Introdução
A duplicata é um título de crédito genuinamente brasileiro, que
gostaram tanto que depois foi difundido no mundo. Surgiu antes mesmo do Código
Comercial de 1850. Ela não tinha, até então, um regramento jurídico próprio,
então o Código inseriu no ordenamento essa disciplina, e a duplicata passou a
ser formalizada. Quando surgiu em 1908 o Decreto 2044, ela foi extinta do
Direito Brasileiro. Houve críticas porque era um título único, que se extraía
de uma operação de compra e venda mercantil.
Achou-se por bem extingui-la quando da criação da letra de
câmbio, mas houve oposição a esse movimento, tanto que em 1923 as associações
comerciais do Rio de Janeiro e São Paulo tentaram renascer a duplicata, então
os representantes dessas associações convenceram o Ministro da Justiça que ela
era um instrumento hábil para a tributação, já que se lançavam as mercadorias
listas com os respectivos valores, daí ficaria fácil calcular o imposto
incidente naquela operação de compra e venda. Assim a duplicata ressurgiu como uma
espécie de “moeda de tributação”, até que agora
temos uma nova lei sobre a duplicata, que é a Lei 5474/68, que novamente
desnaturou-a. Antes era um título de uma operação mercantil, passou a
ser um título tributário, e agora ela é um título
de valor mobiliário.
Desde então ela tem um regramento não só legal como também é regulada
pelo Banco Central. Todo o formato que temos da duplicata é feito
mediante resoluções do BACEN, assim como é feito com o cheque.
Com a Lei 5474, a duplicata passa a ter vida própria,
independente de qualquer operação de natureza outra, seja tributária, bancária,
comercial, etc.
Aplicam-se a ela todos os princípios, da literalidade, da
cartularidade e da autonomia, embora esta última seja mitigada, ela passa a ser
estudada como título de crédito por motivos que vamos ver adiante. Rubens
Requião disse: “é um título de crédito porque ela pode circular mediante
endosso.”
Precisamos ter alguns institutos em mente para chegarmos à
duplicata propriamente dita.
A duplicata é um título de crédito causal, que tem como fonte uma fatura.
O que é uma fatura? Descrição das coisas consumidas, adquiridas ou serviços
prestados, juntamente com seus valores. É um demonstrativo de uma compra e
venda.
Será sempre um documento de extração obrigatória quando
tivermos uma compra e venda com prazo superior a 30 dias. Se o prazo da compra
e venda for inferior a 30 dias, a duplicata será de extração facultativa.
Quando você vai à lanchonete “Arcos Dourados Comércio de Alimentos LTDA”, você recebe um pequeno
papel amarelo com os dizeres “cupom fiscal”, e uma descrição do que você pediu
com os respectivos valores pagos. A nota fiscal, na verdade, é para fins
tributários. O estabelecimento tem que extrair aquilo porque o GDF cobrará ISS,
ICMS e outros impostos. Mas existem convênios que são feitos entre
estabelecimentos de médio e grande porte com as Fazendas Estaduais para a
emissão de notas fiscais-faturas. Em vez de emitir uma nota fiscal e uma
fatura, que são idênticos na essência, diferindo-se apenas na destinação, o
estabelecimento emitirá um único documento. Então, na maioria das vezes teremos
nota fiscal-fatura, e não somente fatura.
Por que estamos falando tanto da fatura? É que a duplicata é
um título que se extrai a partir da
fatura. Sou obrigado a tirar uma fatura quando houver compra e venda de bens e
serviços cujo prazo de adimplemento da obrigação seja maior que 30 dias e, a
partir dessa fatura, extraio uma duplicata. Se Maria Júlia deseja comprar uma
nova BMW, já sabendo que tem dinheiro suficiente para evitar um financiamento,
que fatalmente traria juros, ela pode, se o vendedor se dispuser (e vai, já que
Maria Julia é fiel àquela concessionária!), pagar a prazo. O vendedor, sabendo
que ela não quer financiar, aceitou fazer em três vezes: uma parcela a ser paga
em 30 dias, outra para daqui a 60 dias e outra para 90. Isto é uma compra e
venda, a prazo. E é superior a 30 dias, então o que a BMW fará? Ela extrairá
duplicatas, enviará para a Maria Julia, para que ela preste o aceite e pague.
