A letra de câmbio é o primeiro título
de crédito em espécie
que abordamos. É o de maior importância para a nossa matéria, por duas
razões:
primeiramente pela razão histórica, e depois pelo fato de encontramos
nela
todas as cláusulas cambiais que veremos ao longo do curso, todos os
direitos
atinentes a um título de crédito.
É nada mais que um pedaço de papel em
que veremos escrito o
nome do título e, a partir daí, as disposições atinentes.
Qual é mesmo o conceito da letra de
câmbio? Uma ordem de pagamento
que permite a troca por uma quantia de dinheiro? É isso mesmo,
inclusive é esse
o conceito de Fran Martins. Mas o conceito evoluiu: hoje dizemos que é “uma ordem de pagamento à vista ou a prazo
que alguém dirige a outrem para pagar terceiro, denominando-se saque o
ato de
criação da letra de câmbio.”
Vejam que se encaixa no conceito de
Fran Martins: é o ato
pelo qual uma pessoa emite uma ordem de pagamento à vista ou a prazo a
alguém
para que essa pessoa faça um pagamento a terceiro. Traduzindo em
exemplo: Leopoldo
sacou uma letra de câmbio determinando a Arthur que pague a Diogo
determinada
quantia em dinheiro. A letra de câmbio passou por três períodos até
chegar como
é hoje: italiano, que vem da Idade Média até o século XVII, que é o
simples papel
para que alguém troque por dinheiro. Parecia com a nota promissória
pois havia
só duas pessoas envolvidas. Começou a ser usada no comércio na Baixa
Idade
Média para evitar prejuízos com os roubos a carruagens transportadoras
de
moedas de ouro. Rebeca, que cultiva trigo, precisa de um comprador para
sua
safra. Ela iria ao centro comercial da cidade recém-criada (burgo), e
oferecia
a quem tivesse interesse em comprar. Já precavidos, os potenciais
compradores
não carregavam o ouro, mas entregavam à Rebeca a letra de câmbio, que
era nada
mais do que um documento atestando que o comprador possuía determinada
quantia
em ouro depositada num “banco”. Ela entregava o trigo e recebia o
papel, para
depois ir buscar, naquele banco, seu ouro.
Temos algumas cláusulas cambiárias:
“à ordem”, por exemplo,
que circula mediante endosso simples. Surge dentro do período francês,
onde
também surgiu o aceite, que
estudaremos mais à frente, mas com uma peculiaridade. No período
francês, a letra
de câmbio estava atrelada a um contrato de compra e venda, e era
necessário que
essa pessoa que recebia a ordem de pagamento tivesse uma provisão de
fundos em
nome da pessoa que dá a ordem de pagamento. Como assim? Leopoldo não
determinou
a Arthur que pagasse a Diogo? O Arthur só iria pagar se o Leopoldo
tivesse
dinheiro com Arthur. Mais ou menos como se fosse um banco: Leopoldo,
que tem
crédito com Arthur, saca várias letras de câmbio determinando que este
pague a
pessoas da praça certas quantias em dinheiro. Uma hora Arthur, depois
de dar
dinheiro várias vezes a pessoas que não conhece, resolve interromper os
pagamentos suspeitando que Leopoldo já não está mais na condição de
credor ou
que simplesmente está mesmo com a intenção de dar-lhe calote.
A partir do século XIX, no que
chamamos de período alemão,
Einert debruça-se sobre a letra de câmbio. Ela é um título autônomo,
então não
pode estar vinculada a um contrato de compra e venda. Significa que o
Leopoldo
pode sacar uma letra de câmbio determinando que Arthur pague a Diogo
sem a
provisão de fundos.
A letra de câmbio, assim como todo e
qualquer título de
crédito, terá, dentro dela, situações jurídicas. O que são situações
jurídicas
de um título de crédito? Primeira é o sacador.
O que é?
Dentro do esquema
Leopoldo-Arthur-Diogo, quem é cada um?
Arthur é o sacado, Diogo é o beneficiário (tomador), e Leopoldo é o
sacador.
Quais são as situações jurídicas da
letra de câmbio? São as
partes da relação cambiária. Por que não se fala “parte”, como numa
relação
jurídica comum? Primeiramente, estamos aqui para falar difícil. Segundo
porque “parte”
pressupõe pessoa e um determinado lugar. Ocorre que na letra de câmbio
podemos
ter uma mesma pessoa ocupando lugares distintos simultaneamente.
