Contrato de trabalho e contrato de prestação de serviço
A primeira coisa que temos que entender sobre a prestação é a
diferença dela para o contrato de trabalho, que é onde mora todo o problema do
assunto.
O que caracteriza o contrato de trabalho no
Direito do Trabalho? Se caracterizamos uma relação como contrato de
trabalho, quais direitos
incidirão? Os mais típicos direitos são o 13º salário, horas extras,
férias. Na
prestação de serviços não temos tais direitos. É por causa disso que
muitas
vezes o prestador quer ser caracterizado como empregado, para ter
direito a
isso tudo.
Raramente ou nunca veremos um empregado querendo
caracterizar o que ele faz como prestação de serviços, mas sim o contrário. O
prestador é quem pleiteará o reconhecimento do vinculo de emprego. O advogado
de um alegará existência de vínculo, e o advogado da parte contrária alegará
negativa de vínculo. A primeira coisa que será analisada, portanto, são os
caracteres para então averiguar a existência de vínculo. Se houver vinculo
empregatício, o regramento deve ser buscado na CLT e a justiça competente é a justiça
do trabalho. Se não, usamos o Direito Comum (Direito Civil, regulado
principalmente no Código Civil) e busca-se a justiça comum.
O contrato de trabalho pressupõe uma continuidade. Já na prestação de serviços o prestador pode fazer
uma coisa e nunca mais reaparecer. Na prestação de serviço, portanto, não há
continuidade, a atividade é esporádica. Pode haver a continuidade, é claro. Posso
precisar chamar novamente aquele sujeito que um dia foi lá em casa desentupir o
vaso sanitário caso eu abra uma escolhinha de crianças e elas tenham aprendido
que a diversão da hora é jogar o sabonete no vaso. Mas é uma continuidade
relativa, uma continuidade circunstancial, que não tem que existir necessariamente.
Na prestação de serviço, portanto, não há continuidade.
Dependência econômica:
o empregado, de certa forma, depende economicamente do contrato, e conta com
aquele dinheiro no final do mês. Mesmo quem percebe R$ 80 mil numa empresa
privada conta com esse dinheiro para pagar suas obrigações mensais, mesmo que
haja outras fontes de renda. Dependência econômica, nesse sentido de contar com
aquela renda, caracterizará o contrato de trabalho.
O prestador de serviço não tem dependência econômica de
determinado serviço prestado. O homem que foi em minha casa ontem nem sabia que
iria, e não poderia contar com esse dinheiro para pagar alguma conta ou ter sua
subsistência. Eu poderia aparecer na vida dele ou não. Se não acontecesse, ele
iria arrumar outro tomador para aquela hora. Não há dependência econômica na
prestação de serviço, portanto.
Cuidado: na verdade, os prestadores de serviços em geral
dependem sim, economicamente, da atividade que realizam para sobreviver, mas
não é o caso da dependência econômica aqui. A dependência econômica tratada
nesta diferenciação entre o contrato de prestação de serviço e o contrato de
trabalho é para com a relação firmada entre o prestador e o tomador, que
inexiste na prestação de serviços (mas existe na relação de emprego), e não
para com a atividade desenvolvida em si. Em outras palavras, o prestador
depende de seu ofício para viver, mas não da relação que ele tem com o tomador.
O empregado, por outro lado, depende de seu trabalho e também da relação que tem para com o empregador.
Subordinação: no
contrato de trabalho, há uma subordinação. Imagine que lá em casa eu “emprego”
uma cozinheira (as aspas são porque ainda não precisamos, ao certo, se ela é
mesmo uma empregada ou só uma prestadora.) Ela está subordinada a mim porque sou
eu quem dito as regras do trabalho, eu digo a hora em que ela vai embora, o que
ela vai preparar para o almoço de amanhã, assim, dizemos que eu organizo e
mando no trabalho dela. Posso inclusive ordenar que ela não utilize coentro na
rabada na próxima vez.
Na prestação de serviço, a subordinação é pequena. Não que não exista, mas é menor
do que na relação empregatícia. Vamos lembrar do moço que foi lá em casa consertar
o sanitário. A ingerência quanto ao horário de chegada fica mais a cargo dele. Há concordância das partes quanto
ao quesito do horário, mas há mais flexibilização do que numa relação de
emprego. Por exemplo: quando ligo e peço que ele compareça às 10 horas da
manhã, ele pode responder dizendo que não poderá, mas que poderá vir às 3 da
tarde. Assim concordamos. Não posso, por outro lado, exigir que ele fique “pelo
menos duas horas” lá em casa, mas sim o tempo necessário para a realização do
serviço. Também não posso palpitar sobre como
fazer o trabalho, até porque não tenho a mínima ideia de como ele é feito. Marco
a data, mas não há uma subordinação completa.
