Direito Civil

segunda-feira, 1º de março de 2010

Conceito, natureza jurídica e requisitos de validade dos contratos


2.1 – Conceitos: negócio jurídico e contrato

2.1.2 – Contrato vs. negócio jurídico

2.2. – Requisitos de validade dos contratos

2.2.1 – Capacidade das partes

2.2.2 – Vontade das partes

2.2.3 – Conteúdo do objeto do contrato

2.2.4 – Forma dos contratos

Conceito de contrato

A primeira coisa que devemos saber é o que é negócio jurídico. O que é um negócio jurídico? É a junção da manifestação de vontade do homem com a intenção de gerar efeitos jurídicos. Tenho a vontade de fazer algo e essa vontade gerará um efeito jurídico qualquer. Vontade de dormir não é um negócio jurídico. Mas e se eu quero registrar meu filho? Tive a vontade e essa vontade gerou alguma consequência jurídica. Isso é um negócio jurídico. E o contrato? O contrato é um negócio jurídico.

Vamos lembrar da Matemática, mais especificamente a teoria dos conjuntos. A única coisa que a professora lembra de Matemática é que o contrato é um subconjunto do negócio jurídico. O contrato é uma espécie do gênero negócio jurídico. Se o contrato é um negócio jurídico, então, ao conceituar o contrato, podemos começar com “negócio jurídico que...” mas, o que o diferencia do negócio jurídico? O contrato dependerá da junção de pelo menos duas vontades.

Muito bem. Se dissemos que o contrato é um negócio jurídico, aquelas regras para negócio jurídico valem para contratos? Valem! Mas mais ainda: como o contrato é espécie, haverá mais regras. Note a frase que falamos antes: “junção de duas vontades”. Não é o mesmo que duas pessoas! Isso inclusive é questão de prova: Adriana quer comprar um terreno. Esse terreno é da Ana, do Rui e da Rita. Eles precisam ter a vontade de vender. Não são duas pessoas envolvidas; são quatro; mas são duas vontades. Atenção para isso!

Um conceito que a professora gosta muito é o do próprio Clóvis Bevilácqua: “o contrato é o acordo de vontades para o fim de adquirir, resguardar, modificar ou extinguir direitos.” É um conceito bem simples.

Cada vez que a norma jurídica precisar de duas vontades, ela será um contrato.

Pois bem. Comprei uma casa, então fiz um negócio jurídico. Mas é também um contrato, pois há duas vontades: a de vender, do vendedor, e a minha, de comprar. E ao registrá-la? Negócio jurídico, pois não preciso de mais ninguém. Somente da minha vontade para legitimar essa compra.

Voltando: existem normas gerais para os negócios jurídicos, que começam no art. 104 do Código Civil, e normas gerais para os contratos, a partir do art. 421. Começando no art. 104, que é um artigo com o qual devemos sonhar até decorá-lo: “A validade do negócio jurídico requer:

        I – agente capaz;

        II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável;

        III – forma prescrita ou não defesa em lei.

Agente capaz. Objeto lícito. Não pode haver coisa ilícita na jogada. A forma tem que ser prescrita ou não defesa em lei. São esses os requisitos de validade do contrato? Temos partes, capacidade, objeto e forma! Veja a identidade.

É nulo, e não anulável, o contrato que não tenha tais requisitos. O contrato nulo nunca produzirá efeitos jurídicos.

Importante, ao falar dessa questão da capacidade das partes e elementos, que nosso contrato pode ter elementos específicos para cada tipo de contrato. Como, por exemplo, no contrato de depósito: a entrega da coisa. É o que veremos nos contratos em espécie: no caso do contrato de depósito, não há contrato perfeito antes da entrega da coisa; a mera declaração de vontades não é suficiente para o que iremos chamar de aperfeiçoamento do contrato.

Em nosso Código Civil temos 23 contratos em espécie. Claro que não veremos todos os que existem, mas tentaremos ver os do Código. Há contratos na legislação extravagante. Mas, por exemplo, quando virmos a locação, muito mais que a locação de bens móveis veremos a locação de bens imóveis. Aí teremos que usar não só o Código Civil, mas também a Lei no Inquilinato. Na compra e venda, o maior volume de normas está no Código de Defesa do Consumidor e não no Código Civil.

 

Requisitos de validade dos contratos

Requisitos significam: condição necessária para se chegar a certo fim. Precisamos disso para ter um contrato. O requisito é a condição necessária para se chegar à validade dos contratos.

O primeiro que veremos é a capacidade das partes. Está no art. 104, que fala, no inciso I, em agente capaz. Agente capaz é o agente em geral capaz para todos os negócios jurídicos. Vamos recordar o art. 1º do Código: “Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil.” Essa é a regra mais geral.

