Direito Civil

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Fiança



 

Conceito de fiança: contrato pelo qual uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor caso este não a cumpra. Vamos entender: o fiador garante satisfazer uma dívida em favor do credor caso seu devedor não a cumpra. Partes no contrato de fiança, portanto, são credor, devedor e fiador, certo? Quem será o afiançado? O devedor? Exatamente. Vejam que o contrato de fiança não existe por si só. Também ele deverá ter um objeto. É um contrato do gênero garantia. Uma é a garantia real, como o penhor, a hipoteca, qualquer bem móvel, caução, etc. A fiança, por sua vez, é uma garantia pessoal, também chamada de fidejussória. Garante outra coisa, um outro contrato. Um contrato de empréstimo, por exemplo. Nathalia me emprestou R$ 100.000,00, mas queria uma garantia. Coloquei Thania como fiadora, que aceitou.

Quem fez o contrato de empréstimo foram o credor e o devedor. Precisou-se de um fiador para garantir para o credor que a dívida do devedor seria paga. Quem contratou, então; ou melhor, quem garantiu para quem? Fiador e o credor! É aqui que temos o contrato de fiança. É entre fiador e credor. Eles quem são as partes! Mas o afiançado é o devedor. As partes do contrato de fiança são fiador e credor, somente. Portanto, cuidado com a concepção que tínhamos até agora. Mesmo que haja o nome “afiançado”,  não é deixe de ver o art. 820: “Pode-se estipular a fiança, ainda que sem consentimento do devedor ou contra a sua vontade.” Há possibilidade de se fazer um contrato sem o consentimento da parte? Não mesmo. Por isso o devedor não é parte! Pode ser que o devedor arrume um fiador, mas quem contratará será o credor.

Art. 824: “As obrigações nulas não são suscetíveis de fiança, exceto se a nulidade resultar apenas de incapacidade pessoal do devedor.

Parágrafo único. A exceção estabelecida neste artigo não abrange o caso de mútuo feito a menor.

Caput: obrigação nula não é suscetível de fiança por quê? Porque é um contrato acessório! Nulo o principal, nulo o acessório. Mas temos uma exceção, na última parte do caput: incapacidade pessoal do devedor. Se o credor fez contrato com devedor, emprestou R$ 100 mil, e só então descobriu que o mutuário era incapaz, a fiança não será nula. O fiador terá que pagar o credor mesmo assim.

 

Natureza jurídica

  1. Unilateral ou bilateral? Unilateral, na verdade, este é o contrato mais unilateral de todos. Não tem nem obrigações inerentes ao credor. Só louco celebra fiança. Só há obrigação para um lado, e desvantagem para outro;
  2. Oneroso ou gratuito? Gratuito. Não há ônus nenhum para o credor. Mas nada impede de se convencionar de forma diversa, exigindo o fiador remuneração como contraprestação pelo risco que corre. Mas lembrem-se quem são as partes do contrato de fiança: credor e fiador. O devedor, afiançado, não é parte. Ele pode, não obstante, se comprometer a remunerar o fiador. Neste caso, o negócio jurídico se dá entre fiador e afiançado, e não entre fiador e credor, como o é o contrato de fiança;
  3. Comutativo ou aleatório? Qualquer um dos dois.
  4. Típico ou atípico? Típico e nominado. Está no Código Civil, a partir do art. 818.
  5. Solene ou não solene? Solene. Art. 819: “A fiança dar-se-á por escrito, e não admite interpretação extensiva.” A interpretação é restritiva sempre. Não significa que ele terá eficácia erga omnes a não ser que as partes o registrem no Cartório de Títulos e Documentos.
  6. Paritário ou de adesão? Paritário, em regra, podendo também ser de adesão;
  7. Consensual ou real? Consensual;
  8. Principal ou acessório? Acessório;
  9. De execução instantânea ou diferida? De execução diferida;
  10. Preliminar ou definitivo? Definitivo. Se a fiança for acessória de um contrato de empréstimo, por exemplo, ela não terá a finalidade de prepará-lo.
  11. Pessoal ou impessoal? Pessoal: enquanto nos demais contratos escolhemos a outra parte pelas suas qualidades, aqui escolhemos pelos seus “defeitos”;
  12. Por prazo indeterminado ou determinado? Por prazo determinado ou indeterminado.