Observação: o termo mais correto para usarmos quando nos
referimos à não continuidade no contrato de prestação de serviço, na verdade, é
“eventual” e “esporádica”. Não deixa de estar certo falar em continuidade. Isso para a prestação de serviço.
Outra diferença entre o contrato de trabalho e o contrato de
prestação de serviços é que o primeiro é regido pela CLT, enquanto a prestação
de serviço é regida pelo Código Civil. Em função disso que saberemos os
direitos atinentes a cada modalidade de relação: férias, 13º salário, horas
extras, adicional noturno, etc.
Contrato de trabalho |
Prestação de serviços |
Continuidade |
Não há continuidade |
Dependência econômica |
Não há dependência econômica |
Subordinação |
Pequena subordinação |
Rege-se pela CLT |
Rege-se pelo Código Civil |
Daí incidirão os direitos trabalhistas como férias, horas extras, 13º
salário, adicional noturno, adicional de insalubridade, etc. |
Não incidem direitos trabalhistas |
No quadro acima, alguns autores, em vez de dizer que há
“pequena subordinação”, dizem que há “relativa subordinação”. A professora
prefere a primeira expressão pois, ao se dizer que ela é relativa, pode-se
entender que, na verdade, não há nenhuma.
Pois bem. Na teoria é tudo lindo e fácil assim. E na
prática? É nela que se instalarão as dores de cabeça. Pensem, por exemplo, na
figura da passadeira, que muitos
contratam na condição de doméstica, enquanto outros contratam na condição de prestadora
de serviços. Digamos que um tomador (ou empregador, não sabemos ainda)
contrata-a para que ela compareça às quartas-feiras em sua casa para executar o
serviço. O que ela é, afinal? Empregada? Prestadora de serviços? Vejam bem:
normalmente, pela natureza do trabalho, este é tratado como uma prestação de
serviço. Mas ela está lá todas as quartas-feiras! Daí, mesmo que não seja um
trabalho diário, ele já é não eventual.
Ao mesmo tempo, ela conta com aquele dinheiro, então há dependência econômica. É subordinada,
já que também tenho o direito de dizê-la como ela deverá passar as roupas. Notaram
os caracteres? Neste caso, devemos ir para a CLT, e não para o Código Civil. Nessa
relação há a continuidade, a dependência econômica e subordinação, sem contar
que ambos os contratos são pessoais (intuitu
personae, daí prestados por pessoa física, em conformidade com o art. 3º da
CLT). Então, ela deveria ter um contrato de trabalho. Não terá direito a hora
extra, mas férias e carteira assinada sim. A maioria das brigas, portanto, é
para aferir a existência de vínculo.
Nada impede, entretanto, que aquele tomador tenha uma empregada
que é meramente prestadora, como na ocasião em que a empregada doméstica dele vai
embora, e ele precisa de algo urgente. A tarefa do juiz não é fácil. Pode ser
que alguns requisitos sejam satisfeitos, outros não. Na dúvida, o juiz
interpreta como um contrato de trabalho, já que o princípio da
proteção do Direito do Trabalho manda que, em havendo duas interpretações
possíveis, deve-se usar a que mais favoreça o empregado.
Observação: a pessoalidade é fundamental para a
caracterização de qualquer um destes dois contratos.
Na prática, tudo é confuso e requer prova.
Natureza jurídica do
contrato de prestação de serviço
Objeto do contrato de
prestação de serviço
É uma obrigação de fazer. Art. 601: “Não sendo o prestador de serviço contratado para certo e determinado
trabalho, entender-se-á que se obrigou a todo e qualquer serviço compatível com
as suas forças e condições.”
Contratei alguém para fazer algo. E se eu não falar para que eu contratei? Há professores de
uma escola que são obrigados a vender cachorro quente na festa junina. Pode? Não.
A não ser que o contrato de trabalho na área de ensino também especifique a
ocasião das festas extraordinárias. Há Universidades, também, que obrigam que
cada professor tenha pelo menos cinco orientandos. Mas o que diz o art. 601?
