Direito Civil

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Compra e venda: regras especiais


 

A primeira regra que vamos ver é a venda por amostra.

Art. 484: “Se a venda se realizar à vista de amostras, protótipos ou modelos, entender-se-á que o vendedor assegura ter a coisa as qualidades que a elas correspondem.

Parágrafo único. Prevalece a amostra, o protótipo ou o modelo, se houver contradição ou diferença com a maneira pela qual se descreveu a coisa no contrato.

A regra da venda por amostra, então, é que a venda efetuada mediante amostras deve garantir que a coisa vendida terá as mesmas características da amostra.

Se alguém vende algo e tem uma amostra, o que eu comprar tem que ser exatamente igual. O tom de azul, se um pouquinho diferente, não obrigará à aceitação. A única exceção é quanto às miniaturas. Neste caso, elas terão que guardar as proporções exatas. O material e formato deverão ser iguais. Do contrário, deverá haver rescisão de contrato de venda por amostra. Entregar coisa diferente do que foi amostrado é inadimplemento do vendedor.

Não se incluem aqui as plantas de apartamento, nem fotos de eletrodomésticos como a geladeira. Quem ler o Código de Defesa do Consumidor verá que isso caracteriza outra coisa, possivelmente uma oferta, que integra o contrato. Não é a típica venda por amostra que temos aqui.

Veremos agora duas coisas muito importantes: a venda de imóveis. Show do milhão: todos que participavam queriam comprar uma casa, um imóvel. É o bem mais valorizado e, em função disso, o negócio envolvendo imóveis é mais sério, mais sólido, e terá que trazer garantias. Daí existir um cartório só de imóveis. Há também ações específicas para tratar de problemas imobiliários.

 

Venda ad mensuram

Muitas vezes não sabemos e, por puro bom senso e interpretação, conseguimos acertar uma questão de concurso. O que deve ser isso, portanto? Medida? Sim! É aquela em que se determina a área do imóvel por medida de extensão. É a compra típica: vendo 200 alqueires de terra, em Goiás, na região de Niquelândia a R$ 1 milhão. Ou posso ter um preço global de R$ 1 milhão ou R$ 200 mil o alqueire (48400 m² em Goiás). O que interessa é o tamanho do imóvel. O tamanho é indispensável como elemento do negócio. É pelo tamanho que comprarei.

Exemplo: preciso acomodar minhas 200 cabeças de gado. Por isso irei atrás de uma área que tenha capacidade para abrigá-las.

E se eu compro um imóvel rural e, ao verificar, percebo que não é daquele tamanho que imaginei? Comprei 200 alqueires, conforme consta no registro do imóvel, e, ao medir, ele só tem 183 alqueires. Isso acontece muito em imóvel rural, menos em urbano, no caso destes é mais comum que seja por má-fé. Fazenda na região de Ceres delimitada a oeste pelo Rio das Almas, a noroeste pela BR tal, a leste pela cerca da propriedade do Sr. fulano... O rio, depois de alguns anos, avançou. Ninguém mediu, e não houve má-fé. Pode ser que o vizinho tenha se apoderado de um pedaço, também. Posso comprar, portanto, e levar o que não comprei.

O que fazer? Ação ordinária para complementação de área. Essa é a ação. Há outro nome: ex empto ou ex vendito. Qualquer nome pode ser usado. Podem decorar, são termos técnicos. Serve para quê? Complementação de área. Preciso saber, primeiramente, é qual ação é cabível. É uma ação apenas, com vários nomes. Não são duas ações cabíveis para venda ad mensuram. Qual o objetivo? Complementar a área.

Porém, se não for possível, depois de se analisar, o que fará o autor? Um pedido alternativo. “Caso não seja possível, este requer a Vossa Excelência o abatimento proporcional do preço ou desfazimento do negócio.” Para desfazer o negócio, deve-se justificar por que, ou o juiz apenas dará o abatimento. Princípio da conservação dos negócios jurídicos. Tem-se que provar que o negócio resultante (com a área que efetivamente se comprou) não servirá para o gado. Se acabar por não interessar à minha finalidade, poderei escolher por desfazer o negócio.

Eu sempre pedirei complementação de área, mesmo sendo absurdamente impossível. Apartamento, por exemplo, não tem como ser complementado, mesmo que na escritura pública esteja constando uma área maior. Usa-se esta mesma ação. Assim, na parte em que se formula o pedido alternativo, imaginando a impossibilidade física, devemos escrever “requeiro a Vossa Excelência o desfazimento do negócio ou devolução proporcional dos gastos”, ou como vocês preferirem.

Esse é o objetivo dessa ação. Questão de prova: fulano não quer mais esse negócio. Qual é a ação cabível? Ele não poderá desfazer o contrato imediatamente. Primeiro, o comprador terá que intentar essa ação.

Se for impossível, usa-se a ação de complementação de área por medida alternativa.