Esta duplicata tem como base, como supedâneo exatamente a fatura, que acabamos
de falar.
Veremos que um dos requisitos de validade da duplicata é a menção àquela fatura. Só se pode emitir
a fatura com base naquela compra e venda emitida. Emitir duplicata em dissonância
com a fatura é crime, previsto no art. 172 do Código Penal: “Emitir fatura, duplicata ou nota de venda
que não corresponda à mercadoria vendida, em quantidade ou qualidade, ou ao
serviço prestado. (Redação dada pela Lei nº 8.137, de 27.12.1990)
Pena – detenção, de 2
(dois) a 4 (quatro) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 8.137, de
27.12.1990)
Parágrafo único. Nas
mesmas penas incorrerá aquele que falsificar ou adulterar a escrituração do
Livro de Registro de Duplicatas. (Incluído pela Lei nº 5.474. de 1968)”
Note a menção aos diplomas alteradores na norma penal acima.
O negócio com a BMW é uma compra e venda a prazo, mas também
posso extrair uma duplicata para uma compra e venda diferida. Qual a diferença entre “à vista”, “a prazo” e “diferida”?
O que é um contrato de compra e venda à vista? Contrato de execução
instantânea. Se quero comprar o netbook da Lígia, que quer vender, pego o computador
e pago com o dinheiro, com prestação e contraprestação dadas imediatamente. Se
Maria vai comprar o carro a prazo, o vendedor tem uma prestação que é a entrega
do carro (instantânea), e a contraprestação ao longo do tempo, que é a entrega
do dinheiro pela compradora.
E a diferida? Pago “de uma vez, lá na frente”. Vou diferi-la
no tempo. Se Maria Julia não tem o dinheiro hoje, mas vai ter daqui a 45 dias, ela
pode, já que o vendedor confia nela e ela troca de BMW todo ano, adquirir o
carro imediatamente e receber duplicata, para pagar daqui a 45 dias. Note que,
como a prestação tem prazo superior a 30 dias, a duplicata será de extração
obrigatória.
Existe, na duplicata, uma operação chamada “desconto de
título”. Imagine que Maria Julia acaba de adquirir uma BMW 745I para pagar em
45 dias. O dono da concessionária dá-lhe uma duplicata no valor de R$ 549.000,00
para Maria assinar, com data do vencimento para daqui a 45 dias, conforme
combinado. Maria, em vez de ficar com ela, deixa-a com o dono da loja da BMW,
que irá até o banco e irá descontá-la imediatamente. Ele endossará a duplicata ao
banco e receberá o valor hoje, sem ter que esperar os 45 dias, descontado de
uma taxa estabelecida pelo banco. No caso, o banco poderá dar ao dono da loja
R$ 536.000,00, pois não dará o valor integral de 549. Passados os 45 dias, o
banco procurará Maria Julia.
Isso trará vantagem para o comprador e para o vendedor pois
na nota promissória e no cheque essa mobilização do título não é possível.
Conceito de duplicata
É o título que se
extrai em consequência de uma compra e venda mercantil ou de uma prestação de
serviços quando feitas para pagamento a prazo, tendo como causa a fatura, que é
de extração obrigatória, ao passo que a duplicata é de extração facultativa.
As duplicatas de
prestação de serviços são exclusivas dos empresários individuais e das
sociedades empresárias, assim como das associações e fundações.
