Direito Civil

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Doação


 

Definição

Todos nós temos noção do que seja uma doação. Mas vamos começar lendo o art. 538: “Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra.

Um transfere vantagens e outro aceita. Pergunta número 1: precisa de aceitação? Sim.

As partes são o doador e o donatário.

 

Requisitos da doação

São três, sem os quais não haverá doação.

  1. Que a coisa doada esteja no comércio e possa ser disposta. Claro que não é porque é doação que eu posso doar os grãos de areia da praia. A cadeira aqui da sala também não está à venda.
  2. A coisa doada tem que ser lícita. É um requisito do próprio art. 104. Exemplo: doação de caixa de lança-perfume. É importante saber porque existem, na prática, alguns pedidos bem “excêntricos”.
  3. Muito importante é o terceiro requisito: a doação tem que ser feita por escrito. Veja o art. 541: “A doação far-se-á por escritura pública ou instrumento particular [...].” A forma é escrita, portanto. É um contrato formal. Sem ser feita por escrito, a doação não terá validade. Excetuando o caso do parágrafo único: “A doação verbal será válida, se, versando sobre bens móveis e de pequeno valor, se lhe seguir incontinenti a tradição.” Incontinenti quer dizer “logo em seguida”. O que é pequeno valor? Aqui mora o problema. É o que será apreciado pelo juiz.

 

Prazo para aceitação

Art. 539: “O doador pode fixar prazo ao donatário, para declarar se aceita ou não a liberalidade. Desde que o donatário, ciente do prazo, não faça, dentro dele, a declaração, entender-se-á que aceitou, se a doação não for sujeita a encargo.

Às vezes, a lei dá valor ao silêncio, como diz o art. 111. “O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa.

Se Adriana me oferece seu carro em doação, me dando três horas para pensar, permanecendo eu hesitante, ao acabar o prazo, significa que aceitei, ainda que eu não tenha dito “sim”.

É possível doação a nascituro? Sim. Quem aceita é o representante legal. E se o indivíduo “nascer morto”? A doação não acontece. É uma condição suspensiva. O que acontece, então? Não pode haver doação se não há quem receba. E se nascer, respirar e morrer? Aí sim ele terá adquirido personalidade jurídica, e a herança irá para os herdeiros: os pais.

E doação a incapaz? A lei especificamente prevê, no art. 543, que “Se o donatário for absolutamente incapaz, dispensa-se a aceitação, desde que se trate de doação pura.

 

Classificação (natureza jurídica) da doação

É um contrato unilateral ou bilateral? Unilateral, em regra, pois só uma das partes tem obrigação.

Oneroso ou gratuito? Gratuito. Uma das partes apenas que sofrerá perda patrimonial.

Consensual ou real? Já existe contrato de doação quando o donatário imediatamente aceita? Sim. O doador tem a obrigação de entregar. É consensual, portanto. Porém, o contrato tem que ser feito por escrito. Não terá validade o contrato de doação feito sem documento escrito. Perfaz-se com a aceitação.

Solene ou não solene? Se precisa ser feito por escrito, existe uma solenidade, então é solene, de acordo com o art. 541. Excetuando bem móvel de pequeno valor. Para que serve essa solenidade? Para dar seriedade ao ato. É para evitar doações feitas sob grande emoção, como por aquele que acaba de ter sido salvo de um atropelamento.

Típico ou atípico? É típico e nominado. Tem previsão legal e denominação.

Paritário ou de adesão? A professora entende que não há impossibilidade de haver doação como contrato de adesão, porém absolutamente não é uma coisa comum. Paritário, portanto. Contratos de adesão são feitos em massa, então a modalidade não combina com a doação, pois seria extremamente oneroso para o doador. Em sentido contrário, Pablo Gagliano & Rodolfo Pamplona classificam o contrato de doação como de adesão, pois não há possibilidade de o donatário ter parte na negociação que resultará na forma final (objeto) da doação.

De execução diferida ou instantânea? Em regra, instantânea, mas também poderá ser diferida ou com duração.

É pessoal ou impessoal? Impessoal, pois somente interessa o resultado da avença.

Principal ou acessório? Em regra, principal.

