Vamos ao conceito de estipulação em
favor de terceiro: “Contrato pelo qual uma
pessoa obriga-se
perante outra a conferir um direito em favor de quem não participa
dessa
relação contratual”.
Há três pessoas envolvidas, mas duas
participam da relação
contratual. “Terceiro” porque não contrata nada. O contrato obriga as
partes.
Excepcionalmente, quando a lei determina, ele poderá trazer benefícios,
vantagens para quem não participa da relação.
Estipular em favor de terceiro é
contratar com alguém para
que outra pessoa ganhe algo. Qual é o melhor exemplo? Inicialmente
pensamos na
propina, mas este não é um contrato válido por ter objeto ilícito...
seguro de
vida é o mais imediato exemplo. Outro é o seguro contra acidentes.
A estipulação é um contrato que
precisa de outro, portanto,
é acessório. Outro típico contrato é o ilustrado a seguir: há cerca de
sete
anos foi lançado determinado automóvel, que foi um sucesso de vendas.
Aí a
empresa vendedora de carros, chamada “Corra”, ficou sem nenhuma unidade
para
vender. Para satisfazer os interessados em comprar aquele carro, a
empresa
ficou de fazer uma “lista de chegada” de interessados. Talita, Amanda,
Bruno,
Douglas, e assim por diante, nesta ordem. Até agora não há contrato
nenhum. O
dono da Corra, que vamos chamar aqui de Raul, vende a empresa para
Paulo. Raul,
homem sério, disse que fará a compra e venda, mas colocará uma cláusula
estipulando um benefício a terceiros. “Se quer comprar, que seja
assim.” Quem é
o terceiro? A lista.
Quem é o estipulante?
Raul. Prometente será o Paulo. Beneficiário será a lista. Esses são os
elementos dessa relação. Claro e lógico.
Agora vamos ler o Código Civil, para
entendermos os direitos
dessa lista. Estão nos artigos 436 em diante. Art. 436: “O
que estipula em favor de terceiro pode exigir o cumprimento da
obrigação.” Quem pode exigir naquele caso? Raul, o
estipulante. Se Paulo
não cumprir, Raul poderá exigir o cumprimento da obrigação em juízo.
Parágrafo único: “Ao
terceiro, em favor de quem se estipulou a obrigação, também é permitido
exigi-la, ficando, todavia, sujeito às condições e normas do contrato,
se a ele
anuir, e o estipulante não o inovar nos termos do art. 438.”
Significa que
o contrato deve prever a anuência para a exigência do beneficiário.
Art. 437: “Se
ao
terceiro, em favor de quem se fez o contrato, se deixar o direito de
reclamar-lhe a execução, não poderá o estipulante exonerar o devedor.”
Reclamar a execução é exigir o cumprimento da obrigação. Vamos entender
isso.
Raul chamou as pessoas da lista para anuir à transferência. Se Paulo
quiser
liberar-se da obrigação de dar preferência às pessoas da lista, ele não
poderá,
desde que Raul tenha dado àquelas pessoas o direito de executar a
obrigação.
Art. 438: “O
estipulante pode reservar-se o direito de substituir o terceiro
designado no
contrato, independentemente da sua anuência e da do outro contratante.” Raul, a qualquer tempo, poderá substituir a lista. O que não pode é a
cláusula
deixar de existir. Significa que Talita, que estava em primeiro naquela
lista,
poderá ser removida. Exemplo de substituição: fiz um seguro de vida em
favor de
meus filhos. Estou velho, e meus filhos não querem saber de mim. Posso
substitui-los pela Adriana, minha adorável personal
trainer. Note que a cláusula não deixou de existir; somente
os
beneficiários foram substituídos.
Vícios
redibitórios
Vamos nos concentrar nesta parte de
grande importância para
o nosso Direito Contratual.
Conceito de vícios redibitórios: vícios ou defeitos ocultos em coisa recebida em
virtude de contrato
comutativo que torna uma coisa imprópria ao uso ou lhe diminua o valor.
Vamos entender isso. Eu crio cavalos
de corrida. Comprei uma
égua por R$ 200 mil. A égua, como praxe, depois de cada corrida,
submete-se ao
check-up feito pelo veterinário, como se faz nos cavalos corredores.
Ele diz: “essa
égua não tem útero”. Égua de corrida não cruza, pois, ao ter filhote,
ela fica mais
lenta. Pergunta-se: tem como batermos o olho e vermos que ela não tem
útero?
Não tem como. A falta de útero tornou a égua imprópria para correr?
Não. Então,
não temos vício redibitório nessa transação. Redibir,
no latim, quer dizer “enjeitar”, ou “devolver”. É um vício
que justifica a devolução da coisa.
