Direito Civil

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Compra e venda


13.1 – Conceito
13.2 – Natureza jurídica e classificação
13.3 – Elementos constitutivos

13.3.1 – A coisa deverá:

13.3.2 – O preço deverá apresentar

13.3.3 – Consentimento

13.3.4 – Restrições legais à liberdade de comprar e vender – legitimação

 

Introdução e conceito

O contrato de compra e venda leva umas três ou quatro aulas. A compra e venda e o contrato de locação são os contratos mais importantes no sentido de serem complexos e/ou práticos. Em função de ser muito executada, a compra e venda traz mais problemas. A locação é um contrato que sofreu muitas mudanças na lei, como a instituição de valores mais altos.

Conceito de compra e venda: contrato em que uma pessoa se obriga a transferir a outra o domínio de uma coisa corpórea ou incorpórea mediante pagamento de certo preço em dinheiro.

Vejam esse conceito. Temos muita informação só nele. Uma pessoa se obriga a transferir a outra. Ele opera a transferência do domínio ou da propriedade automaticamente? Não; Ele apenas obriga à transferência. Portanto ele é um contrato consensual, não real. Pode ser via dinheiro, cheque, cartão, nota promissória, ou qualquer coisa que seja representativa de dinheiro.

E se digo: “troco meu carro por um cão pastor alemão.” É compra e venda? Não, é troca. Tem que haver dinheiro envolvido na relação. Não é muito grande a importância dessa diferenciação entre compra e venda e troca, pois as mesmas regras funcionam para os dois contratos, salvo dois detalhes que veremos. Podem ser um contrato misto, na prática.

 

Natureza jurídica do contrato de compra e venda

Quanto ao momento do aperfeiçoamento

Com a declaração de vontade das partes

Quanto aos efeitos

Bilateral

Quanto à onerosidade

Oneroso

Quanto à prestação

Comutativo, em regra, ou aleatório, quando o objeto for bens futuros como safras por colher

Quanto à tipicidade

Típico: está no Capítulo I (da compra e venda) do Título VI (Das Várias Espécies de Contrato) do Livro I (do Direito das Obrigações) da Parte Especial do Código Civil)

Quanto à forma

Não solene, em regra. Mas a compra e venda de imóveis com valor superior a 30 vezes o salário mínimo é solene, pela regra do art. 108 do Código. Questão de concurso!

Em relação aos outros

Principal, na maioria das vezes, ou acessório, em caso de venda casada. Exemplo: “pague 1 e leve 2.” Isso, a rigor, é vedado pelo CDC. O estabelecimento é obrigado a oferecer a unidade separada, mesmo que por preço igual ao que o consumidor pagaria se levasse as duas unidades.

Também podemos fazer uma compra e venda de um carro com a intenção de fazer que esse contrato seja acessório em relação ao contrato de compra e venda de um apartamento. Ainda assim o contrato sobre o carro seria principal, a não ser que, nos termos ajustados, as partes façam com que apareçam todas as características de um contrato acessório, como: caso a venda do imóvel venha a ser anulada, anulável será este contrato, e assim por diante

Quanto ao tempo de execução

Imediata ou diferida

Quanto às partes

Pessoal ou impessoal. Em regra os contratos que visam ao lucro são impessoais. O próprio CDC proíbe a distinção entre consumidores. Será pessoal quando celebrado entre pessoas físicas

Quanto ao prazo

Por prazo determinado

Quanto à formação

Paritário ou de adesão (neste caso, regulado pelo CDC)

Quanto ao objetivo

Definitivo

 

 

Elementos constitutivos do contrato de compra e venda

São três: coisa, preço e consentimento. Vamos detalhar.

Coisa

Para começar, a coisa deverá ter existência. Evidente. Ainda que futura ou em potencial. Tem que existir no momento do contrato. Se a cadela da vizinha está prenhe, posso comprar hoje o filhote. Não se pode, entretanto, querer um filhote de um cão que sequer tem idade para reproduzir, pois não se sabe se ele virá a ter filhotes. Se a coisa não existe, o contrato é nulo, não cria vínculo, não cria obrigações nem direitos. Diferente do contrato aleatório emptio spei, com regras que veremos nas próximas aulas.

