Direito Civil
sexta-feira, 11 de junho de 2010
Depósito e troca
- 22.1 – Conceito de depósito
- 22.2 – Classificação
- 22.3 – Modalidades
- 22.3.1 – Voluntário ou convencional
- 22.3.2 – Depósito necessário
- 22.3.2.1 – Legal
- 22.3.2.2 – Miserável
- 22.3.2.3 – Hospedeiro
- 22.3.2.3.1 – Excludentes de
responsabilidade
- 22.4 – Depósito regular
- 22.5 – Depósito irregular
- 22.6 – Depósito judicial
- 22.7 – Direitos do depositário
- 22.8 – Obrigações do depositário
- 22.9 – Direitos do depositante
- 22.10 – Deveres do depositante
- 22.11 – Extinção do depósito
- 23 – Troca
- 23.1 – Conceito
- 23.2 – Troca de valores desiguais
Vamos ao depósito, o antepenúltimo
contrato que vamos ver!
Conceito: contrato
pelo qual uma das partes, o depositário, recebe da outra, o
depositante, um bem
móvel, obrigando-se a guardá-lo temporária e gratuitamente para
restituí-lo
quando lhe for exigido.
Sem grandes segredos já sabemos as
partes: depositante e
depositário. “Cuida de minha bolsa enquanto vou ao banheiro?” É
depósito. Não é
para usar, é para cuidar. Se fosse
para usar, seria um contrato de comodato. Excepcionalmente no contrato
de
depósito pode-se autorizar o uso, mas é exceção, e, como veremos, não
desnaturará o contrato de depósito.
Também opera-se quando guardamos o
carro no estacionamento
do CEUB. Ou quando o vizinho vai
viajar e pede para
cuidarmos do cachorrinho dele.
Natureza
jurídica do
depósito
Olhando o conceito já podemos saber
algumas características:
- Unilateral ou bilateral? Unilateral. Quem recebe tem que cuidar,
quem entregou não tem a
obrigação de fazer mais nada. Isso se gratuito.
Se oneroso, será bilateral.
- Oneroso ou gratuito? Gratuito,
em regra. Excepcionalmente pode haver contrato de depósito oneroso.
- Típico ou atípico? Típico
e nominado.
- Solene ou não solene? Não
solene. Entretanto, para se comprovar o depósito voluntário,
precisa-se de
um instrumento escrito. Mas ele não significa que seja uma solenidade.
Art.
646: “O depósito voluntário provar-se-á
por escrito.”
- Paritário ou de adesão? Qualquer
um dos dois.
- Consensual ou real? Real.
Só existe quando a pessoa recebe o bem depositado. Não é quando ela se
obriga a
receber.
- De execução instantânea ou diferida? Diferida. Não pode o bem ficar depositado
por somente um instante
de tempo.
- Pessoal ou impessoal? Pessoal.
Você não entrega coisa para qualquer pessoa. Diferente da compra e
venda. Aqui
há confiança no depositário, mesmo sendo oneroso. Não perde a
característica da
pessoalidade, que é essencial 1.
- Por prazo indeterminado ou
determinado? Determinado 2.
- Também é definitivo, não preliminar,
e principal, não
acessório.
Modalidades
- Contrato típico é o depósito voluntário,
ou convencional, que é aquele que resulta da livre vontade das
partes. O depositante pode escolher o outro contratante, o
depositário.
Este tipo de depósito, especificamente, só se comprova por escrito.
- Contrato de depósito
necessário: diferente do voluntário, é aquele em que a parte
não escolhe
livremente o outro contratante. Independe da vontade das partes. Quem o
faz
precisa fazê-lo. Em geral decorre de fatos imprevistos. Subdivide-se em
três:
- Contrato de depósito
legal: é determinado por lei. Pergunta: estou andando na rua,
vejo uma nota
de R$ 100,00, o que devo fazer? Embolsar? Não, poxa; isso é crime (CP,
art.
