Direito Civil

segunda-feira, 22 de março de 2010

Promessa de fato de terceiros e evicção



8.1 – Promessa de fato de terceiro
8.1.1 – Excludentes de responsabilidade da promessa

8.2 – Da evicção
8.2.1 – Pedidos do evicto
8.2.2 – Requisitos da evicção

O que é promessa de fato de terceiro? Pensemos. “Prometo que meu amigo vai te dar uma paçoca!” Alguém promete, fazendo um contrato, que outra pessoa fará algo. E se o terceiro não aparecer para prestar a obrigação? Quem irá indenizar? Na verdade, não se pode obrigar o terceiro a prestar. Entretanto, “quem mandou o sujeito prometer?” O promitente é quem terá que arcar com a responsabilidade. Os promissários nada têm a ver com a relação entre o promitente e o terceiro.

Quem promete fato de terceiro se responsabiliza por sua promessa. O conceito é: obrigação que assume uma pessoa (promitente) perante outra(s) (promissária(s)) a conseguir de uma terceira a realização de um ato ou negócio.

Ninguém é obrigado a fazer nada, a não ser em função de lei ou contrato.

Vamos ler os dispositivos. Art. 439: “Aquele que tiver prometido fato de terceiro responderá por perdas e danos, quando este o não executar. Parágrafo único. Tal responsabilidade não existirá se o terceiro for o cônjuge do promitente, dependendo da sua anuência o ato a ser praticado, e desde que, pelo regime do casamento, a indenização, de algum modo, venha a recair sobre os seus bens.

Se o acordo tiver sido firmado diretamente com o prestador, tendo o promitente servido apenas de canal, este sai da relação, e o prestador entra. Exemplo: Douglassi anuncia à turma que Daniela Mercury cantará em nossa formatura. Procurando mais detalhes, a comissão de formatura entra em contato diretamente com a Cantora, que confirma a prestação futura, e se compromete a comparecer para cantar. A primeira excludente da responsabilidade da promessa está no art. 440: “Nenhuma obrigação haverá para quem se comprometer por outrem, se este, depois de se ter obrigado, faltar à prestação.” Neste caso, Douglassi estará isenta de qualquer responsabilidade caso Daniela falte ao evento.

Outra situação: não é mais a Daniela Mercury que virá, mas Seu Jorge. “Pode deixar, Seu Jorge é meu marido, eu garanto!” – diz Douglassi. Assim ela promete que seu marido cantará no evento. Mas e se ele não vier, quem terá que indenizar os expectadores? Art. 439, parágrafo único, acima. A resposta é: ninguém. Se for cônjuge, casado em comunhão parcial ou comunhão absoluta, ninguém irá indenizar. É outra excludente.

Vamos entender a lógica: alguém pode ser obrigado a fazer algo em função de lei ou contrato. Se tenho que indenizar porque não fiz, é porque sou, ou era obrigado a fazê-lo. A escusa do desconhecimento pode servir aqui.

E se a mulher que promete for esposa e empresária do Seu Jorge? Não é fato de terceiro, mas sim um contrato, em que ele dá poderes para que ela fale em nome dele. Então, ela promete, mas quem contrata é ele. O contrato de empresariado pressupõe uma procuração.

 

Evicção

Vamos entender algo antes de dar o conceito. A situação é: Bia comprou o Fusca da Ana. Feliz da vida Bia passeava, e parou num sinal. Carlos, o motorista que para do lado dela, notou: “meu Fusca, que foi roubado ano passado!” Neste momento, o que Carlos pode fazer? Ajuizar ação reivindicatória. Reivindicar a posse e a propriedade do Fusca. Neste caso, Carlos tem os documentos do Fusca e o BO para comprovar. Carlos propõe, então, a ação reivindicatória em face de Bia.

