Direito Empresarial - Cambiário

quarta-feira, 10 de março de 2010

Letra de câmbio

 

  1. Conceito;
  2. Períodos (italiano, francês, alemão);
  3. Situações jurídicas (art. 3º da Lei Uniforme: sacador e sacado);
  4. Requisitos extrínsecos da letra de câmbio;
  5. Cláusula mandato;
  6. Título em branco ou incompleto (art. 891, Código Civil, súmula 387 STF).

A letra de câmbio é o primeiro título de crédito em espécie que abordamos. É o de maior importância para a nossa matéria, por duas razões: primeiramente pela razão histórica, e depois pelo fato de encontramos nela todas as cláusulas cambiais que veremos ao longo do curso, todos os direitos atinentes a um título de crédito.

É nada mais que um pedaço de papel em que veremos escrito o nome do título e, a partir daí, as disposições atinentes.

Qual é mesmo o conceito da letra de câmbio? Uma ordem de pagamento que permite a troca por uma quantia de dinheiro? É isso mesmo, inclusive é esse o conceito de Fran Martins. Mas o conceito evoluiu: hoje dizemos que é “uma ordem de pagamento à vista ou a prazo que alguém dirige a outrem para pagar terceiro, denominando-se saque o ato de criação da letra de câmbio.”

Vejam que se encaixa no conceito de Fran Martins: é o ato pelo qual uma pessoa emite uma ordem de pagamento à vista ou a prazo a alguém para que essa pessoa faça um pagamento a terceiro. Traduzindo em exemplo: Leopoldo sacou uma letra de câmbio determinando a Arthur que pague a Diogo determinada quantia em dinheiro. A letra de câmbio passou por três períodos até chegar como é hoje: italiano, que vem da Idade Média até o século XVII, que é o simples papel para que alguém troque por dinheiro. Parecia com a nota promissória pois havia só duas pessoas envolvidas. Começou a ser usada no comércio na Baixa Idade Média para evitar prejuízos com os roubos a carruagens transportadoras de moedas de ouro. Rebeca, que cultiva trigo, precisa de um comprador para sua safra. Ela iria ao centro comercial da cidade recém-criada (burgo), e oferecia a quem tivesse interesse em comprar. Já precavidos, os potenciais compradores não carregavam o ouro, mas entregavam à Rebeca a letra de câmbio, que era nada mais do que um documento atestando que o comprador possuía determinada quantia em ouro depositada num “banco”. Ela entregava o trigo e recebia o papel, para depois ir buscar, naquele banco, seu ouro.

Temos algumas cláusulas cambiárias: “à ordem”, por exemplo, que circula mediante endosso simples. Surge dentro do período francês, onde também surgiu o aceite, que estudaremos mais à frente, mas com uma peculiaridade. No período francês, a letra de câmbio estava atrelada a um contrato de compra e venda, e era necessário que essa pessoa que recebia a ordem de pagamento tivesse uma provisão de fundos em nome da pessoa que dá a ordem de pagamento. Como assim? Leopoldo não determinou a Arthur que pagasse a Diogo? O Arthur só iria pagar se o Leopoldo tivesse dinheiro com Arthur. Mais ou menos como se fosse um banco: Leopoldo, que tem crédito com Arthur, saca várias letras de câmbio determinando que este pague a pessoas da praça certas quantias em dinheiro. Uma hora Arthur, depois de dar dinheiro várias vezes a pessoas que não conhece, resolve interromper os pagamentos suspeitando que Leopoldo já não está mais na condição de credor ou que simplesmente está mesmo com a intenção de dar-lhe calote.

A partir do século XIX, no que chamamos de período alemão, Einert debruça-se sobre a letra de câmbio. Ela é um título autônomo, então não pode estar vinculada a um contrato de compra e venda. Significa que o Leopoldo pode sacar uma letra de câmbio determinando que Arthur pague a Diogo sem a provisão de fundos.

A letra de câmbio, assim como todo e qualquer título de crédito, terá, dentro dela, situações jurídicas. O que são situações jurídicas de um título de crédito? Primeira é o sacador. O que é?

Dentro do esquema Leopoldo-Arthur-Diogo, quem é cada um? Arthur é o sacado, Diogo é o beneficiário (tomador), e Leopoldo é o sacador.

