Vamos terminar o estudo do mútuo hoje. O que é mesmo?
Contrato para o consumo de bens fungíveis.
Traços característicos: temporariedade. Se não for
temporário, ele será, na verdade, uma doação. A restituição é necessária para diferenciar
o contrato de mútuo do contrato de doação. Outro traço importante é que ele não
é intuitu personae, diferentemente do
comodato. Por quê? Como a maioria dos mútuos são em dinheiro, e como se tratam
de negócio feito pelo mutuante,
esqueça a pessoalidade. “Empresta-se dinheiro!” (a quem pagar). Por existir um
interesse econômico, ele não será personalíssimo.
Exemplo de mútuo: emprestarei dinheiro para que alguém construa
uma casa. Se a pessoa não construir, o contrato não terá sido cumprido.
Significa então que o mútuo pode ter uma destinação, que faz parte do contrato,
e é obrigação contratual.
Capacidade
O art. 104 dispõe que a validade do negócio jurídico requer agente
capaz. Vamos, então, começar pela capacidade do mutuário, que é aquele que pega
emprestado o bem. Se empresto para menores, o contrato não terá validade. Por
não ter validade, não se pode reaver o que foi emprestado. Então preste atenção
aos menores picaretas. O contrato exige agente capaz.
Porém temos exceções para esses casos. Primeiro, lemos o
art. 588, para depois ler as exceções: “O
mútuo feito a pessoa menor, sem prévia autorização daquele sob cuja guarda
estiver, não pode ser reavido nem do mutuário, nem de seus fiadores.” Por
que o mútuo não pode ser reavido de fiador? Boa
pergunta de prova. afinal, o mutuante e o fiador podem ser duas pessoas
capazes! É que o contrato de fiança é acessório. Se o principal é inválido,
inválido será o acessório.
Art. 589: “Cessa a
disposição do artigo antecedente:
I – se a pessoa, de cuja autorização
necessitava o mutuário para contrair o empréstimo, o ratificar posteriormente;
II – se o menor, estando ausente essa
pessoa, se viu obrigado a contrair o empréstimo para os seus alimentos
habituais;
III – se o menor tiver bens ganhos com
o seu trabalho. Mas, em tal caso, a execução do credor não lhes poderá
ultrapassar as forças;
IV – se o empréstimo reverteu em
benefício do menor;
V
– se o menor obteve o empréstimo maliciosamente.”
Imagine que emprestei dinheiro para o filho do vizinho. A posterior
ratificação pelo pai dele fará com que o contrato tenha validade desde o dia em
que foi concluído. É como se houvesse sub-rogação nas obrigações do que tomou
emprestado; ou como se o contrato tivesse sido feito com o pai do menino desde o
começo.
Inciso II: “essa pessoa” é exatamente aquela de quem deveria
vir a autorização. Posso pegar de volta o dinheiro que o menino usou para
comprar comida? Sim, do pai dele. O que são alimentos?
Quando o pai paga pensão alimentícia, o que ele está pagando ao filho? Tudo que
for de primeira necessidade. Comida, vestuário, educação e saúde. Tudo isso é
considerado alimento.
Inciso III: menor com bens ganhos só pode ser o emancipado.
É o art. 5º, parágrafo único, inciso V: “Parágrafo
único. Cessará, para os menores, a incapacidade: [...] V - pelo
estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego,
desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia
própria.” Nem precisava estar escrito isso. Menor que tem bens ganhos com
o próprio trabalho deixa de ser considerado menor. Então essa parte do inciso é
supérflua. Segunda parte: quem emprestou não pode cobrar mais do que o sujeito
tem para quitar.
Inciso IV: o jovem comprou um carro ou um iPod com o
dinheiro que o emprestei. Isso foi benefício revertido em favor dele. Neste
caso, poderei reaver o empréstimo.
Inciso V: ou seja, utilizando dessa condição que a
legislação lhe dá. Ou então ficou calado sabendo que não teria que pagar.
Pode-se, neste caso, cobrar do responsável.
