A primeira regra que vamos ver é a venda por amostra.
Art. 484: “Se a venda
se realizar à vista de amostras, protótipos ou modelos, entender-se-á que o
vendedor assegura ter a coisa as qualidades que a elas correspondem.
Parágrafo único.
Prevalece a amostra, o protótipo ou o modelo, se houver contradição ou
diferença com a maneira pela qual se descreveu a coisa no contrato.”
A regra da venda por amostra, então, é que a venda efetuada mediante amostras deve
garantir que a coisa vendida terá as mesmas características da amostra.
Se alguém vende algo e tem uma amostra, o que eu comprar tem
que ser exatamente igual. O tom de azul, se um pouquinho diferente, não
obrigará à aceitação. A única exceção é quanto às miniaturas. Neste caso, elas terão que guardar as proporções exatas. O material e formato deverão ser
iguais. Do contrário, deverá haver rescisão de contrato de venda por amostra.
Entregar coisa diferente do que foi amostrado é inadimplemento do vendedor.
Não se incluem aqui as plantas de apartamento, nem fotos de eletrodomésticos
como a geladeira. Quem ler o Código de Defesa do Consumidor verá que isso
caracteriza outra coisa, possivelmente uma oferta, que integra o contrato. Não
é a típica venda por amostra que temos aqui.
Veremos agora duas coisas muito importantes: a venda de
imóveis. Show do milhão: todos que participavam queriam comprar uma casa, um
imóvel. É o bem mais valorizado e, em função disso, o negócio envolvendo
imóveis é mais sério, mais sólido, e terá que trazer garantias. Daí existir um cartório
só de imóveis. Há também ações específicas para tratar de problemas
imobiliários.
Venda ad mensuram
Muitas vezes não sabemos e, por puro bom senso e
interpretação, conseguimos acertar uma questão de concurso. O que deve ser
isso, portanto? Medida? Sim! É aquela em que se determina a área do imóvel por
medida de extensão. É a compra típica: vendo 200 alqueires de terra, em Goiás,
na região de Niquelândia a R$ 1 milhão. Ou posso ter um preço global de R$ 1
milhão ou R$ 200 mil o alqueire (48400 m² em Goiás). O que interessa é o
tamanho do imóvel. O tamanho é indispensável como elemento do negócio. É pelo
tamanho que comprarei.
Exemplo: preciso acomodar minhas 200 cabeças de gado. Por isso
irei atrás de uma área que tenha capacidade para abrigá-las.
E se eu compro um imóvel rural e, ao verificar, percebo que não
é daquele tamanho que imaginei? Comprei 200 alqueires, conforme consta no
registro do imóvel, e, ao medir, ele só tem 183 alqueires. Isso acontece muito
em imóvel rural, menos em urbano, no caso destes é mais comum que seja por
má-fé. Fazenda na região de Ceres delimitada a
oeste pelo Rio das Almas, a noroeste pela BR tal, a leste pela cerca da
propriedade do Sr. fulano... O rio, depois de alguns anos, avançou. Ninguém
mediu, e não houve má-fé. Pode ser que o vizinho tenha se apoderado de um
pedaço, também. Posso comprar, portanto, e levar o que não comprei.
O que fazer? Ação
ordinária para complementação de área. Essa é a ação. Há outro nome: ex empto
ou ex vendito. Qualquer nome pode ser usado. Podem decorar, são termos
técnicos. Serve para quê? Complementação de área. Preciso saber, primeiramente,
é qual ação é cabível. É uma ação apenas, com vários nomes. Não são duas ações
cabíveis para venda ad mensuram. Qual
o objetivo? Complementar a área.
Porém, se não for possível, depois de se analisar, o que
fará o autor? Um pedido alternativo. “Caso não seja possível, este requer a
Vossa Excelência o abatimento proporcional do preço ou desfazimento do negócio.”
Para desfazer o negócio, deve-se justificar por que, ou o juiz apenas dará o
abatimento. Princípio da conservação dos negócios jurídicos. Tem-se que provar
que o negócio resultante (com a área que efetivamente se comprou) não servirá
para o gado. Se acabar por não interessar à minha finalidade, poderei escolher
por desfazer o negócio.
Eu sempre pedirei complementação de área, mesmo sendo absurdamente
impossível. Apartamento, por exemplo, não tem como ser complementado, mesmo que
na escritura pública esteja constando uma área maior. Usa-se esta mesma ação. Assim,
na parte em que se formula o pedido alternativo, imaginando a impossibilidade
física, devemos escrever “requeiro a Vossa Excelência o desfazimento do negócio
ou devolução proporcional dos gastos”, ou como vocês preferirem.
Esse é o objetivo dessa ação. Questão
de prova: fulano não quer mais esse negócio. Qual é a ação cabível? Ele não
poderá desfazer o contrato imediatamente. Primeiro, o comprador terá que
intentar essa ação.
Se for impossível, usa-se a ação de complementação de área por medida alternativa.