A primeira coisa que Bia faz, ao saber dessa ação, é o quê? Ligar para Ana, pedindo satisfação. Ela denunciará Ana à lide. Ana aparece com documentos falsos, que havia comprado de outra pessoa, e chega-se à conclusão de que o carro passou por vários donos, até que chegou na mão de Bia. Bia perdeu o carro para Carlos na ação reivindicatória. O que acontece, então? Bia terá o nome de evicta. Evicto é o que perde o bem nessa ação. Carlos será evictor, vencedor. Ou seja, Ana vende o bem para Bia que perde-o para Carlos. Carlos ajuizou ação reivindicatória, foi evictor, em face de Bia, a evicta.

Quem está em completa desvantagem agora? Bia. O que ela poderá fazer? Ajuizar contra Ana, pedindo o quê? O carro? Não mesmo. Perdas e danos, ressarcimento pelo que gastou com esse contrato. Essa ação que ela ajuizará contra Ana é chamada de ação de evicção. Alguns chamam de ação regressiva em função de perda por evicção. Basta chamar de ação de evicção.

Conceito de evicção: perda total ou parcial da coisa adquirida em razão de decisão judicial. Quando a Bia ficou sabendo e olhou seu documento, perguntou para um amigo perito, nem chamou advogado, e entregou o carro para Carlos. Note que ela não sabia que correu o risco. Ela já tinha comprado o carro, que já estava com ela. Pode? Só há evicção se a perda for por decisão judicial. É o juiz quem determinará que a Bia perderá o carro para Carlos. Evicção é muito mais simples. Para ajuizar ação de evicção você tem que ser evicto. É uma ação simples. Bia não deve, portanto, entregar o carro.

Quem vende algo para outro é alienante, enquanto o que compra é o adquirente. Carlos é o terceiro.

Vejam outra situação agora. Tire o Fusca da jogada. Essa negociação entre eles é a seguinte: Ana é empresária individual e tinha uma Van. Ela foi à loja de Carlos e comprou um sistema de som de alta potência para instalar na Van. Só que Ana não pagou Carlos porque seu negócio não deu certo. Resolveu, então, vender a Van para Bia, com o som. Carlos procura Ana, que diz que passou o som para frente. O que ele fez, antes de entrar com ação de execução contra Ana? Pode ser ação de evicção? Não, pois ainda não houve sentença judicial. A ação, portanto, era reivindicatória. A Van era dele? Não. Ele reivindicou o som. Bia chama Ana para ajudá-la no processo, mas esta desapareceu. Qual o resultado? Bia perdeu as caixas de som para Carlos. Ação reivindicatória bem-sucedida. Ocorreu, portanto, uma evicção. Mas vejam, esta foi uma evicção parcial, pois ela não perdeu a Van inteira, mas só a aparelhagem de som. Bia irá ajuizar contra Ana. Pela Van toda? Não. Só pelo correspondente às caixas de som. Mas Bia só comprou a Van porque estava já com o som instalado! E, em função dessa Van ser especial por causa do sistema de som, ela poderá pedir tudo de volta? Pode! Ela terá duas opções, pois.

São os casos de pedidos do evicto. Sendo evicção parcial, a evicção pode ser considerável ou não considerável. Perder as caixas de som foi considerável ou não considerável? Temos que nos perguntar se a perda foi considerável para o negócio. É subjetivo, mesmo que custasse somente 10% do valor pago pela Van. Mas, sem isso, ela não teria feito o negócio com Ana. Bastará a ela explicar para o juiz que só comprou a Van porque “se amarrou” no equipamento de som.

O juiz terá que ser convencido. Na perda considerável, o evicto poderá desfazer o contrato, pedindo todo o dinheiro de volta, por meio da rescisão contratual. Ou a evicta poderá também ficar com a Van e exigir somente a diferença do valor, ou restituição de parte do valor.

