Direito Civil
segunda-feira, 29 de março de 2010
Contrato de empréstimo - comodato
10.1 – Empréstimo em geral
10.2 – Conceito
10.2.1 – Natureza jurídica do comodato
10.3 – Traços característicos do comodato
- Intuitu personae
- Infungibilidade e não consumibilidade do bem
- Temporariedade
10.4 – Direitos e obrigações do comodante
De hoje em diante, devemos usar,
em todas as aulas, a tabelinha de classificação dos contratos que recebemos da
professora.
O contrato de
empréstimo
Vamos começar hoje com o primeiro contrato em espécie: o
contrato de empréstimo. Antes de falar do comodato, que é um dos dois tipos de
contrato de empréstimo, temos que falar do empréstimo em geral.
O comodato é um empréstimo de bem infungível, ou não
fungível. É um empréstimo para uso.
Exemplo: vou emprestar a caneta para Poliana. O que ela fará com a caneta? Usar
e devolver. Ela terá que devolver a mesma caneta, e não poderá devolver outra,
por mais sofisticada que seja. O bem é infungível, e não pode ser substituído.
É inconsumível.
O empréstimo de mútuo é aquele em que o vizinho folgado toca
nossa campainha e diz: “você me empresta um pouquinho de açúcar?” Ele usará ou
consumirá? Consumirá. Depois, ele irá providenciar outra porção de açúcar, da
mesma quantidade e qualidade para me restituir. Contrato de mútuo serve para
bens fungíveis para consumo.
A diferença consiste na natureza do objeto.
Conceito de comodato
Empréstimo gratuito de
coisas não fungíveis que se perfaz com a tradição do objeto. Art. 579: “O comodato é o empréstimo gratuito de
coisas não fungíveis. Perfaz-se com a tradição do objeto.”
Traços característicos: empréstimo gratuito, de bem não
fungível, determina a devolução e é temporário.
Partes e classificação do contrato de
comodato
Comodante e comodatário. O comodante empresta o bem para o
comodatário.
Agora, vamos analisar o contrato de comodato de acordo com
as diversas formas de classificação. O contrato de comodato é...
- Real, pois só se perfaz com a tradição;
- Unilateral, pois, uma vez dado o objeto, o comodante nada
precisa fazer a não ser esperar. O comodatário é quem deverá devolver;
- Gratuito, por força do próprio conceito que acabamos de dar;
- Comutativo, pois as partes conhecem suas prestações. Agora
veja uma ressalva: não poderia ser aleatório? Imagine a situação em que combino
com você de que “você me emprestará qualquer dos presentes, à minha escolha,
que você ganhar de aniversário na semana que vem.” É um contrato que parece
aleatório, assim como a safra por plantar e colher, que não sabemos sequer se
algo nascerá. Certo? Não exatamente. É que, quando os presentes forem ganhos e
um deles for escolhido para ser emprestado, essa prestação será conhecida e
determinada, daí não será um contrato aleatório mas sim comutativo. Por outro
lado, também podemos celebrar uma promessa de contrato de comodato. Neste caso,
este terá uma significativamente diferente do comodato propriamente dito.
- Típico, pois há previsão legal no art. 579.
- Não-solene, pois não precisa de forma nem instrumento
público.
- Principal, em regra. Pode ser acessório no exemplo em que há
um contrato principal de prestação de serviço, como serviço de TV por
assinatura, e a operadora empresta ao assinante o decoder, o aparelho que capta e converte o sinal recebido. Diga-se
de passagem, desde que temos nova lei impedindo a cobrança de ponto adicional
para a mesma assinatura, as operadoras inovaram, trocando o contrato de
comodato do decoder para contrato de
locação, para assim justificar o custo maior por ponto de TV a cabo. O mesmo
também para a Coca-Cola, que, quando celebra contrato de compra e venda com um
dono de bar, ela empresta um freezer da marca ao comerciante. É um contrato
acessório de comodato, que, a princípio, não traz direitos para a Coca, ao
ceder o refrigerador, mas ganhará em divulgação e marketing;
- De execução diferida, pois se perfaz no momento da tradição,
e, para caracterizá-lo, o comodatário terá que usar, ainda que por pouco tempo;
- Pessoal, pois a restituição, que é a obrigação do
comodatário, terá que ser cumprida. Posso até pegar algo emprestado com alguém
e combinar que minha empregada irá devolver a coisa ao proprietário, mas de
todo modo a obrigação foi assumida por mim, e não pela empregada. Agora veja
uma hipótese um tanto bizarra: Guilauma, boa samaritana, está com seu casaco na
mão enquanto espera seu ônibus na rodoviária. Está frio, mas ela já está com
outro agasalho. Um ônibus que não o seu parte da estação com as janelas abertas
num dia muito frio, quando Guilauma, aguardando na calçada, ouve uma voz vinda
de dentro do ônibus gritar: “ai que frio!” Reagindo rápido, ela joga seu
casaco, e alguém, que a viu, mas não foi visto por ela, agarra o casaco,
agradece de longe e o ônibus vai embora. O que é isso? Um empréstimo? Não, é
uma doação. Agora imagine que a Guarina, a mulher que capturou o casaco
arremessado, comparece à estação no dia seguinte, procurando a anterior dona,
e, por milagre, a encontra. Guarina encontra Guilauma e devolve-lhe o casaco. O
que será isso? Restituição da coisa? Negativo, será outra doação, desta vez em
sentido inverso. O comodato é um contrato fiduciário, portanto. Todo contrato que
predispõe a devolução é, via de regra, intuitu
personae.
