Direito Civil

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Empreitada


 

Hoje veremos o contrato de empreitada.

Conceito: contrato em a uma das partes, o empreiteiro, obriga-se a realizar determinada obra pessoalmente ou por meio de terceiros mediante remuneração fixa a ser paga pela outra parte (o dono da obra) de acordo com instruções desta e sem relação de subordinação.

Praticamente, tudo que precisamos sobre empreitada saber está nesse conceito. A dificuldade mesmo é diferenciá-lo do contrato de prestação de serviços. É onde mora o problema.

As partes são: o dono da obra, também chamado de comitente, que é o nome que usaremos, e o empreiteiro.

Quando falamos em prestação de serviços, o objeto é o quê? O trabalho, o serviço, a atividade do prestador. E na empreitada? No conceito, acabamos de ver que contratamos o quê? A obra. Então aqui na empreitada é a obra o objeto. Isso dá a ideia de que aqui temos uma obrigação de resultado, de fim. Eu, empreiteiro, tenho que entregar a obra, ponto. Na prestação de serviços, a obrigação é mais de meio do que de fim. O tomador de um contrato de prestação de serviços pode contratar um trabalhador para colocar azulejos em uma parede durante duas semanas, e, mesmo que não acabe, o serviço foi prestado.

Quanto à direção, quem direciona a prestação de serviço? O contratante, chamado de patrão. Erroneamente pensa-se que o patrão é o empregador no contrato de trabalho. O tomador do contrato de prestação de serviços é o patrão. E quem direciona a empreitada? O próprio empreiteiro. É o contrário, ele mesmo faz e dirige o próprio serviço. O empreiteiro que contratei para construir minha casa contratou alguém para trabalhar somente à noite. Tem problema? Não. Quem direcionou foi ele, e não eu, que sou o dono da obra, também conhecido como comitente.

Existe subordinação na prestação de serviços? Sim, relativa. Também podemos dizer que na prestação de serviços há pouca subordinação. Na empreitada, não há subordinação. O sujeito pode descansar quando quiser, desde que entregue a obra no dia certo.

Riscos da obra: na prestação de serviços, quem assume os riscos é o patrão. Ele é quem perde dinheiro se algo acontecer. Na empreitada, os riscos, por via de regra, são do empreiteiro. O risco é todo dele. Se a parede cair, como não há subordinação, a culpa será dele.

Remuneração: na prestação de serviço, a remuneração é por tempo, por dias, meses ou horas trabalhadas. A faxineira pode cobrar R$ 50,00 por dia. E na empreitada, como é a remuneração? Fixa! Não interessa quantos dias trabalhou, quantas horas... pacta sunt servanda mesmo. Na teoria e na prática é difícil saber o que é, se se trata de uma prestação de serviços ou de uma empreitada.

 

Natureza jurídica do contrato de empreitada

 

Espécies de empreitada

Empreitada de lavor: o que é isso? Lavore, do italiano: trabalho! É aquela em que o empreiteiro apenas assume a obrigação de realizar o trabalho necessário. Ele contribui só com o seu trabalho. Só administra e conduz a obra, sem fornecer o material. Neste caso, temos a empreitada em que os riscos correm por conta do dono da obra. É a regra. Se chover, o dono da obra terá que comprar mais cimento.

Art. 613: “Sendo a empreitada unicamente de lavor (art. 610), se a coisa perecer antes de entregue, sem mora do dono nem culpa do empreiteiro, este perderá a retribuição, se não provar que a perda resultou de defeito dos materiais e que em tempo reclamara contra a sua quantidade ou qualidade.

Não entregou ainda, então não está em mora. Também falamos em caso de ausência de culpa. Exemplo: ergui a parede, choveu, ela caiu. Eu não tenho culpa, não fiz nada de errado, não estou em atraso. Também não tem culpa o dono da obra. O que acontece? Ele terá que comprar novo material e me remunerará novamente.

Outra possibilidade: eu, empreiteiro, recebi o cimento e vi que era de má qualidade, com muita areia. Construí, mas a parede caiu em seguida. E agora? Culpa minha, porque era meu dever informar o dono da obra que o material era defeituoso.

E mais uma possibilidade: recebi o cimento ruim e notifiquei o dono da obra, que não se importou. A parede caiu. Ele comprará outro cimento e terá que me pagar novamente.

Não posso, entretanto, alegar falha no material depois do desastre.

 

Empreitada mista

É aquela em que o empreiteiro fornece materiais e executa o trabalho. É a típica empreitada da casa do cachorro: contrato alguém para construir uma casinha de cachorro no meu quintal. O sujeito mesmo providenciará os materiais. Pergunto o preço e ele diz R$ 5.000,00. O empreiteiro pega o dinheiro, vai à loja, compra o material, e constrói. Claro que, aqui na empreitada mista, não caberá reclamação sobre o material. Há obrigação de meio e de resultado, de fazer e de dar. A responsabilidade é mais ampla e correrá completamente por conta do empreiteiro.