Art. 2º: “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.

E os Arts. 3º e 4º: “São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:

        I – os menores de dezesseis anos;

        II – os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos;

        III – os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.

 São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer:

        I – os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;

        II – os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido;

        III – os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo;

        IV – os pródigos.

        Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por legislação especial.

Os artigos 3º e 4º tratam respectivamente dos absolutamente e relativamente incapazes.

Recordando isso, é importante saber o que essa é a capacidade. É importante saber, entretanto, que para os contratos precisamos de uma capacidade específica. Não é só essa capacidade geral, no início do Código Civil.

Agora vejam: quais são mesmo as condições da ação? Possibilidade jurídica do pedido, legitimidade das partes e interesse de agir.

Aqui nos contratos também precisaremos da legitimidade da parte ou partes. Para cada contrato haverá uma legitimidade. A prática de cada ato do contrato terá sua própria legitimidade. No contrato de locação, por exemplo, só terá legitimidade para receber o aluguel o proprietário do imóvel. Isso posto, imagine que você está alugando o apartamento de alguém e o filho do proprietário vem te cobrar. No terceiro mês surge o dono, reclamando prestações vencidas dos últimos três meses. Aí sim você chega à conclusão que o filho dono é um charlatão. Tinha ele legitimidade para receber a quitação do aluguel? Não. Significa que paguei mal. O filho não é agente capaz para receber, a não ser que tenha procuração do pai.

Outro exemplo: tutores. Não podem comprar bens dos tutelados. Se sou tutor do Pedro, não posso comprar bens dele. Se pudesse, eu mesmo estaria dando o preço de uma coisa que eu fosse comprar. Então, para evitar isso, a lei não permite que tutores comprem bens dos tutelados. Eles não têm capacidade de fazer esse negócio.

Temos outros exemplos: pai não pode vender para filho sem autorização dos outros filhos e do cônjuge.

O que é importante sabermos daqui? Que essa capacidade ou incapacidade para contratar não é perene, absoluta. Ela é específica, para começar. O tutor não pode praticar compra e venda com bens do tutelado, mas pode fazer outras coisas. Se amanhã o sujeito não é mais tutor, ele poderá comprar bens do ex-tutelado. Precisamos, portanto, ter em mente que essa legitimidade contratual é circunstancial.

Legitimidade e capacidade contratual são sinônimos. Vamos usar o termo capacidade.

 

Vontade das partes

Na aula passada vimos que, sem vontade, não há contrato válido. Então precisamos ter a liberdade, a livre vontade de contratar. E, aqui, quando demos o exemplo, vimos que precisamos de pelo menos duas vontades. Não estabelecemos aqui o número de pessoas, mas o número de interesses para contratar. Para entender, volte à questão da compra e venda do terreno que pertence a três pessoas: há quatro pessoas envolvidas, o comprador e os três proprietários, mas apenas dois interesses na jogada: comprar e vender.

É importante notar que essas vontades são requeridas de pessoas capazes de celebrar. Nem sempre quem assina é parte contratual. Interessante isso. Sempre quem assina o contrato é parte contratual? Isso já caiu em concurso. Representante legal, por exemplo: Assina, mas não é parte. Outro exemplo: contrato de locação. Exemplo: Adriana tem uma casa, e resolveu fazer um contrato de locação com Rui. Até aqui tudo bem. Porém, após certo tempo Adriana resolveu vender o imóvel. Vendeu a casa para a Ana. O contrato de locação determinava que, mesmo com a venda, a locação subsistiria. Dessa forma, o contrato de locação continua existindo. Quem assinou o contrato de locação foi a Ana? Não. Foi Adriana. Hoje, Adriana não é mais parte do contrato de locação, mas foi ela quem assinou.

Observações:

Mas há contratos que requerem declarações expressas de vontade. Manifestação expressa é aquela que deixa clara a intenção da parte. Em prova de concurso caiu: “um contrato de doação, para ter validade, tem que ser realizado expressamente, a não ser que o bem seja de pequeno valor e a entrega seja feita em seguida.” Verdade? Não. A lei fala escrito, mas não expresso! Veja a diferença.

Quem cala não necessariamente consente. Só excepcionalmente. É o teor do art. 111 do Código, que já estudamos no terceiro semestre: “O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa.” Outro exemplo: locação feita por tempo determinado. Se as partes permanecerem em silêncio, o contrato se renovará automaticamente por tempo indeterminado. É uma previsão específica da lei.

 

Conteúdo do objeto do contrato

Vamos entender primeiramente o que é objeto do contrato. Quais são as obrigações que temos? De fazer, de dar, de não fazer. Basicamente essas. Num contrato de compra e venda de um carro, o objeto é o carro! É portanto uma obrigação de dar. Se contrato alguém para desentupir a pia da minha casa, o objeto do contrato é a prestação daquele serviço.

