Direito Civil

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Cláusulas especiais na compra e venda


Cláusula de retrovenda

O que é retrovenda? Aliás, o que é retro? Aquilo que olha para trás. É, portanto, alguma compra ou venda em relação à qual será relevante um evento passado. Vamos entender.

Conceito: cláusula em que o vendedor de um imóvel se reserva o direito de recobrá-lo em certo prazo restituindo o preço mais despesas.

Eu vendi um imóvel (o único objeto) para Amanda. Coloquei uma cláusula de retrovenda. Significa que, no prazo que eu determinar, se eu quiser de volta esse imóvel, ela terá que me devolver. O vendedor tem o direito de recobrar o imóvel. Para que serve? É somente um negócio, uma única compra. Qual é a vantagem de ser apenas uma compra? Paga-se somente um imposto: o Imposto de Transmissão Inter Vivos (ITIV). Só é pago uma vez. É a primeira vantagem. Então, vendi para Amanda e, em dois anos, tenho o direito de requerer de volta o imóvel, e aí vai-se no cartório e transfere-se de volta, sem o pagamento de imposto. Posso fazer isso porque estou precisando de dinheiro, por exemplo. Quero investir no meu negócio. Então procuro a Amanda e proponho com a cláusula, que deve vir no mesmo instrumento da compra e venda do imóvel. Não há a insegurança de emprestar dinheiro, e, caso não haja dinheiro, o contrato se extingue. Se eu quiser de volta, pagarei o preço acertado, exatamente o que foi dado no primeiro negócio.

Outra situação que também acontece é: tenho um terreno, mas nada faço com ele. Há casas de outros moradores ao redor, inclusive uma vizinha que está morrendo de vontade de comprar meu terreno. Mas não quero vender. Agora sei que ela quer! Então, o que posso fazer? Sabendo que ela quer, e sabendo também que estou precisando de dinheiro agora mesmo, ofereço-lhe o terreno desde que concorde em adquiri-lo com cláusula de retrovenda. Ela não tem escolha melhor, ela aceita. Acertamos que o prazo da retrovenda será de um ano, mesmo que a lei estipule um máximo de três. Se por acaso eu me arrepender do feito, pego o terreno de volta, dando para a vizinha o valor que ela me pagou por ele. 

A cláusula de retrovenda fica registrada no Cartório de Registro de Imóveis e valerá contra terceiros. Atenção: como é a questão de registro de imóveis? Todo imóvel tem um registro em cartório, que fala de quem é, qual o tamanho, a quem pertenceu, etc. lá fica registrado tudo que acontecer com o imóvel, inclusive locações. Se o bem for perdido, há o direito de sequela e o adquirente não terá direito à evicção. É uma garantia que se tem.

Não é nova alienação.

Não confundam porque não há nenhum direito potestativo aqui.


Pressupostos da retrovenda

São três:

  1. Somente imóveis.
  2. Prazo não pode ultrapassar três anos. Art. 505 do Código Civil: “O vendedor de coisa imóvel pode reservar-se o direito de recobrá-la no prazo máximo de decadência de três anos, restituindo o preço recebido e reembolsando as despesas do comprador, inclusive as que, durante o período de resgate, se efetuaram com a sua autorização escrita, ou para a realização de benfeitorias necessárias.
  3. Deve constar no mesmo instrumento da venda. Se estiver em outro, será promessa de compra e venda, e não cláusula de retrovenda.

Enquanto não se resolve a cláusula nesse prazo, o domínio do imóvel será resolúvel, ou seja, não se resolveu ainda.

 

Ação

Qual a ação cabível quando o adquirente aliena o imóvel quando havia cláusula de retrovenda? Reivindicatória contra o novo comprador. Preciso comprovar o domínio e pedir a posse. Antes de ajuizá-la, deposito em juízo o valor que recebi. Lucas, o comprador, estava de má-fé pois estava a cláusula estava registrada em cartório, portanto ele não terá direito à evicção.

 

Cessão do direito à retrovenda

O direito à retrovenda pode ser cedido. O direito de resgate é cessível a herdeiros e legatários apenas. Não é suscetível de cessão intervivos. Questão de prova. O que é isso? Vendi um terreno para Amanda. O que acontece? Estou com o direito a tomar de volta o imóvel por três anos. Depois, Lucas, que mora numa casa do fundo, ficou com muita raiva de o terreno ter sido dado para Amanda, pois ele queria para si. Dispondo de dinheiro não se sabe de onde veio, ele me oferece uma vultosa quantia para que eu passe a ele (ceda) o direito à retrovenda. Posso fazer isso? Não. Não se pode transmitir o direito à retrovenda. Posso, entretanto, exercitar meu direito de retrovenda ante a Amanda e depois vendê-lo ao Lucas.

Vamos entender o que é legatário. Metade dos meus bens deverá ir para meus herdeiros necessários, quando eu morrer: filhos, ascendentes e cônjuges. A outra metade pode ser deixada para quem eu quiser. Se nada for escrito no testamento, irá para os herdeiros. Se deixo para a sociedade dos cães mancos, ela será a legatária. Pode-se até deixar para um dos filhos. O direito à retrovenda também pode ser deixado como herança. Se eu morrer, meus herdeiros têm o direito a pegar de volta aquele imóvel.

