Direito Empresarial - Cambiário

sexta-feira, 07 de maio de 2010

A Súmula 370 do STJ



Hoje estudamos a Súmula 370 do STJ. O que fizemos em sala foi uma leitura comentada dos julgados que antecederam a edição dessa Súmula. Portanto, pela economia de tempo, não pude transcrever aqui os julgados, que podem ser encontrados no site do STJ, conforme dito abaixo. Resumirei aqui, portanto, as principais dicas dadas pelo professor enquanto comentava os acórdãos. Infelizmente nem todas consegui anotar. Para aproveitar o máximo desta anotação, procure a Súmula 370 do Superior Tribunal de Justiça e leia os julgados precedentes. Não é muita coisa.

O enunciado da Súmula 370, aparentemente simples, diz: “Caracteriza dano moral a apresentação antecipada de cheque pré-datado.” Essa súmula é assunto de bastante polêmica. Tanto que passou a ser cobrada em concursos e exame da Ordem.

Vimos o vencimento do cheque na aula passada, e aprendemos que o cheque é uma ordem de pagamento à vista. Qualquer coisa que se escreva no cheque que torne-o diferente desnatura-o como cheque. O banco é obrigado a pagar na data apresentada, independente da data escrita na cártula.

Desenvolvemos a prática do cheque pós-datado. A relação dele com a súmula 370 é que, muitas das vezes, passo um grupo de três cheques pós-datados e pode vir a ocorrer de o cidadão depositar os todos de uma vez. E não havia o que fazer, pois o cheque estava regulamentado segundo as resoluções do Banco Central, e também pela própria legislação, que lhe confere natureza jurídica de ordem de pagamento à vista. Se é à vista, ele deverá ser pago quando o sacado tiver a vista do cheque, e não deveria haver mais discussões. Se houver a provisão de fundos, os cheques deverão ser pagos.

Para fins de Direito Cambiário, a apresentação do cheque antes do vencimento não traz consequência alguma, mas, para o Direito Civil, poderá sim trazer consequências. Em fevereiro de 2009, o STJ editou a Súmula 370.

Vejamos: O que é jurisprudência? Decisões reiteradas de um tribunal. Quando são por demais reiteradas, o tribunal edita uma súmula, ou melhor, um enunciado de súmula, que é um resumo que passará a nortear todos os julgamentos daquela corte. Até que se chegou ao enunciado atual da Súmula 370: “Caracteriza dano moral a apresentação antecipada de cheque pré-datado.”

Isso significa que, se passo um cheque para daqui a 30 dias para Eleonora e ela o deposita hoje, posso ajuizar pedido de dano moral contra ela, certo? Não exatamente. O enunciado da Súmula serve apenas como norteador de decisões.

Visitem a página no site do STJ em que se encontra a Súmula.¹ Ou, se quiser navegar desde a raiz do site (www.stj.jus.br), vá ao menu à esquerda, vá em consultas, depois súmulas. Você irá para uma página que exibirá as súmulas em ordem decrescente. Então, clique no ícone que contém uma lupa (acima da palavra ajuda, que por sua vez está acima da lista de súmulas), que lhe enviará à página de pesquisa de súmulas, e digite o número 370 no campo “número”. Você chegará à página do link acima.

Quando entramos na página de qualquer súmula, vemos o enunciado, o número da súmula, a sessão, que é de direito privado. O STJ é dividido em três sessões, cada uma dividida em duas turmas. A primeira sessão é composta pela primeira e pela segunda turma, a segunda sessão pela terceira e quarta turmas e a terceira sessão pela quinta e sexta turmas. A primeira trata de Direito Público, a segunda trata de Direito Privado, e a terceira trata de Direito Previdenciário, Direito Penal e assuntos referentes a servidores públicos. Há também, na página de cada súmula, a referência legislativa, com o Direito aplicável. No caso, a Lei 7357/85, a Lei do Cheque, que vimos na aula passada. Temos Recursos Especiais desde 1993 sobre o assunto. Por fim, temos os Precedentes, que são os Recursos Especiais julgados pelo Superior Tribunal de Justiça sobre essa matéria.

A partir de todos os julgados dos RESPs, partiu-se para a montagem da Súmula 370.

Para verificar o real espírito da súmula, temos que trabalhar com os julgados, que foram os precedentes, para então saber o que se passou na cabeça dos ministros.

 

Estrutura do acórdão

O que é mesmo um acórdão? É uma decisão do Colegiado. Os ministros julgadores que compõem aquele Colegiado julgarão, irão acordar com a proposição feita pelo relator do processo e daí forma-se a decisão. É o oposto da decisão monocrática, feita singularmente. Também chamada de decisão solitária.

Temos a ementa, que é o resumo do julgado, da matéria que está sendo tratada. A ementa está para o acórdão assim como o dispositivo está para a sentença. Na ementa temos o que foi decidido.

O acórdão tem também um relatório, assim como a sentença, e o voto, que é a manifestação do relator, em que ele diz por que julga daquela maneira, assim como a fundamentação está para a sentença, e a parte final, que é a ementa, a parte dispositiva da sentença.

O relatório contém a matéria tratada e o histórico de como aquele processo chegou ao STJ.

Quando começou a prática do cheque “pré-datado” no Brasil, os tribunais começaram a rejeitar os pedidos de indenização por motivo de apresentação antecipada. Entendia-se que, como o cheque é uma ordem de pagamento à vista, ao se colocar uma data futura, ele estaria sendo desnaturado como título de crédito, então não caberia mais dano moral em virtude de sua apresentação antecipada, e o cheque funcionaria apenas um representativo de dívida. Depois de muito tempo, todos os tribunais passaram a admitir a prática porque era corriqueira. O Judiciário não poderia virar as costas para a realidade social. “Se todos fazem isso, temos que criar uma jurisprudência própria para o cheque pré-datado!”, pensou-se.

