Direito Civil

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Locação


 

Introdução

O Código de 16 falava em “locação de coisas e de serviços”. Com o Código de 2002, falamos em “prestação de serviços” e “locação de coisas”. Doutrinadores mais antigos ainda usam o termo locação de serviços. É muita matéria. Devemos ler os artigos que tratam da locação em paralelo com esta aula e o estudo na doutrina. Hoje há a nova lei do inquilinato, mas não veremos tudo dela. Então, o que estiver aqui será cobrado, o que não estiver não será.

Toda vez que falarmos em imóvel, estamos falando de Lei do Inquilinato (Lei 8245/91 alterada pela Lei 12112/09), pois o Código Civil chama de locação de bens móveis e bens imóveis. Nunca mais chamaremos de contrato de aluguel. Não existe isso; é um termo leigo. Aluguel é o valor recebido num contrato de locação.

Conceito: contrato pelo qual uma das partes, mediante remuneração da outra, compromete-se a fornecer-lhe, durante certo tempo, o uso ou gozo de uma coisa infungível.

Art. 565, que é o primeiro artigo: “Na locação de coisas, uma das partes se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de coisa não fungível, mediante certa retribuição.

Quais as partes? Locador, que cede o bem para o locatário. Lei do inquilinato chama, para imóveis, de senhorio e inquilino.

Esse conceito traz tudo que precisamos para chegarmos à...

 

Natureza jurídica do contrato de locação

  1. Unilateral ou bilateral? Bilateral.
  2. Oneroso ou gratuito? Oneroso.
  3. Comutativo ou aleatório? Comutativo e evolutivo.
  4. Típico ou atípico? Típico e nominado por expressa previsão no Código Civil, a partir do artigo 565, transcrito acima.
  5. Solene ou não solene? Não solene. Não falamos em nenhuma solenidade. Porém, como sustentam os autores Gagliano e Pamplona ¹, se houver fiança, contrato acessório, que tem que ser feito por escrito, a lógica imporá que o contrato de locação também seja celebrado por escrito.
  6. Paritário ou de adesão? Qualquer um dos dois. Pode ou não haver negociação, ou o senhorio pode estabelecer as cláusulas unilateralmente.
  7. Consensual ou real? Consensual, que existe antes da entrega, já que a tradição não é essencial para o negócio. Viram o conceito? A pessoa se compromete a entregar.
  8. Principal ou acessório? Principal e definitivo.
  9. De execução instantânea ou diferida? De execução diferida. Não se pode locar por um instante de tempo! Mesmo que a duração seja de apenas dois dias.
  10. Pessoal ou impessoal? Impessoal. Geralmente, quando temos um contrato de negócio, ele será impessoal. Todo contrato impessoal pode ser transformado em pessoal, mas em regra é impessoal. Também, a locação admite sub-rogação, por exemplo, no caso da morte do locador ou locatário, ou também no caso da sublocação, que não é vedada.
  11. Por prazo indeterminado ou determinado? Tanto faz. A única coisa que não pode é haver a locação estabelecida, desde o momento da conclusão do contrato, como ad eternum. Ela pode acabar durando por tempo indeterminado, na situação em que as partes se mantêm silentes depois de findo o prazo, caso celebrado por prazo determinado.

 

Elementos essenciais

Primeiro: capacidade. Nunca podemos esquecer o art. 104. É a capacidade necessária de todos os negócios jurídicos. O que é importante então, especificamente? Por não ser um ato de disposição, mas de administração, não precisamos da outorga uxória nem da vênia marital para dar o bem em locação. Dispensa vênia conjugal.

A única exceção para essa regra é se fazemos um contrato de locação por mais de 10 anos. Neste caso sim, precisaremos da vênia conjugal.

Também, por não ser ato de disposição, tutores, curadores e pais podem locar bens de seus pupilos sem autorização judicial. Seria inviável para o Judiciário ter que autorizar todas as locações nessa situação.

 

Objeto

Qual é o objeto da locação? Também está no conceito: bem infungível. Coisas consumíveis não podem ser locadas. Não se pode, por exemplo, locar energia elétrica ou um pernil de porco.

Importante: a locação do bem ou do objeto principal predispõe a locação dos seus acessórios. Não se pode locar uma casa sem locar a piscina.

E apartamento com vaga na garagem? Pode ser alugados para pessoas diferentes? Só se estiverem em escritura separada. Caso contrário, a vaga da garagem é considerado bem acessório ao imóvel. Alugar apartamento e reservar o locador para si um quarto é cláusula leonina.

