Definição
Todos nós temos noção do que seja uma doação. Mas vamos começar
lendo o art. 538: “Considera-se doação o
contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens
ou vantagens para o de outra.”
Um transfere vantagens e outro aceita. Pergunta número 1:
precisa de aceitação? Sim.
As partes são o
doador e o donatário.
Requisitos da doação
São três, sem os quais não haverá doação.
Prazo para aceitação
Art. 539: “O doador
pode fixar prazo ao donatário, para declarar se aceita ou não a liberalidade.
Desde que o donatário, ciente do prazo, não faça, dentro dele, a declaração,
entender-se-á que aceitou, se a doação não for sujeita a encargo.”
Às vezes, a lei dá valor ao silêncio, como diz o art. 111. “O silêncio importa anuência, quando as
circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de
vontade expressa.”
Se Adriana me oferece seu carro em doação, me dando três
horas para pensar, permanecendo eu hesitante, ao acabar o prazo, significa que
aceitei, ainda que eu não tenha dito “sim”.
É possível doação a nascituro? Sim. Quem aceita é o
representante legal. E se o indivíduo “nascer morto”? A doação não acontece. É
uma condição suspensiva. O que acontece, então? Não pode haver doação se não há
quem receba. E se nascer, respirar e morrer? Aí sim ele terá adquirido
personalidade jurídica, e a herança irá para os herdeiros: os pais.
E doação a incapaz? A lei especificamente prevê, no art.
543, que “Se o donatário for
absolutamente incapaz, dispensa-se a aceitação, desde que se trate de doação
pura.”
Classificação
(natureza jurídica) da doação
É um contrato unilateral ou bilateral? Unilateral, em regra, pois só uma das partes tem obrigação.
Oneroso ou gratuito? Gratuito.
Uma das partes apenas que sofrerá perda patrimonial.
Consensual ou real? Já existe contrato de doação quando o
donatário imediatamente aceita? Sim. O doador tem a obrigação de entregar. É consensual, portanto. Porém, o contrato
tem que ser feito por escrito. Não terá validade o contrato de doação feito sem
documento escrito. Perfaz-se com a aceitação.
Solene ou não solene? Se precisa ser feito por escrito,
existe uma solenidade, então é solene,
de acordo com o art. 541. Excetuando bem móvel de pequeno valor. Para que serve
essa solenidade? Para dar seriedade ao ato. É para evitar doações feitas sob
grande emoção, como por aquele que acaba de ter sido salvo de um atropelamento.
Típico ou atípico? É típico
e nominado. Tem previsão legal e denominação.
Paritário ou de adesão? A professora entende que não há
impossibilidade de haver doação como contrato de adesão, porém absolutamente
não é uma coisa comum. Paritário,
portanto. Contratos de adesão são feitos em massa, então a modalidade não
combina com a doação, pois seria extremamente oneroso para o doador. Em sentido
contrário, Pablo Gagliano & Rodolfo Pamplona classificam o contrato de
doação como de adesão, pois não há
possibilidade de o donatário ter parte na negociação que resultará na forma
final (objeto) da doação.
De execução diferida ou instantânea? Em regra, instantânea,
mas também poderá ser diferida ou com duração.
É pessoal ou impessoal? Impessoal,
pois somente interessa o resultado da avença.
Principal ou acessório? Em regra, principal.
Comutativo ou aleatório? Essa classificação não é
aplicável,
defendem os mesmos autores. Isso porque é unilateral quanto aos
efeitos. Também não se aplica a classificação quanto à duração, pois a
doação se perfaz com a declaração de vontade, se exaure com a tradição
e o estado das coisas deverão ficar assim para sempre. Dizer que a
doação "vale por prazo indeterminado" é admitir a possibilidade do
retorno ao status quo ante mesmo que a doação tenha sido extinta pela
sua natureza execução, ou seja, sem que tenha ocorrido nenhuma das
hipóteses de ingratidão do donatário ou inexecução do encargo ¹.