A existência pode ser corpórea ou incorpórea. Tendo o contrato de compra e venda um bem incorpóreo como objeto, usamos o termo cessão: de direitos autorais, de títulos da Bolsa, cessão de clientela, de bancos de dados em geral.

A coisa também tem que ser individuada, determinada ou ao menos determinável. Esses conceitos se misturam; se a coisa não puder ser identificada pela espécie, ela terá, ao menos, que ser identificável pelo gênero, número, qualidade e/ou quantidade. Significa que não posso dizer: “vou comprar arroz.” Precisamos determinar o valor pela quantidade e tipo. Isso é individuar, estabelecer exatamente o que é o objeto.

Ser disponível ou estar no comércio: outro requisito da coisa. Essa disponibilidade pode decorrer de três fatores. Primeiro, o natural: a queda d’água que tem vazão de 50 mil litros por segundo não está disponível. A indisponibilidade pode decorrer de lei: bens públicos, por exemplo, que só podem ser dispostos via contrato administrativo, e o pacta corvina. E, por último, a indisponibilidade pode resultar da vontade das partes.

E as coisas litigiosas? Podem ser vendidas? Podem. Os direitos podem ser vendidos; o direito à coisa pode, mas não a própria coisa.

A coisa deve também ter possibilidade de ser transferida ao comprador. Ninguém pode transferir direitos que não tem.1 O vendedor não pode alienar direitos de que não seja titular. Porém o Lucas tem um notebook único, de marca que não circula no Brasil, e Márcia está bastante interessada nele. Entretanto Lucas não gosta de Márcia, e jamais lhe venderia o notebook mesmo que não mais o quisesse. O que poderei fazer, então, sabendo dessa situação? Uma promessa de fato de terceiro: combino com Márcia que venderei para ela o notebook quando Lucas concordar em me vender. Promessa de fato de terceiro não é compra e venda, por isso o problema de que não se pode vender o que não se tem o domínio não atrapalhará.

A coisa também tem que ser transferível no sentido de que não poderá ela ficar acoplada a uma coisa que não esteja e não passará à propriedade do comprador. Exemplo: não posso comprar somente o teclado de um notebook pois ele permanecerá acoplado ao dispositivo principal. Também não pode alguém querer se tornar dono do motor do carro de alguém, pagando a essa pessoa um valor até razoável, menor do que o valor de mercado do carro completo.

 

Preço

Primeira observação a se fazer é que a coisa tem que apresentar pecuniariedade. O que é isso? Constituir certa soma em dinheiro. Tem que ser dinheiro. Se não for, não se trata de compra e venda. Como dito acima, o preço pode ser pago em coisas representativas de dinheiro, como título de crédito, cheque, nota promissória, cartão de crédito... não é válido o contrato em que “paga-se qualquer tanto”.

Seriedade: o preço deve ser justo, real, verdadeiro. E o que é preço justo? Posso vender meu apartamento de R$ 1.000.000,00 por R$ 800.000,00, mas não por R$ 10,00. Isso não é um preço justo, verdadeiro. Isso será, na verdade, uma doação. É uma simulação de venda. É que existem casos em que não podemos doar mesmo, daí tenta-se vender, buscando-se burlar as restrições legais. Doação dissimulada é passível de anulação, bem como a permuta de um apartamento por uma bicicleta.

Não deixa de ser sério o preço de um guarda-chuva cujo comerciante eleva de R$ 5 para R$ 15 durante a chuva, e todos que passam pela rua ficam mais desesperados atrás de uma sombrinha.

O Código de Defesa do Consumidor fala até em lesão. No caso de lesão e preço justo, se constatada depois da compra, o contrato poderá ser anulado.

Certeza: O preço tem que ser certo e determinado para que o comprador efetue o pagamento de forma devida, correta. O preço deve ser fixado pelos dois contratantes, no ato da contratação. Não pode ser estipulado arbitrariamente por somente um deles. O que não se pode fazer é promessa de compra e venda entre duas pessoas, sem estabelecer o preço imediatamente, e, quando uma vai ao encontro da outra para efetivar a compra, esta diz: muito bem, a cômoda que acertamos de você comprar custa apenas R$ 790.000,00.