Podemos ter
uma pessoa sacando uma letra de câmbio contra ela mesma. Veja o decreto
57663/66, que é a Lei Uniforme. O art. 3º da LU dispõe que:
Daí chamamos de situações jurídicas e
não partes.
Requisitos
dos
títulos de crédito
Todo e qualquer título de crédito tem
que obedecer a
requisitos. Os títulos de crédito, especialmente pela cartularidade e
literalidade, são marcados por extremo rigor formal. Até mais do que o
necessário? Talvez. É para a segurança jurídica de que aquele título
corporifica todas as obrigações que estão nele inseridas. Daí os
requisitos. Comecemos
pelos extrínsecos.
O que é um requisito extrínseco?
Externo, que está fora,
chamado por alguns doutrinadores de essenciais.
Abordamos os extrínsecos, pois o intrínseco é próprio de um negócio
jurídico, e
não é próprio de uma letra de câmbio. Quais são mesmo os requisitos de
validade
de todo e qualquer negócio jurídico? Art. 104 do CC: “a
validade do negócio jurídico requer: agente capaz, objeto lícito,
possível e determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa
em lei.”
A letra de câmbio, quando nasce, já terá, a partir daí, que obedecer
aos
requisitos intrínsecos. Se não, não é nem um negócio jurídico. É uma
norma de
sobredireito, que vale para qualquer ramo do Direito.
Para começar, já vemos que o valor
não consta dentre os
requisitos. Isso porque, se ele está circulando, ele tem que ter um
valor, pois
é da essência do título. O primeiro requisito, portanto, é a...
Denominação:
as
palavras letra de câmbio, expressas
no corpo do título e grafadas na língua empregada na sua redação. Este
requisito foi denominado de cláusula cambiária, cuja função é a de
identificar
o título de crédito que se pretende circular.
O nome do título de crédito é
imprescindível. Segundo
requisito:
Ordem:
incondicional de pagamento, uma vez que a incondicionalidade é da
essência da circulação
do título, assim o cumprimento da obrigação materializada no título não
pode se
sujeitar ao implemento de condição alguma, seja ela suspensiva ou
resolutiva.
Primeira pergunta sobre a ordem: o
que é uma condição?
Evento futuro e incerto. Sabemos isso desde o estudo dos negócios
jurídicos. Os
títulos de crédito não podem ter seu cumprimento subordinado a uma
condição.
Não está escrito “pague-se a Vossa Senhoria se.”
Essa incondicionalidade é tão forte que mesmo os países que não se
vincularam à
Convenção de Genebra adotam esse raciocínio.
Nome da
pessoa a quem
a ordem é endereçada: qual é mesmo o nome dessa pessoa? O
sacado. A pessoa
responsável tem que ser especificada.
Nome da
pessoa a quem
ou à ordem de quem deve ser feito o pagamento: quem é essa
pessoa? O
tomador. Aqui surge uma peculiaridade: a quem ou à ordem de quem deve
ser
efetuado o pagamento. Primeira situação: o tomador deve estar
especificado, e a
letra de câmbio não pode ser sacada ao
portador. Significa que a letra de câmbio é um título o quê?
Eminentemente
à ordem! Pelo menos quando de seu nascimento. Pode eventualmente se
tornar ao
portador, mas nasce à ordem. É próprio da circulação do título de
crédito.
Assinatura
de quem dá
a ordem de pagamento: quem é? O sacador. Dessa assinatura,
geralmente
acompanhada do nome do sacador, decorre a criação do título de crédito
e a
vinculação do sacador como co-devedor do título. Por que a assinatura é
essencial? A firma do emitente do título faz com que se crie a
obrigação
cambiária. O que é isso? Teoria da criação. Lembre-se que não usamos só
a
teoria da criação, mas também é necessária a disposição voluntária do
título. Ao
assinar, a ordem já possui vigência no ordenamento jurídico. Além de
criar a
letra de câmbio, o sujeito se coloca na condição de co-devedor do
título de
crédito, o que implica solidariedade passiva. Mesmo assim deve-se
buscar o
devedor principal primeiro. Na hipótese de descumprimento que se busca,
em
juízo, qualquer um deles.
Data do
saque (ato de
criação da letra de câmbio): o que é o saque? A criação da
letra de câmbio.