Notas importantes: a ação compete exclusivamente ao comprador. Imagine que comprei e morri em seguida. Meu filho não poderá intentar. Mas poderá continuar a ação já proposta, sub-rogando-se nos meus direitos. Outra: o prazo prescricional é de um ano a contar do registro do título. Estamos falando de imóveis, e todo imóvel é registrado.

Atenção para o art. 500 e seu § 1º: “Se, na venda de um imóvel, se estipular o preço por medida de extensão, ou se determinar a respectiva área, e esta não corresponder, em qualquer dos casos, às dimensões dadas, o comprador terá o direito de exigir o complemento da área, e, não sendo isso possível, o de reclamar a resolução do contrato ou abatimento proporcional ao preço.

§ 1º Presume-se que a referência às dimensões foi simplesmente enunciativa, quando a diferença encontrada não exceder de um vigésimo da área total enunciada, ressalvado ao comprador o direito de provar que, em tais circunstâncias, não teria realizado o negócio.

Se a diferença for inferior a isso, não será possível nenhuma ação. Não poderei ajuizar pedindo complementação de área se a defasagem não for superior a 1/20 da área total. Há exceções jurisprudenciais, entretanto.

E se, ao invés de faltar área, tiver sobrado? A jurisprudência não tem consenso quanto a isso. Doutrinadores mais antigos dizem que não é possível ajuizar nenhuma ação. Mas os mais atuais atendem que cabe sim ação para devolução da área excedente.

 

Venda ad corpus

É a venda de imóvel feita como corpo certo e determinado, independente de medidas especificadas no instrumento. Não quero saber do tamanho, mas sim a coisa. Exemplo: vende-se a Fazenda Santa Rita. Não interessa o tamanho; quem conhece, conhece a referida fazenda. Há pouco tempo houve uma ação redibitória rara de acontecer, em que conseguiu-se provar que a venda de um imóvel havia sido ad corpus, pois em momento algum foi mencionada a metragem pela construtora. O imóvel era novo, e, sem nunca ter usado, o comprador resolveu vender para outra pessoa. Havia um panfleto da construtora. Ficou provado que a metragem nunca foi mencionada. A pessoa entrou, olhou o apartamento e nunca perguntou sobre a área. Isso mostra que nem sempre ficará claro, no momento da conclusão do contrato de compra e venda, se esta foi ad corpus ou ad mensuram. As pessoas mesmo, em geral, não conhecem essas duas expressões latinas e nem se importam. Caberá, posteriormente, à interpretação do juiz.

No caso da venda ad corpus, portanto, não cabe ação para complementação de área. A metragem é meramente elucidativa, e não é condição para o contrato. Quem acreditou, por erro, que o imóvel tinha 80m2 e acabou com 72 não poderá reclamar. É uma compra e venda independente das medidas. Não há ação nenhuma.

Outra nota importante: cabe ao magistrado verificar a intenção das partes. Igual ao Direito do Trabalho, em que vale a realidade dos fatos. O que queremos dizer com isso? Quero vender algo, então faço um contrato de compra e venda. Estou vendendo, e não quero dor de cabeça. Escrevo logo no início: “contrato de compra e venda de imóvel ad corpus”. Pode ser que ainda assim o juiz entender que a compra e venda era ad mensuram, e vice-versa. É bom colocar, portanto, logo no início, e com letras grandes. Mas cuidado porque o nome não determinará a natureza do contrato.

Primeira observação sobre o CDC: toda venda de imóvel em que se aplica o CDC é ad mensuram; nunca será ad corpus. Sempre haverá ação para reclamar.

 

Defeito oculto nas coisas vendidas em conjunto

Art. 503: “Nas coisas vendidas conjuntamente, o defeito oculto de uma não autoriza a rejeição de todas.” É um artigo razoável. Estamos falando de vício redibitório. Comprei 200 galinhas por R$ 1.000,00. A venda foi conjunta, até mesmo o preço foi pelo total de galinhas. Se quatro estavam doentes, ou 80, ou 30, posso devolver todas? Não. Essa é a mensagem do art. 503. Não justifica desfazer o contrato. Porém, comprei uma coleção de DVDs de culinária gravados na Cozinha do Awey. O primeiro DVD ensina a capturar os pombos, o segundo ensina a lavá-los, o terceiro ensina a temperar o estrombelete, e assim sucessivamente, sempre seguindo uma lógica. Lá no sétimo DVD, notei que havia um defeito, como se a mídia estivesse virgem. Estou com um grande problema, então? Não, a interpretação tem que ser restritiva. Questão de concurso. Há sim exceção quanto à possibilidade de devolução em caso de vício redibitório em uma das coisas vendidas em conjunto. Se as coisas formarem um todo, então justifica sim desfazer o contrato.

 

Vendas imobiliárias e exigências fiscais correspondentes

Imóveis sempre terão impostos associados. O fisco exige a transcrição das certidões negativas de impostos que incidem sobre o imóvel. Se eu for vender um apartamento, preciso comprovar, quando for transferir, que todos os impostos estão pagos. Isso é bom para quem compra, que sabe que não está comprando imóvel sem nenhum ônus, nenhuma dívida pregressa.