Comutativo ou aleatório? Essa classificação não é aplicável, defendem os mesmos autores. Isso porque é unilateral quanto aos efeitos. Também não se aplica a classificação quanto à duração, pois a doação se perfaz com a declaração de vontade, se exaure com a tradição e o estado das coisas deverão ficar assim para sempre. Dizer que a doação "vale por prazo indeterminado" é admitir a possibilidade do retorno ao status quo ante mesmo que a doação tenha sido extinta pela sua natureza execução, ou seja, sem que tenha ocorrido nenhuma das hipóteses de ingratidão do donatário ou inexecução do encargo ¹.

 

Espécies de doação

Primeira doação que veremos é a doação pura. É a doação que trata de mero benefício ao donatário e o doador (devedor) é movido por pura liberalidade. É a doação sem porquê. O doador não tem motivo específico para fazê-la. O donatário pode até merecer.

Doação remuneratória: remunerar é pagar. Essa é a ideia: de um pagamento. Mas não deixa de ser doação. É aquela feita com o objetivo de pagar um serviço prestado pelo donatário mas cujo valor não poderia ter sido cobrado.

Quando você vai ao médico que é seu amigo, ele pode trabalhar sem cobrar. Poderia ter cobrado. Normalmente médico não cobra de médico. É o caso daquele que dá dinheiro para quem troca seu pneu, ou o bombeiro que tira o gato da árvore. O bombeiro mesmo não poderia cobrar porque ele já recebe do Estado.

“Procura-se cão e paga-se recompensa”: chama-se contrato de recompensa? Não, é uma doação remuneratória.

Doação com encargo: também chamada de “doação gravada por encargo”. É aquela que se impõe ao donatário uma contraprestação que ele deve cumprir e que resulte em uma vantagem para o doador ou para terceiro.

Exemplo: eu acho que o UniCEUB é uma excelente faculdade, então doo R$ 500 mil à instituição, mas quero que, em contraprestação, ela doe 50 bolsas para carentes durante dois anos. A vantagem não é para mim, mas para terceiros.

Outro exemplo: quer meu carro? Sim? Muito bem, desde que você leve a vovó para o médico todos os dias, durante cinco anos, às 6:15 da manhã. É um encargo.

As bolsas que o CEUB dará valem um total de R$ 200 mil. A lei determina que essa diferença (entre os 500 mil doados por mim e os 200 mil gastos pela faculdade) é considerada doação pura. Dessa forma, até o montante do encargo, a doação é considerada onerosa. Cabe evicção, vício redibitório, e tudo que for atinente a contrato oneroso. Quanto à diferença, já que trata-se de doação pura, não caberá nada disso.

Aceitei o carro com aquele encargo. O motor fundiu depois de seis meses. Não existe arrependimento, pois assumi o compromisso. Imagine que o valor do carro doado era de R$ 10.000,00, portanto essa foi a perda patrimonial experimentada pelo doador(a). Como é que o juiz quantificará meu trabalho de levar a vovó da vendedora para o médico? Imagine que o juiz arbitre em R$ 3.000,00. Os outros R$ 7.000,00 serão encarados como doação pura.

A troca do motor custou R$ 4.000,00. É um vício redibitório, que é ocorrência possível em contrato oneroso, como a doação com encargo. Como funcionará o pagamento desses 4 mil? À conta de quem eles correrão? Veja bem: recebi um carro em doação com encargo. Neste caso, o contrato se tornou parcialmente oneroso, exatamente até os R$ 3 mil arbitrados pelo juiz que corresponderiam ao valor da tarefa de levar, todos os dias, a avó da doadora ao médico. Como é oneroso, a doadora responderá pelos vícios redibitórios. Mas o valor do conserto foi de R$ 4.000,00. Assim, até o limite de R$ 3.000,00 a doadora responderá pelo vício redibitório. Os R$ 1.000,00 restantes correrão por minha conta. Cairá em prova uma questão com uma situação dessa.

 

Doação em forma de subvenção periódica

É aquela em que parcelas periódicas são pagas ao donatário pelo doador. Resolvi fazer uma doação de pagar todo mês, até o final do ano, a mensalidade do Lucas aqui na faculdade.

Atenção: extinção da subvenção periódica: se extinguirá com a morte do doador se não for convencionado o contrário. Jamais poderá ultrapassar a vida do donatário. Exemplo: estou pagando o aluguel da vizinha. Se eu morro, em nada sendo convencionado, extinto está o contrato de doação em forma de subvenção periódica. Posso convencionar de a obrigação ser transmitida aos meus herdeiros. É personalíssima para o donatário. Se convencionarmos a continuidade da prestação depois de minha morte, este será um novo contrato. Os herdeiros terão a obrigação até o limite da parte do espólio que couber a cada um.