Espécies de doação
Primeira doação que veremos é a doação pura. É a doação que trata de
mero benefício ao donatário e o doador (devedor) é movido por pura
liberalidade. É a doação sem porquê. O doador não tem motivo específico
para fazê-la. O donatário pode até merecer.
Doação remuneratória: remunerar é pagar. Essa é a ideia: de
um pagamento. Mas não deixa de ser doação. É
aquela feita com o objetivo de pagar um serviço prestado pelo donatário mas
cujo valor não poderia ter sido cobrado.
Quando você vai ao médico que é seu amigo, ele pode
trabalhar sem cobrar. Poderia ter cobrado. Normalmente médico não cobra de
médico. É o caso daquele que dá dinheiro para quem troca seu pneu, ou o
bombeiro que tira o gato da árvore. O bombeiro mesmo não poderia cobrar porque
ele já recebe do Estado.
“Procura-se cão e paga-se recompensa”: chama-se contrato de
recompensa? Não, é uma doação remuneratória.
Doação com encargo:
também chamada de “doação gravada por encargo”. É aquela que se impõe ao donatário uma contraprestação que ele deve
cumprir e que resulte em uma vantagem para o doador ou para terceiro.
Exemplo: eu acho que o UniCEUB é uma excelente faculdade, então
doo R$ 500 mil à instituição, mas quero que, em contraprestação, ela doe 50
bolsas para carentes durante dois anos. A vantagem não é para mim, mas para
terceiros.
Outro exemplo: quer meu carro? Sim? Muito bem, desde que
você leve a vovó para o médico todos os dias, durante cinco anos, às 6:15 da
manhã. É um encargo.
As bolsas que o CEUB dará valem um total de R$ 200 mil. A
lei determina que essa diferença (entre os 500 mil doados por mim e os 200 mil
gastos pela faculdade) é considerada doação
pura. Dessa forma, até o montante do encargo, a doação é considerada onerosa. Cabe evicção, vício
redibitório, e tudo que for atinente a contrato oneroso. Quanto à diferença, já
que trata-se de doação pura, não caberá nada disso.
Aceitei o carro com aquele encargo. O motor fundiu depois de
seis meses. Não existe arrependimento, pois assumi o compromisso. Imagine que o
valor do carro doado era de R$ 10.000,00, portanto essa foi a perda patrimonial
experimentada pelo doador(a). Como é que o juiz quantificará meu trabalho de
levar a vovó da vendedora para o médico? Imagine que o juiz arbitre em R$
3.000,00. Os outros R$ 7.000,00 serão encarados como doação pura.
A troca do motor custou R$ 4.000,00. É um vício redibitório,
que é ocorrência possível em contrato oneroso, como a doação com encargo. Como
funcionará o pagamento desses 4 mil? À conta de quem eles correrão? Veja bem:
recebi um carro em doação com encargo. Neste caso, o contrato se tornou parcialmente
oneroso, exatamente até os R$ 3 mil arbitrados pelo juiz que corresponderiam ao
valor da tarefa de levar, todos os dias, a avó da doadora ao médico. Como é
oneroso, a doadora responderá pelos vícios redibitórios. Mas o valor do
conserto foi de R$ 4.000,00. Assim, até o limite de R$ 3.000,00 a doadora responderá
pelo vício redibitório. Os R$ 1.000,00 restantes correrão por minha conta. Cairá em prova uma questão com uma situação dessa.
Doação em forma de
subvenção periódica
É aquela em que
parcelas periódicas são pagas ao donatário pelo doador. Resolvi fazer uma
doação de pagar todo mês, até o final do ano, a mensalidade do Lucas aqui na
faculdade.
Atenção: extinção da subvenção periódica: se extinguirá com
a morte do doador se não for convencionado o contrário. Jamais poderá
ultrapassar a vida do donatário. Exemplo: estou pagando o aluguel da vizinha.
Se eu morro, em nada sendo convencionado, extinto está o contrato de doação em
forma de subvenção periódica. Posso convencionar de a obrigação ser transmitida
aos meus herdeiros. É personalíssima para o donatário. Se convencionarmos a continuidade
da prestação depois de minha morte, este será um novo contrato. Os herdeiros
terão a obrigação até o limite da parte do espólio que couber a cada um.