Importante: se a duas pessoas ou mais couber o direito à retrovenda, aquele que primeiro depositar em juízo levará. O direito não é fracionável. Eu e o outro dono do terreno vendemos para Amanda com cláusula de retrovenda. Não podemos repartir o dinheiro.

 

Extinção da retrovenda

Como se opera a extinção do contrato?

 

Venda a contento

É a venda que só se perfaz se o comprador ficar contente. Conceito: contrato que se subordina a condição de ficar desfeito se a coisa não agradar ao comprador. O comprador não precisa justificar. Não é uma mera promessa de compra e venda, mas sim uma venda mesmo. Já houve a compra e venda, sem promessa. Comprei da Camilla um automóvel com motor funcionando pela metade sabendo disso, mas pagando bem menos do que o valor de mercado. Vamos usar uma cláusula de venda a contento. Se, depois do prazo, eu manifestar que gostei do carro apesar de ter apenas dois cilindros funcionando, o contrato se perfaz.

Prazos: o Código não menciona prazos. A lei não determina prazo para o comprador declarar se ficou contente ou não com a coisa. Significa que o contrato deverá prever o prazo. E se o contrato também for silente? Quem vendeu irá solicitar a manifestação da pessoa. Se ela continuar sem falar nada, terei que entrar em juízo, pedindo que o comprador se manifeste quanto ao contentamento pelo negócio.

Importantíssimo: o domínio da coisa só se transferirá à hora que o contentamento for manifestado. Para que saber disso? Camilla me vendeu o carro, mas que só será meu quando eu manifestar a satisfação. Feito isso, mágica! Se o ladrão aparecer em minha vida bem na hora que estou prestes a manifestar o contentamento, quem perdeu foi ela, não eu. Res perit in domino.

Enquanto o domínio não se transfere, terei obrigações e direitos de um comodatário. Não significa que sou comodatário, mas terei direitos equivalentes. Precisamos saber das regras do comodato, portanto. Vamos ver um exemplo de obrigação do comodatário: cuidar como se dele fosse a coisa. Se a coisa perece ou se perde por culpa do comodatário, que ele indenize o dono, o vendedor.

Cessão: falecido o vendedor, o direito do comprador continua existindo perante seus herdeiros. E se o adquirente morrer? O direito não é transferido. A venda se perfará.

 

Preempção ou preferência

O que é essa cláusula acessória da compra e venda? O comprador de uma coisa se obriga para com o vendedor a preferi-lo em igualdade de condições, caso venha a vendê-la. Vejam a situação: a coisa pode ser bem imóvel ou bem móvel. Tenho uma coleção de charutos pré-embargo, e você está interessado nela. Sem problema, vendo-lhe a valiosa caixinha, mas você, pelo mesmo motivo que eu, não os fumará tão cedo. Colocaremos, em nosso pacto de compra e venda, uma cláusula de preferência: se você for vender a caixa de charutos que lhe vendi, você terá que me preferir. Eu, o preferido, terei que ser comunicado e, na negativa, você, vendedor, se desobriga e poderá vender a quem quiser.

Direito de preferência é exercido nos termos no art. 513: “A preempção, ou preferência, impõe ao comprador a obrigação de oferecer ao vendedor a coisa que aquele vai vender, ou dar em pagamento, para que este use de seu direito de prelação na compra, tanto por tanto.

Parágrafo único. O prazo para exercer o direito de preferência não poderá exceder a cento e oitenta dias, se a coisa for móvel, ou a dois anos, se imóvel.” Então, se no prazo de 6 meses1 o vendedor quiser vender, ele terá que oferecer ao preferido. Passado do prazo, poderá vender para quem quiser. “Tanto por tanto” significa igualdade de condições. Não pode o vendedor aproveitar que terá que vendar especificamente para uma pessoa para elevar o preço.

Qual o preço do negócio? O preço que o vendedor quiser, desde que não discrimine compradores.

Outra coisa importante: se eu não tiver sido preferido apesar de a mim ter sido prometida a venda preferencial, não terei direito real, mas poderei pedir perdas e danos. Se o comprador, quando comprou de mim, o tiver feito de má-fé, contra ele também caberão perdas e danos. O autor deve saber e indicar na petição o que pedirá: é dinheiro, e não a coisa. Isto não é o direito de retrovenda.

Temos outro prazo, no art. 516: “Inexistindo prazo estipulado, o direito de preempção caducará, se a coisa for móvel, não se exercendo nos três dias, e, se for imóvel, não se exercendo nos sessenta dias subsequentes à data em que o comprador tiver notificado o vendedor.

Antes tínhamos falado em 180 dias e dois anos. Agora são três dias e 60 dias? Como assim? É que estes dois pares de prazos são diferentes.  Aquele era para exercer o direito de preempção; este, para manifestar-se se quer a coisa de volta. O preferido terá três dias para se manifestar se o bem for móvel, e 60 dias se for imóvel.

