Direito Processual Civil

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Dos impedimentos e da suspeição do juiz



Vamos trabalhar agora os artigos 134 a 138, e na próxima quarta-feira vamos ver os auxiliares da justiça. Na próxima aula vamos encerrar todos os aspectos do juiz, auxiliares e iniciamos os atos processuais. Ainda temos 120 artigos para trabalhar. Não podemos deixar de pesquisar. Competência, intervenção de terceiros, atos processuais e outros tópicos não podem mais ser esquecidos. Precisaremos dele no estudo do processo de conhecimento no semestre que vem.

O que o juiz pode fazer? Recebendo a petição inicial, ele verifica no primeiro momento a capacidade da parte, as condições da ação e os pressupostos processuais. Neste momento, a relação jurídica entre o autor e o Estado ainda é de caráter linear, pois ainda não se formou a relação jurídica processual, e não é angular, o que só ocorre depois da citação do réu; Ele só será citado a partir do momento em que o juiz verifica as condições da ação. Ao perceber que não podem ser atendidos os pedidos, o que acontece? A relação não pode se completar. Ao se verificarem tais condições, a parte contraria é citada. 

Na petição inicial, deve-se incluir o pedido para a citação do réu. "Requeiro a Vossa Excelência a citação do réu em seu endereço." Isto é função do próprio juiz. Entre outras funções, ele verifica os requisitos da peça e, ao completar a citação, a relação jurídica se tornará angular.

Feitas as citações, as partes estão presentes. O que o juiz pode fazer agora? Ele tem que pôr ordem na audiência. Imagine que você está assistindo, na condição de mero curioso, a uma audiência em que se discutem questões de família? Não é permitido, é o segredo de justiça. O Código coloca, conforme o art. 155, algumas situações em que o público não poderá assistir. Em regra, tudo é aberto, pois os atos jurisdicionais são públicos. Ainda que seja aberta, o juiz tem poderes, caso haja problemas, de ordenar a retirada das pessoas desrespeitosas. Até mesmo no Tribunal do Júri isso pode acontecer. É um dos poderes do juiz. Outro poder que o juiz tem é o de eliminar expressões injuriosas dos autos ou cassar a palavra de quem fala de maneira tosca. Numa ação de cobrança, como já sabemos, basta fazer a prova fato, e não é preciso citar as características pessoais desfavoráveis do devedor, como dizer: "ele é um caloteiro!" O juiz se aterá aos fatos relevantes para então sentenciar. Também nem precisa falar em adultério, quando expressando a motivação para a uma ação de separação ou divórcio, basta falar na incompatibilidade de gênios. Cessado o afeto, não há por quê o casamento perdurar.

Teoria da substanciação ¹: deve-se dizer de onde vem a dívida. Há fatos e fundamentos, então o credor procura o Judiciário para que lhe preste a tutela jurisdicional. Não é só isso. Veremos no futuro que, num primeiro momento, depois de já formada a relação jurídica processual, o juiz designa uma audiência para determinada data. Por que ele faz isso? É que ele tem o dever sempre tentar conciliar as partes. Não havendo sucesso na conciliação, ele marca outra audiência, chamada audiência de instrução e julgamento. Somente aqui que ele apreciará todos os meios de prova. Essas formalidades processuais são de suma importância. Não necessariamente estamos falando da justiça especial, o instituto da Lei 9099/95, mas dentro do aspecto processual há questões formais, como as relativas ao prazo. Para recorrer, temos prazo. Não o respeitando, o recurso está intempestivo. Esse é o papel do magistrado: notar o cumprimento das formalidades processuais. 

Advogados discutem entre eles mesmos, e quem colocará ordem? O juiz. E se a testemunha faltar com a verdade? O juiz terá que alertá-la. Ela terá que dizer a verdade.

O juiz poderá antecipar a lide, e também marcar audiência preliminar para verificar as questões que quiser. Ele também observará os ritos processuais; por exemplo, se faltar a citação, o mérito nem será analisado.

A sentença deverá se ater ao pedido. Não deve ele, como já sabemos, julgar ultra, infra ou extra petita.