Por que a data do saque é importante, um requisito essencial,
extrínseco? Para se
apurar o vencimento ou eventual prescrição do título, que é a perda da
pretensão da ação para exigir seu pagamento. Também para apurar a
capacidade
civil do sacador. Isso porque partimos do pressuposto que os requisitos
intrínsecos já foram satisfeitos. A
importância
da data do saque está relacionada com a verificação do vencimento, o
transcurso
do pagamento, e a apuração da capacidade civil do sacador.
Lugar do
pagamento ou
menção de um lugar ao lado do nome do sacado.
Observação: o art. 4º da LU permite que a letra seja paga na
localidade
onde o sacado tem seu domicílio ou em qualquer outro lugar à sua
indicação.
Quando falamos em lugar em que o pagamento deverá ser efetuado,
Leopoldo poderá
determinar ao Arthur que pague ao Diogo no CEUB. Em caso de silêncio, a
regra é
que se pague no endereço indicado ao lado do nome do Arthur, ou, se não
houver
nada mesmo, no domicílio do Arthur.
Lugar do
saque ou
menção de um lugar ao lado do nome do sacador:
para que isto? Para firmarmos a competência de jurisdição.
Quem será
competente? Nosso fórum da circunscrição judiciária de Brasília. Ou o
endereço
ao lado do nome do sacador.
Terminamos. Agora veja: qual a
importância da data do saque?
Verificação do vencimento. Cadê o
vencimento? Não seria um requisito essencial da letra de câmbio? Faz
sentido
sacar uma letra de câmbio sem vencimento? Não é muito inteligível. A LU
convencionou que a data do vencimento não é um requisito essencial,
pois, sem a
menção da data, pressupõe-se que o vencimento do título de crédito é à
vista.
Por isso não temos data do vencimento como requisito essencial. Se nada
for
dito acerca do vencimento, ele será à vista.
Cláusula
mandato
Não estudamos ainda, mas o que é um
mandato? É um espaço de
período, certo? Não deixa de ser. A pessoa recebe poderes para exercer
funções
durante esse período, e, no caso do político, esse poder é dado pelo
povo. E
aqui no Direito Civil? Quando outorgamos mandato para alguém, significa
o quê? Que
a pessoa é minha procuradora ou representante. O procurador é uma longa manus do outorgante: uma extensão
da mão, para praticar atos sem que o mandante esteja presente. Com base
nisso,
posso outorgar poderes para alguém sacar uma letra de câmbio em meu
nome? Sem
problema algum. Podemos ter procuração para todo e qualquer ato da vida
civil.
Cláusula mandato, portanto, diz que o saque, assim como os demais atos cambiários, pode
ser praticado por
procurador com poderes especiais.
Não
obstante, o
enunciado número 60 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça proibiu a
outorga
de poderes do devedor ao credor para que este emitisse título em nome
daquele
mas em seu próprio benefício. O que não se pode é exigir que
dessa pessoa
eu saque títulos em meu favor. Veja a Súmula 60: “É
nula a obrigação cambial assumida por procurador do mutuário
vinculado ao mutuante, no exclusivo interesse deste.” Significa
que não
posso ser exigido de entregar poderes para outra pessoa para que ela,
em meu
nome, saque títulos em favor dela própria.
Títulos em
branco ou
incompletos
Vimos uma série de requisitos de
validade do título, que são
extrínsecos ou essenciais. Mas nem sempre isso acontecerá. Os bancos,
às vezes,
exigem que uma nota promissória em branco seja assinada. É possível.
Também
ocorre em financiamentos de automóveis. O Supremo, através da Súmula
387,
disse: “os requisitos essenciais do
título não precisam estar totalmente atendidos no momento do saque, uma
vez que
a jurisprudência permite que o credor de boa-fé complete a letra antes da cobrança ou do protesto.” Ele pode, portanto, circular livremente,
mas, quando do
pagamento, ele terá que satisfazer os requisitos do título de crédito.
Agora também
a lei (art. 891 do Código Civil) permite a circulação em completo do
título até o momento de seu pagamento ou do seu protesto. Eis o artigo:
“O título de crédito, incompleto ao tempo da
emissão, deve ser preenchido de conformidade com os ajustes realizados.”
O
título só será exigível com todos os requisitos.
Próxima aula: endosso.