 

Consequências complementares da compra e venda

A primeira delas é quanto à responsabilidade pelos riscos da coisa. Res perit in domino. A coisa perece para o dono. Quem perde dinheiro se a coisa perecer é o proprietário. Na compra e venda, quando passo a ser proprietário? Com a tradição. O que estou interessado em saber? Quando acontece a tradição de verdade. Não é óbvio não, especialmente quando falamos de bens imóveis. A regra geral é: se as partes não convencionarem em contrário, a tradição da coisa vendida se dar-se-á no local em que ela se encontra no momento da venda.

Fui a Manaus, comprei uma TV e mandei entregar aqui em Brasília. No meio do caminho, um raio atingiu o caminhão. Quem perdeu? Eu! Ocorreu a tradição; já se tinha transferido o domínio.

Agora vejam bem: e se for anunciado “entregamos em todo o território nacional”? Significa que o vendedor trocou o local da tradição. Ele se responsabiliza pela entrega em minhas mãos. A tradição, neste caso, será quando chegar à minha casa. Por outro lado, como vimos, se eu pedir que a coisa seja entregue em casa, a tradição poderá ter ocorrido antes, ainda que eu não estivesse na posse.

 

A mora

Se quem comprou está em mora, considera-se feita a tradição. Se o sujeito não me achar em casa para a entrega, a tradição é considerada feita. Se amanhecer roubada, eu perdi, pois eu que estava em mora desde a tentativa do entregador de me entregar a TV.

 

Despesas do contrato

Art. 490: “Salvo cláusula em contrário, ficarão as despesas de escritura e registro a cargo do comprador, e a cargo do vendedor as da tradição.” Ao falar em registro e escritura, falamos em imóvel. Quem paga o corretor, então? É despesa de tradição, logo, quem paga é o vendedor.

 

Direito de retenção

A compra e venda à vista prevê que as parcelas têm que ser cumpridas simultaneamente. Nas lojas, convencionalmente, primeiro entrega-se ou paga-se? Quem não receber o valor pode reter a coisa até receber. Não é caso de exceptio, pois lá se fala em cumprimento por um antes do outro. Aqui, fala-se em simultaneidade. Chama-se direito de retenção do vendedor caso o preço não seja pago, mesmo que o prazo da tradição tenha se esgotado. Lembrem-se: estamos falando em compra e venda à vista.

Veja o art. 495: “Não obstante o prazo ajustado para o pagamento, se antes da tradição o comprador cair em insolvência, poderá o vendedor sobrestar na entrega da coisa, até que o comprador lhe dê caução de pagar no tempo ajustado.” Se o vendedor ficar sabendo que o comprador se tornou insolvente, aquele poderá reter a coisa.

 

Aplicação do Código de Defesa do Consumidor à compra e venda

Quando vou usar o Código de Defesa do Consumidor? Pense na menina que paga a faculdade vendendo pulseiras. Ela é fornecedora ou não? Ela tem empresa? Não. Ela pode ser fornecedora? Sim. Temos, portanto, que verificar a habitualidade do exercício. Se ela sempre faz isso, então é habitual, óbvio. Outra observação: as pulseiras têm que ser vendidas indistintamente, para qualquer pessoa. A oferta tem que ser feita ao público em geral. Mais uma característica para ser fornecedora: temos que ter o consumidor! Pessoa física pode ser consumidora. Pessoa jurídica também. Podemos ter o vendedor de guarda-chuvas sem empresa, mas ser fornecedor pela habitualidade. No entanto, temos que analisar um detalhe.

Temos a concessionária VRUM. Ela compra carros da montadora FIAT. E vende para Adriana. Quando a VRUM comprou da FIAT, existe uma relação de consumo? Só existe relação de consumo se o bem for retirado do mercado. VRUM comprou os carros, e eles serão vendidos. Esses carros, portanto, serão revendidos. Os carros foram tirados do mercado? Deixaram de ficar disponíveis? Entre Fiat e VRUM não há relação de consumo porque não se tirou os carros do mercado. Mas Adriana comprou da VRUM, e tirou aquela unidade do mercado. Temos, portanto, o fornecedor e o consumidor.

Mas VRUM comprou das Casas Sergipe 42 micro-ondas. Houve relação de consumo? Sim, pois a VRUM tirou aquelas unidades do mercado, e não comprou para revender! Ainda que seis meses depois a VRUM resolva vender todos, caso esteja fechando a loja, por exemplo. Se daqui a seis meses a concessionaria resolver vender os 42 micro-ondas para a própria Adriana, que tem uma pequena lanchonete, esta será uma relação não de consumo, mas civil!

Há teorias divergentes, contudo, sobre a natureza da relação da compra dos micro-ondas das Casas Sergipe pela VRUM.


A professora esqueceu de falar especificamente sobre os riscos pela evicção.