1 – Conceito
2 – Princípios dos títulos de crédito
3 – Teorias acerca dos títulos de crédito
4 – Extensão das teorias
Aula bastante chata hoje, mas dentro do conteúdo. É chato
porque veremos puramente teoria e pouca prática. Veremos o conceito dos títulos
de crédito. Depois vamos às teorias, que são uma tentativa de explicação do que
vem a ser aquela relação obrigacional que se originam dos títulos.
Vamos afunilar até saber qual é a teoria adotada pelo
Direito Brasileiro.
Na aula passada falamos sobre crédito. Conceituamos que
crédito é a permissão para utilizar o capital alheio. Vimos o cheque especial,
que usamos quando estamos “no aperto”, e assim podemos alargar a troca.
O que é um título de crédito? É um documento que demonstra
que uma pessoa tem um crédito. Um documento que representa o crédito.
Conceito de Brunner: documento
de um direito privado que não se pode exercitar se não se dispõe do título.
Note a ênfase na palavra “documento”.
Esse conceito já traz para nós a ideia de que o título de
crédito é um documento. Precisamos demonstrar a vinculação entre credor e
devedor. Qual é a diferença entre documento
e instrumento? Veremos o contrato de
mandato em Direito Contratual. Qual é o instrumento desse contrato? Procuração. É um instrumento do contrato
de mandato. Mas a procuração é um documento também. Porque falamos em instrumento
e não em documento? Documento serve
para prova, mas o instrumento serve para uma finalidade específica. O título de
crédito, de acordo com Brunner, é um também um instrumento.
Mas esse conceito não é completo. Vivante veio com um
conceito que a doutrina entende por perfeito. Art. 887 do Código Civil. Título
de crédito é “um documento necessário para o exercício literal e autônomo do direito nele mencionado.” Art. 887: “O título de crédito, documento necessário ao
exercício do direito literal e autônomo nele contido, somente produz efeito
quando preencha os requisitos da lei.”
Veja a identidade com o conceito de Vivante. É perfeito
porque através desse conceito conseguimos extrair três princípios que norteiam
o Direito Cambiário. Título literal e autônomo: literalidade, autonomia e
cartularidade.
Princípios dos
títulos de crédito
Literalidade
O que é uma interpretação literal, conforme vimos em Direito
Civil I e II? Se atém ao texto, também conhecido por interpretação gramatical. Aquele direito autônomo literal que será
exercido é apenas o que está escrito. Se você tem um cheque de R$ 600, você vai
ao banco sacá-lo, quanto você espera receber? R$ 1.000,00? De jeito nenhum. Da
mesma forma o banco não pode pagar menos. Ou paga o que está escrito ou não
paga nada.
O título é literal porque
sua existência regula-se pelo teor de seu conteúdo, que se enuncia em um
escrito e somente o que nele estiver inserido será levado em consideração.
Vimos o exemplo do cheque, que é mais claro e simples. Vamos
ver depois a circunstância dos títulos de crédito e isso trará à tona a
importância da literalidade.
Princípio da
autonomia
Encontraremos na doutrina que alguns autores desdobram
autonomia na abstração e independência. Dois motivos tornam o
título autônomo, primeiro porque, por via de
regra, ele não tem relação com uma causa anterior; segundo porque o
possuidor de boa-fé não pode ser restringido no exercício de seus direitos em
virtude de relações preexistentes entre credor e devedor originários. Essa
ideia também é conhecida como inoponibilidade
das exceções pessoais.
Vamos entender. “Por via de regra”: não se prende a uma causa
preexistente. Significa que ninguém amanhã acordará pensando que vai assinar um
título de crédito. O título passa a ter vida própria a partir do momento em que ele é criado. O cheque,
por exemplo, nasce da decorrência de uma compra e venda. O comprador tinha uma
motivação para fazê-lo. Uma vez emitido o cheque, entretanto, ele passa a ter
vida própria, independente daquela motivação que lhe deu origem. Se a primeira
compra e venda não foi prestada (a mercadoria), não interessa, é outra coisa. O
cheque é independente da relação que lhe deu causa.
O segundo motivo: o possuidor de boa-fé não pode ter seus
direitos restringidos em virtude das relações entre credor e devedor
originários. Para entender, imagine uma operação de factoring com o cheque. O
que é isso? Um cheque pode estar pós-datado. Cadu compra o carro do Arthur, e
eles acertam que aquele dará a este um cheque para daqui a 30 dias. Arthur não
pode apresentar o cheque no banco hoje, então ele procura uma empresa e faz uma
operação de factoring, que consiste em apresentar um cheque pós-datado para
receber o dinheiro imediatamente, deduzido de uma quantia chamada deságio. Por exemplo: o cheque pelo veículo era
de R$ 15.000,00, mas Arthur precisa de dinheiro imediatamente, não pode esperar
pela data. Assim, ele vai à empresa de factoring, entrega o cheque, e recebe R$
14.400,00 por ele, porém imediatamente. Os R$ 600,00 de diferença foram exatamente
o deságio.