Ou também o contrato que impede que o sujeito não trabalhe para concorrente dentro de um ano: obrigação de não fazer.

O objeto tem que ser possível, determinado ou ao menos determinável.

Vimos também no art. 104 que o objeto tem que ser lícito. Não pode contrariar lei, moral e bons costumes. Pense nisso: era uma vez uma montadora de veículos que resolveu expor o novíssimo carro no aeroporto. Para apresentá-lo e atrair olhares para o lugar, uma linda jovem de roupas vermelhas foi contratada para posar ao lado do carro, “apresentando-o”. Entretanto, o contrato previa que a mulher deveria ficar de boca calada durante as oito horas que ficasse expondo o carro. Depois de muitas horas, uma amiga apareceu por acaso, e elas apenas se cumprimentaram rapidamente. O chefe logo notou e apareceu, repreendendo-a.

Pois bem: é lícito o contrato em que a parte fica obrigada a demonstrar um carro durante oito horas, mas atenta contra a moral e os bons costumes exigir que ela ficasse absolutamente calada. Esse contrato, portanto, não é lícito.

No objeto também veremos a questão da possibilidade. A possibilidade pode ser física ou jurídica. Contratar uma muda para cantar é um objeto impossível, daí não se pode ter contrato válido. Por fim, a impossibilidade jurídica: contrato de compra e venda de drogas.

Art. 426: “Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva.” É mais uma impossibilidade jurídica. Exemplo específico: para contratos, contrato de herança de pessoa viva chamamos de pacta corvina (referente aos corvos, aves associadas à morte, vindoura ou consumada). Imagine que tenho uma avó moribunda que tem uma casa, e vou herdá-la. Já antevendo esse quadro, sabendo que estou precisando de dinheiro, entro em contato com Carmelita, minha amiga, dizendo-a: quer comprar a casa que estou para herdar? Não será possível. Nem mesmo poder-se-á alegar pacta sunt servanda pela própria impossibilidade jurídica desse contrato.

E coisa litigiosa, pode ser objeto de contrato? Pode! Há um risco sobre qualquer transação envolvendo bens cuja propriedade está sendo disputada em juízo. Mas não há impedimento legal. Aquele quem o juiz declarar como legítimo proprietário de uma casa sob disputa poderá reivindicar o bem com quem quer que esteja, antes ou depois de haver transação. Exemplo: Hermínio disputa com sua irmã Hermione, em juízo, a casa que seu falecido pai deixou. Hermínio se apressa a vendê-la para Hermógenes, seu primo, e finaliza a transação. Hermógenes está agora na posse da Casa. Pouco depois, após analisar mais cautelosamente o testamento de Hermófilo, pai de Hermínio e Hermione, o magistrado nota que a casa deveria ficar com a filha, e a declara como proprietária. Ela poderá reivindicar a casa que encontra-se em poder de Hermógenes.

Podemos vender coisas futuras também. Isso se encaixa na descrição de objeto determinável. Exemplo: frutos por colher daqui a quatro meses.

E se a impossibilidade do objeto for posterior ao momento da feitura do contrato? Aí sim analisa-se se houve culpa ou não de uma das partes, para saber se caberá ou não indenização. Foi caso fortuito, ou força maior? Se for imprevisível, não deverá haver indenização.

Se contrato com a Ivete Sangalo para cantar aqui em nossa formatura, mas bem no dia ela ficar doente, ficaremos tão chateados que pensaremos imediatamente em pedir perdas e danos. Mas não podemos, já que, em regra, ficar doente é um caso fortuito. Mas poderemos provar que alguém sabia que iria ficar doente; cada um descobre como provar.

Fato é: sem prova, sem sucesso. Ter razão e não provar de nada adianta.

E a questão de o objeto ser determinado ou determinável? Posso comprar “alguma coisa” de alguém? Não, preciso especificar. Um mínimo de determinação é necessário. O objeto tem que ser suscetível de avaliação em dinheiro. Se o juiz está olhando para um contrato, é porque houve algum problema. Com o problema, temos que ter uma valoração. Como vamos a juízo sem ter valor da causa? Não há como.

 

Forma dos contratos

É a forma é como vamos exteriorizar a vontade de contratar. A forma não pode ser defesa em lei. Por via de regra, a forma é livre. Art. 107: “A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir.” A validade não depende de determinação especial. A forma tem que ser expressa ou tácita.

Há contratos formais, que são aqueles para os quais a lei determina uma forma para eles, e também os informais, cuja lei nenhuma forma determina. A compra e venda em si não é um contrato formal, mas o registro de imóvel é um ato formal.