Cláusula de retrovenda
O que é retrovenda?
Aliás, o que é retro? Aquilo que
olha
para trás. É, portanto, alguma compra ou venda em relação à qual será
relevante um evento passado. Vamos
entender.
Conceito: cláusula
em
que o vendedor de um imóvel se reserva o direito de recobrá-lo em certo
prazo
restituindo o preço mais despesas.
Eu vendi um imóvel (o único objeto)
para Amanda. Coloquei
uma cláusula de retrovenda. Significa que, no prazo que eu determinar,
se eu
quiser de volta esse imóvel, ela terá que me devolver. O vendedor tem o
direito
de recobrar o imóvel. Para que serve? É somente um negócio, uma única
compra.
Qual é a vantagem de ser apenas uma compra? Paga-se somente um imposto:
o Imposto de Transmissão Inter Vivos (ITIV).
Só é pago uma vez. É a primeira vantagem. Então, vendi para Amanda e,
em dois
anos, tenho o direito de requerer de volta o imóvel, e aí vai-se no
cartório e
transfere-se de volta, sem o pagamento de imposto. Posso fazer isso
porque
estou precisando de dinheiro, por exemplo. Quero investir no meu
negócio. Então
procuro a Amanda e proponho com a cláusula, que deve vir no
mesmo instrumento da compra e venda do imóvel. Não há a
insegurança de emprestar dinheiro, e, caso não haja dinheiro, o
contrato se
extingue. Se eu quiser de volta, pagarei o preço acertado, exatamente o
que foi
dado no primeiro negócio.
Outra situação que também acontece é: tenho um terreno, mas nada faço com ele. Há casas de outros moradores ao redor, inclusive uma vizinha que está morrendo de vontade de comprar meu terreno. Mas não quero vender. Agora sei que ela quer! Então, o que posso fazer? Sabendo que ela quer, e sabendo também que estou precisando de dinheiro agora mesmo, ofereço-lhe o terreno desde que concorde em adquiri-lo com cláusula de retrovenda. Ela não tem escolha melhor, ela aceita. Acertamos que o prazo da retrovenda será de um ano, mesmo que a lei estipule um máximo de três. Se por acaso eu me arrepender do feito, pego o terreno de volta, dando para a vizinha o valor que ela me pagou por ele.
A cláusula de
retrovenda fica registrada no Cartório de Registro de Imóveis e valerá contra
terceiros. Atenção: como é a questão de registro de imóveis? Todo
imóvel tem um
registro em cartório, que fala de quem é, qual o tamanho, a quem
pertenceu,
etc. lá fica registrado tudo que acontecer com o imóvel, inclusive
locações. Se
o bem for perdido, há o direito de sequela e o adquirente não terá
direito à
evicção. É uma garantia que se tem.
Não é nova alienação.
Não confundam porque não há nenhum
direito potestativo aqui.
Pressupostos
da retrovenda
São três:
Enquanto não se resolve a cláusula
nesse prazo, o domínio do
imóvel será resolúvel, ou seja, não se resolveu ainda.
Ação
Qual a ação cabível quando o
adquirente aliena o imóvel
quando havia cláusula de retrovenda? Reivindicatória contra o novo
comprador.
Preciso comprovar o domínio e pedir a posse. Antes de ajuizá-la,
deposito em
juízo o valor que recebi. Lucas, o comprador, estava de má-fé pois
estava
a cláusula estava registrada em cartório, portanto ele não terá direito à evicção.
Cessão do
direito à
retrovenda
O direito à
retrovenda
pode ser cedido. O direito de resgate é cessível a herdeiros e
legatários
apenas. Não é suscetível de cessão intervivos. Questão
de prova. O que é isso? Vendi um terreno para Amanda.
O que
acontece? Estou com o direito a tomar de volta o imóvel por três anos.
Depois,
Lucas, que mora numa casa do fundo, ficou com muita raiva de o terreno
ter sido
dado para Amanda, pois ele queria para si. Dispondo de dinheiro não se
sabe de
onde veio, ele me oferece uma vultosa quantia para
que eu passe a ele (ceda) o direito à retrovenda. Posso fazer isso?
Não. Não se
pode transmitir o direito à retrovenda. Posso, entretanto, exercitar
meu
direito de retrovenda ante a Amanda e depois vendê-lo ao Lucas.
Vamos entender o que é legatário.
Metade dos meus bens
deverá ir para meus herdeiros necessários, quando eu morrer: filhos,
ascendentes e cônjuges. A outra metade pode ser deixada para quem eu
quiser. Se
nada for escrito no testamento, irá para os herdeiros. Se deixo para a
sociedade dos cães mancos, ela será a legatária.
Pode-se até deixar para um dos filhos. O direito à retrovenda também
pode ser
deixado como herança. Se eu morrer, meus herdeiros têm o direito a
pegar de
volta aquele imóvel.
Importante: se a duas pessoas ou mais
couber o direito à
retrovenda, aquele que primeiro depositar em juízo levará. O direito
não é
fracionável. Eu e o outro dono do terreno vendemos para Amanda com
cláusula de
retrovenda. Não podemos repartir o dinheiro.