O objeto, claro, tem que ser lícito, idôneo, como diz o art. 104. Nem precisaria falar isso. Não se podem alugar armas de uso restrito das forças armadas.

 

O aluguel

É o dinheiro. O mais comum é que seja fixado em dinheiro, e pago periodicamente. Mas pode ser pago de uma vez só. Prestem atenção: é contravenção penal receber aluguel antecipado que seja garantido (art. 43 da Lei 8245). A pena é de prisão simples de cinco dias a seis meses ou multa de três a doze meses do valor do último aluguel.

Se o aluguel é cobrado antecipadamente e o locatário não paga, não há contrato. O aluguel é sempre devido enquanto o bem estiver à disposição do locatário. Não importa se ele ainda não tiver aberto um estabelecimento comercial. A lei também proíbe a elevação forçada do valor do aluguel. Todo contrato de locação se renova imediatamente por tempo indeterminado se as partes se mantiverem silentes. Não pode o senhorio aumentar unilateralmente o valor do aluguel, sem antes conversar com o inquilino. Se houver cobrança forçada, o inquilino poderá ir ao Judiciário pedir que o juiz arbitre um valor de mercado.

O aluguel em geral é pago no domicílio do locatário, a não ser que se estipule em contrário. Pode ser estipulado de maneira diferente. Isso quer dizer que o locador não pode telefonar ao locatário para reclamar: “tem dois meses que você não vem aqui me pagar, então vou cobrá-lo judicialmente!”

Ação de despejo para imóveis combinada com cobrança de alugueis é a ação cabível para o caso de o inquilino incorrer nalguma hipótese de rescisão contratual.

Em se tratando de locação de bens móveis, a medida é busca e apreensão. Note que não cabe imissão na posse no contrato de locação.

 

Tempo

Temos um contrato temporário, mesmo que o prazo possa ser modificado. Se eu combinar com alguém de ficar na minha casa por tempo indeterminado e ir me pagando, até que morre, falamos em compra e venda diferida. A lei não proíbe. Não confundam: o que não pode é as partes acordarem, no início, que o contrato terá duração até a morte de uma delas.

 

Locação de imóveis residenciais e comerciais

Talvez o mais importante a saber aqui. A locação de imóveis residenciais é dividida entre aquelas em que o prazo é menor que 30 meses e naquelas em que o prazo é maior ou igual a 30 meses. Contratos de locação residenciais por menos de 30 meses, como de um ano ou dois, só admitem a retomada do imóvel pelo senhorio por denúncia cheia. O que é isso mesmo? Denunciar o contrato é informar à outra parte que não mais se quer. Cheia é “motivada”. Deve-se explicar por que se quer a denúncia. A lei dá os motivos nos arts. 8º, 9º e 47. Um dos motivos é para moradia própria ou “para ascendente ou descendente que não disponha, assim como seu cônjuge ou companheiro, de imóvel residencial próprio”. O segundo motivo é para venda do imóvel. Mas, para vender, uma das obrigações do locador é que ele ofereça primeiramente para o locatário. Terceiro: reforma de grande vulto. Além de pagamento, inadimplência, etc.

Não é fácil, portanto, remover o inquilino.

E se o contrato for feito em um ano, renovado três vezes? Apesar de chegar a 48 meses, ele não cairá na regra dos 30 meses, a não ser que passe de cinco anos (60 meses).  Art. 47. Quando ajustada verbalmente ou por escrito e como prazo inferior a trinta meses, findo o prazo estabelecido, a locação prorroga – se automaticamente, por prazo indeterminado, somente podendo ser retomado o imóvel:

[...]

V – se a vigência ininterrupta da locação ultrapassar cinco anos.

Perguntas: e se faço o contrato por um ano e depois por mais dois? Nisso, chegamos aos 36 meses. Porém, ainda assim a regra é que só se poderá retomar por denúncia cheia, pois houve dois contratos, um de 12 meses, outro de 24. E se forem feitos dois, sendo o primeiro por um ano (12 meses, portanto), e outro por 3 anos (36 meses)? Aí sim o imóvel poderá ser retomado por denúncia vazia.

