Direito Empresarial - Cambiário

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Cheque - continuação


 

Hoje vamos tratar de algumas das espécies de cheque. Além dessas três modalidades de cheque no sumário acima, temos o cheque postal, que caiu em desuso, e alguns outros.

Vamos às espécies:

Cheque visado: por solicitação do sacador ou do portador do cheque, pode o banco sacado lançar visto no cheque certificando a existência da devida provisão de fundos para seu pagamento.

O valor respectivo será debitado da conta do sacador ficando à disposição do tomador durante o prazo de apresentação do título; findo este, o dinheiro será devolvido à conta do emitente.

Como funciona? Passei um cheque no valor de 5 mil unidades monetárias para Amanda, em seguida eu ou ela pede que o banco viste o cheque. O banco verifica se o dinheiro existe na minha conta. Se existe, ele vistará com a assinatura do representante do banco. Feito isso, o banco retirará esse dinheiro e colocará numa conta separada, que lá ficará à disposição da Amanda durante o prazo de apresentação do cheque. Qual é mesmo? 30 dias se da mesma praça, ou 60, se de outra.

Qual é a função do cheque visado? Primeiramente, pode ser uma garantia para Amanda de que ela não se aborrecerá ao comparecer ao banco e ter a notícia de que não há fundos. Pode ser também que ela queira passar o cheque para Rebeca, esta para outra pessoa e assim sucessivamente. O visto certifica que há dinheiro na conta do emitente durante o prazo disponível para apresentação. É apenas uma garantia para se poder fazer a circulação do dinheiro.

Cheque cruzado: É o cheque caracterizado pela aposição de duas linhas paralelas e transversais. Referido cheque será pago somente a outro banco ou a clientes do banco sacado mediante depósito em conta corrente.

Qual a finalidade? Podemos ter várias. O cheque só poderá ser depositado em conta corrente. Isso dificultará o endosso. Lembrem-se que títulos de crédito à ordem têm o inconveniente de poderem parar na mão de qualquer pessoa, inclusive criminosos, que, quando a polícia os encontrar, apreenderão seus pertences e, quando encontrarem o cheque assinado pelo emitente, este terá seu nome associado à organização criminosa. Dificilmente o traficante que venha a se tornar portador do cheque terá uma conta corrente em um banco, o que significa que ele, se cruzado, não poderá ser descontado na boca do caixa.

Outra: passo cheque de 5000 unidades monetárias para Jéssica. Ela sabe que pode descontar o cheque, indo ao caixa do meu banco para “sacar” o valor (lembrem-se que o verbo sacar aqui está empregado de acordo com o uso popular, mas não é o mais correto, que seria descontar ou trocar). Passei-lhe então o cheque mas neste momento eu não tenho o dinheiro para pagá-la. Mas o cheque não é uma ordem de pagamento à vista? Sim, mas ela irá ao banco dela, depositará, e, durante a noite, ele será compensado: irá para a uma câmara de compensação, e se houver provisão de fundos, meu banco transferirá para o dela.

Cheque administrativo: o que são mesmo situações jurídicas? As pessoas envolvidas. Chamam-se situações jurídicas e não partes porque a mesma pessoa pode ocupar a mesma posição. Dito isso, o cheque administrativo é um cheque sacado por um banco contra ele mesmo, figurando, simultaneamente, como sacador e sacado. O beneficiário será um terceiro.

Para que serve? Para evitar, entre outras coisas, que uma pessoa carregue muito dinheiro numa mala, mochila, bolsa, cueca ou meia. Houve um cliente do professor que somava mais de R$ 600 mil em dívidas tributárias e, quando foi pagar, o preposto do Administração Fazendária lhe informou que só era aceito dinheiro. Claro que o cliente não carregaria esse montante numa sacola, ou seria pedir para ser roubado. Então, eles fizeram um requerimento para que o banco da cidade, no qual o cliente possuía conta, emitisse um cheque administrativo, contra si mesmo, no mesmo valor, indicando o nome do beneficiário, e aí sim, o órgão saberia que quem estava pagando aquele valor era o banco, daí haveria maior segurança.

 

Quanto à circulação

Os títulos de crédito, quanto à circulação, recebem três classificações: nominativo, à ordem e ao portador. Voltem um pouco no tempo e lembrem-se: o que é um título à ordem? Aquele no qual consta o nome de uma pessoa determinada que irá recebê-lo e poderá endossá-lo. Nominativo é aquele cujo nome do credor consta nos registros do devedor, e a transferência se faz mediante alteração no registro. Ao portador é aquele que não possui o nome do beneficiário. Agora muito cuidado com uma sutileza de termos.

