13.1 – Conceito
13.2 – Natureza jurídica e classificação
13.3 – Elementos constitutivos
13.3.1 – A coisa deverá:
13.3.2 – O preço deverá apresentar
13.3.3 – Consentimento
13.3.4 – Restrições legais à liberdade de comprar e vender –
legitimação
Introdução e conceito
O contrato de compra e venda leva umas três ou quatro aulas.
A compra e venda e o contrato de locação são os contratos mais importantes no
sentido de serem complexos e/ou práticos. Em função de ser muito executada, a
compra e venda traz mais problemas. A locação é um contrato que sofreu muitas
mudanças na lei, como a instituição de valores mais altos.
Conceito de compra e venda: contrato em que uma pessoa se obriga a transferir a outra o domínio de
uma coisa corpórea ou incorpórea mediante pagamento de certo preço em dinheiro.
Vejam esse conceito. Temos muita informação só nele. Uma
pessoa se obriga a transferir a outra. Ele opera a transferência do domínio ou
da propriedade automaticamente? Não; Ele apenas obriga à transferência. Portanto ele é um contrato consensual, não
real. Pode ser via dinheiro, cheque, cartão, nota promissória, ou qualquer coisa
que seja representativa de dinheiro.
E se digo: “troco meu carro por um cão pastor alemão.” É
compra e venda? Não, é troca. Tem que haver dinheiro envolvido na relação. Não
é muito grande a importância dessa diferenciação entre compra e venda e troca,
pois as mesmas regras funcionam para os dois contratos, salvo dois detalhes que
veremos. Podem ser um contrato misto, na prática.
Natureza jurídica do
contrato de compra e venda
Quanto ao momento do aperfeiçoamento |
Com a declaração de vontade das partes |
Quanto aos efeitos |
Bilateral |
Quanto à onerosidade |
Oneroso |
Quanto à prestação |
Comutativo, em regra, ou aleatório, quando o objeto for bens futuros
como safras por colher |
Quanto à tipicidade |
Típico: está no Capítulo I (da compra e venda) do Título VI (Das
Várias Espécies de Contrato) do Livro I (do Direito das Obrigações) da Parte
Especial do Código Civil) |
Quanto à forma |
Não solene, em regra. Mas a compra e venda de imóveis com valor
superior a 30 vezes o salário mínimo é solene, pela regra do art. 108 do
Código. Questão de concurso! |
Em relação aos outros |
Principal, na maioria das vezes, ou acessório, em caso de venda
casada. Exemplo: “pague 1 e leve 2.” Isso, a rigor, é vedado pelo CDC. O
estabelecimento é obrigado a oferecer a unidade separada, mesmo que por preço
igual ao que o consumidor pagaria se levasse as duas unidades. Também podemos fazer uma compra e venda de um carro com a intenção de
fazer que esse contrato seja acessório em relação ao contrato de compra e
venda de um apartamento. Ainda assim o contrato sobre o carro seria
principal, a não ser que, nos termos ajustados, as partes façam com que
apareçam todas as características de um contrato acessório, como: caso a
venda do imóvel venha a ser anulada, anulável será este contrato, e assim por
diante |
Quanto ao tempo de execução |
Imediata ou diferida |
Quanto às partes |
Pessoal ou impessoal. Em regra os contratos que visam ao lucro
são impessoais. O próprio CDC proíbe a distinção entre consumidores. Será
pessoal quando celebrado entre pessoas físicas |
Quanto ao prazo |
Por prazo determinado |
Quanto à formação |
Paritário ou de adesão (neste caso, regulado pelo CDC) |
Quanto ao objetivo |
Definitivo |
Elementos
constitutivos do contrato de compra e venda
São três: coisa, preço e consentimento. Vamos detalhar.
Coisa
Para começar, a coisa deverá ter existência. Evidente. Ainda que futura ou em potencial. Tem que
existir no momento do contrato. Se a cadela da vizinha está prenhe, posso
comprar hoje o filhote. Não se pode, entretanto, querer um filhote de um cão
que sequer tem idade para reproduzir, pois não se sabe se ele virá a ter
filhotes. Se a coisa não existe, o contrato é nulo, não cria vínculo, não cria
obrigações nem direitos. Diferente do contrato aleatório emptio spei, com regras
que veremos nas próximas aulas.