 

Locação de imóveis comerciais

Aqui, a questão é: loquei um imóvel comercial de um proprietário. Abri no primeiro ano uma loja de chocolates. O negócio não deu certo. No segundo ano, passei a vender roupas íntimas. Também não prosperou. No terceiro ano, mudei o ramo para lingeries de chocolates. Foi um sucesso! Funcionou por dois anos. O dono do imóvel olha minha loja cheia e fica de olho gordo, começando a imaginar possíveis formas de ganhar mais dinheiro com este contrato de locação. O que vocês fariam se a loja vivesse cheia? Não seria justo que o proprietário do imóvel simplesmente se apoderasse do estabelecimento comercial já montado. Houve um grande investimento e muitas perdas durante os últimos anos para montagem da estrutura, do nome, da clientela. Como o inquilino é o menos favorecido, então a lei o protege. Ele tem menos poder, em tese. Por isso a lei contém um quesito de renovação compulsória. O que é isso? Obrigação do senhorio a prorrogar o contrato.

Se eu estou vendendo minha lingerie de chocolates, tenho o direito de prorrogar meu contrato. Mas há três requisitos:

  1. Contrato por tempo determinado por um período mínimo de 5 anos. Vamos entender: fiz um contrato por prazo determinado de 5 anos. Posso ter direito à renovação compulsória. Se eu celebrar por um ano, mais um, mais um e mais dois, terei direito à renovação compulsória pois a relação foi ininterrupta de cinco anos. Não precisamos ter somente um contrato. Se eu fizer um contrato por dois anos e nada falar, ele se renova por prazo indeterminado; neste caso, o contrato poderá se renovar compulsoriamente? Não.
  2. Que o locatário esteja explorando o mesmo ramo de comércio há no mínimo 3 anos. Eu estava vendendo chocolates durante um ano, sem sucesso; depois lingeries por mais um, péssimo negócio; finalmente roupas íntimas achocolatadas por três, que foi quando tive sucesso. Aí sim terei direito à renovação compulsória.
  3. Que o direito seja exercido dentro de no máximo um ano até 6 meses antes da data do término do contrato. Vejamos: eu, inquilino comerciante, estou na vigência do contrato de locação com meu senhorio, celebrado por prazo três anos, porém computado a cada ano. Começamos nossa relação contratual em 1º de janeiro de 2008. Em meados de dezembro daquele ano nós reconduzimos o contrato de locação, para viger até o final de 2009. Agora, em 2010, o contrato irá completar 3 anos em dezembro. A regra em estudo significa que, se eu quiser exercitar meu direito de renovação compulsória, terei que comunicar ao senhorio em qualquer dia entre 1º de janeiro deste ano até 30 de junho, que é o dia em que a contagem regressiva para o final do contrato completa 6 meses.

 

Locação de prédios rústicos

Está, excepcionalmente, no Estatuto da Terra (Lei 4504/94). Pode ser feito por tempo determinado ou indeterminado. Locação de imóveis urbanos só pode ser feita por tempo determinado.

Não é prédio rústico aquele localizado fora dos limites urbanos, habitado por alguém que não explora comercialmente.

 

Direitos do locador

  1. Receber o pagamento do aluguel;
  2. Exigir uma das seguintes garantias na locação: caução em dinheiro ou de bens. Se for em dinheiro, no máximo três vezes o valor do aluguel; também garantia fidejussória ou, por último, seguro de fiança. Não poderá pedir mais de uma dessas garantias. Posso exigir que o fiador tenha um imóvel, mas isso não quer dizer que o imóvel dele esteja garantindo. Se o imóvel for garantido, não se pode cobrar aluguel adiantado, como vimos;
  3. Cobrar o aluguel antecipadamente se não for garantido;
  4. Promover ação de despejo, se o aluguel for de imóveis;
  5. Reaver a coisa após o vencimento da locação;
  6. Autorizar, por escrito, a cessão, a sublocação ou o empréstimo do prédio. Separadamente! Dividir apartamento alugado com colegas da Universidade é sublocar. Para isso os universitários precisam de autorização por escrito, não somente expressa, do proprietário. É um contrato acessório formal, quando o principal não é. Caso raro.
  7. Ser informado no caso de ocorrência de sublocação, cessão, empréstimo ou sub-rogação. Eu, proprietário, loco para Lucas e autorizo, por escrito, a sublocação. Aqui incidirão outros direitos e responsabilidades. E a sub-rogação? Não precisa ser autorizada por escrito, mas informada. O contrato de locação é cedível no caso de sucessão causa mortis. Exemplo: o pai, que mora com seus dois filhos, mora “de aluguel” na casa do seu senhorio. O pai morre. Os filhos, que lá moram, se sub-rogam nos direitos do pai. O contrato de locação continua existindo. O proprietário só terá que ser informado de que, tendo o contratante morrido, o filho mais velho se sub-rogou nos direitos daquele.
  8. Também ocorrerá no caso de separação consensual. Se a mulher simplesmente manda seu marido embora, mas eles moravam num apartamento locado, num contrato feito entre o proprietário do imóvel e o marido expulso, ela continuará na condição de inquilina. A única exceção aqui é que a sub-rogação não precisará ser autorizada por escrito porque a lei determina assim. Todos os outros terão que ser autorizados previamente por escrito.