169, parágrafo único, inciso II). Devo, portanto, devolver à autoridade
competente! É um depósito necessário,
pois imposto por lei. Outro caso que temos é aquele em que Boça está na
administração dos bens de Joselito quando este é declarado incapaz.
Automaticamente Boça se torna depositário desses bens, até que se
determine um
depositário definitivo.
- Depósito
miserável:
é o que decorre de uma calamidade pública. Jogar o colchão e o
criado-mudo para
o vizinho em caso de inundação. Nem se pensa para quem se jogarão os
bens
quando a água invade a casa; é quem está lá presente no momento, o
homem que
passa no barquinho que Deus enviou bem na hora. 3
- Depósito hospedeiro:
é aquele em que figura na condição de depositário o dono de
estabelecimento de
hospedagem de qualquer tipo. Pode se tratar de um hotel, pensão,
escola,
alojamento ou hospital, para citar alguns exemplos. A bagagem dos
viajantes,
hóspedes, alunos de escolas. Minha mala deve ser cuidada pelo hotel
enquanto eu
estiver passeando. O mesmo quando Hermes vai fazer sua cirurgia em um
hospital,
em que ele leva sua pequena sacola de pertences. Renato, dono do
hospital,
deverá cuidar dos bens de Hermes. E também a mala transportada por
companhia
aérea: é um contrato de transporte misturado com de depósito. Por fim,
a
faculdade também se responsabiliza por objetos deixados em sala
enquanto os
alunos estão no intervalo, salvas as...
Excludentes
de
responsabilidade do hospedeiro
- Objetos de alto valor, quantias
vultosas ou joias;
- Celebração de convenção com o
hóspede. Não basta a manifestação
unilateral de vontade, como “não nos responsabilizamos por objetos
deixados nos
quartos”;
- Provar que o prejuízo não poderia ter
sido evitado;
- Caso fortuito ou força maior (art.
650, quase imbricado com
a hipótese acima);
- Se houver culpa do hóspede.
Observação: disponibilizar bicicletário é se
responsabilizar pelas
bicicletas ali deixadas.
- Depósito
regular: quando
falamos em modalidades, temos duas: voluntário ou necessário. Há outras
classificações. Depósito regular é o
depósito de coisas infungíveis. Podemos ter um depósito
regular e
convencional.
- Depósito
irregular:
de coisas fungíveis ou consumíveis.
Típico exemplo é o próprio depósito de dinheiro em banco. É contrato de
depósito. O banco não poderá falar que meu dinheiro que estava
depositado foi
roubado. Porém, se o dinheiro tiver sido usado para investimento, aí já
estaremos falando de mútuo em dinheiro, mais do que depósito, pois há
uso! O
depósito de grãos em armazéns gerais também é um exemplo de depósito
irregular,
pois as coisas ali depositadas são fungíveis. Vale pelo gênero da
mercadoria.
- Depósito
judicial:
determinado pelo juiz. Também é
chamado, muitas vezes, de sequestro.
O juiz determina que alguém irá cuidar até que se determine o
definitivo depositário
ou se lhe atribua a propriedade permanente a alguém.
Direitos do
depositário
- Receber do depositante as despesas
necessárias feitas com a
coisa e indenização de prejuízos. “Você pode ficar com meu cão?” – pede
Joselito a Boça. Quando Joselito vem buscá-lo, Boça lhe passa a conta
das
rações consumidas pelo animal, que são despesas regulares, e também a
conta com
as novíssimas mesas compradas pelo depositário já que o pequeno
cachorro também
roeu os pés das anteriores. Isso é indenizar pelos prejuízos causados
pela
coisa.