Lembram-se que no vício redibitório ajuizavam-se ações edilícias, dos dois tipos (redibitória e quanti minoris)? Eram caso de OU. Aqui, é caso de E, se o evicto quiser. Ele dirá, no pedido: “requeiro a Vossa Excelência que, em face da considerável perda, que eu rescinda o contrato, mas, caso não entenda que a perda foi considerável, requeiro que parte do valor seja devolvida.” É melhor incluir os dois pedidos de uma vez, ou nova ação será necessária.

O que se pode pedir? O valor pago no contrato, todos os gastos relacionados, inclusive de transporte, gastos com a ação reivindicatória, com advogado e perdas e danos.

Observação: pode haver má-fé entre Bia e Ana, não no sentido de prejudicar Carlos, mas no sentido de que Bia sabe que Ana ainda não pagou pelo som, e ainda assim resolve comprar a Van dela, e as duas, que são amigas, combinam que não haverá ação de evicção caso Carlos ajuíze uma reivindicatória. Pode-se, por outro lado, reforçar a responsabilidade por evicção: “caso haja evicção, o valor a ser devolvido será o dobro”.

O valor a ser pago nessa ação de evicção será o valor pago na época da avença.

Outra observação: temos, agora, três vícios. Na aula passada, vimos vício na coisa; também o vício poderá ser no título de direito, ou, ainda, no sujeito. Onde está o problema? Nas partes, no título de direito, ou na coisa? Sendo no objeto, na coisa, como o carro defeituoso, quais as ações? Edilícias: redibitória ou quanti minoris. Sendo o vício no título de direito, porque o título era falsificado ou não era meu, qual é o caso? Evicção. Quais as ações? Reivindicatória e de evicção.

Esquematizando:

Nome Local do vício Ações cabiveis
Vício redibitório Vício na coisa (objeto) Ações edilícias
Evicção Vício no título de direito Ação reivindicatória + ação de evicção
Erro no negócio jurídico Vício no sujeito, no negócio jurídico Ação anulatória de negócio jurídico

Requisitos da evicção

  1. Primeiro: vício no direito do alienante;
  2. Segundo: perda total ou parcial da coisa alienada;
  3. Terceiro: sentença judicial transitada em julgado;
  4. Quarto: onerosidade da aquisição. Não vale para doações. Que valores seriam pedidos? Não faria sentido.
  5. Quinto: perda da posse ou domínio do objeto.
  6. Sexto: anterioridade no direito do evicto. Vamos explicar: lembram que Bia já comprou a Van com o som? Existe uma anterioridade; antes da aquisição, o som já estava lá. O direito dela de ser evicta é anterior ao contrato de compra e venda. Imagine se faria sentido se o som tivesse sido instalado depois da compra e venda.
  7. Sétimo: denunciação do alienante à lide. Art. 456: “Para poder exercitar o direito que da evicção lhe resulta, o adquirente notificará do litígio o alienante imediato, ou qualquer dos anteriores, quando e como lhe determinarem as leis do processo.” Veja a situação: Bia, quando Carlos ajuizou sua ação reivindicatória, não denunciou Ana à lide. Ao invés disso, ajuizou evicção diretamente. Excepcionalmente se aceita que não haja denunciação da lide quando é patente que vai ocorrer a evicção. Isso é jurisprudência.
  8. Oitavo: ignorância, pelo adquirente, da litigiosidade da coisa. Veja: se Bia sabia que Ana não tinha pagado, existiu a má-fé. Comprou algo e levou o que não poderia ter levado. A única coisa que acontecerá é que não poderá ajuizar ação de evicção. Se era sabido, a ação não poderá prosseguir.

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Voltando à história do Fusca. Quem ficou no prejuízo agora? Ana. Qual é a solução ela tem? Ela teve prejuízo causado por ato ilícito de outrem. O que cabe? Ação de indenização. Poderá ser de evicção? Não. Não houve perda da coisa por decisão judicial nessa etapa; o carro foi perdido pela Bia para Carlos.