Extinção da
retrovenda
Como se opera a extinção do contrato?
Venda a
contento
É a venda que só se perfaz se o
comprador ficar contente.
Conceito: contrato que se subordina a
condição de ficar desfeito se a coisa não agradar ao comprador.
O comprador não
precisa justificar. Não é uma mera promessa de compra e venda, mas sim
uma venda
mesmo. Já houve a compra e venda, sem promessa. Comprei da Camilla um
automóvel
com motor funcionando pela metade sabendo disso, mas pagando bem menos
do que o
valor de mercado. Vamos usar uma cláusula de venda a contento. Se,
depois do
prazo, eu manifestar que gostei do carro apesar de ter apenas dois
cilindros
funcionando, o contrato se perfaz.
Prazos:
o Código
não menciona prazos. A lei não determina prazo para o comprador
declarar se
ficou contente ou não com a coisa. Significa que o contrato deverá
prever o
prazo. E se o contrato também for silente? Quem vendeu irá solicitar a
manifestação da pessoa. Se ela continuar sem falar nada, terei que
entrar em
juízo, pedindo que o comprador se manifeste quanto ao contentamento
pelo
negócio.
Importantíssimo:
o domínio da coisa só se transferirá à hora
que o contentamento for manifestado. Para que saber
disso? Camilla
me vendeu o carro, mas que só será meu quando eu manifestar a
satisfação. Feito
isso, mágica! Se o ladrão aparecer em minha vida bem na hora que estou
prestes
a manifestar o contentamento, quem perdeu foi ela, não eu. Res perit in domino.
Enquanto o domínio não se transfere,
terei obrigações e
direitos de um comodatário. Não
significa que sou comodatário, mas terei direitos equivalentes.
Precisamos
saber das regras do comodato, portanto. Vamos ver um exemplo de
obrigação do
comodatário: cuidar como se dele fosse a coisa. Se a coisa perece ou se
perde
por culpa do comodatário, que ele indenize o dono, o vendedor.
Cessão:
falecido o
vendedor, o direito do comprador continua existindo perante seus
herdeiros. E
se o adquirente morrer? O direito não é transferido. A venda se
perfará.
Preempção ou
preferência
O que é essa cláusula acessória da
compra e venda? O comprador de uma coisa se
obriga para com
o vendedor a preferi-lo em igualdade de condições, caso venha a vendê-la.
Vejam a situação: a coisa pode ser bem imóvel ou bem móvel. Tenho uma
coleção
de charutos pré-embargo, e você
está
interessado nela. Sem problema, vendo-lhe a valiosa caixinha, mas você,
pelo
mesmo motivo que eu, não os fumará tão cedo. Colocaremos, em nosso
pacto de
compra e venda, uma cláusula de preferência: se você for vender a caixa
de
charutos que lhe vendi, você terá que me
preferir. Eu, o preferido, terei que ser comunicado e, na negativa,
você, vendedor,
se desobriga e poderá vender a quem quiser.
Direito de preferência é exercido nos
termos no art. 513: “A preempção, ou
preferência, impõe ao
comprador a obrigação de oferecer ao vendedor a coisa que aquele vai
vender, ou
dar em pagamento, para que este use de seu direito de prelação na
compra, tanto
por tanto.
Parágrafo
único. O
prazo para exercer o direito de preferência não poderá exceder a cento
e
oitenta dias, se a coisa for móvel, ou a dois anos, se imóvel.”
Então, se
no prazo de 6 meses1 o vendedor quiser vender,
ele terá que oferecer
ao preferido. Passado do prazo, poderá vender para quem quiser. “Tanto
por
tanto” significa igualdade de condições. Não pode o vendedor aproveitar
que
terá que vendar especificamente para uma pessoa para elevar o preço.
Qual o preço do negócio? O preço que
o vendedor quiser,
desde que não discrimine compradores.
Outra coisa importante: se eu não
tiver sido preferido
apesar de a mim ter sido prometida a venda preferencial, não terei
direito real, mas poderei pedir
perdas e danos.
Se o comprador, quando comprou de mim, o tiver feito de má-fé, contra
ele
também caberão perdas e danos. O autor deve saber e indicar na petição
o que
pedirá: é dinheiro, e não a coisa. Isto não é o direito de retrovenda.
Temos outro prazo, no art. 516: “Inexistindo prazo estipulado, o direito de
preempção caducará, se a
coisa for móvel, não se exercendo nos três dias, e, se for imóvel, não
se
exercendo nos sessenta dias subsequentes à data em que o comprador
tiver
notificado o vendedor.”
Antes tínhamos falado em 180 dias e
dois anos. Agora são três
dias e 60 dias? Como assim? É que estes dois pares de prazos são
diferentes. Aquele
era para exercer o direito de
preempção; este, para manifestar-se se quer a coisa de volta. O
preferido terá três
dias para se manifestar se o bem for móvel, e 60 dias se for imóvel.
Esse direito nunca é cedido, é
personalíssimo. Não há cessão
inter vivos ou causa mortis.
Requisitos
do
contrato
1 – Que
o comprador queira vender;
2 – Que
o vendedor queira comprar;
3 – Que esse seja exercido dentro de
determinado prazo do art. 516.