Quais são as situações jurídicas da letra de câmbio? São as partes da relação cambiária. Por que não se fala “parte”, como numa relação jurídica comum? Primeiramente, estamos aqui para falar difícil. Segundo porque “parte” pressupõe pessoa e um determinado lugar. Ocorre que na letra de câmbio podemos ter uma mesma pessoa ocupando lugares distintos simultaneamente. Podemos ter uma pessoa sacando uma letra de câmbio contra ela mesma. Veja o decreto 57663/66, que é a Lei Uniforme. O art. 3º da LU dispõe que:

Daí chamamos de situações jurídicas e não partes.

 

Requisitos dos títulos de crédito

Todo e qualquer título de crédito tem que obedecer a requisitos. Os títulos de crédito, especialmente pela cartularidade e literalidade, são marcados por extremo rigor formal. Até mais do que o necessário? Talvez. É para a segurança jurídica de que aquele título corporifica todas as obrigações que estão nele inseridas. Daí os requisitos. Comecemos pelos extrínsecos.

O que é um requisito extrínseco? Externo, que está fora, chamado por alguns doutrinadores de essenciais. Abordamos os extrínsecos, pois o intrínseco é próprio de um negócio jurídico, e não é próprio de uma letra de câmbio. Quais são mesmo os requisitos de validade de todo e qualquer negócio jurídico? Art. 104 do CC: “a validade do negócio jurídico requer: agente capaz, objeto lícito, possível e determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei.” A letra de câmbio, quando nasce, já terá, a partir daí, que obedecer aos requisitos intrínsecos. Se não, não é nem um negócio jurídico. É uma norma de sobredireito, que vale para qualquer ramo do Direito.

Para começar, já vemos que o valor não consta dentre os requisitos. Isso porque, se ele está circulando, ele tem que ter um valor, pois é da essência do título. O primeiro requisito, portanto, é a...

Denominação: as palavras letra de câmbio, expressas no corpo do título e grafadas na língua empregada na sua redação. Este requisito foi denominado de cláusula cambiária, cuja função é a de identificar o título de crédito que se pretende circular.

O nome do título de crédito é imprescindível. Segundo requisito:

Ordem: incondicional de pagamento, uma vez que a incondicionalidade é da essência da circulação do título, assim o cumprimento da obrigação materializada no título não pode se sujeitar ao implemento de condição alguma, seja ela suspensiva ou resolutiva.

Primeira pergunta sobre a ordem: o que é uma condição? Evento futuro e incerto. Sabemos isso desde o estudo dos negócios jurídicos. Os títulos de crédito não podem ter seu cumprimento subordinado a uma condição. Não está escrito “pague-se a Vossa Senhoria se.” Essa incondicionalidade é tão forte que mesmo os países que não se vincularam à Convenção de Genebra adotam esse raciocínio.

Nome da pessoa a quem a ordem é endereçada: qual é mesmo o nome dessa pessoa? O sacado. A pessoa responsável tem que ser especificada.

Nome da pessoa a quem ou à ordem de quem deve ser feito o pagamento: quem é essa pessoa? O tomador. Aqui surge uma peculiaridade: a quem ou à ordem de quem deve ser efetuado o pagamento. Primeira situação: o tomador deve estar especificado, e a letra de câmbio não pode ser sacada ao portador. Significa que a letra de câmbio é um título o quê? Eminentemente à ordem! Pelo menos quando de seu nascimento. Pode eventualmente se tornar ao portador, mas nasce à ordem. É próprio da circulação do título de crédito.

Assinatura de quem dá a ordem de pagamento: quem é? O sacador. Dessa assinatura, geralmente acompanhada do nome do sacador, decorre a criação do título de crédito e a vinculação do sacador como co-devedor do título. Por que a assinatura é essencial? A firma do emitente do título faz com que se crie a obrigação cambiária. O que é isso? Teoria da criação. Lembre-se que não usamos só a teoria da criação, mas também é necessária a disposição voluntária do título. Ao assinar, a ordem já possui vigência no ordenamento jurídico. Além de criar a letra de câmbio, o sujeito se coloca na condição de co-devedor do título de crédito, o que implica solidariedade passiva. Mesmo assim deve-se buscar o devedor principal primeiro. Na hipótese de descumprimento que se busca, em juízo, qualquer um deles.