Quando a pessoa não é contratada para certo e determinado trabalho, ela precisa
fazer tudo que é compatível com suas forças e condições. Para entender essa
compatibilidade, veja este exemplo: vou dar uma festa na minha casa. O marido
da minha empregada, que apareceu dias antes para buscá-la, pode ser contratado
para “me ajudar”. Encher balão, lavar prato, recepcionar as pessoas, até mesmo
fazer um serviço de manobrista, o que é compatível com as forças e com as
condições. E o sujeito que é contratado como motorista? A atividade dele pode abranger,
além de dirigir, fazer uma compra no mercado, ficar esperando alguém sair do
trabalho, etc. Não há afronta.
Exemplo de atribuição que estaria em desacordo com as forças
e condições seria pedir que o sujeito que ficou de me ajudar com serviços
gerais na festa manobre um carro mas, em não sabendo ele dirigir, eu pedir que
ele levante o carro e jogue exatamente na vaga. Ou então prestador que é
contratado para, durante uma semana, enquanto não consigo um novo empregado,
fazer serviços manuais de informática, como digitalização de documentos ou
atualização de dados em planilhas no Excel. O prazo que tenho para terminar um
projeto pode ser, por algum motivo, antecipado, e, nisso, realoco o prestador
na “adaptação das linhas de comando das macros do Word via Visual Basic for
Applications”. Isso certamente é um serviço que ultrapassa as condições daquele
prestador.
Remuneração
Em regra, se dá em dinheiro. Pode ser feito de forma
diferente? Posso pagar com alimento, roupas, moradia? Sim, desde que não seja para o trabalho, mas sim pelo trabalho. Preço embutido não é
considerado gratuito. Exemplo: “compre um som e a instalação é grátis!”
Não pode ser gratuito. Nem mesmo em caso de gratidão. Quem
busca pessoas para trabalho gratuito deve ser preso por crime de redução a condição
análoga à de escravo. A retribuição, na lei civil, está regulada no art. 596: “Não se tendo estipulado, nem chegado a
acordo as partes, fixar-se-á por arbitramento a retribuição, segundo o costume
do lugar, o tempo de serviço e sua qualidade.” O preço será arbitrado de
acordo com o lugar. O tempo, os costumes, o que foi feito, comparação com outra
pessoa em situação semelhante, só não poderá o prestador ficar sem pagamento.
Art. 594: “Toda a
espécie de serviço ou trabalho lícito, material ou imaterial, pode ser
contratada mediante retribuição.” Se não houver retribuição, será outra
coisa, nunca prestação de serviços. Doação de serviços? Não existe essa
expressão. Não se trata de doação nem de prestação de serviços.
Art. 603: “Se o
serviço for prestado por quem não possua título de habilitação, ou não
satisfaça requisitos outros estabelecidos em lei, não poderá quem os prestou
cobrar a retribuição normalmente correspondente ao trabalho executado. Mas se
deste resultar benefício para a outra parte, o juiz atribuirá a quem o prestou
uma compensação razoável, desde que tenha agido com boa-fé.
Parágrafo único. Não
se aplica a segunda parte deste artigo, quando a proibição da prestação de
serviço resultar de lei de ordem pública.”
Caput: comprei um
apartamento e, para arrumar as instalações, chamei um eletricista. Quando
cheguei na futura casa depois da prestação, nada funcionava direito. Na
verdade, o sujeito não era eletricista, mas o pai dele o havia ensinado tudo.
Então, acerto um pagamento inferior pelo serviço que não foi o que eu esperava.
Ele estava de boa-fé, na verdade. Algum serviço ele prestou. É a típica
situação do art. 606. Um serviço ou outro não teve que ser refeito.
Duração do contrato
de prestação de serviço e aviso prévio
A prestação de serviços não pode ser convencionada por mais
de quatro anos. É o art. 598: “A
prestação de serviço não se poderá convencionar por mais de quatro anos, embora
o contrato tenha por causa o pagamento de dívida de quem o presta, ou se
destine à execução de certa e determinada obra. Neste caso, decorridos quatro
anos, dar-se-á por findo o contrato, ainda que não concluída a obra.”
Contrato alguém para certa obra. Posso renovar, claro. Não
confunda com empreitada, que vamos ver na aula que vem. O contrato de empreitada
mistura um monte de regras com a prestação de serviço.
E se fiz um contrato de prestação de serviço por cinco anos?