Notas importantes: a ação compete exclusivamente ao
comprador. Imagine que comprei e morri em seguida. Meu filho não poderá
intentar. Mas poderá continuar a ação já proposta, sub-rogando-se nos meus
direitos. Outra: o prazo prescricional é de um
ano a contar do registro do título. Estamos falando de imóveis, e todo
imóvel é registrado.
Atenção para o art. 500 e seu § 1º: “Se, na venda de um imóvel, se estipular o preço por medida de extensão,
ou se determinar a respectiva área, e esta não corresponder, em qualquer dos
casos, às dimensões dadas, o comprador terá o direito de exigir o complemento
da área, e, não sendo isso possível, o de reclamar a resolução do contrato ou
abatimento proporcional ao preço.
§ 1º Presume-se que a
referência às dimensões foi simplesmente enunciativa, quando a diferença
encontrada não exceder de um vigésimo da área total enunciada, ressalvado ao
comprador o direito de provar que, em tais circunstâncias, não teria realizado
o negócio.”
Se a diferença for inferior a isso, não será possível
nenhuma ação. Não poderei ajuizar pedindo complementação de área se a defasagem
não for superior a 1/20 da área total. Há exceções jurisprudenciais,
entretanto.
E se, ao invés de faltar área, tiver sobrado? A
jurisprudência não tem consenso quanto a isso. Doutrinadores mais antigos dizem
que não é possível ajuizar nenhuma ação. Mas os mais atuais atendem que cabe
sim ação para devolução da área excedente.
Venda ad corpus
É a venda de imóvel
feita como corpo certo e determinado,
independente de medidas especificadas no instrumento. Não quero saber do
tamanho, mas sim a coisa. Exemplo: vende-se a Fazenda Santa Rita. Não interessa
o tamanho; quem conhece, conhece a referida fazenda. Há pouco tempo houve uma
ação redibitória rara de acontecer, em que conseguiu-se provar que a venda de
um imóvel havia sido ad corpus, pois
em momento algum foi mencionada a metragem pela construtora. O imóvel era novo,
e, sem nunca ter usado, o comprador resolveu vender para outra pessoa. Havia um
panfleto da construtora. Ficou provado que a metragem nunca foi mencionada. A
pessoa entrou, olhou o apartamento e nunca perguntou sobre a área. Isso mostra
que nem sempre ficará claro, no momento da conclusão do contrato de compra e
venda, se esta foi ad corpus ou ad mensuram. As pessoas mesmo, em geral, não
conhecem essas duas expressões latinas e nem se importam. Caberá, posteriormente,
à interpretação do juiz.
No caso da venda ad
corpus, portanto, não cabe ação para complementação de área. A metragem é meramente
elucidativa, e não é condição para o contrato. Quem acreditou, por erro, que o
imóvel tinha 80m2 e acabou com 72 não poderá reclamar. É uma compra
e venda independente das medidas. Não há ação nenhuma.
Outra nota importante: cabe ao magistrado verificar a
intenção das partes. Igual ao Direito do Trabalho, em que vale a realidade dos
fatos. O que queremos dizer com isso? Quero vender algo, então faço um contrato
de compra e venda. Estou vendendo, e não quero dor de cabeça. Escrevo logo no
início: “contrato de compra e venda de imóvel ad corpus”. Pode ser que ainda assim o juiz entender que a compra e
venda era ad mensuram, e vice-versa.
É bom colocar, portanto, logo no início, e com letras grandes. Mas cuidado
porque o nome não determinará a natureza do contrato.
Primeira observação sobre o CDC: toda venda de imóvel em que
se aplica o CDC é ad mensuram; nunca será
ad corpus. Sempre haverá ação para
reclamar.
Defeito oculto nas
coisas vendidas em conjunto
Art. 503: “Nas coisas
vendidas conjuntamente, o defeito oculto de uma não autoriza a rejeição de
todas.” É um artigo razoável. Estamos falando de vício redibitório. Comprei
200 galinhas por R$ 1.000,00. A venda foi conjunta, até mesmo o preço foi pelo total
de galinhas. Se quatro estavam doentes, ou 80, ou 30, posso devolver todas?
Não. Essa é a mensagem do art. 503. Não justifica desfazer o contrato. Porém,
comprei uma coleção de DVDs de culinária gravados na Cozinha do Awey. O primeiro DVD ensina a capturar os pombos, o
segundo ensina a lavá-los, o terceiro ensina a temperar o estrombelete, e assim sucessivamente, sempre seguindo uma lógica. Lá
no sétimo DVD, notei que havia um defeito, como se a mídia estivesse virgem.
Estou com um grande problema, então? Não, a interpretação tem que ser
restritiva. Questão de concurso. Há sim exceção
quanto à possibilidade de devolução em caso de vício redibitório em uma das coisas
vendidas em conjunto. Se as coisas formarem um todo, então justifica sim desfazer
o contrato.
Vendas imobiliárias e
exigências fiscais correspondentes
Imóveis sempre terão impostos associados. O fisco exige a transcrição das certidões
negativas de impostos que incidem sobre o imóvel. Se eu for vender um
apartamento, preciso comprovar, quando for transferir, que todos os impostos
estão pagos. Isso é bom para quem compra, que sabe que não está comprando
imóvel sem nenhum ônus, nenhuma dívida pregressa.
