I - Inoponibilidade das exceções
pessoais
II – Aceite
Vamos terminar, ainda na parte de
endosso, a questão da
inoponibilidade das exceções pessoais, que não vimos ainda. Também
vamos tentar
ver toda a parte de aceite hoje.
Lembrem-se da cadeia
Leopoldo-Arthur-Diogo-Flávia-Cadu-Talita. Leopoldo é o sacador, Arthur
é o
sacado, Diogo é o tomador, que logo se torna o primeiro endossante (ao
passar o
título de crédito para Flávia, a endossatária, repetindo-se esse
comportamento
até Talita.)
Última pergunta sobre essa cadeia: a
partir do momento em
que esses personagens se tornaram endossantes do título, eles se
tornaram
co-devedores.
Para finalizar o tema da aula
anterior, vamos ver a inoponibilidade das
exceções pessoais.
Já falamos do princípio da autonomia dos títulos de crédito. O que é
mesmo? Ele
tem abstração e independência. Abstração porque ele não está vinculado
a uma
relação preexistente. E independência porque o título circula e, quando faz
isso, ele
cria expectativas nas pessoas que receberão esse título; expectativas
porque a satisfatividade não pode ser frustrada por
causa da relação entre credor e devedor originários. Flávia, que recebe
o
cheque derivado daquela compra por Cadu do carro com motor fundido de
Arthur,
nada tem a ver com a relação e o problema entre eles. Ela é uma
terceira de
boa-fé. Terceiro é a pessoa que não é parte da relação originária,
enquanto
boa-fé é atuação com moralidade, probidade e honestidade dentro daquele
contrato.
Todos presumidamente agem de boa-fé.
Para dizer que alguém
agiu de má-fé, deve-se provar. Presume-se a boa-fé, portanto dizemos
que ela é
objetiva.
A inoponibilidade das exceções
pessoais é a impossibilidade em que se
encontra o devedor
de opor ao endossatário de boa-fé as exceções que teria em relação ao
endossante.
Referida
inoponibilidade é cabível apenas quando se tratar de terceiro de
boa-fé, uma
vez que, quanto ao devedor originário, poderão ser opostas as exceções
pessoais.
Art. 916 do Código Civil: “As exceções, fundadas em relação do devedor com os
portadores
precedentes, somente poderão ser por ele opostas ao portador, se este,
ao
adquirir o título, tiver agido de má-fé.” Neste caso, pode
ser que, na
transação acima, em que Flávia é a endossatária, esta poderia ter
recebido o
cheque de má-fé, pois quem lhe passou, sabendo problema do motor do
carro, lhe
fez a proposta de receber o cheque, cobrá-lo do emitente e então
partilhar o
proveito dessa maliciosa investida, sabendo que as exceções pessoais
(no caso,
o problema no negócio jurídico envolvendo o automóvel de motor ruim)
não poderiam
ser opostas ao terceiro de boa-fé, que, nesta história, seria a própria
Flávia.
Cadu, quem pagou pelo carro com o cheque, ouviu essa história e
imediatamente
solicitou ao banco que o sustasse. Se Cadu comprovar a má-fé com a qual
foi
praticada a transação, ele poderá deixar de pagar Flávia.
Lembre-se que má-fé não se presume,
se comprova.
Voltando: Arthur vendeu o carro com
motor fundido e Cadu
sustou o cheque. Leopoldo poderá cobrar. Mas Diogo se defenderá mostrando o
motor
fundido. Mas, se um terceiro de boa-fé entrar na história, ele não
poderá ser
prejudicado. Diferente situação é aquela em que uma mulher contrata um
marceneiro para montar sua cozinha, e lhe dá um cheque pelo serviço
ainda por
prestar. O marceneiro leva o cheque à madeireira, compra algumas toras,
que por
sua vez paga um de seus empregados com ele. Chega o dia da prestação e
nada de
o marceneiro aparecer. A dona-de-casa manda sustar o cheque. Só que,
neste
momento, ele não está mais na mão do marceneiro, que foi quem
descumpriu sua
obrigação, mas sim na mão do empregado da madeireira, que nada tinha a
ver com
nada disso, e nem conhecia o devedor originário. Neste caso, a exceção
pessoal
entre a dona-de-casa e o marceneiro não poderá ser oposta contra o
terceiro de
boa-fé.