Mas existe uma observação quanto a isso. Art. 485 do Código: “A fixação do preço pode ser deixada ao arbítrio de terceiro, que os contratantes logo designarem ou prometerem designar. Se o terceiro não aceitar a incumbência, ficará sem efeito o contrato, salvo quando acordarem os contratantes designar outra pessoa.” Como seria essa situação? Fui à casa da amiga, vi a cômoda, ela vende concorda em vender, mas não sabe quanto deve cobrar por ela, então falamos com o Seu Joaquim da 116 Sul, que trabalha com mobílias e sabe o valor de mercado. Isso é deixar as duas partes decidirem. Se o seu Joaquim disser “R$ 100.000,00”, a parte que se comprometeu a comprar deverá pagar.

Segunda parte do artigo: Joaquim não sabe. Neste caso, ou o contrato perde a validade, ou as partes vão atrás de outro terceiro. Notem bem que sempre há um acordo das partes, ainda que não quanto ao preço, mas quanto a quem o estabelecerá. Não se pode vender “qualquer coisa”, portanto também não se pode “pagar qualquer tanto”.

Mais um detalhe importante sobre o preço: ele pode não estar certo, porém poderá ser determinável, de acordo com alguma taxa de mercado, por exemplo. IGPM, INPC, taxa em vigor para contratos de algum tipo, qualquer taxa ou índice.

Art. 490: “Salvo cláusula em contrário, ficarão as despesas de escritura e registro a cargo do comprador, e a cargo do vendedor as da tradição.” Isso no silêncio das partes quanto a esses valores.

 

Consentimento

Aqui não falamos em vícios do consentimento, mas em incapazes. Eles podem celebrar contrato? Não. Então é claro que nunca vimos um menor de 18 anos comprando nada, certo? Claro que não. O menor pode comprar o que quiser, desde que insignificante. Comprar chiclete, bala, ioiô não trará consequências jurídicas.

E se dou o dinheiro ao meu filho e mando-o pagar o açougue, mas ele desvia do caminho e compra uma bicicleta em promoção que estava exposta em loja próxima? Depois condenar o filho a um castigo de 24 meses, devo devolver bicicleta, e a loja terá a obrigação de devolver o dinheiro.

Essa insignificância também é relativa. Se o valor foi devolvido, é porque ele era significativo para a parte que pediu a devolução.

Cuidado: se você trabalha no McDonalds, não aceite pedidos vindos de fregueses com voz de criança. Isso porque ele pode pedir um lanche, o motoqueiro vai à casa dele e é recebido com a agradável surpresa de que aquilo era um trote. O menor não tem a obrigação de pagar. Alguém irá levar a culpa por ter registrado o pedido, provavelmente você. Fato é que menores não podem praticar a compra e venda; na verdade, nenhum contrato. Na prática, há um consenso de que uma refeição do McDonalds é “insignificante”, mas ainda assim ela não terá a obrigação de pagar pelo lanche pedido em domicílio, que representa, desde já, prejuízo para a lanchonete caso não seja pago.

 

Restrições legais à liberdade de comprar e vender

Aqui falamos em legitimação.

Primeiro caso: venda a cônjuge. Art. 499: “É lícita a compra e venda entre cônjuges, com relação a bens excluídos da comunhão.” Se você é casado em comunhão parcial de bens e pretende comprar, de seu cônjuge, algo que foi adquirido onerosamente depois do casamento, isso é o mesmo que querer comprar algo que já é seu.

Segundo caso: venda de explosivos, armas, munições, produtos que possam causar dependência química ou produtos obscenos a menores. A Lei 8069, o Estatuto da Criança e do Adolescente, traz os crimes, com pena privativa de liberdade e multa para esses casos nos arts. 242 a 244. Bilhete de loteria também não pode ser vendido para menores.

Próxima aula: venda a descendente. 


1 – Nemo plus juris transferre potest quam ipse habet.