O contrato é nulo? Houve renovação tácita? Não, a renovação não pode ser
tácita. Somente o excesso será nulo. A renovação tem que ser expressa, não
necessariamente escrita, mas nunca automática. E é nulidade absoluta mesmo, com
um regramento diferente do contrato de trabalho por prazo determinado que vem a
se prolongar indefinidamente, além do prazo máximo permitido para renovação.
Lá, o novo contrato de trabalho por prazo determinado é nulo, mas essa nulidade
não exime o empregador da responsabilidade de pagar o empregado. Aqui não. Todo
o valor devido poderá ser pedido de volta, com atualizações, se o prestador continuar
trabalhando.
Aviso prévio: significa aviso anterior à extinção do
contrato. O art. 599 fala especificamente do aviso: “Não havendo prazo estipulado, nem se podendo inferir da natureza do
contrato, ou do costume do lugar, qualquer das partes, a seu arbítrio, mediante
prévio aviso, pode resolver o contrato.
Parágrafo único.
Dar-se-á o aviso:
I – com antecedência
de oito dias, se o salário se houver fixado por tempo de um mês, ou mais;
II – com antecipação
de quatro dias, se o salário se tiver ajustado por semana, ou quinzena;
III – de véspera,
quando se tenha contratado por menos de sete dias.”
Estamos falando, portanto, de contrato sem prazo estipulado.
É o caso da passadeira que faz trabalho de prazo indeterminado. Se pago todo
mês, tenho que avisar oito dias antes. Se pago semanalmente, terei que avisá-la
quatro dias antes. E no dia anterior, caso por prazo inferior a sete dias.
Art. 602: “O prestador
de serviço contratado por tempo certo, ou por obra determinada, não se pode
ausentar, ou despedir, sem justa causa, antes de preenchido o tempo, ou
concluída a obra.
Parágrafo único. Se se
despedir sem justa causa, terá direito à retribuição vencida, mas responderá
por perdas e danos. O mesmo dar-se-á, se despedido por justa causa.”
Este artigo tem grandes chances de ser cobrado em prova. Poderei pedir indenização para
aquele que abandonar o serviço sem justa causa. Parágrafo único: só se pagará o
que já foi feito. Contratei para 30 dias, e acertei com o prestador que pagarei
semanalmente, por exemplo, R$ 100,00. Ainda que a determinação tenha sido
semanal, posso acertar que pagarei no final do mês. No 15º dia, ele resolve
sair. Terei que pagar os 15 dias já trabalhados, portanto R$ 200,00. Mas
poderei exigir perdas e danos se eu comprovar prejuízo em função daquilo que
deixou de ser feito.
E se a dispensa tiver sido por justa causa? Terei que pagar
o que já foi feito, mas também poderei pedir as perdas e danos pelo mesmo
motivo acima. É o parágrafo único.
Art. 603: “Se o
prestador de serviço for despedido sem justa causa, a outra parte será obrigada
a pagar-lhe por inteiro a retribuição vencida, e por metade a que lhe tocaria
de então ao termo legal do contrato.”
Vamos traduzir: por inteiro a retribuição vencida, e por
metade o que lhe tocaria de então ao termo legal. Mandei o sujeito embora exatamente
na metade do tempo para o qual ele foi contratado, por algum motivo não
razoável. O que terei que pagá-lo? R$ 300,00. Por quê? R$ 200,00 dos 15
primeiros dias trabalhados, e, como faltavam mais 15, ele receberia mais R$
200,00, mas deverei pagá-lo a metade do valor que ele perceberia caso tivesse
continuado trabalhando, portanto, R$ 100,00, totalizando R$ 300,00. É a prestação
vencida, de R$ 200,00, mais o correspondente à metade do tempo que faltava, ou
seja, R$ 100,00.
Art. 604: “Findo o
contrato, o prestador de serviço tem direito a exigir da outra parte a
declaração de que o contrato está findo. Igual direito lhe cabe, se for
despedido sem justa causa, ou se tiver havido motivo justo para deixar o
serviço.”
Quem prestou o serviço terá direito de obter declaração do
tomador de que o serviço foi feito e está terminado. O patrão terá a obrigação
de emitir a declaração.
Também poderá exigir a declaração caso tenha sido abandonado
sem justa causa, ou se tiver havido motivo justo para deixar, como quebrar a
perna.
Extinção do contrato
de prestação de serviços
Como se extingue o contrato?