Pois bem. Cadu, homem sério, pega o carro recém-comprado de Arthur
e leva num mecânico, para avaliação. O mecânico constata que o carro tem um
tempo de vida estimado em quinze minutos; está condenado mesmo. Pronto, Cadu
comprou gato por lebre. O que ele faz? Liga para o banco e solicita sua
sustação. Neste momento, o cheque está no cofre da empresa de factoring.
Os dias passam, e chega o dia de depositar o cheque. Lucas,
dono da empresa de factoring, se dirige ao banco e surpreende-se ao saber que
aquele cheque havia sido sustado por Cadu, o emitente. Cadu o fez porque houve
um problema em sua transação com Arthur, o que acabou, por tabela, prejudicando
Lucas.
E agora, o que cabe a Lucas, lesado, fazer? Ele irá cobrar
de Cadu na justiça. E a ação deverá prosperar, justamente por causa da inoponibilidade: ele nada tem a ver com
o problema entre Arthur, quem lhe entregou o cheque, e Cadu, o emitente. As
exceções pessoais dos envolvidos na “história” daquele título não atingem
Lucas, até porque o título é autônomo.
Princípio da
cartularidade
O que é uma cártula? É um papel. É a forma física do documento. O que é esse princípio? Tenho que ter um
documento físico. O cheque, por exemplo, é uma folha de papel, que segue uma
regulamentação sobre a formalidade necessária. No entanto, Amanda pode tirar
uma folha do caderno e criar uma letra de câmbio para passar a alguém.
Podemos então enunciar o princípio da cartularidade da
seguinte forma: o título de crédito será
necessariamente vinculado a uma cártula, ou seja, a um documento sem o qual o
seu exercício torna-se impossível.
Observação: esses princípios, em virtude do avanço
da
tecnologia e das peculiaridades de cada caso concreto, podem não
atingir todos
os títulos. Não se aceitam títulos eletrônicos na doutrina ainda. Não
se usam mais papéis para ações, por exemplo. Hoje em dia, se alguém lhe
aparece
oferecendo papéis dizendo ser ações de determinada companhia, proceda
da
seguinte maneira: convide-o para entrar, ofereça-lhe um cafezinho e
chame a
polícia e mande prendê-lo por estelionato. Em geral, as regras não tem vinculação a uma causa. Mas a duplicata tem,
por isso ela é chamada de título de
crédito causal, que nasce de uma causa preexistente. É um exemplo de título
que não obedece ao princípio da autonomia. Daí sua diferença para o cheque.
As teorias sobre os títulos
de crédito
Os doutrinadores, ao longo do tempo, queriam entender a
origem de um título de crédito. Selecionamos cinco teorias, sendo que quatro
possuem críticas significativas, e a última, de Cesare Vivante, é considerada a
mais importante. Vivante se debruçou ao estudo dos títulos de crédito. No
Brasil, José Xavier Carvalho de Medonça.
Primeira teoria: criada por Einert e completada por Kuntze: o título de crédito é uma promessa
unilateral independente de qualquer relação contratual preexistente cuja
pendência frustraria a concepção da autonomia do título.
Por que essa teoria não foi aceita? A forma que eles colocam
é o mesmo que dizer: “vou acordar e criar um título”. Se prendem somente à
autonomia, mas não dizem sobre a inoponibilidade das exceções pessoais. É uma
teoria incompleta.
Segunda teoria: de Savigny. Diz que o título é emitido como se fosse um contrato com pessoa incerta em que
a dívida encontra-se incorporada no papel tornando-se credor aquele que se
encontra na posse do título, eis que esta presume sua propriedade.
Essa parte final está relacionada à teoria subjetiva da
posse. Qual é mesmo a diferença entre a posse a propriedade? Posse é o
exercício de alguns direitos da propriedade. Usar e gozar. Não pode dispor nem
reaver. A teoria é equivocada, mas é usada para justificar a parte inicial da
teoria: veremos que não existe contrato com pessoa incerta. Teoria falha pela
parte inicial. É como se Savigny tivesse notado o erro e quisesse consertar na
segunda parte da teoria.
Teoria de Schweppe: a mais interessante de todas. Também
chamada de teoria da personificação.
Dispõe que o título é o detentor de seu
próprio direito, tratando-o como uma pessoa e não como uma coisa. Teoria
bem absurda. O Direito não atribui personificação a coisas inanimadas. Imagine
a cadeira ajuizar usucapião contra o CEUB por estar aqui nesta sala há 15
anos...
Teoria de Ihering: a
declaração de vontade do emissor do título produz imediatamente um vínculo
passivo obrigacional, sem gerar, no entanto, o direito ao crédito que, durante
a circulação do título, existe apenas de forma potencial, isto é, até que deixe
de circular, não pertencerá ao patrimônio de ninguém.