Esse direito nunca é cedido, é personalíssimo. Não há cessão inter vivos ou causa mortis.

 

Requisitos do contrato

1 – Que o comprador queira vender;

2 – Que o vendedor queira comprar;

3 – Que esse seja exercido dentro de determinado prazo do art. 516.

O descumprimento da obrigação dará o direito à reclamação de perdas e danos. Não há direito real sobre a coisa. Art. 518. “Responderá por perdas e danos o comprador, se alienar a coisa sem ter dado ao vendedor ciência do preço e das vantagens que por ela lhe oferecem. Responderá solidariamente o adquirente, se tiver procedido de má-fé.

Pode haver pedido do bem e de indenização para o adquirente que tiver alienado o bem. Se o adquirente tiver comprado de má-fé, ele responderá solidariamente. Alguns autores, como Maria Helena Diniz, dizem que, se o bem tiver sido adquirido por terceiro de má-fé, o bem poderá ser reivindicado.

Vamos então a um quadro-resumo:

 

Preempção

Retrovenda

Objeto

Bens móveis ou imóveis

imóveis

Negócios

Dois

Um

Direitos

Do comprador

Do vendedor

Pedidos

Perdas e danos

O bem, objeto do negócio

Valor

Dado por quem é proprietário do bem

Valor do negócio original

 

Se for um carro, já não pode ser retrovenda.

Na preempção, temos dois negócios. Se é Talita quem está interessada em meus charutos de 1956, eu vendo para ela (primeiro negócio) e ela vende de volta para mim (segundo negócio). Dois contratos de compra e venda, portanto. Na retrovenda, há somente um negócio. Uma venda. Significa que incidem dois impostos em um, apenas um imposto em outro.

Quem detém o direito? De quem é o direito, na preempção, se eu comprarei de volta os charutos? A Talita, que foi para quem eu vendi no início da história, se ela quiser vender. Não posso obrigá-la. Se ela quiser vender, eu terei o direito a comprar. Na retrovenda, quando vendi meu terreno para Amanda, colocando dois anos de retrovenda, eu tenho o direito de exigi-lo de volta. O direito é meu, e não dela, portanto ela terá a obrigação de vendê-lo para mim.

Pedidos na ação: são diferentes. Na preempção, se Talita vender meus charutos para quem quiser, o que pedirei em juízo? Perdas e danos. Na retrovenda, por outro lado, peço o bem.

O valor pago quando estamos fazendo o negócio inverso, na preempção, é determinado por quem é proprietário do bem.

 

Venda com reserva de domínio

Vendo, mas não transfiro o domínio. Conceito: art. 521. “Na venda de coisa móvel, pode o vendedor reservar para si a propriedade, até que o preço esteja integralmente pago.” Vale para coisas móveis somente.

Vendo para Márcia um carro, que terá que me pagar 100 parcelas de R$ 1.000,00. Eu vendo, transfiro a posse, ela já está andando com o carro, mas o domínio continua sendo meu, até que as parcelas sejam todas pagas. Por quê? Se Márcia, a compradora, parar de pagar amanhã, basta uma busca e apreensão, bem mais rápida do que a ação reivindicatória. Entretanto, se a tsunami chegar aqui em Brasília, quem perderá o carro sou eu.

Requisitos de validade:

Importante: no momento em que o preço termina de ser pago o domínio é transferido automaticamente.

 

Venda sobre documentos

Na venda sobre documentos, a tradição da coisa é substituída pela entrega de seu título representativo ou documento.

Exemplo: tenho uma joia muito cara. Ela está num banco suíço, no cofre. Encontro alguém aqui no Brasil e quero vendê-la. Não tem lógica eu sair aqui do Brasil, ir até a Suíça, retirar a joia, trazê-la para o Brasil e vendê-la aqui. Eu, na verdade, tenho um documento, emitido por instituição confiável, que atestou o valor da joia em 4 milhões de dólares. Eu vendo a joia para uma princesa árabe. Ela me dá o dinheiro, e dou-lhe o papel. Se o papel estiver em ordem, então a venda foi feita em ordem, e está perfeita. Basta que o comprador acredite na instituição que atestou o valor da joia.

Acontece muito em importação e exportação. Exemplo: quero comprar um container cheio de porta-retratos chineses. Conheço o sujeito? Não. Inviabilizou o negócio? Também não. Para a concretização desse negócio, um banco entrará na jogada. Tenho cadastro nesse banco, aplicações, depósitos e o dono me conhece bem. Informei ao chinês que eu posso dar garantia para o Banco de Boston, e aquele aceita. Ele, então, embarca a mercadoria e passa para o Banco de Boston, através do banco dele, que pode ser o mesmo, garantia de que os objetos foram embarcados. O banco, ao conferir, transfere o dinheiro ao chinês. A transferência do bem se dá muito antes de ser ter a coisa. Nunca vi a cara dele.


1 – Na verdade, 6 meses não necessariamente é igual a 180 dias, que é o que a norma diz neste caso. Os 180 dias têm que ser contados nos dedos mesmo.