Direito Civil

sexta-feira, 05 de março de 2010

Formação dos contratos


Os contratos se formam pela manifestação de vontade. Se a pessoa não quiser, não há quem a obrigue a contratar. Além da vontade, precisamos manifestá-la. Como manifestar, então? Expressa ou tacitamente. Emitir sinais é aceitação expressa. Não é sinônimo de “manifestação expressa” a “manifestação escrita”. Cuidado. Lembre-se que a manifestação tácita nem sempre é aceita.

E o silêncio? Significa ele algo? Nada. O silêncio não serve como manifestação de vontade. Excepcionalmente o art. 111 permite: “O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa.” Exemplo: o vendedor de galinha. Silêncio não é só da própria voz, mas também da falta de atitude. Os usos e costumes do local têm que dar significado ao silêncio.

Outro exemplo é o contrato de locação: quando o prazo se esgota e as partes não se manifestam, o contrato se renovará por tempo indeterminado.

 

Negociações preliminares

Muita atenção. O termo é sinônimo de período pré-contratual. Primeira pergunta: já há contrato? Claro que não. É um momento anterior ao contrato. Os contratos obrigam. Significa então que ainda não há obrigação. O período pré-contratual é o período de namoro! O que é esse namoro? É o período de conhecimento, enquanto a parte pensa em fazer um negócio e considera as possibilidades. Ocorre quando alguém pergunta se outro quer comprar um bem e a pessoa diz que está pensando. Ninguém está obrigado. Pode ser rápido ou longo, como os namoros mesmo. Compra de apartamento ou de empresa: demora muito para se decidir! A compra de um notebook, por sua vez, pode ser muito mais rápida.

Depois do período pré-contratual vem o quê? O pré-contrato. Não confunda! Agora sim falamos em contrato. Ele já obriga. Pense no noivado. Do período pré-contratual pode-se ir para o pré-contrato ou diretamente para o contrato, que seria o casamento. Mas vejam: se estou namorando e quero casar, sou obrigado a noivar primeiramente? Não. O mesmo aqui: pode-se ir diretamente do período pré-contratual para o contrato.

E se eu só tiver dinheiro daqui a seis meses? Então fazemos um pré-contrato, com promessa de compra e venda. As coisas ficaram mais sérias. Noivado gera certas obrigações. E se as partes tiverem tido despesas?

Logo, no período pré-contratual, se uma das partes houver tido despesas, cabe indenização ou reparação? Pode ser o caso. Ainda que não seja um contrato, dependendo da situação, ele ensejará sim algum tipo de indenização. Não se podem abandonar as tratativas do período pré-contratual de forma completamente inexplicável. Toda vez que alguém tiver prejuízo financeiro ou emocional e acreditar que esse prejuízo foi causado por outra pessoa, ela deverá correr atrás. Independente de contrato!

Na ordem, então, para entendermos didaticamente o período pré-contratual, o pré-contrato e o contrato: não obriga, obriga um pouquinho, e obriga de mais.

E se noivei, sou obrigado a casar? Claro que haverá uma tendência natural, mas não! Poderei desistir.

Todas as cláusulas do período pré-contratual têm que ser exatamente as mesmas do pré-contrato? Não, as regras podem mudar.

 

Minuta

É o esboço, o rascunho do futuro contrato. Pode ser feita no guardanapo do bar copo-sujo. Se amanhã houve rompimento infundado, culposo ou infundado das tratativas, poderei pedir uma reparação, pois terei um comprovante, ainda que grosseiro.

 

Proposta ou oferta

O orçamento dado pela loja de informática da sua novíssima máquina é uma proposta. O que é uma? É a manifestação de vontade de uma das partes. A parte propõe, se manifestando. É um ato unilateral.

Em regra, não depende de forma específica. Mas, para ter validade, como é a primeira coisa a caminho do contrato, que, junto com a aceitação, formam o contrato, precisam seguir que requisitos? Os do art. 104.

A proposta tem que ser séria, objetiva e clara. Significa que você não pode dizer que o apartamento que você vai vender tem “piso de palácio”. Você tem que especificar o material. E essa também não é uma proposta séria. Não pode conter termos ambíguos.