Duplicatas de prestação de serviços: contrato Gabriela, que
tem uma empresa de TI, para fazer a modernização dos meus computadores,
instalar software atualizado, antivírus, etc., e peço a ela para que faça o
serviço para que eu pague daqui a 45 dias. Ela tem como faculdade extrair a
duplicata de prestação de serviços, pois ela tem uma empresa. A duplicata de
prestação de serviços é exclusiva de empresários individuais, associações,
fundações e sociedades empresárias. A doutrina diverge um pouco, dizendo,
alguns autores, que a duplicata é exclusiva de “sociedades individuais e coletivas”.
Empresário individual, recapitulando o Direito Societário, é o sujeito que
trabalha sozinho, para si mesmo, e tem um registro próprio. Associações e
fundações: associação não tem fim lucrativo. Associação é sociedade de pessoas, e fundação é uma sociedade
de bens voltados para uma destinação específica. Só essas pessoas jurídicas
podem emitir duplicata de prestação de serviço. Vivian, amiga de Gabriela, com
quem aprendeu informática mas ainda não constituiu sua empresa, portanto não
tem registro, não é tecnicamente uma empresária individual, e não poderá emitir
duplicata, somente conta de serviço.
Hospitais, quando chegava alguém correndo precisando de
socorro, exigia um cheque caução como
garantia. Durante um tempo pediam um cheque caução de valor exorbitante, coisas
em torno de R$ 50.000,00. Depois que as pessoas começaram a procurar o Ministério
Público, o caminho encontrado pelos hospitais foi passar a emitir uma duplicata
de prestação de serviços, com aceite presumido.
Notem bem: a duplicata tem como causa fatura que extraída de uma compra e venda mercantil. Qual é a
importância dessa “causa”? Vamos voltar aos primórdios desta disciplina. O que
é o princípio da autonomia? Em regra, não há, no título de crédito, a
vinculação a uma causa fundamental, embora eu saque um cheque para comprar
algum bem. A partir da emissão, o cheque tem vida própria e a nada se vincula.
É o princípio basilar da autonomia. A duplicata, por sua vez, tem uma causa. É a
fatura; sem ela, nada de duplicata. A duplicata não seria um título de crédito
porque foge à regra da autonomia. É estudada como título de crédito porque ela
pode ser circulada. Daí dizer que ela é um título
de crédito causal.
Natureza jurídica
A duplicata será um
título de crédito causal tendo em vista que necessita de uma causa para a sua
extração, qual seja, a fatura. Não obstante sua causalidade, ostenta as
qualidades de título de crédito jungido, submetido ao Direito Cambiário, haja
vista a aplicação dos princípios da literalidade, da autonomia e da
cartularidade.
Essa causalidade, conforme já dito, está expressa nas normas cambiárias e no Código Penal. A causalidade inclusive tem consequências penais para a extração da fatura ou duplicata, caso simulada. Essa redação do art. 172 se deu com a Lei 8137/90, a lei dos crimes contra a tributação, contra a ordem econômica. Essa lei, pelo número, é posterior à Lei 8078, que é o Código de Defesa do Consumidor. Qual foi a modificação que houve? Antes do CDC a redação era: “emitir fatura, duplicata ou ordem de compra e venda que não corresponda à operação realizada”. Hoje a redação é “que não corresponda à mercadoria alienada”. Antes a causalidade era para proteger o próprio comerciante, e hoje é para proteger o consumidor. Tendo, como causa, a fatura. Emissão de duplicata fria é crime e dá cadeia.
Lei de regência
A lei de regência da duplicata é a 5474/1968.
Situações jurídicas
Primeira delas é o emitente
ou sacador. Quem será o sacador da
duplicata? Quem está vendendo a mercadoria, quem emite é o comerciante. É aquele que emite a duplicata, ou seja, o
vendedor ou o prestador do serviço. Se o sacador é o vendedor, o sacado
é o recebedor da mercadoria, ou o tomador
do serviço, responsável pelo respectivo pagamento.
Requisitos
extrínsecos da duplicata