Direito Civil

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Depósito e troca


 

Vamos ao depósito, o antepenúltimo contrato que vamos ver!

Conceito: contrato pelo qual uma das partes, o depositário, recebe da outra, o depositante, um bem móvel, obrigando-se a guardá-lo temporária e gratuitamente para restituí-lo quando lhe for exigido.

Sem grandes segredos já sabemos as partes: depositante e depositário. “Cuida de minha bolsa enquanto vou ao banheiro?” É depósito. Não é para usar, é para cuidar. Se fosse para usar, seria um contrato de comodato. Excepcionalmente no contrato de depósito pode-se autorizar o uso, mas é exceção, e, como veremos, não desnaturará o contrato de depósito.

Também opera-se quando guardamos o carro no estacionamento do CEUB. Ou quando o vizinho vai viajar e pede para cuidarmos do cachorrinho dele.

 

Natureza jurídica do depósito

Olhando o conceito já podemos saber algumas características:

  1. Unilateral ou bilateral? Unilateral. Quem recebe tem que cuidar, quem entregou não tem a obrigação de fazer mais nada. Isso se gratuito. Se oneroso, será bilateral.
  2. Oneroso ou gratuito? Gratuito, em regra. Excepcionalmente pode haver contrato de depósito oneroso.
  3. Típico ou atípico? Típico e nominado.
  4. Solene ou não solene? Não solene. Entretanto, para se comprovar o depósito voluntário, precisa-se de um instrumento escrito. Mas ele não significa que seja uma solenidade. Art. 646: “O depósito voluntário provar-se-á por escrito.
  5. Paritário ou de adesão? Qualquer um dos dois.
  6. Consensual ou real? Real. Só existe quando a pessoa recebe o bem depositado. Não é quando ela se obriga a receber.
  7. De execução instantânea ou diferida? Diferida. Não pode o bem ficar depositado por somente um instante de tempo.
  8. Pessoal ou impessoal? Pessoal. Você não entrega coisa para qualquer pessoa. Diferente da compra e venda. Aqui há confiança no depositário, mesmo sendo oneroso. Não perde a característica da pessoalidade, que é essencial 1.
  9. Por prazo indeterminado ou determinado? Determinado 2.
  10. Também é definitivo, não preliminar, e principal, não acessório.

 

Modalidades

 

Excludentes de responsabilidade do hospedeiro

  1. Objetos de alto valor, quantias vultosas ou joias;
  2. Celebração de convenção com o hóspede. Não basta a manifestação unilateral de vontade, como “não nos responsabilizamos por objetos deixados nos quartos”;
  3. Provar que o prejuízo não poderia ter sido evitado;
  4. Caso fortuito ou força maior (art. 650, quase imbricado com a hipótese acima);
  5. Se houver culpa do hóspede.

Observação: disponibilizar bicicletário é se responsabilizar pelas bicicletas ali deixadas. 

 

Direitos do depositário

  1. Receber do depositante as despesas necessárias feitas com a coisa e indenização de prejuízos. “Você pode ficar com meu cão?” – pede Joselito a Boça. Quando Joselito vem buscá-lo, Boça lhe passa a conta das rações consumidas pelo animal, que são despesas regulares, e também a conta com as novíssimas mesas compradas pelo depositário já que o pequeno cachorro também roeu os pés das anteriores. Isso é indenizar pelos prejuízos causados pela coisa.
  2. Reter a coisa até que se pague a remuneração devida, desde que oneroso;
  3. Exigir remuneração pactuada. Evidente;
  4. Requerer o depósito judicial da coisa quando não a puder guardar e o depositante não a quiser receber. A qualquer tempo cabe resilição unilateral desse contrato;
  5. Compensação caso se funde em outro depósito. Tenho um depósito com Amanda, e devo-lhe R$ 150,00 por isso. Ao mesmo tempo tenho R$ 100,00 a receber. Compensamos, e fico-lhe devendo apenas R$ 50,00.

 

Obrigações do depositário

  1. Guardar a coisa com cuidado e diligência e responder por sua deterioração ou perda se contribuiu com dolo ou culpa. Art. 629: “O depositário é obrigado a ter na guarda e conservação da coisa depositada o cuidado e diligência que costuma com o que lhe pertence, bem como a restituí-la, com todos os frutos e acrescidos, quando o exija o depositante.” Se Boça contratou com Joselito que cuidaria de seu cão, mas esqueceu o portão aberto, o depositário terá a indenizar o depositante.
  2. Não utilizar a coisa depositada sem autorização do depositante. Note que o uso, caso autorizado, não transforma contrato em outro. As responsabilidades não alteram. Se alterassem-se as responsabilidades, um caos se instalaria: uma parte poderia alegar que houve mudança no contrato, enquanto outra diria que o contrato não se alterou pois as partes não conversaram sobre isso, enfim: simplifica-se pela proibição;
  3. Manter a coisa no estado em que recebeu. Art. 630: “Se o depósito se entregou fechado, colado, selado, ou lacrado, nesse mesmo estado se manterá.
  4. Restituir a coisa ou equivalente na data e local estipulados salvos os casos dos arts. 633 e 634. Art. 633: “Ainda que o contrato fixe prazo à restituição, o depositário entregará o depósito logo que se lhe exija, salvo se tiver o direito de retenção a que se refere o art. 644, se o objeto for judicialmente embargado, se sobre ele pender execução, notificada ao depositário, ou se houver motivo razoável de suspeitar que a coisa foi dolosamente obtida.” Como assim? Vamos entender essa expressão “dolosamente obtida”: se algum conhecido seu lhe aparece correndo com uma pesada maleta na mão, pedindo que você guarde-a em sua casa, você poderá desconfiar, pelo fato de aquele sujeito ter má reputação, ser usuário de crack, já ter passagem pela polícia por roubo, dano e pequenos furtos e ter praticado vadiagem quinze anos atrás, que ele obteve o material dolosamente. Pode ser produto de crime ou haver objetos como drogas e armas de uso restrito. Neste caso, você, se tiver aceitado o depósito, não precisará devolvê-la. Caso contrário sim.