O cheque também pode ser nominativo. Mas este “nominativo” nada tem a ver com a classificação usada para os demais títulos de crédito, que acabamos de descrever acima, aquele em que o devedor mantém um banco de dados com o rol de credores e cuja transferência deve se fazer com a alteração dos dados desse banco. Aqui no cheque, a classificação “nominativo” se aplicará àqueles cujo nome do beneficiário está especificado, mas sem a exigência de que haja um registro ou banco de dados. No cheque, os escritos padronizados são: “pague por este cheque a quantia de ______________ a _____________ ou à sua ordem.” Viram o pequeno “a” no meio das duas lacunas? É a partir dali mesmo que constará o nome do beneficiário. A complicação se agrava quando confundimos essa espécie de cheque com “cheque nominal”, o que está incorreto. “Nominal” refere-se ao valor literal escrito na cártula. Valor nominal é aquele que se contrapõe ao valor real. Imagine um financiamento de carro com juros de 1% ao mês. Ao converter essa taxa de mensal para anual, temos uma taxa de 12% ao ano. Esse é o valor nominal, calculado pela simples conversão de períodos. Então aqui vem a curiosidade para matar nossa saudade da Matemática: o valor real será calculado com a função exponencial: D(t) = D0 x ekt, em que D(t) é a função que denota o dinheiro devido em função do tempo t, D0 é o dinheiro inicial (o valor do carro) e k é a taxa de juros. Substituindo os valores, temos que o dinheiro devido depois de 12 meses D(12) = 100.000 x e(0.01 x 12) = 112.749,68. Comparando esse valor de 112.749,68 com o valor do carro, que é 100 mil Reais, verificamos que houve um aumento de 12,749% ao longo desse ano, que é o valor real, diferente da elevação nominal de 12% ao ano.

Não confunda, portanto, cheque nominal com cheque nominativo.

Nominativo à ordem: é o cheque em que se consigna o nome do tomador, permitindo-se, com a cláusula à ordem, sua circulação mediante endosso.

Pague-se “a” ou alguém à sua ordem. Pago para Rebeca ou alguém à ordem dela. Ela poderá passá-lo para qualquer pessoa.

Nominativo não à ordem: quando a circulação do cheque torna-se insuscetível de endosso mediante a inscrição expressa da cláusula não à ordem. O que será essa inscrição expressa? Temos que escrever “não à ordem”. Não basta riscar, pois o cheque, por sua essência, é um título à ordem. Não poderá endossar, mas poderá transferir mediante cessão de créditos.

Ao portador: é o cheque que não contém a menção de seu beneficiário sendo pago àquele que o apresente ao banco sacado, registrando-se que a Lei 9069/95 (Lei que institui o Plano Real) veda a emissão de cheque ao portador em valor superior a R$ 100,00.

Passo cheque à Carol. Não coloco nominativo a ela. Se o valor for acima de R$ 100,00, no momento do pagamento o nome do beneficiário terá que ser preenchido. Se for de até R$ 100,00, ela poderá fazer o depósito em conta sem nenhuma identificação do portador.

 

Revogação e sustação

Sustar o cheque é frustrar seu pagamento. É feita através do envio de uma informação pelo emitente ao banco sacado de que não pague ao tomador. Lembre-se a história da mulher que queria fazer uma reforma em sua cozinha, então contrata um marceneiro, que compra materiais da madeireira. A tomadora do serviço paga o prestador (marceneiro) com cheque, mas ele não entregou nem um parafuso. Antes disso ele havia passado o cheque à madeireira, sua parceira de golpes, a pretexto de comprar os materiais. Quando o representante da madeireira vai ao banco trocar o cheque, ele se surpreende com a sustação, realizada horas antes pela sacadora. Nisso, estudamos a inoponibilidade das exceções pessoais, motivo pelo qual o terceiro de boa-fé não poderia ter suas expectativas frustradas por um problema pessoal entre credor e devedor originários. Entretanto, no presente exemplo admitimos a hipótese de haver conluio entre o marceneiro e a madeireira para que, não prestando o serviço, o cheque seja descontado, sabendo o representante desta última que teria direito à proteção garantida pela inoponibilidade das exceções pessoais, portanto, agiu de má-fé.

Qual a atitude que a tomadora (a sacadora do cheque, dona de casa que queria fazer a reforma) deve tomar? Pedir a sustação. O meio mais fácil é esse. A sustação e a revogação precisam de um justo motivo para tanto. Qual seria esse justo motivo? Furto, por exemplo, ou perda do talonário de cheques. Justo motivo é uma expressão jurídica em aberto. Não sabemos o que é um, muito menos o banco. Devo apresentar o boletim de ocorrência ao banco para confirmar o justo motivo.