O empreiteiro responde por cinco anos pela solidez, pelo solo, pelos materiais e pela segurança do trabalho. Art. 618: “Nos contratos de empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis, o empreiteiro de materiais e execução responderá, durante o prazo irredutível de cinco anos, pela solidez e segurança do trabalho, assim em razão dos materiais, como do solo.

 

Direitos do empreiteiro

Aqui vamos analisar se estamos falando em empreitada mista ou de lavor. Quais os direitos que o empreiteiro tem?

  1. Receber a remuneração convencionada, claro. É importante lembrar que ele tem um prazo de 10 anos para mover ação para recebimento de valores em função de empreitada realizada. Art. 615: “Concluída a obra de acordo com o ajuste, ou o costume do lugar, o dono é obrigado a recebê-la. Poderá, porém, rejeitá-la, se o empreiteiro se afastou das instruções recebidas e dos planos dados, ou das regras técnicas em trabalhos de tal natureza.
  2. Exigir que o dono da obra a aceite se concluída de acordo com o contrato. Claro. "Entreguei, está aqui!" Não pode o comitente se negar a receber.
  3. Reter a obra até que o dono cumpra sua obrigação. Exceção de contrato não cumprido.
  4. Requerer a medição da obra quando esta se constitui em etapas para fins de pagamento. Art. 614: “Se a obra constar de partes distintas, ou for de natureza das que se determinam por medida, o empreiteiro terá direito a que também se verifique por medida, ou segundo as partes em que se dividir, podendo exigir o pagamento na proporção da obra executada. § 1º Tudo o que se pagou presume-se verificado. § 2º O que se mediu presume-se verificado se, em trinta dias, a contar da medição, não forem denunciados os vícios ou defeitos pelo dono da obra ou por quem estiver incumbido da sua fiscalização.” Exemplo: empreitada em que se convenciona que se pagará 50% do valor quando terminada a construção da fundação, 25% quando erguer as paredes, e 25% quando entregar a obra terminada.
  5. Constituir o dono em mora, consignando judicialmente a obra. Se não receber, a ação é de consignação de obra. A obra está entregue, e a obrigação está cumprida. É porque o empreiteiro tem muitas responsabilidades. Pode acontecer algo enquanto o comitente não se manifesta para receber a obra, e o empreiteiro pode ter dificuldade em provar que de fato fez a obra.
  6. Ceder o contrato de empreitada. É direito do empreiteiro. Este é um exemplo de que a obrigação não é intuitu personae.
  7. Suspender a obra. Art. 625: “Poderá o empreiteiro suspender a obra: I – por culpa do dono, ou por motivo de força maior; II – quando, no decorrer dos serviços, se manifestarem dificuldades imprevisíveis de execução, resultantes de causas geológicas ou hídricas, ou outras semelhantes, de modo que torne a empreitada excessivamente onerosa, e o dono da obra se opuser ao reajuste do preço inerente ao projeto por ele elaborado, observados os preços; III – se as modificações exigidas pelo dono da obra, por seu vulto e natureza, forem desproporcionais ao projeto aprovado, ainda que o dono se disponha a arcar com o acréscimo de preço.

Por culpa exclusiva do dono da obra: ele pode não entregar o material nunca.

Por força maior: se inundou a fundação, pode ser que não se consiga terminar no prazo.

Dificuldades imprevisíveis: pode ser que haja um lençol freático no subsolo de onde a obra foi feita, coisa que ninguém poderia saber que existia. Isso pode atrasar a entrega.

 

Deveres do empreiteiro

  1. Executar a obra conforme o contrato.
  2. Corrigir vícios e defeitos que a obra apresentar. Se a obra tem que ser entregue de acordo com o contrato, não se vai entregar com vícios e defeitos. Nenhum contrato trará essa possibilidade.
  3. Não fazer mudanças desnecessárias sem o consentimento do dono da obra. Nem um degrauzinho pode ser posto se não for acordado.
  4. Entregar a obra concluída a seu dono. Aqui devemos combinar os artigos 615 e 616. O dono tem o dever de recebê-la, se realizada conforme o contrato. São deveres mútuos.
  5. Pagar os materiais que recebeu se, por imperícia ou negligência, os inutilizar. O dono da obra mandou entregar os pisos. O funcionário deixou cair a caixa. Significa que o empreiteiro terá que pagar outro. Bem óbvio.
  6. Denunciar defeitos os falhas dos materiais entregues na obra. Isso é importante. Recebi o material, em empreitada de lavor, e é péssimo o material. Eu, empreiteiro, tenho que informar o dono imediatamente. Se eu usar, incidirão responsabilidades.

 

Direitos do dono da obra

Os direitos do comitente estão no art. 623: “Mesmo após iniciada a construção, pode o dono da obra suspendê-la, desde que pague ao empreiteiro as despesas e lucros relativos aos serviços já feitos, mais indenização razoável, calculada em função do que ele teria ganho, se concluída a obra.