Vamos colocar um item VI, que é muito importante: “se o
empréstimo contraído pelo menor beneficiar diretamente a pessoa que deveria
autorizá-lo.” Neste caso, também cessará a disposição do artigo anterior. Por
quê? Imagine que o menino comprou um belo casaco de pele. Para ter pegado o
dinheiro emprestado, ele normalmente precisaria de autorização. Assim, a não
autorização irá causar seu enriquecimento ilícito, e ele poderá ser cobrado. Também
há que se notar que o menor provavelmente não irá sair com o casaco; quem irá
aproveitá-lo será exatamente sua mãe, que espertamente negou a autorização. A
má-fé não é de quem contratou, mas a quem aproveitou.
O que fazer em todos esses casos? Ajuizar ação de
conhecimento chamada ação de reconhecimento
de dívida. O juiz analisará e deverá notar que o vizinho comprou um casaco
fútil ou um iPod com o dinheiro emprestado.
Capacidade do
mutuante
No mútuo, transferimos a propriedade. E só podemos
transferir a propriedade do que é nosso. Imagine que Thalyssa, criadora de
aves, possua vinte marrecos, que os confia a Taty, sua vizinha, para que cuide
deles enquanto aquela faz uma viagem para Burkina Faso. Rafaela, apreciadora de
iguarias exóticas e amiga de Taty, pede-lhe os marrecos emprestados para fazer
canja de marreco para seus convidados. Taty os dá. Thalyssa, chegando de
viagem, pede de volta suas aves. Mas elas não estão mais em posse de Taty! O
que cabe a Thalyssa fazer? Ação de evicção, pois o vício no negócio entre Taty
e Rafaela era exatamente no título de direito, já que Taty não era proprietária
dos marrecos e, portanto, não podia tê-los alienado de forma alguma para
Rafaela. Taty, neste caso, era incapaz de realizar essa transação.
Importante saber duas coisas: os detentores do poder
familiar (antigo pátrio poder), bem como os tutores, curadores e responsáveis
legais só podem contrair empréstimo onerando seus pupilos mediante prévia
autorização judicial com comprovada utilidade do empréstimo. Vejam a lógica:
sou tutor de Pedrito, e cuido do dinheiro dele, que recebeu como herança de
seus pais mortos num acidente. Amanda vem até mim pedir o dinheiro emprestado. Posso
emprestar a ela? Não, a não ser com a autorização judicial para tal, mediante
comprovação de utilidade. Até mesmo os pais precisariam da autorização judicial
caso o dinheiro fosse do filho menor mesmo, como em herança deixada por outra
pessoa que escolheu Pedrito como herdeiro.
Pessoas jurídicas podem mutuar? Sim, de acordo com o seu
contrato social ou estatutos. Os contratos sociais são as regras de vigência da
sociedade. Tudo que não está proibido em lei ou contrato pode ser feito.
Empréstimo em
dinheiro
O que é isso? Mútuo. E se há cobrança de juros? Mútuo feneratício
ou oneroso. É importante saber algumas coisas sobre juros. Temos a lei de
usura. O que é usura? Cobrar juro com taxas muito elevadas ou estabelecidas
acima da lei. É ilícito civil. O que temos que saber é que ela proíbe a
cobrança de juros sobre juros, ou capitalização de juros, ou anatocismo. Se
você pega R$ 100,00 emprestados à taxa
de 10% ao mês, caso consiga restituir o empréstimo no mês que vem, você pagará
R$ 110,00. E se você esperar dois meses? Pela regra, incidiriam 10% novamente
sobre esse último valor, ou seja, R$ 110,00 + 10% = R$ 121,00. Antes, o
acréscimo absoluto foi de R$ 10,00; desta vez, foi de R$ 11,00. Esse R$ 1,00 de
diferença é juro sobre juros, o que é vedado.
O que a Constituição fala sobre juros? O Poder Constituinte
Originário tentou estabelecer uma cobrança máxima de 12%. Mas essa norma foi
revogada pela Emenda Constitucional nº 40 de 2003. É que, em verdade, a
economia é determinada pelo mercado, e não pelo legislador. A Emenda diz que, em regra, não existe limite legal para a cobrança
de juros. Mas há contratos específicos que permitem a capitalização de
juros, a cobrança de juros sobre juros, que são o contrato de empréstimo
bancário, instituições financeiras em geral. A Lei de Financiamento Rural
também autoriza. No empréstimo hipotecário, dado sobre o sistema de habitação,
também pode haver cobrança de juros sobre juros. Outras leis limitam a taxa
anual de juros. A Emenda 40 revogou o art. 192 da Constituição. Agora, a
proibição que existe é em função da lei de usura, não mais da Constituição.