Mas, eu, que cuido de equinos há
muitos anos, comprei um
cavalo, depois do incidente acima, também com a intenção de colocá-lo
para
correr. Na corrida ele foi mal, ofegante. O veterinário descobriu que
ele tinha
um problema pulmonar. É oculto esse problema, pois também não é
possível uma
pessoa leiga determinar com uma simples olhada. O contrato de compra e
venda do
animal, por outro lado, não deixa de ser comutativo. O problema tornou
o cavalo
impróprio ao uso? Sim. Diminuiu o
valor pois ele se tornou praticamente imprestável para a corrida; é
vício redibitório
e justifica a devolução do cavalo.
Requisitos
do vício
redibitório
Não pode faltar nenhum desses na prova.
Erro no
negócio
jurídico versus vício redibitório
São coisas bem diferentes. Muita
gente confunde, inclusive
os que trabalham com isso diretamente. Vamos, então, imaginar uma
situação:
Melissa vai a uma loja ali na 109 Sul em busca de um lustre para suas
luzes,
que pretende instalar em sua sala. Ela nota o que lhe parece ser um
lindo
lustre de prata. Ela dirige-se ao vendedor, e pergunta-lhe qual o
material
daquele lustre. Ele responde: “prata!”
Ela desembolsa, então, uma
considerável quantia e compra o
lustre, e instala em sua sala. Passado um tempo, ela resolve usar um
óleo
específico para a limpeza de prata... quando ela passa o líquido no
metal,
supresa: tudo fica preto. Daí ela descobre que, apesar do preço, aquilo
não era
prata coisa nenhuma. Possessa, resolve ajuizar contra o vendedor.
Perguntamos: isso é um caso de vício
redibitório? Não! Aqui
está o erro que muitos cometem. Não é vício redibitório pois o erro
estava no
sujeito da relação, e não no objeto comprado. O defeito, na verdade,
não era no
lustre; ela era um lustre comum, de metal prateado,
mas não de prata. Isso
significa
que não foi defeito no objeto.
Melissa, na verdade, estava em erro.
Ela foi descuidada.
Mais precisamente, este foi um negócio jurídico eivado de dolo. Mas, ainda assim, foi algo
subjetivo e não objetivo. Essa é a
diferença: pessoas iriam ajuizar alegando vícios redibitórios. Não é o
caso,
mas sim vício no negócio jurídico.
Qual a ação certa para se ajuizar? Ação anulatória de negócio jurídico.
Para os vícios redibitórios, temos as
ações edilícias. As edilícias se
dividem em
duas: podem ser a) redibitórias ou b) quanti
minoris. Nas redibitórias, quer-se a devolução, redibir. Na quanti minoris, pede-se o abatimento do
valor. Ou pode-se pedir também a troca da coisa.
A inicial de uma ação edilícia,
primeiramente, aponta o
defeito. Depois, o pedido (não exatamente nestas palavras): “quero
redibir a
coisa e o dinheiro de volta. Mais: todos os gastos referentes ao
contrato.”
Deve-se voltar ao status quo ante.
E terceiro, se houver má-fé
comprovada do vendedor, poderá o
lesado pedir perdas e danos.
Nas ações edilícias, quem escolhe é
quem ajuizou. Ele
escolherá se quer redibir ou ajuizar ação quanti
minoris. Os dois pedidos não podem ser feitos ao mesmo tempo;
deverá ser um
ou outro. Note que o juiz não poderá
entender que houve vício redibitório mas determinar que somente o
abatimento
será feito. A escolha é exclusiva de quem ajuíza. Não cabem pedidos
alternativos aqui.
Vamos às diferenças entre o
tratamento dos vícios
redibitórios no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor. Temos
que
entender como o CDC trata os vícios redibitórios. O maior volume deles
se
aplica à Lei do Consumidor. O funcionamento é bem diferente entre o
Código
Civil e o CDC.
Vícios redibitórios |
Código Civil |
Código de Defesa do Consumidor |
Conceito |
Abrange defeitos ocultos. |
Defeito oculto, aparente, ou de
fácil constatação, qualidade do produto ou serviço não correspondente à
propaganda, rótulo, etc. |
Objeto |
Bens móveis e imóveis |
Produtos móveis, imóveis,
corpóreos, incorpóreos e serviços. |
Efeitos |
Rescindir o contrato, pedir
abatimento do preço, ou substituir ou consertar a coisa. |
|
Prazo de decorrência para ajuizar |
Três situações:
|
Duas situações: ·
Produtos ou serviços duráveis: não
durável é o que, com o uso, diminui de volume ou tamanho. Temos 90 dias a
contar da constatação do problema, se se tratar de vício oculto, e da
entrega, se for aparente. ·
Produtos não duráveis: também
chamados de consumíveis. Para estes, 30 dias da constatação, se for oculto,
ou da entrega ou término, se for aparente. |
Observação: se aguardá-los trouxer
prejuízo profissional, o
comprador poderá exigir imediata troca. CDC, art. 18. “Os
fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis
respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os
tornem
impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam
o
valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a
indicações
constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem
publicitária,
respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o
consumidor
exigir a substituição das partes viciadas. [...]”