O descumprimento da obrigação dará o
direito à reclamação de
perdas e danos. Não há direito real sobre a coisa. Art. 518. “Responderá por perdas e danos o comprador,
se alienar a coisa sem ter dado ao vendedor ciência do preço e das
vantagens
que por ela lhe oferecem. Responderá solidariamente o adquirente, se
tiver
procedido de má-fé.”
Pode haver pedido do bem e de
indenização para o adquirente
que tiver alienado o bem. Se o adquirente tiver comprado de má-fé, ele
responderá
solidariamente. Alguns autores, como Maria Helena Diniz, dizem que, se
o bem
tiver sido adquirido por terceiro de má-fé, o bem poderá ser
reivindicado.
Vamos então a um quadro-resumo:
|
Preempção |
Retrovenda |
Objeto |
Bens
móveis ou imóveis |
imóveis |
Negócios |
Dois |
Um |
Direitos
|
Do
comprador |
Do
vendedor |
Pedidos |
Perdas
e danos |
O
bem, objeto do negócio |
Valor |
Dado
por quem é proprietário do bem |
Valor
do negócio original |
Se for um carro, já não pode ser
retrovenda.
Na preempção, temos dois negócios. Se
é Talita quem está
interessada em meus charutos de 1956, eu vendo para ela (primeiro
negócio) e
ela vende de volta para mim (segundo negócio). Dois contratos de compra
e venda,
portanto. Na retrovenda, há somente um negócio. Uma venda. Significa
que
incidem dois impostos em um, apenas um imposto em outro.
Quem detém o direito? De quem é o
direito, na preempção, se
eu comprarei de volta os charutos? A Talita, que foi para quem eu vendi
no
início da história, se ela quiser vender.
Não posso obrigá-la. Se ela quiser vender, eu terei o direito
a comprar. Na
retrovenda, quando vendi meu terreno para Amanda, colocando dois anos
de
retrovenda, eu tenho o direito de
exigi-lo de volta. O direito é meu, e não dela, portanto ela terá a
obrigação
de vendê-lo para mim.
Pedidos na ação: são diferentes. Na
preempção, se Talita vender
meus charutos para quem quiser, o que pedirei em juízo? Perdas
e danos. Na retrovenda, por outro lado, peço o bem.
O valor pago quando estamos fazendo o
negócio inverso, na
preempção, é determinado por quem é proprietário do bem.
Venda com
reserva de
domínio
Vendo, mas não transfiro o domínio.
Conceito: art. 521. “Na venda de coisa móvel, pode o vendedor reservar
para si a propriedade, até
que o preço esteja integralmente pago.” Vale para coisas
móveis somente.
Vendo para Márcia um carro, que terá
que me pagar 100 parcelas
de R$ 1.000,00. Eu vendo, transfiro a posse, ela já está andando com o
carro,
mas o domínio continua sendo meu, até que as parcelas sejam todas
pagas. Por quê?
Se Márcia, a compradora, parar de pagar amanhã, basta uma busca e
apreensão, bem
mais rápida do que a ação reivindicatória. Entretanto, se a tsunami
chegar aqui
em Brasília, quem perderá o carro sou eu.
Requisitos de validade:
Importante: no momento em que o preço
termina de ser pago o
domínio é transferido automaticamente.
Venda sobre
documentos
Na venda sobre documentos, a tradição
da coisa é substituída
pela entrega de seu título representativo ou documento.
Exemplo: tenho uma joia muito cara.
Ela está num banco
suíço, no cofre. Encontro alguém aqui no Brasil e quero vendê-la. Não
tem
lógica eu sair aqui do Brasil, ir até a Suíça, retirar a joia, trazê-la
para o
Brasil e vendê-la aqui. Eu, na verdade, tenho um documento, emitido por
instituição confiável, que atestou o valor da joia em 4 milhões de
dólares. Eu
vendo a joia para uma princesa árabe. Ela me dá o dinheiro, e dou-lhe o
papel. Se
o papel estiver em ordem, então a venda foi feita em ordem, e está
perfeita.
Basta que o comprador acredite na instituição que atestou o valor da
joia.
Acontece muito em importação e
exportação. Exemplo: quero
comprar um container cheio de porta-retratos chineses. Conheço o sujeito?
Não.
Inviabilizou o negócio? Também não. Para a concretização desse negócio,
um banco
entrará na jogada. Tenho cadastro nesse banco, aplicações, depósitos e
o dono
me conhece bem. Informei ao chinês que eu posso dar garantia para o
Banco de
Boston, e aquele aceita. Ele, então, embarca a mercadoria e passa para
o Banco
de Boston, através do banco dele, que pode ser o mesmo, garantia de que
os
objetos foram embarcados. O banco, ao conferir, transfere o dinheiro ao
chinês.
A transferência do bem se dá muito antes de ser ter a coisa. Nunca vi a
cara
dele.
1 – Na verdade, 6 meses não
necessariamente é igual a 180 dias, que é o que a norma diz neste caso.
Os 180
dias têm que ser contados nos dedos mesmo.