A existência pode ser corpórea
ou incorpórea. Tendo o contrato de
compra e venda um bem incorpóreo como objeto, usamos o termo cessão: de direitos autorais, de títulos
da Bolsa, cessão de clientela, de bancos de dados em geral.
A coisa também tem que ser individuada, determinada
ou ao menos determinável. Esses
conceitos se misturam; se a coisa não puder ser identificada pela espécie, ela
terá, ao menos, que ser identificável pelo gênero, número, qualidade e/ou quantidade.
Significa que não posso dizer: “vou comprar arroz.” Precisamos determinar o
valor pela quantidade e tipo. Isso é individuar, estabelecer exatamente o que é
o objeto.
Ser disponível ou
estar no comércio: outro requisito
da coisa. Essa disponibilidade pode decorrer de três fatores. Primeiro, o
natural: a queda d’água que tem vazão de 50 mil litros por segundo não está
disponível. A indisponibilidade pode
decorrer de lei: bens públicos, por exemplo, que só podem ser dispostos via contrato
administrativo, e o pacta corvina. E,
por último, a indisponibilidade pode resultar da vontade das partes.
E as coisas litigiosas? Podem ser vendidas? Podem. Os
direitos podem ser vendidos; o direito à coisa pode, mas não a própria coisa.
A coisa deve também ter possibilidade
de ser transferida ao comprador. Ninguém pode transferir direitos que não
tem.1 O vendedor não pode alienar direitos de que não seja titular.
Porém o Lucas tem um notebook único, de marca que não circula no Brasil, e Márcia
está bastante interessada nele. Entretanto Lucas não gosta de Márcia, e jamais
lhe venderia o notebook mesmo que não mais o quisesse. O que poderei fazer,
então, sabendo dessa situação? Uma promessa de fato de terceiro: combino com
Márcia que venderei para ela o notebook quando
Lucas concordar em me vender. Promessa de fato de terceiro não
é compra e venda, por isso o problema de que não se pode vender o que não se
tem o domínio não atrapalhará.
A coisa também tem que ser transferível no sentido de que
não poderá ela ficar acoplada a uma coisa que não esteja e não passará à
propriedade do comprador. Exemplo: não posso comprar somente o teclado de um
notebook pois ele permanecerá acoplado ao dispositivo principal. Também não
pode alguém querer se tornar dono do motor
do carro de alguém, pagando a essa pessoa um valor até razoável, menor do que o
valor de mercado do carro completo.
Preço
Primeira observação a se fazer é que a coisa tem que
apresentar pecuniariedade. O que é
isso? Constituir certa soma em dinheiro. Tem
que ser dinheiro. Se não for, não se trata de compra e venda. Como dito acima, o
preço pode ser pago em coisas representativas de dinheiro, como título de
crédito, cheque, nota promissória, cartão de crédito... não é válido o contrato
em que “paga-se qualquer tanto”.
Seriedade: o
preço deve ser justo, real, verdadeiro. E o que é preço justo? Posso vender meu
apartamento de R$ 1.000.000,00 por R$ 800.000,00, mas não por R$ 10,00. Isso
não é um preço justo, verdadeiro. Isso será, na verdade, uma doação. É uma
simulação de venda. É que existem casos em que não podemos doar mesmo, daí
tenta-se vender, buscando-se burlar as restrições legais. Doação dissimulada é
passível de anulação, bem como a permuta de um apartamento por uma bicicleta.
Não deixa de ser sério o preço de um guarda-chuva cujo
comerciante eleva de R$ 5 para R$ 15 durante a chuva, e todos que passam pela
rua ficam mais desesperados atrás de uma sombrinha.
O Código de Defesa do Consumidor fala até em lesão. No caso de lesão e preço justo,
se constatada depois da compra, o contrato poderá ser anulado.
Certeza: O preço
tem que ser certo e determinado para que o comprador efetue o pagamento de
forma devida, correta. O preço deve ser fixado pelos dois contratantes, no ato da contratação. Não pode ser
estipulado arbitrariamente por somente um deles. O que não se pode fazer é promessa
de compra e venda entre duas pessoas, sem estabelecer o preço imediatamente, e,
quando uma vai ao encontro da outra para efetivar a compra, esta diz: muito
bem, a cômoda que acertamos de você comprar custa apenas R$ 790.000,00.