Se, entretanto, o cheque não circular
além da madeireira,
pode ser que tenha havido conluio entre esta e o marceneiro,
que
combinaram de este pegar o cheque pelo serviço a prestar com a
dona-de-casa,
enquanto a madeireira ficaria de cobrar, posando de terceiro de boa-fé,
da
mulher. Provada essa situação, ela poderá sustar o cheque e se abster
de pagar.
Aceite
É a segunda declaração cambiária. Na
letra de câmbio, temos
quantas situações jurídicas? Três. Uma pessoa emite (saca),
determinando que alguém
(o sacado) pague (cria uma ordem de pagamento) a um terceiro, o
tomador. Mas
existe o princípio da legalidade, no art. 5º, inciso II da Constituição
Federal.
O que diz mesmo? “Ninguém será obrigado a
fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei”.
Perguntamos-nos:
existe alguma lei obrigando Arthur a aceitar a letra de câmbio? Não.
Quando da
emissão, o Arthur sequer sabia que essa letra de câmbio tinha sido
emitida ou
não.
No período francês, essa obrigação do
Arthur estava
vinculada a uma provissão de fundos. Mas Einert, no Direito Alemão
surgiu
dizendo que não, que o título de crédito era autônomo; vamos enunciar
novamente
a teoria dele: “o título de crédito é uma
promessa unilateral independente de qualquer relação contratual
preexistente
cuja pendência frustraria a concepção da autonomia do título”
. O que temos
que saber é que Arthur não é obrigado a aceitar essa letra de câmbio.
Mas, ao
aceitar, ele se vincula a ela, tornando-se o principal pagador daquela
letra.
Daí Diogo ou qualquer outro endossatário terá que se dirigir ao Arthur
para
comunicá-lo. Este anunciará: eu sou o principal pagador desta letra.
Mas
Leopoldo também é co-devedor. Quando ele poderá cobrar de Leopoldo? Continue lendo.
Conceito de aceite, portanto, é “o ato pelo qual o sacado vincula-se ao pagamento
da letra de câmbio,
tornando-se seu principal devedor, cabendo aos co-devedores a
responsabilidade
do pagamento apenas nas hipóteses de recusa do aceite ou descumprimento
da
obrigação assumida.
Com o aceite, surge a situação
jurídica do aceitante.
Inicialmente tínhamos três situações jurídicas (sacador, sacado e
tomador),
depois com o endosso surgem mais duas (endossante e endossatário), e,
com o
aceite, surge a sexta: o sacado torna-se o aceitante,
tornando-se o principal pagador da letra de câmbio.
Formas de se
prestar
o aceite
Deverá ser prestado no anverso, pois
o verso é o local
destinado ao endosso. E não apenas no anverso. O aceite será prestado
no
anverso do título no canto esquerdo no sentido vertical. Em geral, num
retângulo no canto esquerdo do título, destinado especificamente para o
aceite.
Excepcionalmente, o aceite poderá ser
prestado no verso do
título acompanhado da expressão “por aceite”. Por que excepcionalmente?
Porque
é a regra geral, então deve-se escrever “por aceite”. Assim sabemos que
não se
trata de um endosso e sim de um aceite. Imagine que haja uma assinatura
solta
no verso do título de crédito. O que ela significará? A princípio,
endosso.
Efeitos da
recusa do
aceite
Falamos que, ao aceitar, o aceitante
se torna o principal
pagador da letra de câmbio, mas ele não está obrigado. Os efeitos,
portanto,
são:
O aceite terá como efeito principal a
vinculação do sacado
como principal pagador da letra de câmbio, no entanto, considerando-se
que este
não está obrigado a se vincular contra sua vontade, poderá recusar o
aceite,
acarretando o vencimento antecipado do título, tornando-o
automaticamente
vencido e exigível dos co-devedores do título.
