Direito Civil

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Conclusão do comodato e mútuo


10.5 – Direitos e obrigações do comodatário

10.6 – Comodato modal

10.7 – Extinção do comodato

11 – Mútuo

11.1 – Conceito

11.2 – Partes

Da res perit in domino

11.2 – Natureza jurídica do mútuo

 

Vamos acabar com o contrato de comodato com os direitos e obrigações do comodatário.

Na aula passada vimos os direitos e obrigações do comodante. Quem empresta é o comodante. Hoje vamos ver as obrigações daquele que pega emprestado. Quem pega tem o direito e a obrigação de fazer o quê?

Primeira obrigação é a restituição da coisa emprestada no momento devido. Quando falamos em “momento devido”, é porque podemos ter situações diferentes. O momento devido pode ser quando o contrato está terminado, como por expressa disposição contratual. Ou o momento devido pode ser o necessário para o uso, como emprestar um trator para a colheita da soja. Acabou a colheita, acabou o contrato. Claro que temos restituir, que é condição básica, essencial do contrato. Se não há restituição, o contrato não é de empréstimo, mas de doação.

E se quem pegou emprestado a coisa se negar a restituir? Ou se a coisa simplesmente some? Primeiramente teremos a característica do esbulho possessório. É o quê? Ato pelo qual o possuidor se vê despojado de sua posse de forma injusta. Se eu me vir despojado injustamente em meu contrato de comodato, o esbulho possessório só se verificará quando a retenção pelo comodatário se der maneira injusta. Qual a ação? Ação de reintegração de posse. Essa ação é semelhante à ação reivindicatória, da evicção, lembram-se? Qual a diferença? Na reivindicatória também discutimos o domínio da coisa. Comprova-se o domínio e busca-se a posse. Na possessória, o que se quer é somente a posse, o que é muito mais simples, e não se discute domínio. Claro que posso ajuizar uma reivindicatória, mas demorará mais.

Interessante é o art. 582: “O comodatário é obrigado a conservar, como se sua própria fora, a coisa emprestada, não podendo usá-la senão de acordo com o contrato ou a natureza dela, sob pena de responder por perdas e danos. O comodatário constituído em mora, além de por ela responder, pagará, até restituí-la, o aluguel da coisa que for arbitrado pelo comodante.” Viram só? Se o comodatário demorar a devolver a coisa, o comodante terá direito de cobrar alugueis por ela! Pode cobrar diária, semanal, mensal, como preferir. Esse contrato se transforma em um contrato de locação? Não! Nenhum contrato se transforma em outro. Os alugueis aqui funcionarão como uma penalidade. Só pode haver transformação na formação do contrato.

Esbulhar é destituir injustamente alguém de sua posse. Às vezes a parte se nega a devolver por um direito previsto no próprio contrato, e, neste caso, não será de forma injusta, portanto não caracterizará esbulho.

Note que o comodante poderá pedir a coisa antes do prazo. É o que diz o art. 581: “Se o comodato não tiver prazo convencional, presumir-se-lhe-á o necessário para o uso concedido; não podendo o comodante, salvo necessidade imprevista e urgente, reconhecida pelo juiz, suspender o uso e gozo da coisa emprestada, antes de findo o prazo convencional, ou o que se determine pelo uso outorgado.” Vamos entender. Camilla me emprestou um Código, pois tem dois. Mas, amanhã, ela vem para a aula e foi assaltada, e seu Código foi levado. Foi caso fortuito. Ela precisa do Código para estudar para a prova e trazer para a aula. É uma necessidade, portanto, imprevista e urgente: ela imediatamente ela me ligará para que eu devolva o Código que ela me emprestou. É uma hipótese em que ela poderá pedir a coisa antes do tempo previsto no contrato.

Outra situação: Camilla me emprestou seu Código, segura porque sabia que possuía dois. Mas, enquanto ele estava comigo, ela enjoou de Direito e está está fazendo Engenharia Mecatrônica, para então viajar a Tóquio e se especializar em robótica. Aí, o que acontece? Ela não está mais usando o Código. Pouco depois, num belo dia ela chega em casa e descobre que sua casa havia sido arrombada. É imprevisto? É. É urgente, e precisa logo de outro Código? Não! Então ela não poderá desfazer esse contrato. A necessidade tem que ser imprevista E urgente, e não OU. É o que está no art. 581.

Vamos à segunda obrigação do comodatário:

Velar, zelar pela conservação da coisa como se fosse sua. É uma obrigação e isso significa que o comodatário terá que desembolsar dinheiro com as despesas ordinárias de conservação da coisa. Ao pegar um carro emprestado, por exemplo, terei que olhar o óleo do motor e calibrar os pneus, fora, é claro, o combustível. Não preciso eu, entretanto, na condição de comodatário, consertar defeitos que já vieram com o carro. Despesa ordinária é a esperada: claro que sei que terei lavar o carro. Mas despesas extraordinárias, como pagar o mecânico que vedou o vazamento no reservatório do óleo de direção hidráulica, não. As despesas ordinárias não são reembolsáveis; elas correm por conta do comodatário.