- Reter a coisa até que se pague a
remuneração devida, desde
que oneroso;
- Exigir remuneração pactuada. Evidente;
- Requerer o depósito judicial da coisa
quando não a puder
guardar e o depositante não a quiser receber. A qualquer tempo cabe
resilição
unilateral desse contrato;
- Compensação caso se funde em outro
depósito. Tenho um
depósito com Amanda, e devo-lhe R$ 150,00 por isso. Ao mesmo tempo
tenho R$
100,00 a receber. Compensamos, e fico-lhe devendo apenas R$ 50,00.
Obrigações
do
depositário
- Guardar a coisa com cuidado e
diligência e responder por sua
deterioração ou perda se contribuiu com dolo ou culpa. Art. 629: “O depositário é obrigado a ter na guarda e
conservação da coisa depositada o cuidado e diligência que costuma com
o que
lhe pertence, bem como a restituí-la, com todos os frutos e acrescidos,
quando
o exija o depositante.” Se Boça contratou com Joselito que
cuidaria de seu
cão, mas esqueceu o portão aberto, o depositário terá a indenizar o
depositante.
- Não utilizar a coisa depositada sem
autorização do
depositante. Note que o uso, caso autorizado, não transforma contrato
em outro.
As responsabilidades não alteram. Se alterassem-se as
responsabilidades, um caos
se instalaria: uma parte poderia alegar que houve mudança no contrato,
enquanto
outra diria que o contrato não se alterou pois as partes não
conversaram sobre
isso, enfim: simplifica-se pela proibição;
- Manter a coisa no estado em que
recebeu. Art. 630: “Se o depósito se entregou
fechado, colado,
selado, ou lacrado, nesse mesmo estado se manterá.”
- Restituir a coisa ou equivalente na
data e local estipulados
salvos os casos dos arts. 633 e 634. Art. 633: “Ainda
que o contrato fixe prazo à restituição, o depositário entregará
o depósito logo que se lhe exija, salvo se tiver o direito de retenção
a que se
refere o art. 644, se o objeto for judicialmente embargado, se sobre
ele pender
execução, notificada ao depositário, ou se houver motivo razoável de
suspeitar
que a coisa foi dolosamente obtida.” Como assim? Vamos
entender essa
expressão “dolosamente obtida”: se algum conhecido seu lhe aparece
correndo com
uma pesada maleta na mão, pedindo que você guarde-a em sua casa, você
poderá
desconfiar, pelo fato de aquele sujeito ter má reputação, ser usuário
de crack,
já ter passagem pela polícia por roubo, dano e pequenos furtos e ter
praticado
vadiagem quinze anos atrás, que ele obteve o material dolosamente. Pode
ser
produto de crime ou haver objetos como drogas e armas de uso restrito.
Neste
caso, você, se tiver aceitado o depósito, não precisará devolvê-la.
Caso
contrário sim.
Art. 634: “No
caso do
artigo antecedente, última parte, o depositário, expondo o fundamento
da
suspeita, requererá que se recolha o objeto ao Depósito Público.”
O
depositário se exime da responsabilidade.
Direitos do
depositante
- Exigir a restituição da coisa com
seus acessórios a qualquer
tempo. Complementa-se com a obrigação do depositário de devolver. Mesmo
antes
do prazo estipulado. Deixei a geladeira para Amanda cuidar por seis
meses. Não
tem lógica ela se opor à restituição e querer reter;
- Impedir o uso da coisa. Também há
complementação com a
obrigação do depositário de não usar a coisa salvo autorização do
depositante;
- Exigir a conservação da coisa.
Deveres do
depositante
- Se o contrato for oneroso, pagar a
remuneração
convencionada. Se não pagar, o depositário poderá reter. Exceção se tem
no contrato
de hospedagem em hotéis: o hotel não tem o direito a reter as malas do
hóspede.
Acontece de vez em quando;
- Reembolsar o depositário por despesas
necessárias e
indenizá-lo de prejuízos;
- Responder pelos riscos do contrato. Pergunta
de prova: por que o depositante responde pelos riscos do
contrato? Res perit in domino. Não
sendo por culpa
do depositário, a coisa parece para o dono.