Vamos começar a trabalhar com o Código de Processo Civil. No decorrer do processo, antes de o juiz sentenciar, há possibilidade de o advogado ou o próprio juiz alegar a suspeição. A ação pode cair numa vara em que o juiz é impedido. O próprio juiz pode notar e repassar a outro, ou a parte pode demonstrar esse impedimento.

Art. 134:

Seção II
Dos Impedimentos e da Suspeição

        Art. 134.  É defeso ao juiz exercer as suas funções no processo contencioso ou voluntário:

        I - de que for parte;

        II - em que interveio como mandatário da parte, oficiou como perito, funcionou como órgão do Ministério Público, ou prestou depoimento como testemunha;

        III - que conheceu em primeiro grau de jurisdição, tendo-lhe proferido sentença ou decisão;

        IV - quando nele estiver postulando, como advogado da parte, o seu cônjuge ou qualquer parente seu, consangüíneo ou afim, em linha reta; ou na linha colateral até o segundo grau;

        V - quando cônjuge, parente, consangüíneo ou afim, de alguma das partes, em linha reta ou, na colateral, até o terceiro grau;

        VI - quando for órgão de direção ou de administração de pessoa jurídica, parte na causa.

        Parágrafo único.  No caso do no IV, o impedimento só se verifica quando o advogado já estava exercendo o patrocínio da causa; é, porém, vedado ao advogado pleitear no processo, a fim de criar o impedimento do juiz.

Caput e inciso I: por que o art. 134 já proíbe o juiz em julgar algo que é parte? Princípio do juiz natural. Veremos algumas situações, como a em que o juiz atuou em primeira instância, ou atuou como perito ou testemunha:

Inciso II:

        II - em que interveio como mandatário da parte, oficiou como perito, funcionou como órgão do Ministério Público, ou prestou depoimento como testemunha;

A partir do momento em que ele atuou como órgão do Ministério Público, ele já não tem mais imparcialidade, por mais que se esforce. O perito tem que ser sempre imparcial. Mas, se à época o juiz era perito de um processo e hoje foi dado a julgar, ele está impedido. O substituto terá legitimidade.

Inciso III:

        III - que conheceu em primeiro grau de jurisdição, tendo-lhe proferido sentença ou decisão;

Isso acontece muito. O juiz pode ser promovido no curso do processo. É direito do indivíduo o acesso ao duplo grau de jurisdição, e, se ele sucumbir na primeira instância, ele pode ter seu caso analisado por um novo órgão, desta vez um colegiado. Mas pode ser que o então juiz esteja, agora, integrando esse próprio colegiado! A melhor maneira para evitar problema, então, é o próprio juiz notar a situação e se declarar impedido. Só para relembrar: os artigos 134 e 135 falam sobre a pessoa física de determinado juiz, mas não o juízo. Não podemos dizer que "a 4ª Vara de Família do Distrito Federal" está impedida.

Por outro lado, o inciso IV fala sobre pessoas próximas ao juiz.

        IV - quando nele estiver postulando, como advogado da parte, o seu cônjuge ou qualquer parente seu, consangüíneo ou afim, em linha reta; ou na linha colateral até o segundo grau;

Em relação de parentesco, o inciso acima fala em até segundo grau, enquanto o próximo proíbe o juiz de atuar em processo em que haja, dentre as partes, parentes de até terceiro grau. ²

        V - quando cônjuge, parente, consangüíneo ou afim, de alguma das partes, em linha reta ou, na colateral, até o terceiro grau;

Parentesco por afinidade: parentes do cônjuge. Lembrete: genro e sogra não podem se casar, mesmo depois de divórcio e morte da filha.  

Sogro não tem direito a receber herança. O mais complicado é o inciso IV mesmo. Atenção: em nenhum momento o artigo fala em conviventes ou união estável. Se ao juiz é dado julgar causa em que a parte é sua companheira, ele está impedido? Não há sobrenome. Como saber? Não há como. Se for descoberto depois, poderá caber ação rescisória, mas nada garante que ela prosperará.

Observação: pai da pessoa com quem se tem união estável é considerado sogro. 

Inciso VI:

        VI - quando for órgão de direção ou de administração de pessoa jurídica, parte na causa.

O impedimento pode ser verificado quando o juiz faz parte de determinada associação ou entidade semelhante.