Atenção: no caso de despesas extraordinárias necessárias e urgentes (note o “e” e não “ou”), terei que pagar as despesas e, depois, ser reembolsado. Aluguei um apartamento e o cano estourou, danificando minha máquina de escrever. O proprietário do imóvel é quem me reembolsará pela máquina, e ele também pagará pelo gasto com o reparo.

Servir-se da coisa emprestada de forma adequada, podendo responder por perdas e danos. O que é isso? São duas situações: eu peguei o carro do Danilo emprestado para ir para Goiânia, passar o fim de semana com meus amigos, mas fui para o Rio de Janeiro. Foi a forma adequada? Até foi, mas não foi a contratada. E, no meio do caminho, resolvi brincar de rally, e danifiquei severamente a suspensão do carro. O mesmo ocorre quando se pega um Código emprestado com a finalidade de apoiar o pé da mesa. Cabe perdas e danos mesmo sem prejuízo. Não precisa especificar no contrato que o Código é para se ler; isso é óbvio e, ainda que não fosse, seria presumível; claro que ele não serve para apoiar o pé da mesa. A perda que pode ser reclamada é por descumprimento contratual. Não é contrato sinalagmático, e não tem cláusula resolutiva. Vejam, portanto, o art. 582 novamente: “O comodatário é obrigado a conservar, como se sua própria fora, a coisa emprestada, não podendo usá-la senão de acordo com o contrato ou a natureza dela, sob pena de responder por perdas e danos. O comodatário constituído em mora, além de por ela responder, pagará, até restituí-la, o aluguel da coisa que for arbitrado pelo comodante.

Responder pelos riscos, deterioração ou perda. Vamos entender essa obrigação. Aliás, antes de lermos o Código, vamos entender uma regra básica que será cobrada: res perit in domino. A coisa perece para o dono. Já vimos essa frase no semestre anterior, no estudo das obrigações! Essa é a regra básica dos contratos. Ela nos fará entender um monte de coisas: Camilla me emprestou o Código, e o ladrão me rouba. Tenho ou não que comprar outro para ela? Não! Por quê? Porque a proprietária é a Camilla, e ela é quem perde, ela quem amarga o prejuízo da coisa perdida. Pereceu para ela. Não há obrigação do comodatário de pagar por outro.

Se o carro que peguei emprestado sofreu perda total com a queda de uma árvore, não terei que comprar outro, pois não tive culpa. A árvore cair no carro foi um caso fortuito. Mas vejam o art. 583: “Se, correndo risco o objeto do comodato juntamente com outros do comodatário, antepuser este a salvação dos seus abandonando o do comodante, responderá pelo dano ocorrido, ainda que se possa atribuir a caso fortuito, ou força maior.” Vamos entender por este exemplo: vou dar aula particular em minha casa, e por acaso 20 carteiras, mas 35 foi o número de interessados na minha aula. Preciso de mais 15 carteiras, pois. Fui à casa de Celius, meu amigo, e peguei emprestadas mais 15 carteiras. O que é isso? Contrato de comodato. De repente, em meio a uma aula, chove e começa a inundar a sala. Tudo está para estragar. Gritei para meus alunos: peguem as carteiras azuis e levam para dentro! Isso porque as azuis são as minhas, e verdes são as do Celius. Resolvi salvar primeiro as minhas, e não as dele. Pronto, me encaixei na figura do art. 583. Note que a obrigação é que o comodatário tem que cuidar como se a coisa fosse sua. Dessa forma, ficou comprovado o descaso. Então a coisa que normalmente iria perecer para meu amigo por causa da força maior, irá perecer para mim, e terei que indenizá-lo.

E numa outra hipótese, em que, quando a chuva nos pega de surpresa, eu grito para que todos salvem qualquer carteira que virem pela frente, independente da cor (por conseguinte, de quem quer que seja)? Bastará provar que o zelo foi igualitário.

Responsabilizar-se solidariamente se houver mais comodatários. Emprestei meu Fusca para Ana, para Bia e para Vera, para que passassem o fim de semana em Goiânia. Só Vera dirige, e ela, na volta, descuidou-se e bateu meu carro. Ela teve culpa. O que acontece? Quero receber por isso, afinal, foi por culpa. Ana e Bia dizem que nada tiveram a ver com a batida. Não interessará, pois a responsabilidade é solidária. Significa então que, mesmo que Vera é quem tivesse no volante, eu posso ajuizar em face de Ana, a única que eu sei que tem patrimônio para ser executado. Claro que ela poderá ajuizar, em regresso, contra suas duas amigas. Isso é a responsabilidade soldiária! É decorrente de lei, daí chamar-se de responsabilidade ex lege, ou decorrente da vontade das partes (ex voluntate).