Mas existe uma observação quanto a isso. Art. 485 do Código:
“A fixação do preço pode ser deixada ao
arbítrio de terceiro, que os contratantes logo designarem ou prometerem
designar. Se o terceiro não aceitar a incumbência, ficará sem efeito o
contrato, salvo quando acordarem os contratantes designar outra pessoa.”
Como seria essa situação? Fui à casa da amiga, vi a cômoda, ela vende concorda
em vender, mas não sabe quanto deve cobrar por ela, então falamos com o Seu Joaquim
da 116 Sul, que trabalha com mobílias e sabe o valor de mercado. Isso é deixar
as duas partes decidirem. Se o seu Joaquim disser “R$ 100.000,00”, a parte que
se comprometeu a comprar deverá pagar.
Segunda parte do artigo: Joaquim não sabe. Neste caso, ou o
contrato perde a validade, ou as partes vão atrás de outro terceiro. Notem bem
que sempre há um acordo das partes, ainda que não quanto ao preço, mas quanto a
quem o estabelecerá. Não se pode vender “qualquer coisa”, portanto também não
se pode “pagar qualquer tanto”.
Mais um detalhe importante sobre o preço: ele pode não estar
certo, porém poderá ser determinável,
de acordo com alguma taxa de mercado, por exemplo. IGPM, INPC, taxa em vigor
para contratos de algum tipo, qualquer taxa ou índice.
Art. 490: “Salvo
cláusula em contrário, ficarão as despesas de escritura e registro a cargo do
comprador, e a cargo do vendedor as da tradição.” Isso no silêncio das
partes quanto a esses valores.
Consentimento
Aqui não falamos em vícios do consentimento, mas em
incapazes. Eles podem celebrar contrato? Não. Então é claro que nunca vimos um
menor de 18 anos comprando nada, certo? Claro que não. O menor pode comprar o
que quiser, desde que insignificante.
Comprar chiclete, bala, ioiô não trará consequências jurídicas.
E se dou o dinheiro ao meu filho e mando-o pagar o açougue,
mas ele desvia do caminho e compra uma bicicleta em promoção que estava exposta
em loja próxima? Depois condenar o filho a um castigo de 24 meses, devo
devolver bicicleta, e a loja terá a obrigação de devolver o dinheiro.
Essa insignificância também é relativa. Se o valor foi
devolvido, é porque ele era significativo para a parte que pediu a devolução.
Cuidado: se você trabalha no McDonalds, não aceite pedidos
vindos de fregueses com voz de criança. Isso porque ele pode pedir um lanche, o
motoqueiro vai à casa dele e é recebido com a agradável surpresa de que aquilo
era um trote. O menor não tem a obrigação de pagar. Alguém irá levar a culpa
por ter registrado o pedido, provavelmente você. Fato é que menores não podem
praticar a compra e venda; na verdade, nenhum contrato. Na prática, há um
consenso de que uma refeição do McDonalds é “insignificante”, mas ainda assim
ela não terá a obrigação de pagar pelo lanche pedido em domicílio, que
representa, desde já, prejuízo para a lanchonete caso não seja pago.
Restrições legais à
liberdade de comprar e vender
Aqui falamos em legitimação.
Primeiro caso: venda a cônjuge. Art. 499: “É lícita a compra e venda entre cônjuges,
com relação a bens excluídos da comunhão.” Se você é casado em comunhão
parcial de bens e pretende comprar, de seu cônjuge, algo que foi adquirido
onerosamente depois do casamento, isso é o mesmo que querer comprar algo que já
é seu.
Segundo caso: venda de explosivos, armas, munições, produtos
que possam causar dependência química ou produtos obscenos a menores. A Lei
8069, o Estatuto da Criança e do Adolescente, traz os crimes, com pena
privativa de liberdade e multa para esses casos nos arts. 242 a 244. Bilhete de
loteria também não pode ser vendido para menores.
Próxima aula: venda a descendente.
1 – Nemo plus juris transferre potest quam ipse habet.