- De prazo determinado ou indeterminado. Se por prazo
indeterminado, presumir-se-á pelo tempo que a pessoa necessita para o uso;
- Paritário, em regra, ou de adesão, em geral quando é
acessório. Exemplos: NET e Coca-Cola. Quando a NET lhe entrega o decodificador
ou cable modem para conexão à Internet
você não terá chance de negociar com a empresa os termos do comodato dos
equipamentos.
- Definitivo. Pode ser uma promessa de empréstimo, mas esta
terá diferentes regras. Se fosse preliminar, como sabemos, seu objeto seria
justamente a realização do próprio contrato de comodato.
Comodato, portanto, é um contrato intuitu personae. Falamos da extinção do contratos. Quais são mesmo
os motivos? Resolução, resilição e morte. A morte é motivo de extinção de que tipo
de contrato? Os personalíssimos. Entendamos: eu tenho uma fazenda, cujo vizinho
é o Seu Zé. Tenho dois tratores. Seu Zé bateu à porta de minha propriedade e me
pediu os tratores emprestados, pois os dele quebraram e ele tem uma safra por
colher em breve. É contrato por tempo determinado, até o dia de terminar a
colheita. Suponha também que não foi o Seu Zé que os usou, mas quem operou as
máquinas foi seu caseiro. É o Zé que tem obrigações para comigo, não o caseiro
dele.
Um dia vou à casa dele e vejo-o de cama. Ele disse que
contraiu mal de chagas. Fraco, ele está impossibilitado de andar. Nisso,
lembro-o que possuo uma cadeira de rodas em minha casa, e ofereço a ele
emprestada. Duas semanas depois ele vem a falecer.
Analisemos: o contrato de comodato é intuitu personae. A morte, portanto, termina o contrato. Qual seria
a obrigação do Seu Zé? A devolução dos tratores. E obrigações, como sabemos, se
transmitem por herança. Dessa forma, seus herdeiros terão que me devolver os
tratores. Qual é o prejuízo para eles? A devolução, que os impedirá de colher a
safra. Justifica, portanto, a resolução desse contrato com a morte de seu Zé?
Não. Isso é para vermos que existem casos em que a pessoalidade não faz com que
o contrato se extinga com a morte. O principal não é a pessoalidade, mas sim o
prejuízo inevitável para os filhos de Seu Zé.
E a cadeira de rodas, como ficou? Extinguirá esse contrato?
Causará prejuízo para seus herdeiros? Não. Só o Zé usava a cadeira, e
devolvê-la não trará prejuízo a ninguém daquela casa. Então o contrato pode ser
resolvido. O contrato tem que ser analisado pela pessoalidade. Se o fator
pessoalidade for preponderante, ele se extinguirá com a morte. É o caso da
cadeira de rodas. O fator intuitu
personae é preponderante no caso da cadeira. Diferente é o caso dos
tratores, em que a pessoalidade tornou-se, dadas as circunstâncias, secundária
pois, na falta deles, a colheita ficaria inutilizada.
Outra situação: imagine, agora, que eu detesto o seu Zé.
Sabendo que esse contrato não tem a pessoalidade como fator preponderante,
coloco nos termos do contrato de comodato que, em caso de morte, o contrato se extinguirá. Aí sim, os
herdeiros já sabiam dessa condição, e o contrato se extinguirá quando do
falecimento de seu Zé. Sem essa previsão, ele não se extinguiria. Note que é
uma exceção à questão da pessoalidade.