Doação “propter nuptias”
É aquela feita em
contemplação de casamento futuro com certa e determinada pessoa. A mãe tem
um filho de 38 anos que não casa, não gosta de trabalhar e tem até má fama.
Desesperada com a “mora” desse filho, conhecido na vizinhança como “Bruninho”, dona
Talissa, sua mãe, propõe a Natasha, mulher da comunidade que também estava
ficando para tia que, se ela se casar com Bruninho, receberá uma doação.
Se casaram, e logo em seguida se separaram, não há problema:
o único requisito era que se casassem. Entretanto, se o casamento for anulado, aí
não haverá doação. Se a promessa for simplesmente “casar”, não será uma doação propter nuptias. A doação tem que ser a
pessoa específica. É uma doação subordinada a uma condição suspensiva, assim
como a doação a nascituro. Já caiu em concurso:
quais as doações subordinadas a condição suspensiva? Resposta: doação a
nascituro e doação propter nuptias.
Doação com cláusula
de retorno
Eu tenho uma vizinha boazinha, mas ela vive com dificuldades,
e os filhos dela são um inferno. Detestam-na. Fiquei com pena. Posso comprar a
casa dela e doá-la para a própria vizinha com cláusula de retorno: aquela que trata da volta ao patrimônio do
doador dos bens doados, caso este sobreviva ao donatário.
Vamos entender. Doei a casa para Dona Maria com cláusula de
retorno. Se ela morrer antes de mim, a casa voltará para meu domínio. Essa foi
a convenção. E se eu, o doador morrer antes? O domínio se resolve. É portanto uma
condição resolúvel. Fiz isso porque odeio os filhos dela, e não quero que eles
se tornem proprietários. Cuidado, isso pode ensejar seu homicídio, já que, se o
doador morrer antes do donatário, a propriedade se resolve, e os filhos se
tornarão herdeiros naturalmente. Basta um pouco de olho gordo da parte deles.
Doação de pais para
filhos
Temos algumas regras:
Doações de pais para filhos são consideradas adiantamento do que lhes cabe de herança.
Isso quer dizer que: tenho casa A, casa B, apartamento C, loja D, E, F, G. Esse
é o universo de meus bens. Posso pegar um dos meus filhos e doar para ele um de
meus imóveis. Quando eu morrer, o bem voltará à colação, para que a partilha
final seja feita depois. Ele não será garantidamente o proprietário definitivo
daquele imóvel depois da partilha, mas terá preferência, quando chegar o derradeiro
momento.
No universo de meus bens, 50% é a parte indisponível, que
terei que reservar para meus herdeiros necessários. Os outros 50% posso doar
para a Sociedade Protetora do Rabo das Cobras. Se posso doar para a Sociedade
Protetora do Rabo das Cobras, por que eu não poderia doar para um dos filhos?
Posso doar para aquele filho, deixando claro, no termo da doação, que ela é proveniente
da parte disponível, portanto não
voltará à colação.
Vejam a situação: o conjunto de imóveis e estabelecimentos comerciais acima, que me pertencem, vale um total de R$ 6 milhões. Posso, em vida, doar um imóvel para um de meus filhos, e especificar, no instrumento de doação, que aquele imóvel é proveniente da parte disponível da herança. Assim, desde que com boa-fé, é possível “dilapidar” o patrimônio em favor de um dos descendentes dentro da legalidade, até estourar o limite da parte disponível. Assim, não poderei doá-lo, ao longo dos anos, mais de R$ 3 milhões em bens imóveis pois 3 milhões é o limite da parte disponível da herança. Na verdade, eu posso doar exatamente R$ 3 milhões em bens, e, caso eu tenha outros 5 filhos, totalizando 6, cada um terá direito a R$ 500 mil da parte indisponível da herança. Portanto, na melhor das hipóteses, poderei doar R$ 3,5 milhões para aquele filho. As coisas poderão se operar assim.