 

Comodato modal

É aquele comodato feito com encargo: Kibon me empresta freezers desde que eu coloque apenas picolés da marca lá, e nada de pão de queijo do Forno de Minas ou Sukita. É uma contraprestação exigida. Não descaracteriza o comodato, e não o faz se transformar num contrato bilateral. A lei não o menciona, só a doutrina. Mas é pacífica em relação a isso. O mesmo em postos de gasolina: usar a bandeira BR implica que o comodatário só poderá usar gasolina da Petrobras.

Se fosse um contrato sinalagmático, caberia cláusula resolutiva. Pode-se inclusive incluir uma cláusula penal em função de descumprimento de encargo, ou cobrança de caução, garantia para esse descumprimento.

 

Extinção do comodato

Qual é a forma de extinção? A mais esperada e lógica é o decurso do prazo. Devolvida a coisa depois do decurso do prazo, extinto está o contrato de comodato.

Outra forma é a inexecução contratual no caso de utilização do bem de modo diverso do estipulado. É o exemplo do carro usado para rally.

E também o perecimento do objeto. Se o objeto não existe mais, então não há contrato! Simples e lógico. Cachorro que usou o Código emprestado por Camilla como osso causa a extinção do contrato. Deve-se analisar a culpa, ausência de culpa e a possibilidade de perdas e danos.

Resilição unilateral: é outra possibilidade. Resilição, como sabemos, ocorre quando uma das partes decide, por conta própria, terminar o contrato. A qualquer tempo pode-se resilir unilateralmente. Note que a resilição unilateral é do comodatário. O comodante não poderá se sentir lesado muito menos pedir perdas e danos se o comodatário resolve devolver o bem antes do prazo pactuado. O contrato permite que seja resilido unilateralmente. Só o comodatário. Pode também ocorrer resilição do comodante desde que urgente e imprevista, como vimos há pouco. Essa é uma possível questão de prova.

Distrato: o que é mesmo? Consenso das duas partes em terminarem o contrato. Mais simples ainda: o oposto do contrato: as duas partes acordam em desfazê-lo. Excepcionalmente, pode-se prever a impossibilidade de distrato.

Morte: o que temos a dizer sobre ela aqui? O contrato de comodato é intuitu personae, mas nem sempre ela extinguirá o contrato. O comodato só será extinto se o fator intuitu personae for preponderante.

 

Contrato de mútuo

Também é um contrato de empréstimo. Qual a principal diferença para o contrato de comodato? A natureza do objeto: no comodato, os bens são infungíveis, enquanto no mútuo o empréstimo é de bens fungíveis. Exemplo: pego dois ovos emprestados para um bolo.

No mútuo, a coisa é consumida pois o bem é fungível. No contrato de comodato o bem é infungível e a coisa é só usada, mas não consumida. O comodante recebe, ao final, a mesma coisa.

Conceito de mútuo: empréstimo pelo qual uma das partes entrega uma coisa fungível a outra, para ser restituída em coisas do mesmo gênero, qualidade ou quantidade.

Código Civil, Art. 586: “O mútuo é o empréstimo de coisas fungíveis. O mutuário é obrigado a restituir ao mutuante o que dele recebeu em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade.

Então, se peguei uma xícara de açúcar cristal da vizinha, devolverei o mesmo açúcar, e não açúcar refinado. Se peguei três ovos de pata, devolverei três ovos de pata, e não de galinha.

Quem empresta é o mutuante e o que pega emprestado é o mutuário.

Voltando à regra res perit in domino: eu pego emprestado o Código da Camilla, e tenho que devolvê-lo. A propriedade não foi transferida porque a coisa é infungível. Aliás, veja: o contrato de mútuo mais feito é o de mútuo em dinheiro. Peguei emprestado da Amanda R$ 1.000,00 para devolver daqui a seis meses. O ladrão aparece bem quando estou com as cédulas na mão para devolvê-las à Amanda. Seria tão lógico quanto quebrar os ovos a três metros da casa da vizinha, convidá-la à porta para ver o estrago na calçada e ficar por isso mesmo. Então, no contrato de mútuo, existe a transferência de propriedade. A coisa continua perecendo para quem é proprietário, do mesmo jeito! Mas note que agora a propriedade é transferida. Veja a sutileza. Se saquei dinheiro no caixa eletrônico para pagar a Amanda e o ladrão me rouba, eu quem fui roubado, e o prejuízo será amargado por mim e só por mim. O prejuízo é sempre do proprietário.