Consequências
complementares da compra e venda
A primeira delas é quanto à responsabilidade pelos riscos da
coisa. Res perit in domino. A coisa
perece para o dono. Quem perde dinheiro se a coisa perecer é o proprietário. Na
compra e venda, quando passo a ser proprietário? Com a tradição. O que estou
interessado em saber? Quando acontece a tradição de verdade. Não é óbvio não, especialmente
quando falamos de bens imóveis. A regra geral é: se as partes não convencionarem em contrário,
a tradição da coisa vendida se dar-se-á no local em que ela se encontra no
momento da venda.
Fui a Manaus, comprei uma TV e mandei entregar aqui em
Brasília. No meio do caminho, um raio atingiu o caminhão. Quem perdeu? Eu!
Ocorreu a tradição; já se tinha transferido o domínio.
Agora vejam bem: e se for anunciado “entregamos em todo o
território nacional”? Significa que o vendedor trocou o local da tradição. Ele
se responsabiliza pela entrega em minhas mãos. A tradição, neste caso, será
quando chegar à minha casa. Por outro lado, como vimos, se eu pedir que a coisa
seja entregue em casa, a tradição poderá ter ocorrido antes, ainda que eu não
estivesse na posse.
A mora
Se quem comprou está
em mora, considera-se feita a tradição. Se o sujeito não me achar em casa
para a entrega, a tradição é considerada feita. Se amanhecer roubada, eu perdi,
pois eu que estava em mora desde a tentativa do entregador de me entregar a TV.
Despesas do contrato
Art. 490: “Salvo
cláusula em contrário, ficarão as despesas de escritura e registro a cargo do
comprador, e a cargo do vendedor as da tradição.” Ao falar em registro e
escritura, falamos em imóvel. Quem paga o corretor, então? É despesa de
tradição, logo, quem paga é o vendedor.
Direito de retenção
A compra e venda à vista prevê que as parcelas têm que ser
cumpridas simultaneamente. Nas lojas, convencionalmente, primeiro entrega-se ou
paga-se? Quem não receber o valor pode reter a coisa até receber. Não é caso de
exceptio, pois lá se fala em
cumprimento por um antes do outro. Aqui, fala-se em simultaneidade. Chama-se direito
de retenção do vendedor caso o preço não seja pago, mesmo que o prazo da tradição
tenha se esgotado. Lembrem-se: estamos falando em compra e venda à vista.
Veja o art. 495: “Não
obstante o prazo ajustado para o pagamento, se antes da tradição o comprador
cair em insolvência, poderá o vendedor sobrestar na entrega da coisa, até que o
comprador lhe dê caução de pagar no tempo ajustado.” Se o vendedor ficar
sabendo que o comprador se tornou insolvente, aquele poderá reter a coisa.
Aplicação do Código
de Defesa do Consumidor à compra e venda
Quando vou usar o Código de Defesa do Consumidor? Pense na
menina que paga a faculdade vendendo pulseiras. Ela é fornecedora ou não? Ela
tem empresa? Não. Ela pode ser fornecedora? Sim. Temos, portanto, que verificar
a habitualidade do exercício. Se ela sempre faz isso, então é habitual, óbvio.
Outra observação: as pulseiras têm que ser vendidas indistintamente, para
qualquer pessoa. A oferta tem que ser feita ao público em geral. Mais uma
característica para ser fornecedora: temos que ter o consumidor! Pessoa física
pode ser consumidora. Pessoa jurídica também. Podemos ter o vendedor de
guarda-chuvas sem empresa, mas ser fornecedor pela habitualidade. No entanto,
temos que analisar um detalhe.
Temos a concessionária VRUM. Ela compra carros da montadora
FIAT. E vende para Adriana. Quando a VRUM comprou da FIAT, existe uma relação
de consumo? Só existe relação de consumo se o bem for retirado do mercado. VRUM
comprou os carros, e eles serão vendidos. Esses carros, portanto, serão
revendidos. Os carros foram tirados do mercado? Deixaram de ficar disponíveis?
Entre Fiat e VRUM não há relação de consumo porque não se tirou os carros do
mercado. Mas Adriana comprou da VRUM, e tirou aquela unidade do mercado. Temos,
portanto, o fornecedor e o consumidor.
Mas VRUM comprou das Casas Sergipe 42 micro-ondas. Houve
relação de consumo? Sim, pois a VRUM tirou aquelas unidades do mercado, e não
comprou para revender! Ainda que seis meses depois a VRUM resolva vender todos,
caso esteja fechando a loja, por exemplo. Se daqui a seis meses a
concessionaria resolver vender os 42 micro-ondas para a própria Adriana, que
tem uma pequena lanchonete, esta será uma relação não de consumo, mas civil!
Há teorias divergentes, contudo, sobre a natureza da relação da compra dos micro-ondas das Casas Sergipe pela VRUM.