 

Espécies de fiança

 

Pessoa do fiador

Falamos aqui em capacidade. Pode ser fiador qualquer pessoa que tenha livre disposição de seus bens. Primeira pergunta: maior de 16 e menor de 18 emancipado pode? Sim, pois tem livre disposição dos bens. Pessoa casada com regime de separação parcial? Não. Somente o casado com separação absoluta de bens. Não se pode dar fiança sem outorga uxória ou vênia marital. É nula a fiança dada sem autorização do cônjuge. Pode-se convalidar o negócio oferecendo-se a autorização posterior.

Incapaz obviamente não pode ser fiador.

Quem decide se alguém será fiador ou não é o credor.

 

Efeitos da fiança

O principal é o benefício de ordem: prerrogativa conferida ao fiador de exigir que os bens do devedor principal sejam excutidos (executados) antes dos seus. Art. 827: “O fiador demandado pelo pagamento da dívida tem direito a exigir, até a contestação da lide, que sejam primeiro executados os bens do devedor.

Parágrafo único. O fiador que alegar o benefício de ordem, a que se refere este artigo, deve nomear bens do devedor, sitos no mesmo município, livres e desembargados, quantos bastem para solver o débito.

Há um contrato de empréstimo de R$ 30 mil. O devedor não pagou. O credor ajuizará primeiramente contra o devedor. Descobrindo que não pode executá-lo, ajuíza então contra o fiador. Ou então no mesmo processo, especificando a ordem na petição inicial. Só que, em 90% dos casos, como o fiador pode abrir mão do benefício de ordem 1, ele o faz. Fazendo isso, ele está sinalizando que poderá ser cobrado primeiro! A obrigação, que deveria ser subsidiária, passa a ter ordem diversa. O contrato pode dizer: “o fiador se obriga como devedor principal.” Ou então “o fiador se obriga como devedor solidário”.

Art. 828: “Não aproveita este benefício ao fiador:

I – se ele o renunciou expressamente;

II – se se obrigou como principal pagador, ou devedor solidário;

III – se o devedor for insolvente, ou falido.

Na terceira hipótese, ele não abre mão, mas uma sentença declarando a situação de falência ou insolvência é necessária. Excepcionalmente neste caso pode-se cobrar diretamente do fiador.

 

Solidariedade dos cofiadores

Podemos ter vários fiadores, três, digamos. A, B e C. Primeiro caso: se a fiança for prestada por dois ou mais fiadores, sem especificar a parte da dívida de cada um, a lei determinará que será caso de solidariedade. Art. 829: “A fiança conjuntamente prestada a um só débito por mais de uma pessoa importa o compromisso de solidariedade entre elas, se declaradamente não se reservarem o benefício de divisão.

Parágrafo único. Estipulado este benefício, cada fiador responde unicamente pela parte que, em proporção, lhe couber no pagamento.

Fizemos um contrato de fiança, estabelecendo que um fiador é A, outro é B e outro é C. A dívida é de 30 mil. Quanto A, B ou C terão que pagar? A deverá pagar 30 ou 10 mil? Terá que pagar 30 mil para o credor. Todas as situações são possíveis, já que há três fiadores e não está especificada a parte de cada um na dívida. O credor só não poderá receber 30 mil de cada, é claro. Se todos tiverem dinheiro para pagar, o credor poderá “retirar” 10 mil de cada um.

Agora vamos a algumas situações complicadoras: C está quebrado, então as partes avençam que serão devidos R$ 15 mil de A e R$ 15 mil de B. No entanto, B só tem R$ 5 mil. então a obrigação será de 5 mil dele, 0 de C e 25 mil de A, totalizando os 30 mil. Imaginem ainda que foram cobrados em juízo R$ 30 mil de A. Ele pode ter sido descuidado de ter feito uma fiança, mas agora ele acordou para a vida. Ficará ele no prejuízo depois de ter pagado R$ 30 mil? Não, ele poderá ajuizar ação de regresso. A lei reza que o direito à ação de regresso é contra o devedor; quem deve é ele. A pagou no lugar do devedor, na verdade. Jurisprudencialmente, temos decisões em que o fiador é bem sucedido em ação de regresso contra outros fiadores. Não há lei, contudo.

