Introdução
Hoje começamos ver o mais polêmico dos títulos de crédito,
pura e simplesmente porque ainda faz parte do nosso dia-a-dia e ainda temos
muitas dúvidas acerca do funcionamento do cheque.
Ele tem uma origem idêntica à da letra de câmbio, inclusive
cronológica. Há muitas características semelhantes, as situações jurídicas, por
exemplo: sacador, sacado e tomador.
O que distinguirá um título do outro? Apesar de terem
começado juntos, com a mesma função histórica, sobre a letra de câmbio, no período
alemão, que é o segundo período de estudo da letra de câmbio, Einert disse que
a letra de câmbio tem quem abstrair de uma relação fundamental. Não precisamos
que nessa relação entre sacador e sacado exista relação de uma provisão de
fundos, que era o que se exigia para a letra de câmbio no primeiro período. Se
Leopoldo sacasse a letra determinando a Arthur que pague a Diogo, seria
necessário que existisse uma relação de provisão de fundos entre Leopoldo e
Arthur. Arthur só faria esse pagamento a Diogo dessa letra de câmbio caso
Leopoldo tivesse dinheiro, lastro com Arthur. Mas Einert dizia que a letra de
câmbio firmava uma relação abstrata entre as pessoas envolvidas. Essa disposição
foi mantida para o cheque.
Como funcionava? Um banqueiro, uma instituição financeira
possuía a provisão de fundos e anotava o que cada cliente lá deixava. Exemplo:
Maria Julia deixou 500 unidades monetárias no banco. Este emitia a ela pequenos
bilhetes para que Maria Julia os usasse para pagar quaisquer coisas. Os bilhetes
poderiam valer, cada um, 100 unidades monetárias, então o banco daria 5 deles à
cliente. A pessoa que recebia um bilhete de Maria Julia ia ao banco de posse
dele, apresentava, e a instituição conferia, no livro, se Maria ainda possuía a
provisão de fundos na conta e dava ao portador do bilhete dinheiro em troca.
Daí inclusive surge a primeira hipótese do que seria a palavra
“cheque”: vem do inglês to check: checar
se aquele bilhete corresponderia à provisão de fundos que Maria possuía junto
ao banco.
O cheque também está bastante ligado ao início da atividade
bancária. Surgiu na Itália. Os italianos migraram para a Inglaterra, que foi
onde houve um desenvolvimento mais profícuo da atividade bancária, portanto também
foi lá que a legislação se desenvolveu melhor. Em 1800, Portugal dá uma
definição legislativa para o cheque tal qual o nosso exemplo de hoje,
dissociando por completo da letra de câmbio.
Veremos outra diferença: a letra de câmbio é uma ordem de
pagamento à vista ou a prazo; o cheque será sempre à vista, não importa o que
estiver escrito nele. Só se podem sacar cheques mediante existência de provisão
de fundos.
Conceito
É a ordem de pagamento à vista sob quantia determinada
sacada contra um banco ou instituição financeira assemelhada com base em
provisão de fundos depositados pelo emitente ou oriundos de contrato de
abertura de crédito.
Primeira pergunta: o que é mesmo um título de crédito com
vencimento à vista? Aquele cujo momento do vencimento é aquele em que o devedor
tem a vista do título. O cheque tem conhecimento neste exato momento.
Qual o nome do cheque usado para pagamento futuro? O cheque
equivocadamente chamado de "pré-datado". O certo é pós-datado, em que consumidores e comerciantes usam a “orelhinha” e
escrevem “bom para”. Mas a questão do cheque pós-datado
passa por sérias controvérsias no Direito. Claro que poderá ser descontado
quando da apresentação, pois é à vista! Há autorização do emitente. Ricardo
Negrão falava disso há muito tempo: para fins extracambiários, falta a anuência
do emitente quando este emite um cheque pós-datado. O banco, todavia, irá pagar
o cheque. O banco pode fazer o pagamento mesmo que estivesse escrito “bom para
5/6”. O banco não só pode como deve pagar, independente da data escrita.
Mas veremos na aula de sexta-feira a Súmula 370 do STJ, que
trata da apresentação antecipada do cheque pós-datado.