Importante saber: não pode o senhorio ficar com bens deixados pelo inquilino. Acontece muito, especialmente em locação de prédio comercial. Não se podem reter os bens deixados pelo inquilino como pagamento, ou achando que eles foram deixados como dação em pagamento. O que o senhorio pode fazer? Ajuizar pedido de depósito dos bens.

Continuamos o contrato de locação depois. Veremos que esta aula é chata, cansativa, cheia de prazos e regras. Direitos do locador, direitos do locatário, deveres do locador, deveres do locatário... vamos tirar dúvidas numa aula próxima.

  1. Novo curso de Direito Civil – edição de agosto de 2009.

Eis aqui algumas perguntas respondidas sobre a recente alteração na Lei do Inquilinato (8245/91, alterada pela 12112/09), encontradas no site da Veja online:

1. Que prazo o inquilino passa a ter para deixar o imóvel alugado, segundo a nova lei?

Esse é um dos pontos que mais chama a atenção na nova lei. Antes, o inquilino podia protelar a devolução do imóvel por até três anos. Agora, isso ocorrerá em no máximo 45 dias. A ação terá de ser resolvida em primeira instância na Justiça: em 15 dias deverá ser concedida a ordem de despejo. O inquilino terá, então, 30 dias para sair do imóvel – antes, o prazo era de seis meses. A lei é igual para imóveis comerciais ou residenciais.

2. O dono do imóvel pode pedir o imóvel de volta quando bem entender?

Não. O proprietário só pode pedir o imóvel de volta em situações específicas, como atraso de pagamento (independente da causa da inadimplência) ou quando o inquilino infringir uma das obrigações previstas no contrato de locação. O inquilino também corre risco de despejo caso fique sem fiador ou outras formas de garantia de pagamento.

3. Se o proprietário receber uma oferta maior pelo imóvel e decidir despejar o inquilino, este deverá ser indenizado?

Apenas se o contrato de locação ainda estiver em vigor. Neste caso, o proprietário deverá pagar uma multa para o inquilino estipulada pela Justiça. Os responsáveis pelo pagamento são o proprietário e o novo locador. Caso o contrato tenha acabado, o dono do imóvel não é obrigado a renová-lo. A nova lei diz que o inquilino pode, no máximo, tentar cobrir a proposta para evitar a perda da locação.

4. O inquilino pagará multa se quiser sair antes do término do contrato?

Sim, como ocorria antes. Porém, agora, o valor da indenização passa a ser proporcional ao tempo que falta para o fim do contrato.

5. Quais as novidades em relação ao fiador?

Em contratos sem garantia – fiador ou seguro-fiança –, o inquilino que deixar de pagar o aluguel poderá ser obrigado a sair do imóvel em 15 dias. Com essa nova garantia, muitos proprietários deverão abrir mão da exigência de um fiador, facilitando a locação. A nova lei diz ainda que o fiador poderá deixar o contrato, caso haja separação do casal de inquilinos, morte do locatário ou ao fim do prazo inicial do contrato. Nesse caso, o fiador continuará responsável pela fiança durante o período de 120 dias após a notificação do locador. O inquilino tem o mesmo prazo para apresentar novo fiador.

6. Quem deve pagar o IPTU?

A nova lei permite que o proprietário entre em acordo com inquilino para que este arque com essa despesa.

7. O inquilino de um imóvel comercial pode repassar o ponto para um terceiro?

Não. A única pessoa autorizada a fazer transações com o imóvel é o proprietário – ou a imobiliária, se assim o proprietário preferir.

8. O preço do aluguel vai baixar devido a nova lei?

Especialistas apostam que sim. As novas regras devem provocar um aumento na oferta de novos aluguéis: nesse caso, o mercado obedecerá à lei de oferta e procura.

9. Contratos assinados antes de a nova lei entrar em vigor serão alterados por ela?

Não. A nova lei vai reger contratos feitos a partir do dia 25 de janeiro de 2010.

Fonte: http://veja.abril.com.br/perguntas-respostas/nova-lei-inquilinato-2010.shtml, Acessível em 29/05/10 às 18:42.