Infungibilidade e não
consumibilidade do bem
O bem não pode ser consumível ou fungível no contrato de
comodato, ou ele será de mútuo. O bem terá que ser devolvido. Não poderá o seu
Zé me devolver outra cadeira de rodas, caso sobreviva e melhore.
Mas existem contratos de bens consumíveis que podem ser
tratados como inconsumíveis. Exemplo: Adriana é decoradora, e enfeitará o salão
de festas para nossa formatura com várias maçãs verdes. Ela precisará de oito
mil delas. Irá Adriana jogá-las fora depois? Não. Então, ela vai à CEASA e
arruma as maçãs. Adriana pactua, depois, que devolverá ao feirante AS maças, e não “quaisquer” maças. É um
contrato de mútuo, mas será chamado de “ad
pompam”: para mostrar, para enfeitar.
Entretanto, se as maçãs foram extraviadas, o que acontece? O
contrato passou a ser de mútuo? Não. O contrato é de comodato, pois já foi
aperfeiçoado no momento da entrega da coisa. Neste caso, o feirante pode
aceitar novas maçãs da mesma qualidade e quantidade ou então ser indenizado. Ou,
se somente algumas foram perdidas ou comidas, pode-se indenizar o dono delas
pela quantidade correspondente.
Temporariedade
Perguntamos: se o contrato de empréstimo for “para sempre”,
estaremos falando no mesmo contrato? Não. Será um contrato de doação. “Para
nunca mais” é, obviamente, diferente de “por tempo determinado”. Como é um
contrato de comodato, que predispõe a devolução do bem, a propriedade não é transferida. Continua sendo meu, e, por isso,
há bastantes coisas que teremos que saber: por exemplo, de quem é a coisa. Vejam a ilustração: pego um carro emprestado de
meu amigo, carro que, enquanto sob minha posse, vem a ser furtado. Terei que
comprar outro? Para responder, precisamos saber de quem é a propriedade.
Transfiro somente a posse, que é chamada de posse
precária, ou seja, tem que haver a restituição. Não se transfere a
propriedade com o comodato.
Direitos e obrigações
do comodante
Quem entrega a coisa, no momento da conclusão, é comodante.
Qual será a obrigação dele? Nenhuma. Mas veja: todo contrato traz, inerente a
ele, algumas obrigações:
- Primeira obrigação do comodante é não reclamar a restituição da coisa antes do prazo convencionado ou do
necessário para o uso concedido. Se feito, o comodatário poderá reclamar
perdas e danos.
- Segunda obrigação: não
tolher o uso e gozo da coisa. Não se pode atrapalhar o uso da coisa pelo
comodatário, desde que não esteja infringindo nenhuma cláusula contratual.
- Reembolsar ao
comodatário as despesas extraordinárias e urgentes que este teve de fazer.
Vejam: o comodante tem que reembolsar quaisquer despesas extraordinárias. O que
são? Aquelas não previstas, não esperadas. Se emprestei o trator para seu Zé,
será que ele sabe que tem que colocar óleo de motor, que é um item de
manutenção periódica? Não. Mas ele terá que saber que combustível é preciso ou
o trator simplesmente não funcionará. Não é preciso ser um gênio para saber
dessa necessidade. O combustível, portanto, é uma despesa ordinária, enquanto o óleo do motor é uma despesa extraordinária. Seu Zé sabia da
necessidade de adicionar óleo ao motor? Não. Note que a obrigação do comodante
é reembolsar as despesas extraordinárias e urgentes que o comodatário venha a
ter. Lembrem-se que a propriedade é do comodante, mas a despesa foi urgente.
- Indenizar os prejuízos
experimentados pelo comodatário oriundos de defeito da coisa que, se os
conhecendo, deixou de advertir o comodatário. Olhem a situação: emprestei o
trator para o seu Zé, cujo caseiro se acidentou porque havia problema no freio.
O comodante tem a obrigação de informar qualquer fato que possa vir a causar
prejuízo ao comodatário. E se eu não soubesse? Seu Zé é quem pagará pelos
dentes do caseiro. Pode até haver dano moral.
- E se, sabendo, o comodante alerta
o comodatário? Este terá a obrigação de pagar.
- E se ocultar dolosamente o
defeito? O comodante terá que pagar.
- A última obrigação é receber
a coisa em restituição. Se não receber no fim do prazo, o comodante estará
em mora. Art. 583: “Se, correndo risco o
objeto do comodato juntamente com outros do comodatário, antepuser este a
salvação dos seus abandonando o do comodante, responderá pelo dano ocorrido,
ainda que se possa atribuir a caso fortuito, ou força maior.”