-se-ão verificadas as hipóteses previstas no no II só depois que a parte, por intermédio do escrivão, requerer ao juiz que determine a providência e este não Ihe atender o pedido dentro de 10 (dez) dias.

Não é por qualquer situação que seja. Deve haver dolo ou fraude. Neste caso, o juiz poderá ser pessoalmente responsabilizado. A parte poderá ajuizar contra o Estado pelo dano causado, e este cuidará de acionar o órgão jurisdicional em regresso, ou a parte poderá ajuizar diretamente contra o órgão jurisdicional. 2


  1. Este trecho veio da obra de Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero. Código de Processo Civil Comentado Artigo por Artigo – edição de 2008.

  2. Idem.