Outra observação é: “sacado contra banco ou instituição
financeira assemelhada”. Só é banco ou instituição financeira assemelhada
aquela instituição que é autorizada a funcionar pelo Banco Central do Brasil. Veremos
em Direito Administrativo, quando estudarmos as pessoas que compõem a
Administração Direta e Indireta, que o BACEN é uma autarquia do poder público
para regular o sistema financeiro. Só bancos pode emitir cheque. Qualquer um
pode pegar um papel e emitir uma letra de câmbio, mas cheque não.
Instituição financeira assemelhada: cooperativa de crédito,
que não necessariamente é um banco, mas pode fornecer cheques.
“Depositados pelo cliente e oriundos de contrato
de abertura
de crédito”: o que são fundos depositados pelo emitente? A quantia que
o emitente
do cheque tem depositada no banco. Se o sujeito tem apenas 1000
unidades
monetárias, ele só poderá emitir até 1000 unidades em cheques. Abertura
de
crédito: o mais corriqueiro exemplo é o cheque especial. O gerente do
banco
oferece um “limite” de 5000 unidades monetárias. Significa que, se o
cliente extrapolar as 1000 unidades, o banco o está “dando” 5000. É um
mútuo feneratício.
Não usem cheque especial, pois os juros, como sabemos, são
exorbitantes.
Leva-se muito tempo para desescravizar-se.
Crédito, como vimos na primeira aula, é a permissão de
utilização do capital alheio. Utilizo o cheque especial, e terei que repor um
dia. Significa que terei 6000 unidades monetárias, minhas 1000 mais as 5000
disponibilizadas pelo banco, para gastar.
Se o cheque é “sem fundo”, o que significa isso? Não há
contrato de abertura de crédito e não há provisão de fundos, ou há os dois mas
as 6000 unidades já foram gastas. Não pode o sujeito emitir um cheque de 7000.
O banco não poderá pagar 6000 e ficar devendo 1000, pelo princípio da
literalidade. O cheque não será pago.
Pessoa com cheque sem fundo terá seu nome inscrito no Serasa
e/ou SPC. Circular 1682 do BACEN: o cheque é
devolvido e o emitente terá 48 horas para depositar os 1000 de diferença. Só então
ele é reapresentado. Se, novamente, os fundos não se verificarem, o emitente entra no CCF:
Cadastro de Emitentes de Cheques sem Fundo. Antigamente era o Banco do Brasil
que administrava esse cadastro, agora é o Serasa. Para excluir seu nome é uma
dor de cabeça.
Situações jurídicas
Quais as situações jurídicas presentes no cheque? São três,
como na letra de câmbio.
Até agora parece idêntico à letra de câmbio! Diferença
básica é que, no cheque, o sacado será sempre um banco ou instituição
financeira assemelhada.
Natureza jurídica do
cheque
Natureza jurídica significa: qual a finalidade, qual sua
essência. O cheque, na verdade, não é um
título de crédito. É uma moeda de mobilização bancária. Ele é dinheiro
mesmo, apenas não em forma de cédulas. Aqui lembramos de algumas situações
interessantes: quando vamos ao McDonalds, vemos uma plaquinha metálica com a
mensagem: “este estabelecimento não aceita cheques. CF/88, art. 5º, inciso II.”
O que é isso? Princípio da legalidade, eximindo toda e qualquer pessoa da
obrigação de fazer ou deixar de fazer o que não está previsto em lei. Aceitar
cheques não é exceção. Logo, deve haver uma lei que regula o direito do
estabelecimento de recusar o cheque como forma de pagamento. Vamos tentar
descobrir qual é.
Lei 8884/94, art. 92: é a Lei Antitruste, a Lei do CADE. Vejam
o cabeçalho do diploma legal: “Transforma
o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) em Autarquia, dispõe sobre
a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica e dá outras
providências.” Art. 92: “Revogam-se
as disposições em contrário, assim como as Leis nºs 4.137, de 10 de setembro de
1962, 8.158, de 8 de janeiro de 1991, e 8.002, de 14 de março de 1990, mantido
o disposto no art. 36 da Lei nº 8.880, de 27 de maio de 1994.” Está ficando
mais complicado... “Revogam-se as disposições em contrário”: em regra, cheque
não pode ser recusado por ninguém, pois é uma ordem de pagamento à vista sob
provisão de fundos. Afinal ele é dinheiro, moeda de mobilização bancária. Qual
é o fundamento que as pessoas usam para justificar o não recebimento? Lei 9069/95,
que institui o Plano Real. Art. 1º: “A
partir de 1º de julho de 1994, a unidade do Sistema Monetário Nacional passa a
ser o REAL (Art. 2º da Lei nº 8.880, de 27 de maio de 1994), que terá curso legal em todo o território
nacional.” Moeda, curso forçado,
a única coisa aceitável. Isso não é fundamento para se recusar o cheque. A
única desculpa plausível é o prazo de
compensação. Demora de 24 a 48 horas de acordo com o valor. Os comerciantes
acham também que o brasileiro tem uma certa tendência a ser malandro.