- Dar caução idônea se exigido.
Joselito, naquela ocasião, deixou
seu cão para Boça cuidar. “Deixo você tosar e tudo! É porque eu estou
indo lá
pro Sul e...” “Opa!” – interrompe Boça – “Você vai pro Rio Grande do
Sul é?
Pois faça o favor de me deixar R$ 75 mil de caução, só para o caso de
você não
aparecer mais e me deixar com este vira-latas para sempre!”
Extinção do
depósito
Hipóteses de extinção:- Vencimento do prazo;
- Resilição unilateral;
- Perecimento da coisa;
- Morte ou incapacidade do depositário.
A obrigação não se
transfere; é um contrato intuitu personae.
- Pelo decurso do prazo de 25 anos. O
contrato se prorroga por
tempo indeterminado.
O contrato de troca
Muito grande este contrato!
Conceito:
contrato pelo qual as partes se obrigam a
dar uma coisa por outra que não seja dinheiro.
Temos um artigo apenas, o 533. “Aplicam-se à troca as disposições referentes à
compra e venda, com as
seguintes modificações:
I – salvo disposição em contrário, cada
um dos contratantes pagará por metade as despesas com o instrumento da
troca;
II – é anulável a troca de valores
desiguais entre ascendentes e descendentes, sem consentimento dos
outros
descendentes e do cônjuge do alienante.”
Trocar apartamento por bicicleta é
uma doação dissimulada. É
isso que o Código chama de troca de valores desiguais entre ascendentes
e
descendentes. Não há muitos segredos mesmo. Para saber troca, deve-se
saber a
compra e venda.
- Apesar de
os autores
Pamplona & Gagliano discordarem de que o0 contrato é intuitu personae, admitindo não estarem
de acordo com a maioria dos
doutrinadores mais tradicionais. Aponta, também citando Maria Helena
Diniz, que
ultimamente o contrato de depósito tem perdido seu caráter de pessoal.
Hoje em
dia celebra-se contrato de depósito com quase qualquer pessoa, com
empresas,
pessoas que, na verdade, não conhecemos pessoalmente. Isso vale tanto
para o
hotel, que guarda suas malas enquanto você vai dar um passeio pela
cidade
visitada, e mais ainda para o contrato de depósito celebrado com um
Shopping ao
estacionar o carro no estacionamento.
- Lembrando
os mesmos autores
que nada impede que o contrato também se celebre por tempo
indeterminado, desde
que oneroso, devendo o depositante arcar com os ônus correspondentes.
Também
pontuam que a classificação em comutativo ou aleatório não é cabível
para o
contrato de depósito.
- Era uma
vez um homem que
ficou ilhado no telhado de uma casa num dia de forte chuva que inundou
toda sua
cidade. Ele não sabia nadar. A água ia subindo, e um homem passa numa
canoa,
remando, e pergunta-o se deseja embarcar para um lugar seguro. O
desabrigado
recusa, dizendo ao bom samaritano: "não, obrigado, mas Deus vai me
tirar
dessa." A água continuava subindo de nível, já atingindo as janelas da
pequena casa. Um segundo homem num barco passa pela casa, vê o sujeito
em
preces e lhe oferece carona. O homem recusa novamente dizendo que Deus
irá
salvá-lo. E horas se passam. Novamente um barco passa quando a água
está para
ultrapassar o telhado. O transeunte oferece ajuda, mas o religioso
recusa mais
uma vez. Ele está certo que Deus o salvará. Essa foi a última chance; o
homem
se afoga. Chegando ao céu o sujeito reclama com Deus: "poxa Senhor, eu
te dediquei
toda minha vida e não me ajudou por quê?" Deus lhe responde: "não
enche o saco, te enviei três barquinhos!"
Dizia um provérbio
chinês que a
flecha atirada, a palavra proferida e oportunidade perdida são coisas
que não
voltam mesmo.