 

REsp 213.940

Neste julgado, em que uma mulher pedia danos morais pela apresentação antecipada de um cheque, o estabelecimento recorreu alegando que não houve problemas maiores para a mulher. Ainda assim o recurso restou improvido, pois apesar de a emitente não ter tido seu nome incluso em cadastros de inadimplentes, o constrangimento não deixou de existir, e que o encerramento de conta corrente ou inclusão do nome da consumidora no SPC ou Serasa seriam meras agravantes.

Cuidou o magistrado de pontuar que dano moral é algo de foro íntimo e não quantificável objetivamente, portanto a razoabilidade deve ser usada para o arbitramento do valor.

O recorrente (o estabelecimento comercial) também alegou contrariedade da decisão do TJRJ às normas dos arts. 4º e 5º da a Lei de Introdução ao Código Civil, um dos requisitos de admissibilidade. Quando estudarmos recursos, veremos que o REsp, o Recurso Especial encaminhado para o STJ, tem dois requisitos de admissibilidade: contrariar dispositivo de lei federal e existência de divergência entre a decisão de um tribunal com outros tribunais do país. Devemos verificar em que ponto a decisão recorrida contraria o dispositivo de lei federal, ou onde que há divergência com decisão de outro tribunal.

Quando tivemos o acidente do Boeing da Gol com o jato Legacy da Embraer em 29/9/2006, um escritório foi contratado para fazer um levantamento da jurisprudência quanto aos danos morais para as famílias. O STJ pensava em 150 salários mínimos, mais o pensionamento vitalício. Isso talvez chegasse aos R$ 80 mil por família, bem menos do que a indenização que seria devida caso a condenação ocorresse nos Estados Unidos.

Note a ementa do julgamento desse REsp: “devolução de cheque sem fundo constitui fato capaz de gerar prejuízo moral”. Compare com o enunciado. Capaz de gerar significa que não necessariamente gerará. No caso dos autos, houve prejuízo de ordem moral porque houve a devolução de cheque sem fundo, que faz negativar a imagem do indivíduo, pois passa a figurar como emitente de cheque sem fundo.

 

Segundo acórdão: 557.505

...com relatoria do Ministro Menezes Direito.

O professor entendeu como absurdo esse acórdão já que, nesta hipótese, o recorrente, que é o autor, já tem o nome sujo. A loja, por algum motivo, antecipou o depósito do cheque, e o emitente alegou dano moral. Note também que ele é um recorrente em causa própria, logo é advogado. Sem prova de que houve combinação de apresentar só na data, que era ônus do requerente, o Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais negou seu pedido de indenização por danos morais.

Na ementa vemos que o cheque apresentado antes da hora pressupõe o dano moral, seja pelo fator surpresa, seja porque capaz de ensejar uma série de aborrecimentos. Para o REsp, também, indicou inobservância, pelo tribunal que emitiu a decisão recorrida, de dispositivos do CDC (lei federal) que versam sobre propaganda enganosa e inversão do ônus da prova.

Menezes Direito invocou o teor dos precedentes dos REsps 213940 e 237376 e os aplicou ao caso concreto.

 

REsp 707.272

O Tribunal de Justiça da Paraíba também teve uma decisão sua sobre o assunto recorrida. Foi o REsp 707.272. A relatora foi a Ministra Nancy Andrighi. Ela, em seu voto, reconhece que a prática de passar cheques pós-datados tornou-se nacionalmente aceita e menciona o erro comum na terminologia, chamando-o corretamente de “pós-datado”.

Já trabalha com outro aspecto do cheque pós-datado: é uma relação de confiança, uma relação contratual. Estabelece-se um pacta sunt servanda. Então, alegou-se exceptio non adimpleti contractus. "O construtor (promitente alienante) ao aceitar o pagamento com o cheque em data posterior à assinatura do contrato, assumiu a obrigação de não apresentá-lo antes da data avençada com o consumidor (promissário adquirente)".

Apresentar o cheque em data futura não o desnatura. É uma ordem de pagamento à vista de qualquer jeito. A condenação, então, não foi pela simples devolução, mas pela quebra de confiança, portanto de contrato, o que gera dever de indenizar.

 

REsp 921.398

Vamos falar pouco sobre este julgado.

No acórdão da ação em que o advogado que postulava em causa própria, este já tinha seu nome inscrito no SPC. Aqui, ninguém tem nome sujo, e o que caracteriza o dano moral é a devolução antes do prazo.

O que é dano moral? O que o caracteriza? É um dano psicológico, que atinge o emocional, a honra. Dano à honra é relativamente fácil de provar, mas psicológico não. Apesar de honra ser subjetiva, ela pode ser percebida objetivamente, daí sua alegação não depende de prova. Daí estar dito na ementa que o dano moral tem caráter in re ipsa, que quer dizer “por ele mesmo”.

O dano precisa ser decorrente da apresentação, não pode ser preexistente.

O que vimos em todos esses acórdãos? Para a caracterização do dano moral, foi necessário: quebra da boa-fé, violação contratual e necessária ocorrência de dano, mesmo que não tenham sido externos como a finalização de conta corrente ou inclusão do nome em cadastros desagradáveis. Portanto, o enunciado não é tão sólido como parece.


1 – http://www.stj.jus.br/SCON/sumulas/doc.jsp?processo=370&&b=SUMU&p=true&t=&l=10&i=1