Leopoldo sacou a letra de câmbio a
Arthur determinando que
pagasse a Diogo a quantia de 600 unidades monetárias em 17/04/10. Diogo
endossou-a para Flávia, que endossou para Cadu, que endossou para
Talita. Hoje,
dia 17/03, mesmo sabendo que o vencimento é em 17/04, Talita veio à
aula e
descobriu que deve apresentar essa letra de câmbio para Arthur para que
este
preste o aceite e se torne o principal pagador do título. Ela não
poderar
cobrar a letra de câmbio de Arthur hoje, mas poderá pedir somente que
ele
preste o aceite. Arthur diz “sim, aceito”, e assina no canto esquerdo,
no
sentido vertical, no anverso da letra de câmbio. O que acontecerá?
Arthur
torna-se o principal pagador do título, devolve-o a Talita e diz:
“venha daqui
a um mês, que é o dia do vencimento.” Mas se Arthur recusar-se a
prestar o
aceite, por qualquer motivo, Talita poderá cobrar imediatamente de
qualquer dos
co-devedores. A consequência da recusa do aceite é o vencimento
antecipado da
letra de câmbio. Isso por que não faz sentido esperar um mês por algo
que não
receberá. Assim, Talita poderá cobrar os co-devedores da letra de
câmbio. Quem
são? Cadu, Flávia, Diogo e Leopoldo.
Recusa
parcial
A pessoa não está obrigada a recusar
a obrigação, mas o
aceite poderá ser parcial. Significa que uma parte é recusada.
O aceite ou recusa parcial será de
duas espécies:
modificativo e limitativo.
Modificativo, por exemplo, é aquele
em que a obrigação
inicial é modificada; o aceitante aceita, mas não nos moldes propostos.
Pode variar
em data, por exemplo. O limitativo é o que limita o valor da
obrigação. Vejamos
o conceito de recusa parcial: “é possível
que em determinadas situações o sacado aceite pagar o título, porém de
forma
parcial, surgindo duas modalidades, a saber: aceite modificativo,
quando são
introduzidas mudanças nas condições de pagamento da letra, e aceite
limitativo,
quando o sacado limita a quantia da obrigação a ser paga.”
Efeitos da
recusa
parcial
Arthur pode dizer que só pagará dia
17/5 ou então dizer que
só pagará 300 unidades monetárias, e não 600, que é o valor da letra.
Se ele se
recusar completamente, o efeito é o vencimento antecipado do título. E
na recusa
parcial? Também a antecipação do vencimento! A recusa parcial terá como
primeiro efeito a antecipação do vencimento do título, além da
vinculação
parcial do aceitante ao limite do aceite realizado, cabendo ao tomador
o
direito de cobrar a integralidade da letra dos co-devedores ou apenas a
parte
recusada pelo aceitante.
Talita recebeu a letra e foi ao
Arthur. Ele disse que não
pagará 600, mas 300. Nisso Talita terá dois caminhos: cobrar 300 do
Arthur e os
outros 300 dos outros co-devedores, ou cobrar os 600 dos co-devedores,
que terão
o direito de pedir a metade de Arthur depois.
Cláusula não
aceitável
Quando saca a letra de câmbio,
Leopoldo pode começar a ter medo de pagar essa letra de câmbio que ele resolveu criar. Significa
que ele
poderá antever a recusa de Arthur e ele não poderá pagar caso haja
vencimento
antecipado do título. Para que ele não seja pego de surpresa, ele saca
aquela
letra de câmbio para Diogo com a cláusula “não aceitável”. Significa
que ele
não poderá apresentar a letra de câmbio ao sacado para que este
apresente o
aceite, e que só se poderá apresentá-la no dia 17/4, que é o dia do
vencimento.
Formalizando: “constitui-se de cláusula
inserida no título pelo sacador proibindo o tomador de apresentar o
título ao
sacado antes do seu vencimento, evitando-se assim que o vencimento
antecipado
do título na hipótese de recusa do aceite.”