Parágrafo único:

        Parágrafo único.  No caso do no IV, o impedimento só se verifica quando o advogado já estava exercendo o patrocínio da causa; é, porém, vedado ao advogado pleitear no processo, a fim de criar o impedimento do juiz.

Às vezes o advogado põe várias situações para criar o impedimento do juiz. Não se pode, portanto, mudar de advogado no meio do processo, escolhendo exatamente o que é irmão do juiz, a fim de criar a situação posteriormente à formação da relação jurídica processual.

Para o advogado, tanto os efeitos da suspensão quanto do impedimento a forma de pleitear é a mesma.

Na suspensão, fala-se em relação de amizade e inimizade. Art. 135:

        Art. 135.  Reputa-se fundada a suspeição de parcialidade do juiz, quando:

        I - amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes;

        II - alguma das partes for credora ou devedora do juiz, de seu cônjuge ou de parentes destes, em linha reta ou na colateral até o terceiro grau;

        III - herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de alguma das partes;

        IV - receber dádivas antes ou depois de iniciado o processo; aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa, ou subministrar meios para atender às despesas do litígio;

        V - interessado no julgamento da causa em favor de uma das partes.

        Parágrafo único.  Poderá ainda o juiz declarar-se suspeito por motivo íntimo.

Em cidades do interior, há casos em que o juiz, quando faz sua caminhada matinal, cumprimenta todos os cidadãos que encontra pela frente, e é conhecido de todos. Até joga bola com eles. Não significa que é amigo íntimo. O que temos que levar em conta aqui é, novamente, o juiz natural. Para o advogado, basta demonstrar a freqüência, a amizade, a proximidade entre o juiz e a outra parte. Ou então o juiz simplesmente declara-se suspeito. Não é preciso verificar nem demonstrar uma vez que o juiz se acusou.

Pode ocorrer de um aluno ficar amigo de um professor que por acaso é juiz. Ele não julgará em seu favor apenas por isso, pelo menos espera-se. Também não significa que se tornaram íntimos a ponto de chegar à suspeição.

Inciso II:

        II - alguma das partes for credora ou devedora do juiz, de seu cônjuge ou de parentes destes, em linha reta ou na colateral até o terceiro grau;

Nesses casos, não há como julgar se a parte é um sobrinho do juiz. Alguns juízes nem querem saber quem está no processo; estes só verificam se A e B têm a capacidade para o processo. Sempre o advogado deverá fiscalizá-lo. O juiz não trabalha só.

Inciso III:

        III - herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de alguma das partes;

Vejam um caso real em que havia a relação de emprego: um juiz tinha uma fazenda no Maranhão, e empregava trabalho escravo. Eles se tornaram devedores do juiz fazendeiro, seu empregador. Naturalmente várias ações foram ajuizadas contra ele, depois de descoberto o crime. Advinhem na mesa de quem cairam as petições da ação penal movida pelo Ministério Público do Estado! Até aí ninguém percebeu, até que todas as ações eram julgadas desfavoravelmente aos autores. Isso levantou questionamentos, e só então ele foi descoberto. A sentença dele teve validade? Sim. E eficácia também.

Inciso IV:

        IV - receber dádivas antes ou depois de iniciado o processo; aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa, ou subministrar meios para atender às despesas do litígio;

Pode outro juiz de outra vara acompanhar o advogado numa audiência? Não pode. É um comportamento incorreto. Nisso ele está induzindo o próprio colega daquela vara, que julgará a lide. Juiz que opina se torna suspeito. Também não deve o advogado, por outro lado, perseguir juiz no corredor e perguntar-lhe sobre o processo.

Inciso V:

        V - interessado no julgamento da causa em favor de uma das partes.

Sobre este inciso não precisamos fazer nenhum comentário. Isso é parcialidade, simples assim.

Parágrafo único:

        Parágrafo único.  Poderá ainda o juiz declarar-se suspeito por motivo íntimo.

O juiz não precisa justificar por que resolveu se afastar.

Art. 136:

        Art. 136.  Quando dois ou mais juízes forem parentes, consangüíneos ou afins, em linha reta e no segundo grau na linha colateral, o primeiro, que conhecer da causa no tribunal, impede que o outro participe do julgamento; caso em que o segundo se escusará, remetendo o processo ao seu substituto legal.