Outra observação: os juros pode ser estabelecidos em quanto
a parte quiser, mas as partes não podem convencionar a capitalização de juros.
Há dois tipos de juros: compensatórios e moratórios.
Compensar o quê? Pelo período que o mutuante fica sem o dinheiro. E mais: o
risco que se corre ao emprestar o dinheiro. Seriam, portanto, os frutos ou a
renda do capital mutuado. E os juros moratórios? Juros de mora. O que são
mesmo? Aqueles cobrados na forma “1% ao dia” ou “10% ao mês” em função do
atraso, de mora, que representam indenização pelo atraso no cumprimento da
obrigação.
Veja que interessante: juro sobre juro é uma coisa, mas a
cobrança ao mesmo tempo de juros moratórios e juros compensatórios é outra. Não
prosperará um pedido em juízo alegando que isso se trata de juro sobre juro.
Obrigações e direitos
das partes
O mutuário é o que toma emprestado. Qual a obrigação dele? Restituir o que recebeu em coisas da mesma
espécie, qualidade e quantidade, na data pactuada. O prazo estipulado é o
que põe termo ao contrato, ou “quando meu pai comprar o marreco que ele me
prometeu”, ou “quando eu arrumar um emprego”.
E se eu pedir três ovos de pata emprestados, e eles não mais
estiverem disponíveis? No Direito Civil, tudo se resolve com to$tõe$. Pode-se
estipular no contrato: devolver-se-á a coisa ou o seu valor. Esse não deixa de
ser um contrato de mútuo, e não virou compra e venda. Por que mesmo? Porque
contratos não se transformam em outros.
Outra obrigação do mutuário: pagar os juros, no caso do
mútuo feneratício.
Obrigações do mutante: primeira é a responsabilidade pelos vícios da coisa. Ele não poderá emprestar
algo que esteja deteriorado. Isso importará se o mútuo for oneroso ou não. De
quem é a responsabilidade pelos vícios? Se dos três ovos um estava podre, quem
pegou emprestado só terá que devolver dois. Em mútuo oneroso, a responsabilidade
é maior: responde-se por culpa e dolo. No gratuito, somente por dolo.
Imagine um empréstimo de R$ 1.000,00 dado em notas de R$
50,00, mas duas das 20 notas são falsas. Se se tratar de um mútuo não oneroso,
o mutuante só responderá caso tenha incluído dolosamente as duas notas falsas. Sendo
oneroso, responderá também por culpa, na medida do prejuízo tido pelo mutuário.
Outra obrigação do mutuante: não tolher o consumo por parte do mutuário. Não se pode
atrapalhá-lo. Se eu vir a pessoa para quem emprestei dinheiro jogando no bicho,
não poderei atrapalhar de jeito nenhum. A não ser que o contrato especifique um
fim para o dinheiro emprestado.
Quanto aos direitos, o mutuante poderá exigir garantia da restituição se: I – antes do vencimento, o
mutuário vier a sofrer notória mudança em seu patrimônio. Emprestei R$ 1.000,00
para Helena, que terá que me pagar daqui a um ano, mas sem nenhum juro. No
terceiro mês, ela sofre alguns azares na vida e passa a viver precariamente,
sem luxos, até morando de favor. Neste caso, o mutuante poderá exigir uma
garantia. Se Helena não der, isso será uma causa de extinção. Desde o momento
em que a garantia não foi dada ela já estará em mora.
Se eu apenas sinto que ela está em situação financeiramente
complicada, nada disso valerá pois a mudança de patrimônio deverá ser notória.
Exigir restituição da
coisa no momento oportuno. Ou é o vencimento do contrato, ou é aquele em
que a coisa foi usada. O “dia em que eu arrumar um emprego” também pode ser o
momento oportuno, se assim contratado.
