Direito Empresarial - Cambiário

quarta-feira, 17 de março de 2010

Conclusão do endosso e aceite


I - Inoponibilidade das exceções pessoais

II – Aceite

 

Vamos terminar, ainda na parte de endosso, a questão da inoponibilidade das exceções pessoais, que não vimos ainda. Também vamos tentar ver toda a parte de aceite hoje.

Lembrem-se da cadeia Leopoldo-Arthur-Diogo-Flávia-Cadu-Talita. Leopoldo é o sacador, Arthur é o sacado, Diogo é o tomador, que logo se torna o primeiro endossante (ao passar o título de crédito para Flávia, a endossatária, repetindo-se esse comportamento até Talita.)

Última pergunta sobre essa cadeia: a partir do momento em que esses personagens se tornaram endossantes do título, eles se tornaram co-devedores.

Para finalizar o tema da aula anterior, vamos ver a inoponibilidade das exceções pessoais. Já falamos do princípio da autonomia dos títulos de crédito. O que é mesmo? Ele tem abstração e independência. Abstração porque ele não está vinculado a uma relação preexistente. E independência porque o título circula e, quando faz isso, ele cria expectativas nas pessoas que receberão esse título; expectativas porque a satisfatividade não pode ser frustrada por causa da relação entre credor e devedor originários. Flávia, que recebe o cheque derivado daquela compra por Cadu do carro com motor fundido de Arthur, nada tem a ver com a relação e o problema entre eles. Ela é uma terceira de boa-fé. Terceiro é a pessoa que não é parte da relação originária, enquanto boa-fé é atuação com moralidade, probidade e honestidade dentro daquele contrato.

Todos presumidamente agem de boa-fé. Para dizer que alguém agiu de má-fé, deve-se provar. Presume-se a boa-fé, portanto dizemos que ela é objetiva.

A inoponibilidade das exceções pessoais é a impossibilidade em que se encontra o devedor de opor ao endossatário de boa-fé as exceções que teria em relação ao endossante.

Referida inoponibilidade é cabível apenas quando se tratar de terceiro de boa-fé, uma vez que, quanto ao devedor originário, poderão ser opostas as exceções pessoais.

Art. 916 do Código Civil: “As exceções, fundadas em relação do devedor com os portadores precedentes, somente poderão ser por ele opostas ao portador, se este, ao adquirir o título, tiver agido de má-fé.” Neste caso, pode ser que, na transação acima, em que Flávia é a endossatária, esta poderia ter recebido o cheque de má-fé, pois quem lhe passou, sabendo problema do motor do carro, lhe fez a proposta de receber o cheque, cobrá-lo do emitente e então partilhar o proveito dessa maliciosa investida, sabendo que as exceções pessoais (no caso, o problema no negócio jurídico envolvendo o automóvel de motor ruim) não poderiam ser opostas ao terceiro de boa-fé, que, nesta história, seria a própria Flávia. Cadu, quem pagou pelo carro com o cheque, ouviu essa história e imediatamente solicitou ao banco que o sustasse. Se Cadu comprovar a má-fé com a qual foi praticada a transação, ele poderá deixar de pagar Flávia.

Lembre-se que má-fé não se presume, se comprova.

Voltando: Arthur vendeu o carro com motor fundido e Cadu sustou o cheque. Leopoldo poderá cobrar. Mas Diogo se defenderá mostrando o motor fundido. Mas, se um terceiro de boa-fé entrar na história, ele não poderá ser prejudicado. Diferente situação é aquela em que uma mulher contrata um marceneiro para montar sua cozinha, e lhe dá um cheque pelo serviço ainda por prestar. O marceneiro leva o cheque à madeireira, compra algumas toras, que por sua vez paga um de seus empregados com ele. Chega o dia da prestação e nada de o marceneiro aparecer. A dona-de-casa manda sustar o cheque. Só que, neste momento, ele não está mais na mão do marceneiro, que foi quem descumpriu sua obrigação, mas sim na mão do empregado da madeireira, que nada tinha a ver com nada disso, e nem conhecia o devedor originário. Neste caso, a exceção pessoal entre a dona-de-casa e o marceneiro não poderá ser oposta contra o terceiro de boa-fé.

Se, entretanto, o cheque não circular além da madeireira, pode ser que tenha havido conluio entre esta e o marceneiro, que combinaram de este pegar o cheque pelo serviço a prestar com a dona-de-casa, enquanto a madeireira ficaria de cobrar, posando de terceiro de boa-fé, da mulher. Provada essa situação, ela poderá sustar o cheque e se abster de pagar.

 

Aceite

É a segunda declaração cambiária. Na letra de câmbio, temos quantas situações jurídicas? Três. Uma pessoa emite (saca), determinando que alguém (o sacado) pague (cria uma ordem de pagamento) a um terceiro, o tomador. Mas existe o princípio da legalidade, no art. 5º, inciso II da Constituição Federal. O que diz mesmo? “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei”. Perguntamos-nos: existe alguma lei obrigando Arthur a aceitar a letra de câmbio? Não. Quando da emissão, o Arthur sequer sabia que essa letra de câmbio tinha sido emitida ou não.

No período francês, essa obrigação do Arthur estava vinculada a uma provissão de fundos. Mas Einert, no Direito Alemão surgiu dizendo que não, que o título de crédito era autônomo; vamos enunciar novamente a teoria dele: “o título de crédito é uma promessa unilateral independente de qualquer relação contratual preexistente cuja pendência frustraria a concepção da autonomia do título” . O que temos que saber é que Arthur não é obrigado a aceitar essa letra de câmbio. Mas, ao aceitar, ele se vincula a ela, tornando-se o principal pagador daquela letra. Daí Diogo ou qualquer outro endossatário terá que se dirigir ao Arthur para comunicá-lo. Este anunciará: eu sou o principal pagador desta letra. Mas Leopoldo também é co-devedor. Quando ele poderá cobrar de Leopoldo? Continue lendo.