E quanto A poderá pedir de reembolso de B, C e o devedor? Somente 10 mil de B. Do devedor principal, ele poderá pedir os 30 mil.

Segunda situação: o fiador C falou: “posso fiar até R$ 5 mil. B, por sua vez, dispôs-se a fiar até 10 mil. A ficou com a sobra, que são R$ 15 mil. Se o devedor não pagou, o credor poderá cobrar somente 15 de A, 10 de B e 5 de C. Se A pagar a totalidade (30 mil), ele não terá chances de receber de B e C; ele terá que ir atrás do devedor principal.

Art. 830: “Cada fiador pode fixar no contrato a parte da dívida que toma sob sua responsabilidade, caso em que não será por mais obrigado.

Leiam os outros artigos sobre fiança.

 

Obrigações do fiador

  1. Qual é a primeira? Pagar a dívida. Claro, é a isso que ele se obrigou;
  2. Pagar juros, despesas judiciais, todos os gastos do contrato.

Observação: art. 836: “A obrigação do fiador passa aos herdeiros; mas a responsabilidade da fiança se limita ao tempo decorrido até a morte do fiador, e não pode ultrapassar as forças da herança.” O contrato é personalíssimo, mas a obrigação de pagar se transmite aos herdeiros até o limite da herança. Fiz um contrato de fiança em 2008 para valer até 2011. Morri em 2010. Tudo que for devido até esse momento deverá ser pago pelos meus herdeiros. Um contrato de locação, por exemplo. Da morte para frente, o contrato se extingue. Eles não precisarão continuar sendo fiadores até o final do prazo avençado. A obrigação de pagar existe, mas o contrato não mais.

 

Direitos do fiador

  1. Ação regressiva contra o afiançado, com perdas e danos, juros e quaisquer outros prejuízos;
  2. Promover andamento da ação executiva iniciada contra o devedor quando o credor, sem justa causa, demorar ou parar sua promoção. Art. 834: “Quando o credor, sem justa causa, demorar a execução iniciada contra o devedor, poderá o fiador promover-lhe o andamento.” Credor ajuizou execução contra o devedor. Quem será o maior prejudicado será o fiador em caso de mora do devedor, então ele terá o direito de dar andamento a essa ação. Às vezes o atraso e a demora do devedor fazem com que a dívida aumente e ele não possa pagar.
  3. Exonerar-se da fiança a qualquer tempo, desde que tenha assinado sem limitação de tempo (art. 835) ficando apenas obrigado aos efeitos anteriores à exoneração. Exceto em contratos de locação de bens imóveis;

 

Extinção do contrato de fiança

  1. Primeira forma é, por ser acessório, pela extinção da obrigação principal;
  2. Pelo fim do prazo determinado. Contudo, com a alteração na lei do inquilinato, se o contrato se renovar por tempo indeterminado, a fiança também se renovará;
  3. Morte do fiador. Extingue o contrato de fiança, mas não a obrigação principal;
  4. Quarta causa é a do art. 838: “O fiador, ainda que solidário, ficará desobrigado:
  5. Por último, retardamento do credor na execução se tal retardamento resultar na impossibilidade de se cobrar a dívida do devedor. Exemplo: o fiador prova que os bens indicados na ação do credor contra o devedor eram suficientes para pagamento da dívida. Em função do retardamento, o devedor se desfez deles, e agora não são mais suficientes. Como isso também pode ser feito dolosamente, numa eventual situação em que o devedor convença o credor a “dar um tempo” para que aquele dilapide seu patrimônio, o legislador exime, com esse fato, o fiador de sua obrigação.

Ensinamento maior desta aula: NÃO FAÇAM FIANÇA.


  1. Se celebrar um contrato de fiança já é uma ideia estúpida, imaginem celebrar e abrir mão do benefício de ordem!
  2. Aqui acaba nossa matéria de Direito Civil IV – Contratos. :(