Na perda do cheque, deve-se buscar o Judiciário, ajuizando ação de anulação e substituição de título de crédito ao portador. Deve-se, neste caso, fazer uma citação editalícia, já que não se sabe na mão de quem foi parar o bloco. Nesse edital deve-se dizer algo como “o talonário de cheques do cliente tal, do banco tal, folhas 80 a 100 foi extraviado. Quem por ventura estiver com os cheques deverá procurar o emitente para que se proceda à substituição.” Na prática, não será bem assim, claro. Sumidos os cheques, o cliente imediatamente liga para o banco pedindo a sustação. Reconhecendo que há periculum in mora, o gerente dirá: “tudo bem, estou sustando, mas traga-me o boletim de ocorrência assim que puder!”

Diferença entre revogação e sustação: vamos nos lembrar da diferença entre sustação e cancelamento de protesto. Qual é mesmo? O cancelamento se dá posteriormente à realização do protesto, enquanto a sustação é anterior à sua realização. O cheque, no seu caso, é sustado dentro do prazo de apresentação. Após o prazo de apresentação, farei a revogação.

Revogação e sustação do cheque são meios utilizados pelo sacador de se frustrar o pagamento do título mediante comunicação enviada ao banco sacado acompanhada do justo motivo para tanto, motivo este que não poderá ser questionado pelo sacado.

A revogação ou contraordem será utilizada após expirado o prazo de apresentação do cheque. Já a sustação ou oposição será a via a ser utilizada durante o prazo de apresentação do título.

 

Endosso e aval

Obedecem as mesmas disposições atinentes aos demais títulos de crédito já abordados. Isso quer dizer que o endosso pode ser em preto ou em branco, próprio ou impróprio, podemos ter o endosso caução, mandato ou póstumo do cheque; o aval também terá as mesmas características, como autonomia e equivalência. Podemos ter aval sucessivo, simultâneo, parcial, em branco, e assim sucessivamente.

Quanto ao protesto, poderíamos dizer a mesma coisa, exceto que o cheque possui uma peculiaridade além dos demais títulos de crédito. No que respeita ao cheque, o protesto obedecerá o mesmo regramento dos demais títulos. No entanto, o protesto essencial ao ajuizamento da competente ação executória poderá ser substituído por declaração de não pagamento, fornecida pelo banco sacado.

Significa que o cheque pode ser ou protestado ou, ainda, pode haver a simples declaração de não pagamento pelo banco, e o cheque poderá ser executado diretamente. No próprio cheque poderá conter carimbos de “motivo 11” e “motivo 12”, respectivamente significando “devolução pela primeira vez” ou “devolução pela segunda vez”, ambas para cheques que não foram pagos por falta de fundos 1. O cheque não precisará ser protestado caso contenha um ou os dois carimbos.

 

Prazos prescricionais do cheque

O que diz a letra a? 6 meses do termo da apresentação para a execução. O que é “termo de apresentação”? Fim do prazo de apresentação, simples. E qual é ele? De novo: 30 dias, se o cheque for da mesma praça, ou 60, se de praças distintas.

Passei o cheque para Karina hoje, dia 12/5/10. O prazo de 30 dias termina em 12/6/10. Daí ela terá 6 meses para ajuizar execução do cheque, ou seja, prazo que termina em 12/12/10. Se ela depositar hoje mesmo, quando que começará a contar o prazo de 6 meses dela? Hoje ou do termo da apresentação? STJ entendeu que o prazo de 6 meses começou a contar da data da efetiva apresentação do cheque. Embora a lei fale do tempo da apresentação, o entendimento do STJ foi esse pois, caso a pessoa apresente imediatamente, o fato de o início do prazo para ajuizar a ação executória ser imediatamente na data do termo da apresentação do cheque faria com que a pessoa tivesse mais 30 dias para agir, pois ela apresenta hoje, 12/5, o prazo para apresentação terminará em 12/6, mesmo que ela já tenha apresentado, e, só então, começariam a contar os 6 meses para ajuizar a execução.

Se não ajuizar ação de execução nos 6 meses, Karina terá até 12/12/12 para ajuizar ação de cobrança nas vias ordinárias.

É o que a lei do cheque prevê. Mas existem alguns autores que dizem que, embora ela tenha 2 anos para ajuizar, ela ainda assim poderia ajuizar uma ação causal. O que é? Se em 2012 a dívida ainda existe, o cheque entraria no prazo prescricional comum de 10 anos. Existe um julgado isolado do STJ que defende essa posição doutrinária.

Para fins de nosso estudo, trabalharemos com 6 meses para execução e 2 anos para ação de cobrança.

Sexta-feira: duplicata.

1 – http://www.bcb.gov.br/?CHEQUEDEV