 

Doação “propter nuptias”

É aquela feita em contemplação de casamento futuro com certa e determinada pessoa. A mãe tem um filho de 38 anos que não casa, não gosta de trabalhar e tem até má fama. Desesperada com a “mora” desse filho, conhecido na vizinhança como “Bruninho”, dona Talissa, sua mãe, propõe a Natasha, mulher da comunidade que também estava ficando para tia que, se ela se casar com Bruninho, receberá uma doação.

Se casaram, e logo em seguida se separaram, não há problema: o único requisito era que se casassem. Entretanto, se o casamento for anulado, aí não haverá doação. Se a promessa for simplesmente “casar”, não será uma doação propter nuptias. A doação tem que ser a pessoa específica. É uma doação subordinada a uma condição suspensiva, assim como a doação a nascituro. Já caiu em concurso: quais as doações subordinadas a condição suspensiva? Resposta: doação a nascituro e doação propter nuptias.

 

Doação com cláusula de retorno

Eu tenho uma vizinha boazinha, mas ela vive com dificuldades, e os filhos dela são um inferno. Detestam-na. Fiquei com pena. Posso comprar a casa dela e doá-la para a própria vizinha com cláusula de retorno: aquela que trata da volta ao patrimônio do doador dos bens doados, caso este sobreviva ao donatário.

Vamos entender. Doei a casa para Dona Maria com cláusula de retorno. Se ela morrer antes de mim, a casa voltará para meu domínio. Essa foi a convenção. E se eu, o doador morrer antes? O domínio se resolve. É portanto uma condição resolúvel. Fiz isso porque odeio os filhos dela, e não quero que eles se tornem proprietários. Cuidado, isso pode ensejar seu homicídio, já que, se o doador morrer antes do donatário, a propriedade se resolve, e os filhos se tornarão herdeiros naturalmente. Basta um pouco de olho gordo da parte deles.

 

Doação de pais para filhos

Temos algumas regras:

Doações de pais para filhos são consideradas adiantamento do que lhes cabe de herança. Isso quer dizer que: tenho casa A, casa B, apartamento C, loja D, E, F, G. Esse é o universo de meus bens. Posso pegar um dos meus filhos e doar para ele um de meus imóveis. Quando eu morrer, o bem voltará à colação, para que a partilha final seja feita depois. Ele não será garantidamente o proprietário definitivo daquele imóvel depois da partilha, mas terá preferência, quando chegar o derradeiro momento.

No universo de meus bens, 50% é a parte indisponível, que terei que reservar para meus herdeiros necessários. Os outros 50% posso doar para a Sociedade Protetora do Rabo das Cobras. Se posso doar para a Sociedade Protetora do Rabo das Cobras, por que eu não poderia doar para um dos filhos? Posso doar para aquele filho, deixando claro, no termo da doação, que ela é proveniente da parte disponível, portanto não voltará à colação.

Vejam a situação: o conjunto de imóveis e estabelecimentos comerciais acima, que me pertencem, vale um total de R$ 6 milhões. Posso, em vida, doar um imóvel para um de meus filhos, e especificar, no instrumento de doação, que aquele imóvel é proveniente da parte disponível da herança. Assim, desde que com boa-fé, é possível “dilapidar” o patrimônio em favor de um dos descendentes dentro da legalidade, até estourar o limite da parte disponível. Assim, não poderei doá-lo, ao longo dos anos, mais de R$ 3 milhões em bens imóveis pois 3 milhões é o limite da parte disponível da herança. Na verdade, eu posso doar exatamente R$ 3 milhões em bens, e, caso eu tenha outros 5 filhos, totalizando 6, cada um terá direito a R$ 500 mil da parte indisponível da herança. Portanto, na melhor das hipóteses, poderei doar R$ 3,5 milhões para aquele filho. As coisas poderão se operar assim.


1 - Esta parte sobre a caracterização do contrato de doação quanto à duração foi incluída por mim às pressas depois que eu suspeitei, sem reler com calma na doutrina, de que essa classificação não é cabível. Muito cuidado.