Art. 634: “No caso do artigo antecedente, última parte, o depositário, expondo o fundamento da suspeita, requererá que se recolha o objeto ao Depósito Público.” O depositário se exime da responsabilidade.

 

Direitos do depositante

  1. Exigir a restituição da coisa com seus acessórios a qualquer tempo. Complementa-se com a obrigação do depositário de devolver. Mesmo antes do prazo estipulado. Deixei a geladeira para Amanda cuidar por seis meses. Não tem lógica ela se opor à restituição e querer reter;
  2. Impedir o uso da coisa. Também há complementação com a obrigação do depositário de não usar a coisa salvo autorização do depositante;
  3. Exigir a conservação da coisa.

 

Deveres do depositante

  1. Se o contrato for oneroso, pagar a remuneração convencionada. Se não pagar, o depositário poderá reter. Exceção se tem no contrato de hospedagem em hotéis: o hotel não tem o direito a reter as malas do hóspede. Acontece de vez em quando;
  2. Reembolsar o depositário por despesas necessárias e indenizá-lo de prejuízos;
  3. Responder pelos riscos do contrato. Pergunta de prova: por que o depositante responde pelos riscos do contrato? Res perit in domino. Não sendo por culpa do depositário, a coisa parece para o dono.
  4. Dar caução idônea se exigido. Joselito, naquela ocasião, deixou seu cão para Boça cuidar. “Deixo você tosar e tudo! É porque eu estou indo lá pro Sul e...” “Opa!” – interrompe Boça – “Você vai pro Rio Grande do Sul é? Pois faça o favor de me deixar R$ 75 mil de caução, só para o caso de você não aparecer mais e me deixar com este vira-latas para sempre!”

 

Extinção do depósito

Hipóteses de extinção:
  1. Vencimento do prazo;
  2. Resilição unilateral;
  3. Perecimento da coisa;
  4. Morte ou incapacidade do depositário. A obrigação não se transfere; é um contrato intuitu personae.
  5. Pelo decurso do prazo de 25 anos. O contrato se prorroga por tempo indeterminado.

 

O contrato de troca

Muito grande este contrato!

Conceito: contrato pelo qual as partes se obrigam a dar uma coisa por outra que não seja dinheiro.

Temos um artigo apenas, o 533. “Aplicam-se à troca as disposições referentes à compra e venda, com as seguintes modificações:

        I – salvo disposição em contrário, cada um dos contratantes pagará por metade as despesas com o instrumento da troca;

        II – é anulável a troca de valores desiguais entre ascendentes e descendentes, sem consentimento dos outros descendentes e do cônjuge do alienante.

Trocar apartamento por bicicleta é uma doação dissimulada. É isso que o Código chama de troca de valores desiguais entre ascendentes e descendentes. Não há muitos segredos mesmo. Para saber troca, deve-se saber a compra e venda.

Aula que vem: fiança.

  1. Apesar de os autores Pamplona & Gagliano discordarem de que o0 contrato é intuitu personae, admitindo não estarem de acordo com a maioria dos doutrinadores mais tradicionais. Aponta, também citando Maria Helena Diniz, que ultimamente o contrato de depósito tem perdido seu caráter de pessoal. Hoje em dia celebra-se contrato de depósito com quase qualquer pessoa, com empresas, pessoas que, na verdade, não conhecemos pessoalmente. Isso vale tanto para o hotel, que guarda suas malas enquanto você vai dar um passeio pela cidade visitada, e mais ainda para o contrato de depósito celebrado com um Shopping ao estacionar o carro no estacionamento.
  2. Lembrando os mesmos autores que nada impede que o contrato também se celebre por tempo indeterminado, desde que oneroso, devendo o depositante arcar com os ônus correspondentes. Também pontuam que a classificação em comutativo ou aleatório não é cabível para o contrato de depósito.
  3. Era uma vez um homem que ficou ilhado no telhado de uma casa num dia de forte chuva que inundou toda sua cidade. Ele não sabia nadar. A água ia subindo, e um homem passa numa canoa, remando, e pergunta-o se deseja embarcar para um lugar seguro. O desabrigado recusa, dizendo ao bom samaritano: "não, obrigado, mas Deus vai me tirar dessa." A água continuava subindo de nível, já atingindo as janelas da pequena casa. Um segundo homem num barco passa pela casa, vê o sujeito em preces e lhe oferece carona. O homem recusa novamente dizendo que Deus irá salvá-lo. E horas se passam. Novamente um barco passa quando a água está para ultrapassar o telhado. O transeunte oferece ajuda, mas o religioso recusa mais uma vez. Ele está certo que Deus o salvará. Essa foi a última chance; o homem se afoga. Chegando ao céu o sujeito reclama com Deus: "poxa Senhor, eu te dediquei toda minha vida e não me ajudou por quê?" Deus lhe responde: "não enche o saco, te enviei três barquinhos!"
    Dizia um provérbio chinês que a flecha atirada, a palavra proferida e oportunidade perdida são coisas que não voltam mesmo.