E cheque de outra praça? Também não há nada na legislação
que permita a recusa. Também não há fundamento na recusa. E os cheques de
clientes que não têm conta há pelo menos determinado tempo, como “cheques com
menos de 1 ano da abertura da conta?” Aqui é que as coisas ficam até engraçadas
pois a recusa passa a ser não só legalmente, mas também estrategicamente
descabida: alguém pode abrir a conta, ficar um ano honesto e depois iniciar a
atividade criminosa.
Princípios associados
O cheque é estudado como título de crédito, mesmo sendo uma moeda
de mobilização bancária. Por quê? É um título cambiariforme. Se aplicam a ele os mesmos princípios. Não temos
cheque virtual ainda; é um documento. Qual é o princípio que trata do
documento? Cartularidade. E qual o princípio que trata da exatidão de seu
conteúdo? Literalidade. Há também, por último, o princípio da autonomia, traduzida
na inoponibilidade das exceções pessoais.
O cheque é um título
de crédito sui generis (sem igual no gênero) porquanto, embora se constitua
como moeda de mobilização bancária, submete-se ao Direito Cambiário em face da
aplicação dos princípios da cartularidade, da literalidade e da autonomia, bem
como da inoponibilidade das exceções pessoais quando se tratar de terceiro de
boa-fé.
Leis de regência
Quanto às leis de regência, temos o Decreto 57665/66, que
também é uma lei uniforme derivada de uma Convenção de Genebra para fins de
cheque; Lei 7357/85, Código Civil de 2002 além de resoluções, portarias,
circulares e normas internas baixadas pelo Banco Central. Foi, por exemplo, uma
resolução de 1983 que padronizou o formato do cheque.
Requisitos
extrínsecos
Por ser um título de crédito sui generis, há requisitos extrínsecos de validade para serem
observados:
Apresentação do
cheque
Na letra de câmbio, temos uma ordem de pagamento à vista ou
a prazo em que uma pessoa determina a outra que pague a terceiro. Leopoldo,
Arthur e Diogo. Diogo endossou a letra de câmbio para Cadu, que apresenta para
Arthur aceitar. Se não aceitar, Cadu terá que protestar por falta de aceite. O
cheque, ao contrário da letra de câmbio, não admite aceite. Quando alguém vai
ao banco apresentar o cheque, o estabelecimento não prestará aceite, mas fará o
pagamento de imediato. Essa ida ao banco de posse do cheque é a apresentação do
cheque. O pagamento só se dá mediante sua inserção na cadeia bancária.
Se dará mediante depósito em conta corrente, ou quando
fazemos o desconto do cheque, equivocadamente chamado “saque do cheque”.
Apresentação do cheque: meio
pelo qual o cheque é levado ao conhecimento do sacado para que seja feito o seu
pagamento. Essa apresentação possui prazos para que seja realizada. O
cheque é mais complexo que imaginamos. Há, por exemplo, dois prazos para
apresentação do cheque: 30 e 60 dias. Por que essa diferença? Vejamos:
a) O cheque terá
prazo de apresentação de 30 dias se de
mesma praça e
b) 60 dias, se de
praças distintas.
O que são cheques de outra praça? De outra cidade ou estado.
O que estamos dizendo é que, se passo um cheque para Rebeca, minha agência é de
Brasília e a dela também, somos da mesma praça. Sendo de praças (cidades)
distintas, Rebeca terá 60 dias para apresentá-lo. São câmaras de compensação
diferentes.
Se Rebeca perder o prazo de apresentação, o que acontecerá? O
banco pagará, independentemente disso! Banco paga cheque prescrito, inclusive.
Basta ter fundos. O problema é quando Rebeca perde o prazo e não existe a provisão de fundos.
Quais as consequências?
Sexta-feira: súmula 370 do STJ.