 

Vínculo do proponente

Proponente é quem faz a proposta. Quem aceita é o oblato. Aceitante também, mas acostume-se com a primeira palavra.

A proposta obriga, vincula quem propôs, pelo menos pelo período proposto e pela forma proposta. Orçamento com validade de sete dias vincula.

 

Presentes e ausentes

Aqui não falamos na presença física. Presente, para a formação do contrato, são os que estão em conversa simultânea. O amigo em viagem à China que está ao telefone com você é considerado presente. MSN e programas de mensagens instantâneas também são  conversas entre presentes. Fax também? Aí não. Veja o art. 428:

Deixa de ser obrigatória a proposta:

        I – se, feita sem prazo a pessoa presente, não foi imediatamente aceita. Considera-se também presente a pessoa que contrata por telefone ou por meio de comunicação semelhante;

        II – se, feita sem prazo a pessoa ausente, tiver decorrido tempo suficiente para chegar a resposta ao conhecimento do proponente;

        III – se, feita a pessoa ausente, não tiver sido expedida a resposta dentro do prazo dado;

        IV – se, antes dela, ou simultaneamente, chegar ao conhecimento da outra parte a retratação do proponente.

Vamos comentar os incisos:

I: Imagine uma proposta em que ofereço meu Fusca 66, muito bem restaurado, para Talita. Ela ficou indecisa, saiu de perto para pensar, e outro se apresentou como interessado. Ao telefone também.

II: Olhem bem. Não há prazo, mas o outro estava ausente. Uma semana depois o proponente não obtém resposta por e-mail e vende para outro. Dependerá do objeto, do valor envolvido. Pode ser, em casos raros, que o então indeciso tenha tirado o dinheiro da poupança e se sinta lesado depois de descobrir que o bem foi vendido a outra pessoa. Então, cuidado.

III: A situação agora é outra. O proponente estabelece na proposta: “você tem sete dias para comprar, ou venderei para outro”. Ausente a outra parte, o proponente está livre.

IV: O proponente, fotógrafo freelancer, envia o e-mail propondo a venda de sua câmera profissional. Ao enviar, ele verifica sua caixa de entrada e nota que foi designado para uma cobertura jornalística em outro país, e receberá uma boa quantia para isso, mas precisará da câmera. Essa simultaneidade é tal que não há tempo suficiente para se criarem expectativas. Assim, ele enviar rapidamente outro e-mail àquele para quem enviou a proposta de venda da câmera com a retratação, dizendo que desistiu de vendê-la. Simultaneidade de instante de tempo não existe no Direito.

 

Proposta e sucessores

Proposta é uma obrigação. As obrigações se transmitem aos sucessores. Então, como qualquer outra obrigação, a proposta é transmitida aos sucessores. O Código Civil fala em sucessão causa mortis. Assim, se proponho à Talita um belo Fusca, dando-lhe dez dias para decidir, mas morro no terceiro dia, o que ela fará? Exatamente isso: ela irá à minha missa de sétimo dia exigir.

E o Código de Defesa do Consumidor? Ele amplia a matéria de sucessão, falando em sucessão inter vivos. Diga que Carlotta possui uma loja de guarda-chuvas que está louca para vender. Assim, ela anuncia, pondo um grande cartaz em sua porta, dizendo que “até o fim do estoque, cada unidade custa R$ 1,99”. Berotto, homem de negócios, notando que Carlotta quer mesmo é livrar-se da loja, apressa-se em adquiri-la. Ao fazê-lo, ele eleva o preço de cada guarda-chuva para R$ 6,00. Pode ele fazer isso? Não, pois foi ofertado antes! A proposta feita pelo antecessor tem que ser mantida. Essa é a sucessão inter vivos de que o Código de Defesa do Consumidor trata: as obrigações passam por sucessão mesmo estando os dois ainda vivos; a sucessão não é causa mortis para os herdeiros do falecido, mas para o novo dono do estabelecimento comercial.