  1. Exigir do empreiteiro a observância do contrato e suspender a obra pagando despesas e lucros alusivos aos serviços já executados e ainda indenização razoável. Duas obrigações numa só. Vejamos: é um direito. O dono da obra tem o direito de suspender a obra, pará-la. Isso se chama resilição unilateral. Mas, para ele fazer isso, o art. 623 diz que ele precisa pagar o empreiteiro pelo trabalho que já teve, pelos gastos já realizados e indenizá-lo pelo que razoavelmente deixou de ganhar. Veja que normalmente os contratos que permitem resilição unilateral não falam em indenização. Este fala. “Razoável” é complicado para qualquer operador do Direito, pois é subjetivo. Nada mais óbvio: contratei alguém para construir uma casa para eu morar com minha esposa depois do meu casamento. A noiva me abandonou. Tenho que ir até o fim? Felizmente não;
  2. Receber a obra concluída. É direito do dono da obra, claro. Quem paga tem que ter sua prestação;
  3. Acompanhar a execução da obra e fiscalizar o andamento. Atenção que isso não é subordinação. Nada mais natural também. Paguei, mandei fazer a casa, e nunca mais posso visitar a obra? Não darei palpite, apenas acompanharei o trabalho;
  4. Rejeitar a obra ou pedir abatimento se houver descumprimento do ajuste ou de regras técnicas;.

 

Deveres do dono da obra

  1. Pagar ao empreiteiro o valor ajustado;
  2. Verificar tudo que foi feito e apontar as falhas sob pena de se presumirem aceitas;
  3. Receber a obra concluída;
  4. Fornecer materiais necessários, no caso da empreitada de lavor;
  5. Indenizar o empreiteiro pelos trabalhos e despesas que houver feito se rescindir o contrato e pagar perdas e danos;
  6. Não alterar o projeto da obra já aprovado sem anuência do seu autor. Uma coisa é o autor da obra e outra é o dono. O autor é o arquiteto. O empreiteiro não pode alterar o projeto do arquiteto a não ser que haja anuência deste. Não alcança mudanças pequenas.

 

Responsabilidade do empreiteiro

A maioria das responsabilidades são dele.

A primeira é pela solidez e segurança do trabalho. A responsabilidade será completa se for empreitada mista;

Quanto aos riscos da obra: também, se for mista a empreitada, riscos significam dinheiro, aplicação da res perit in domino em caso fortuito ou força maior. A empreitada mista tem grande similaridade com a compra e venda. Enquanto não transferida a obra, o risco corre por conta do empreiteiro.

Responsabilidade quanto aos impostos perante a Fazenda Pública: tem se for mista;

Quanto ao preço dos materiais: estamos falando de que tipo de empreitada? Mista de novo. A responsabilidade quanto ao preço é do empreiteiro. Não pode ele dizer que o cimento está mais caro e exigir 5% a mais depois de comprar materiais. Ele tem que saber que o material pode aumentar de preço.

Responsabilidade quanto aos danos causados a terceiros por erro de cálculo ou por defeito de construção: o erro do cálculo pode ser de quem fez o projeto. Ainda assim ele tem que prever o erro de cálculo. É grande a responsabilidade, mesmo que não tenha sido ele quem fez os cálculos. É um risco da profissão.

 

Extinção do contrato de empreitada

  1. Execução da obra, adimplemento da obrigação. É o fim natural do contrato de empreitada. Contrato extinto como qualquer outro;
  2. Aqui vem a complicação: morte do empreiteiro. O contrato não é intuitu personae. Quando falamos em morte, falamos em sucessão causa mortis. Cairá para os herdeiros, sejam eles dentistas ou carcereiros. Herdaram a obrigação. Entretanto, a obrigação não pode ser transferida com a morte! Art. 626: “Não se extingue o contrato de empreitada pela morte de qualquer das partes, salvo se ajustado em consideração às qualidades pessoais do empreiteiro. Não se extingue o contrato de empreitada salvo se ajustada de acordo com as qualidades pessoais do empreiteiro. Dá para imaginar um contrato de empreitada que não tenha sido feito em virtude das qualidades do empreiteiro? Este artigo chega a ser mal escrito;
  3. Outra coisa: resilição unilateral. De quem; quem pode resilir unilateralmente? O dono da obra, o comitente. Mediante, é claro, indenização;
  4. Distrato: nenhuma novidade. Quem pode contratar pode também distratar. Qualquer contrato admite o distrato;
  5. Resolução por inexecução contratual; cláusula resolutória tácita;
  6. Falência do empreiteiro: mesmo na empreitada de lavor, pois era pai de família, tinha que se alimentar, e, como que ele poderia continuar obrigado a realizar o trabalho se precisa de arrumar outra forma de ganhar dinheiro? Isso gera polêmica na doutrina;
  7. Desapropriação: o terreno, se desapropriado, impedirá que se continue construindo;
  8. Impossibilidade da prestação do serviço, da realização da obra por caso fortuito ou força maior.