Isso é para que a sentença não seja manipulada. Juízes parentes podem compor órgãos diferentes do mesmo tribunal. Dentro do Plenário, é possível que dois desembargadores sejam irmãos. Aconteceu no Tribunal de Justiça de São Paulo. O primeiro que conhecer da causa impedirá a participação de seu irmão. Os paulistas deixavam de fazer isso. Ficou demonstrado que houve manipulação das sentenças.

Art. 137:

        Art. 137.  Aplicam-se os motivos de impedimento e suspeição aos juízes de todos os tribunais. O juiz que violar o dever de abstenção, ou não se declarar suspeito, poderá ser recusado por qualquer das partes (art. 304).

Então essa questão de recusa remete novamente à importância do papel do advogado. O que é interessante é que às vezes nos perguntamos: por que o juiz tem interesse em julgar um processo que é impedido ou suspeito? Que ele mande para o substituto.

Art. 138:

        Art. 138.  Aplicam-se também os motivos de impedimento e de suspeição:

        I - ao órgão do Ministério Público, quando não for parte, e, sendo parte, nos casos previstos nos ns. I a IV do art. 135;

        II - ao serventuário de justiça;

        III - ao perito;

        IV - ao intérprete.

        § 1o  A parte interessada deverá argüir o impedimento ou a suspeição, em petição fundamentada e devidamente instruída, na primeira oportunidade em que Ihe couber falar nos autos; o juiz mandará processar o incidente em separado e sem suspensão da causa, ouvindo o argüido no prazo de 5 (cinco) dias, facultando a prova quando necessária e julgando o pedido.

        § 2o  Nos tribunais caberá ao relator processar e julgar o incidente.

O que falamos até agora não se aplica apenas ao juiz. O art. 138 também traz os outros sujeitos passíveis de serem considerados suspeitos. Um deles é o órgão do Ministério Público.

Inciso II: o serventuário não julga, então qual é a razão de seu impedimento? É porque é ele que mais segura o processo!  Na qualidade de oficial de justiça o sujeito tem muito controle da situação, na verdade. Tudo é papel, desde 2006, do oficial de justiça. O oficial pode se tornar impedido se se vir obrigado a citar seu irmão.

Inciso III: falamos no início que trabalharemos os auxiliares da justiça, que têm que trabalhar com imparcialidade. O perito tem que ser imparcial, mas o assistente não.

Inciso IV: intérprete. Também não, pois poderá fazer seu trabalho de maneira favorável ao seu afeto.

§ 1º: o melhor momento para levantar a suspeição é na contestação. Mas às vezes a suspeição ou impedimento podem ocorrer depois. O juiz pode se tornar suspeito no decorrer do processo, como o juiz casar com uma das partes, ou a parte trocar de advogado, em que o novo é irmão ou marido da juíza. Neste caso, como já falamos, o juiz pode ser considerado suspeito, mas não pode o advogado forçar o afastamento de um juiz por uma mudança de personagens no decorrer do processo.

Se o juiz entender que é suspeito, ele remeterá os autos ao seu substituto.

§ 2º: esse incidente processual será julgado pelos tribunais se chegar lá. O responsável é o relator.

Na próxima aula vamos ver os arts. 139 a 153.


  1. De acordo com Edson Virgínio Cavalcante Júnior, a teoria da substanciação propugna que a causa de pedir é formada pelo fato constitutivo do direito e pela repercussão jurídica deste. Noutro dizer, pela causa remota, apresilhada ao fato matriz da relação jurídica, e pela causa de pedir próxima, que irrompe após a remota, determinando o nascimento da pretensão e do dever de adimplir. Fonte: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4275 - acessível em 13/10/09 às 17:43.
  2. O art. 1592 do Código Civil dispõe sobre as linhas colaterais dentro do parentesco. "Art. 1592. São parentes em linha colateral ou transversal, até o quarto grau, as pessoas provenientes de um só tronco, sem descenderem uma da outra." O art. 1594 ensina a contar os graus de parentesco: "Contam-se, na linha reta, os graus de parentesco pelo número de gerações, e, na colateral, também pelo número delas, subindo de um dos parentes até ao ascendente comum, e descendo até encontrar o outro parente."