 

Aceitação

De um lado temos a manifestação de vontade pela proposta, de outro temos a aceitação. Para que ela serve? Ela tem um único objetivo: vincular o proponente a um contrato. A partir do momento da aceitação temos contrato. Também a aceitação pode ser expressa ou tácita, desde que não exista forma específica.

 

Eficácia da aceitação

Até quando existe eficácia na aceitação? Qualquer tipo de aceitação é eficaz, no sentido de formar o contrato? Não. Será eficaz quando for formulada dentro do prazo concedido na oferta. O ato de aceitar uma proposta no 11º dia não é eficaz, se você ficou de dar uma resposta em 10 dias.

Leiam os artigos! Art. 427: “A proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio, ou das circunstâncias do caso.

O que quer dizer isso? A proposta obriga se o contrário não resultar dos termos dela. O que pode ser isso? Válido por sete dias, ou “enquanto durar o estoque”, ou “durante o mês de março”.

Vamos ler também o art. 430. “Se a aceitação, por circunstância imprevista, chegar tarde ao conhecimento do proponente, este comunicá-lo-á imediatamente ao aceitante, sob pena de responder por perdas e danos.

Fiz a proposta de venda do Fusca para a Talita. Ela me mandou uma carta aceitando minha proposta. Por uma situação imprevista, como greve nos correios, eu deverei comunicá-la tão logo quanto possível que houve atraso na minha ciência da aceitação dela.

Segundo caso de eficácia da aceitação: quando corresponde a uma adesão integral à proposta, sem modificações. Obviamente, se aceitou dentro do caso proposto, tudo bem. Se uma parte quiser modificar algo, há uma contraproposta, uma nova proposta. Isso não será aceitação.

Quando a aceitação não gera o aperfeiçoamento? Mesmo se for expedida dentro do prazo, se aceitação chegar tardiamente ao conhecimento do proponente, este estará liberado.

 

Teorias da aceitação

Primeira: teoria da cognição (da aceitação): O contrato só se perfaz (se forma) com o conhecimento do proponente da aceitação. Essa teoria não é muito usada. Não interessa como se tomou conhecimento, e isso gera muita controvérsia.

Teoria da agnição (declaração): se subdivide em três subteorias: a primeira fala que o contrato se forma quando o aceitante declara, quando ele redige a aceitação. Basta escrever. Essa teoria não é aceita. Basta exteriorizar a vontade. Não tem eficácia nenhuma, pois o aceitante pode jogar o papel contendo a declaração fora. Subteoria da expedição: é o momento em que apertei o botão send/enter/entreguei para o correio. É aqui que passa a existir o contrato. E a subteoria da recepção: o contrato se perfaz quando o proponente recebe a aceitação. Qual é a aceita? Veja o art. 434:

Os contratos entre ausentes tornam-se perfeitos desde que a aceitação é expedida, exceto:

        I – no caso do artigo antecedente;

        II – se o proponente se houver comprometido a esperar resposta;

        III – se ela não chegar no prazo convencionado.

Viu o caput? Aqui vale a teoria da expedição.

 

Lugar em que se reputa celebrado o contrato

Qual será o foro para se resolver quaisquer questões jurídicas? Art. 435: “Reputar-se-á celebrado o contrato no lugar em que foi proposto.” Onde foi proposto, portanto. Peguei o telefone, liguei para a Talita no Maranhão, e falei do meu Fusca que está no Rio, pronto para ser vendido. Qual será o foro? Brasília, que é onde foi proposto. Só tem essa solução? Não, as partes podem convencionar de forma diversa.

Mas veja a Lei de Introdução ao Código Civil, art. 9º: “Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem.

§ 1º  Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato.

§ 2º  A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente.”.

O artigo fala no local de residência do proponente. A LICC vale para contratos internacionais.

E se o contrato depende de instrumento público, como contrato versando sobre bem imóvel? Então o foro será do local do imóvel, claro.

E contrato sobre herança de pessoa viva? Pacta corvina. É o art. 426: “Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva.” É um contrato nulo. “Talita, sabe o Fusca da vovó? Ela tá quase morrendo, e ele será meu em breve. Quer comprar?” Não pode. Esse termo aparece em concursos.