Art. 587: “Este empréstimo transfere o domínio da coisa emprestada ao mutuário, por cuja conta correm todos os riscos dela desde a tradição.” O artigo mostra a diferença entre o muito e o comodato, em que a propriedade não é transferida.

 

Agora vamos fazer o quadro da natureza jurídica (classificação) do contrato de mútuo.

Quanto aos efeitos

Unilateral

Quanto à onerosidade

Oneroso, na maioria.

Quanto à prestação

Comutativo

Quanto à tipicidade

Típico

Quanto à forma

Não solene

Quanto ao momento do aperfeiçoamento

Real

Em relação aos outros

Principal

Quanto ao tempo de execução

Instantânea ou diferida

Quanto às partes

Pessoal (em regra) ou impessoal (por disposição contratual)

Quanto ao prazo

Determinado ou indeterminado

Quanto à formação

Paritário (em regra) ou de adesão (como os oferecidos pelos bancos)

Quanto ao objetivo

Definitivo

 

É real pois não existe contrato antes da tradição. É um contrato que só se aperfeiçoa com a entrega da coisa, e não basta a mera declaração de vontades dos contratantes.

É oneroso ou gratuito? Como a maioria é de dinheiro, e a maioria dos empréstimos em dinheiro vêm com cobrança de juros, o que eles serão, na prática? Onerosos! Amanda me empresta dinheiro à taxa de 10% ao ano. Na hora em que ela me entrega o dinheiro, qual a minha obrigação? Devolver o dinheiro com os juros. Qual é a obrigação dela? Nenhuma. Daqui já tiramos, também, que o mútuo é um contrato unilateral.

Agora note uma coisa: se Amanda, que é minha amiga, concorda em me emprestar os mil Reais, para serem devolvidos em seis meses, sem nenhum juro, esse contrato será considerado oneroso? À primeira vista parece que sim, afinal, depois de muito tempo terei que me lembrar do seguinte desagradável fato: “Meu Deus! Hoje é o dia de pagar a Amanda! Terei que ir ao banco sacar dinheiro e arruinar meu orçamento para este mês!” Daí pensamos ser oneroso justamente porque “pesa” no bolso quando da devolução. Mas note que estarei devolvendo exatamente a mesma quantia, sem nenhum juro ou encargo! Por isso não chamamos o contrato de mútuo de dinheiro sem cobrança de juros de oneroso.

Agora voltem a considerar a hipótese dos juros de 10% cobrados pela Amanda. No momento do empréstimo do dinheiro, tive vantagem financeira. Quando eu pago de volta para a ela, Amanda é quem terá vantagem financeira. Só que é um mútuo feneratício, e ela teve a vantagem de R$ 100,00 no final das contas. É um típico exemplo de contrato unilateral oneroso! Seria gratuito se não houvesse a cobrança de juros. Mútuo Feneratício é empréstimo em dinheiro com cobrança de juros. Oferecer quatro ovos para aquela que te emprestara três não é mútuo feneratício.

Poderá ser aleatório excepcionalmente, só se o juro for posto sobre algum índice que venha a ser ajustado no futuro, por alguma instituição. Há controvérsias quanto a isso na doutrina, no entanto; certos autores afirmam que, ainda assim, o mútuo feneratício com juros a variar de acordo com um índice posteriormente ajustado é comutativo.

Atenção: o mútuo feneratício, com cobrança de juros, terá que ser feito por escrito. Art. 227: “Salvo os casos expressos, a prova exclusivamente testemunhal só se admite nos negócios jurídicos cujo valor não ultrapasse o décuplo do maior salário mínimo vigente no País ao tempo em que foram celebrados.” Não significa que o contrato tem que ser escrito, mas algo como um recibo, por menor que seja, será necessário.

É um contrato de execução diferida, pois é um empréstimo, o que pressupõe que o mutuário ficará durante um tempo com o bem, ainda que bem curto.

Pode ser por prazo determinado ou indeterminado.

Com detalhe na aula que vem, olharemos que o mútuo feneratício é considerado contrato impessoal. “Empresta-se dinheiro!” é considerado impessoal.

Paritário ou de adesão? Em regra, paritário. Acerto com alguém a prestação daquele que empresta o bem fungível. Até mesmo no caso de dinheiro. Mas o contrato de empréstimo bancário é considerado de adesão, pois não pode o cliente querer modificar as cláusulas contratuais. A doutrina se divide aqui. Alguns sustentam que é um contrato de consumo, então, é de adesão. Mas há os que discordam.

Nada impede de haver promessa de empréstimo, portanto ele pode ser defintivo ou provisório.