Demandar a resolução
do contrato se o mutuário deixar de pagar os juros. Não deixa de ser óbvio,
mas não devemos deixar de incluir nesta lista. É descumprimento do contrato,
então podemos usar a cláusula resolutória.
Extinção do mútuo
Primeira coisa é, evidentemente, o vencimento do prazo convencionado.
A segunda causa é o rol
do art. 592, que prevê a hipótese de silêncio quanto ao prazo: “Não se tendo convencionado expressamente, o
prazo do mútuo será:
I – até a próxima colheita, se o mútuo
for de produtos agrícolas, assim para o consumo, como para semeadura;
II – de trinta dias, pelo menos, se for
de dinheiro;
III – do espaço de tempo que declarar o
mutuante, se for de qualquer outra coisa fungível.”
Vejam que interessante o inciso II: se alguém me pedir R$
2,00 emprestado, só poderei exigi-los depois de 30 dias, no mínimo. No máximo,
é o tempo que eu quiser.
Descumprimento de
cláusula contratual. É a terceira possibilidade. Esse descumprimento de
cláusula contratual só se aplicará para mútuos onerosos. Se for mútuo gratuito,
o mútuo não será extinto; deverá ser analisado o que esse descumprimento causa.
Só será caso de extinção se não houver a apresentação oportuna de garantia,
como a que exigi de Helena ao notar que ela claramente mudou de situação
patrimonial.
Distrato. Como
qualquer contrato. O mutuário e o mutuante resolvem desfazer o contrato de
comum acordo.
Resilição unilateral.
Quando ela pode acontecer? Somente pelo mutuário, o devedor. Não pode o
mutuante exigir antecipadamente a restituição. Lembrem-se que, no comodato, o
comodante pode resilir por causa urgente e imprevista. No mútuo não, de forma
alguma.
Portanto, as causas de extinção do mútuo são vencimento do
prazo, hipóteses legais do art. 592, descumprimento de cláusula contratual,
distrato e resilição unilateral.
Atenção para a questão dos juros: emprestei R$ 1.000,00 para
Bruno, à taxa juros de 10% ao mês. Ele pagará o principal depois. Seis meses
depois ele me paga o principal. A princípio, como sou o mutuante, não poderei
me opor a esse pagamento antecipado. Como funcionarão os juros? Qual a regra?
Se nada foi dito, o principal foi pago e não há mais que se falar em juros. Mas
pode-se colocar no contrato que, em caso de resilição unilateral, os juros de todo o período serão devidos.
O pagamento antecipado da dívida não afastará o pagamento dos juros. Note que
isso não caracterizará enriquecimento sem causa pois foi exatamente esse o
pacto feito pelos contratantes, mesmo que o principal tenha sido pago e,
portanto, extinto, o que nos levaria a crer que o acessório seguiria sua sorte
e também seria extinto. Não é assim, na verdade.
Há casos em que isso é razoável. Exemplo: pessoa de
orçamento apertado saca R$ 1.000,00 de sua poupança para emprestar a alguém.
Antes, ela vivia dos rendimentos daquela poupança, ainda que fossem bem
pequenos. Ao retirar o dinheiro da conta, pode-se frustrar o rendimento
contratado com o banco. Quando essa oportunidade apareceu, ela combina que seu
mutuário devolverá com juros de 10% ao mês, e pagará o valor do principal ao
final do período de um ano. Mas o mutuário lhe procurou mais cedo e, quando
ainda faltavam quatro meses para o término do período, devolve-lhe o dinheiro.
Com isso, extinguir-se-ia a obrigação principal e, com ela, os juros, que
haviam se tornado seu meio de subsistência. Então, para se precaver, ela
contrata da seguinte forma: “o valor deverá ser restituído ao final de um ano,
mas, em caso de pagamento antecipado, os juros do período integral serão
devidos.”
Em caso de extinção, o contrato terá que ser denunciado.
Efetivação de algum
modo terminativo previsto no próprio contrato. Exemplo: “se eu arrumar um
emprego, te pagarei imediatamente.”
Segunda-feira teremos uma revisão. É bom vir para ganhar
ponto.