É outro sujeito que apresentará a teoria objetiva da posse.
O que é essa “teoria do germe”, como é conhecida? Ele assume o compromisso de
pagar aquele cheque. Mas, enquanto está passando de mão em mão, ele está se
vinculando passivamente. Só valerá como obrigação. Só passará a valer algo
quando alguém tomar o título e o depositar. Somente nesse momento que o título
é agregado ao patrimônio.
Furo: aqueles títulos que estariam sendo vendidos não teriam
validade alguma, na bolsa de valores. Compra e venda, por exemplo, tem 3
requisitos: res, pretius e consensus. Ninguém vai comprar ação da Encol.
Então vem a teoria de Vivante, que dá uma explicação mais
correta acerca dos vínculos obrigacional dos títulos de crédito. O devedor do título se obriga por uma
relação contratual, motivo pelo qual contra ele mantêm-se intactas as defesas
pessoais que o direito comum lhe assegura; em relação a terceiros, o fundamento
da obrigação está na sua firma, que expressa sua vontade unilateral de se
obrigar e esta manifestação não deve defraudar as esperanças que se despertam
na circulação do título.
Até o primeiro ponto-e-vírgula: Vivante, ao contrário dos
demais, diz que tem que haver uma obrigação contratual fundamental, motivo pelo
qual surge a possibilidade de se alegarem as exceções pessoais. Para entender,
voltamos ao exemplo da compra e venda em que Arthur vendeu seu carro para Cadu,
que lhe pagou com cheque. Por algum motivo, Arthur não apresenta o cheque
imediatamente, e Cadu, que teve tempo de visitar o mecânico, pôde ir ao banco a
tempo para sustar o cheque. Note que a relação ainda está entre os dois, que são
credor e devedor originários, sem chegar a circular. No dia seguinte, Arthur
vai ao banco apresentar o cheque para pagamento, e descobre que ele foi
sustado. Arthur vai ao encontro de Cadu para reclamar do cheque sustado, que
lhe responde que aquele lhe vendera um carro com motor fundido. Essa obrigação
contratual que faz com que Cadu tenha o direito de não pagar pela prestação
pois ele não teve uma contraprestação. Isso, como veremos em contratos, se
chama exceção por contrato não adimplido. Se pago por um bem que não funciona,
eu tenho o legítimo direito de frustrar o pagamento. Vivante fala que essa
relação contratual primeira que dá o direito de defraudar as expectativas do
que porta o título de crédito.
Mas ele vai além dessa relação contratual entre emissor e
devedor. Ele passa a ver também na ótica do terceiro que recebe aquele título
que entrou em circulação, terceiro esse de boa-fé. É o caso de Lucas, com sua
empresa de factoring.
Firma, como sabemos, significa “assinatura”. É a assinatura
do Cadu naquele cheque que diz que ele se obriga a pagar o valor ao seu
legítimo possuidor. Ele sabe que o cheque é um título autônomo e que irá
circular, e que Arthur poderia passá-lo ao Lucas. Lucas irá apresentá-lo para
pagamento. E, quando Cadu assina, além de dizer que está se obrigando a pagar
aquela obrigação, ele também está dizendo que não irá frustrar, defraudar as
expectativas daquela pessoa que recebeu o cheque de sua circulação.
Teoria da criação e
teoria da emissão
De todas essas teorias, chegamos a duas: teoria da emissão e
da criação.
Qual foi a teoria adotada pelo Direito Brasileiro? Nenhuma! Nos
filiamos a ambas. Vejamos o art. 905 do Código Civil: “O possuidor de título ao portador tem direito à prestação nele
indicada, mediante a sua simples apresentação ao devedor. Parágrafo único. A
prestação é devida ainda que o título tenha entrado em circulação contra a
vontade do emitente.”
A obrigação é devida ainda assim. Teoria da criação, caso Cadu tenha sido roubado. Art. 906: “O
devedor só poderá opor ao portador exceção fundada em direito pessoal, ou em
nulidade de sua obrigação.”
Opa, já surge uma situação em que o Cadu poderá deixar de
pagar por aquele cheque! É a teoria da emissão.
Art. 909: “O
proprietário, que perder ou extraviar título, ou for injustamente desapossado
dele, poderá obter novo título em juízo, bem como impedir sejam pagos a outrem
capital e rendimentos. Parágrafo único. O pagamento, feito antes de ter ciência
da ação referida neste artigo, exonera o devedor, salvo se se provar que ele
tinha conhecimento do fato.”
A lei garante a obtenção de medida judicial que impeça o pagamento a
outrem. Teoria da emissão de novo. Nosso Código Civil contempla ambas as
teorias.
Pode-se dizer que o Direito Brasileiro não se filiou a
nenhuma das teorias acima, porquanto o Código Civil brasileiro contempla
dispositivos que abarcam tanto uma quanto outra teoria.