Data do saque (ato de criação da letra de câmbio): o que é o saque? A criação da letra de câmbio. Por que a data do saque é importante, um requisito essencial, extrínseco? Para se apurar o vencimento ou eventual prescrição do título, que é a perda da pretensão da ação para exigir seu pagamento. Também para apurar a capacidade civil do sacador. Isso porque partimos do pressuposto que os requisitos intrínsecos já foram satisfeitos. A importância da data do saque está relacionada com a verificação do vencimento, o transcurso do pagamento, e a apuração da capacidade civil do sacador.

Lugar do pagamento ou menção de um lugar ao lado do nome do sacado. Observação: o art. 4º da LU permite que a letra seja paga na localidade onde o sacado tem seu domicílio ou em qualquer outro lugar à sua indicação. Quando falamos em lugar em que o pagamento deverá ser efetuado, Leopoldo poderá determinar ao Arthur que pague ao Diogo no CEUB. Em caso de silêncio, a regra é que se pague no endereço indicado ao lado do nome do Arthur, ou, se não houver nada mesmo, no domicílio do Arthur.

Lugar do saque ou menção de um lugar ao lado do nome do sacador: para que isto? Para firmarmos a competência de jurisdição. Quem será competente? Nosso fórum da circunscrição judiciária de Brasília. Ou o endereço ao lado do nome do sacador.

Terminamos. Agora veja: qual a importância da data do saque? Verificação do vencimento. Cadê o vencimento? Não seria um requisito essencial da letra de câmbio? Faz sentido sacar uma letra de câmbio sem vencimento? Não é muito inteligível. A LU convencionou que a data do vencimento não é um requisito essencial, pois, sem a menção da data, pressupõe-se que o vencimento do título de crédito é à vista. Por isso não temos data do vencimento como requisito essencial. Se nada for dito acerca do vencimento, ele será à vista.

 

Cláusula mandato

Não estudamos ainda, mas o que é um mandato? É um espaço de período, certo? Não deixa de ser. A pessoa recebe poderes para exercer funções durante esse período, e, no caso do político, esse poder é dado pelo povo. E aqui no Direito Civil? Quando outorgamos mandato para alguém, significa o quê? Que a pessoa é minha procuradora ou representante. O procurador é uma longa manus do outorgante: uma extensão da mão, para praticar atos sem que o mandante esteja presente. Com base nisso, posso outorgar poderes para alguém sacar uma letra de câmbio em meu nome? Sem problema algum. Podemos ter procuração para todo e qualquer ato da vida civil.

Cláusula mandato, portanto, diz que o saque, assim como os demais atos cambiários, pode ser praticado por procurador com poderes especiais.

Não obstante, o enunciado número 60 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça proibiu a outorga de poderes do devedor ao credor para que este emitisse título em nome daquele mas em seu próprio benefício. O que não se pode é exigir que dessa pessoa eu saque títulos em meu favor. Veja a Súmula 60: “É nula a obrigação cambial assumida por procurador do mutuário vinculado ao mutuante, no exclusivo interesse deste.” Significa que não posso ser exigido de entregar poderes para outra pessoa para que ela, em meu nome, saque títulos em favor dela própria.

 

Títulos em branco ou incompletos

Vimos uma série de requisitos de validade do título, que são extrínsecos ou essenciais. Mas nem sempre isso acontecerá. Os bancos, às vezes, exigem que uma nota promissória em branco seja assinada. É possível. Também ocorre em financiamentos de automóveis. O Supremo, através da Súmula 387, disse: “os requisitos essenciais do título não precisam estar totalmente atendidos no momento do saque, uma vez que a jurisprudência permite que o credor de boa-fé complete a letra antes da cobrança ou do protesto.” Ele pode, portanto, circular livremente, mas, quando do pagamento, ele terá que satisfazer os requisitos do título de crédito. Agora também a lei (art. 891 do Código Civil) permite a circulação em completo do título até o momento de seu pagamento ou do seu protesto. Eis o artigo: “O título de crédito, incompleto ao tempo da emissão, deve ser preenchido de conformidade com os ajustes realizados.” O título só será exigível com todos os requisitos.

Próxima aula: endosso.