Conceito de aceite, portanto, é “o ato pelo qual o sacado vincula-se ao pagamento da letra de câmbio, tornando-se seu principal devedor, cabendo aos co-devedores a responsabilidade do pagamento apenas nas hipóteses de recusa do aceite ou descumprimento da obrigação assumida.

Com o aceite, surge a situação jurídica do aceitante. Inicialmente tínhamos três situações jurídicas (sacador, sacado e tomador), depois com o endosso surgem mais duas (endossante e endossatário), e, com o aceite, surge a sexta: o sacado torna-se o aceitante, tornando-se o principal pagador da letra de câmbio.

 

Formas de se prestar o aceite

Deverá ser prestado no anverso, pois o verso é o local destinado ao endosso. E não apenas no anverso. O aceite será prestado no anverso do título no canto esquerdo no sentido vertical. Em geral, num retângulo no canto esquerdo do título, destinado especificamente para o aceite.

Excepcionalmente, o aceite poderá ser prestado no verso do título acompanhado da expressão “por aceite”. Por que excepcionalmente? Porque é a regra geral, então deve-se escrever “por aceite”. Assim sabemos que não se trata de um endosso e sim de um aceite. Imagine que haja uma assinatura solta no verso do título de crédito. O que ela significará? A princípio, endosso.

 

Efeitos da recusa do aceite

Falamos que, ao aceitar, o aceitante se torna o principal pagador da letra de câmbio, mas ele não está obrigado. Os efeitos, portanto, são:

O aceite terá como efeito principal a vinculação do sacado como principal pagador da letra de câmbio, no entanto, considerando-se que este não está obrigado a se vincular contra sua vontade, poderá recusar o aceite, acarretando o vencimento antecipado do título, tornando-o automaticamente vencido e exigível dos co-devedores do título.

Leopoldo sacou a letra de câmbio a Arthur determinando que pagasse a Diogo a quantia de 600 unidades monetárias em 17/04/10. Diogo endossou-a para Flávia, que endossou para Cadu, que endossou para Talita. Hoje, dia 17/03, mesmo sabendo que o vencimento é em 17/04, Talita veio à aula e descobriu que deve apresentar essa letra de câmbio para Arthur para que este preste o aceite e se torne o principal pagador do título. Ela não poderar cobrar a letra de câmbio de Arthur hoje, mas poderá pedir somente que ele preste o aceite. Arthur diz “sim, aceito”, e assina no canto esquerdo, no sentido vertical, no anverso da letra de câmbio. O que acontecerá? Arthur torna-se o principal pagador do título, devolve-o a Talita e diz: “venha daqui a um mês, que é o dia do vencimento.” Mas se Arthur recusar-se a prestar o aceite, por qualquer motivo, Talita poderá cobrar imediatamente de qualquer dos co-devedores. A consequência da recusa do aceite é o vencimento antecipado da letra de câmbio. Isso por que não faz sentido esperar um mês por algo que não receberá. Assim, Talita poderá cobrar os co-devedores da letra de câmbio. Quem são? Cadu, Flávia, Diogo e Leopoldo.

 

Recusa parcial

A pessoa não está obrigada a recusar a obrigação, mas o aceite poderá ser parcial. Significa que uma parte é recusada.

O aceite ou recusa parcial será de duas espécies: modificativo e limitativo.

Modificativo, por exemplo, é aquele em que a obrigação inicial é modificada; o aceitante aceita, mas não nos moldes propostos. Pode variar em data, por exemplo. O limitativo é o que limita o valor da obrigação. Vejamos o conceito de recusa parcial: “é possível que em determinadas situações o sacado aceite pagar o título, porém de forma parcial, surgindo duas modalidades, a saber: aceite modificativo, quando são introduzidas mudanças nas condições de pagamento da letra, e aceite limitativo, quando o sacado limita a quantia da obrigação a ser paga.”

 

Efeitos da recusa parcial

Arthur pode dizer que só pagará dia 17/5 ou então dizer que só pagará 300 unidades monetárias, e não 600, que é o valor da letra. Se ele se recusar completamente, o efeito é o vencimento antecipado do título. E na recusa parcial? Também a antecipação do vencimento! A recusa parcial terá como primeiro efeito a antecipação do vencimento do título, além da vinculação parcial do aceitante ao limite do aceite realizado, cabendo ao tomador o direito de cobrar a integralidade da letra dos co-devedores ou apenas a parte recusada pelo aceitante.

Talita recebeu a letra e foi ao Arthur. Ele disse que não pagará 600, mas 300. Nisso Talita terá dois caminhos: cobrar 300 do Arthur e os outros 300 dos outros co-devedores, ou cobrar os 600 dos co-devedores, que terão o direito de pedir a metade de Arthur depois.

 

Cláusula não aceitável

Quando saca a letra de câmbio, Leopoldo pode começar a ter medo de pagar essa letra de câmbio que ele resolveu criar. Significa que ele poderá antever a recusa de Arthur e ele não poderá pagar caso haja vencimento antecipado do título. Para que ele não seja pego de surpresa, ele saca aquela letra de câmbio para Diogo com a cláusula “não aceitável”. Significa que ele não poderá apresentar a letra de câmbio ao sacado para que este apresente o aceite, e que só se poderá apresentá-la no dia 17/4, que é o dia do vencimento. Formalizando: “constitui-se de cláusula inserida no título pelo sacador proibindo o tomador de apresentar o título ao sacado antes do seu vencimento, evitando-se assim que o vencimento antecipado do título na hipótese de recusa do aceite.