Direito Empresarial - Cambiário

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Títulos de crédito


1 – Conceito

2 – Princípios dos títulos de crédito

a)  Literalidade
b)  Autonomia
c)  Cartularidade

3 – Teorias acerca dos títulos de crédito

a)  Einert / Kuntze
b)  Savigny
c)  Schweppe
d)  Ihering
e)  Vivante

4 – Extensão das teorias

a)  Teoria da criação
b)  Teoria da emissão
c)  Teoria adotada pelo Direito Brasileiro

Aula bastante chata hoje, mas dentro do conteúdo. É chato porque veremos puramente teoria e pouca prática. Veremos o conceito dos títulos de crédito. Depois vamos às teorias, que são uma tentativa de explicação do que vem a ser aquela relação obrigacional que se originam dos títulos.

Vamos afunilar até saber qual é a teoria adotada pelo Direito Brasileiro.

Na aula passada falamos sobre crédito. Conceituamos que crédito é a permissão para utilizar o capital alheio. Vimos o cheque especial, que usamos quando estamos “no aperto”, e assim podemos alargar a troca.

O que é um título de crédito? É um documento que demonstra que uma pessoa tem um crédito. Um documento que representa o crédito.

Conceito de Brunner: documento de um direito privado que não se pode exercitar se não se dispõe do título. Note a ênfase na palavra “documento”.

Esse conceito já traz para nós a ideia de que o título de crédito é um documento. Precisamos demonstrar a vinculação entre credor e devedor. Qual é a diferença entre documento e instrumento? Veremos o contrato de mandato em Direito Contratual. Qual é o instrumento desse contrato? Procuração. É um instrumento do contrato de mandato. Mas a procuração é um documento também. Porque falamos em instrumento e não em documento? Documento serve para prova, mas o instrumento serve para uma finalidade específica. O título de crédito, de acordo com Brunner, é um também um instrumento.

Mas esse conceito não é completo. Vivante veio com um conceito que a doutrina entende por perfeito. Art. 887 do Código Civil. Título de crédito é “um documento necessário para o exercício literal e autônomo do direito nele mencionado.” Art. 887: “O título de crédito, documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele contido, somente produz efeito quando preencha os requisitos da lei.

Veja a identidade com o conceito de Vivante. É perfeito porque através desse conceito conseguimos extrair três princípios que norteiam o Direito Cambiário. Título literal e autônomo: literalidade, autonomia e cartularidade.

 

Princípios dos títulos de crédito

Literalidade

O que é uma interpretação literal, conforme vimos em Direito Civil I e II? Se atém ao texto, também conhecido por interpretação gramatical. Aquele direito autônomo literal que será exercido é apenas o que está escrito. Se você tem um cheque de R$ 600, você vai ao banco sacá-lo, quanto você espera receber? R$ 1.000,00? De jeito nenhum. Da mesma forma o banco não pode pagar menos. Ou paga o que está escrito ou não paga nada.

O título é literal porque sua existência regula-se pelo teor de seu conteúdo, que se enuncia em um escrito e somente o que nele estiver inserido será levado em consideração.

Vimos o exemplo do cheque, que é mais claro e simples. Vamos ver depois a circunstância dos títulos de crédito e isso trará à tona a importância da literalidade.

 

Princípio da autonomia

Encontraremos na doutrina que alguns autores desdobram autonomia na abstração e independência. Dois motivos tornam o título autônomo, primeiro porque, por via de regra, ele não tem relação com uma causa anterior; segundo porque o possuidor de boa-fé não pode ser restringido no exercício de seus direitos em virtude de relações preexistentes entre credor e devedor originários. Essa ideia também é conhecida como inoponibilidade das exceções pessoais.

Vamos entender. “Por via de regra”: não se prende a uma causa preexistente. Significa que ninguém amanhã acordará pensando que vai assinar um título de crédito. O título passa a ter vida própria a partir do momento em que ele é criado. O cheque, por exemplo, nasce da decorrência de uma compra e venda. O comprador tinha uma motivação para fazê-lo. Uma vez emitido o cheque, entretanto, ele passa a ter vida própria, independente daquela motivação que lhe deu origem. Se a primeira compra e venda não foi prestada (a mercadoria), não interessa, é outra coisa. O cheque é independente da relação que lhe deu causa.

O segundo motivo: o possuidor de boa-fé não pode ter seus direitos restringidos em virtude das relações entre credor e devedor originários. Para entender, imagine uma operação de factoring com o cheque. O que é isso? Um cheque pode estar pós-datado. Cadu compra o carro do Arthur, e eles acertam que aquele dará a este um cheque para daqui a 30 dias. Arthur não pode apresentar o cheque no banco hoje, então ele procura uma empresa e faz uma operação de factoring, que consiste em apresentar um cheque pós-datado para receber o dinheiro imediatamente, deduzido de uma quantia chamada deságio. Por exemplo: o cheque pelo veículo era de R$ 15.000,00, mas Arthur precisa de dinheiro imediatamente, não pode esperar pela data. Assim, ele vai à empresa de factoring, entrega o cheque, e recebe R$ 14.400,00 por ele, porém imediatamente. Os R$ 600,00 de diferença foram exatamente o deságio.

Pois bem. Cadu, homem sério, pega o carro recém-comprado de Arthur e leva num mecânico, para avaliação. O mecânico constata que o carro tem um tempo de vida estimado em quinze minutos; está condenado mesmo. Pronto, Cadu comprou gato por lebre. O que ele faz? Liga para o banco e solicita sua sustação. Neste momento, o cheque está no cofre da empresa de factoring.

Os dias passam, e chega o dia de depositar o cheque. Lucas, dono da empresa de factoring, se dirige ao banco e surpreende-se ao saber que aquele cheque havia sido sustado por Cadu, o emitente. Cadu o fez porque houve um problema em sua transação com Arthur, o que acabou, por tabela, prejudicando Lucas.

E agora, o que cabe a Lucas, lesado, fazer? Ele irá cobrar de Cadu na justiça. E a ação deverá prosperar, justamente por causa da inoponibilidade: ele nada tem a ver com o problema entre Arthur, quem lhe entregou o cheque, e Cadu, o emitente. As exceções pessoais dos envolvidos na “história” daquele título não atingem Lucas, até porque o título é autônomo.

 

Princípio da cartularidade

O que é uma cártula? É um papel. É a forma física do documento. O que é esse princípio? Tenho que ter um documento físico. O cheque, por exemplo, é uma folha de papel, que segue uma regulamentação sobre a formalidade necessária. No entanto, Amanda pode tirar uma folha do caderno e criar uma letra de câmbio para passar a alguém.

Podemos então enunciar o princípio da cartularidade da seguinte forma: o título de crédito será necessariamente vinculado a uma cártula, ou seja, a um documento sem o qual o seu exercício torna-se impossível.

Observação: esses princípios, em virtude do avanço da tecnologia e das peculiaridades de cada caso concreto, podem não atingir todos os títulos. Não se aceitam títulos eletrônicos na doutrina ainda. Não se usam mais papéis para ações, por exemplo. Hoje em dia, se alguém lhe aparece oferecendo papéis dizendo ser ações de determinada companhia, proceda da seguinte maneira: convide-o para entrar, ofereça-lhe um cafezinho e chame a polícia e mande prendê-lo por estelionato. Em geral, as regras não tem vinculação a uma causa. Mas a duplicata tem, por isso ela é chamada de título de crédito causal, que nasce de uma causa preexistente. É um exemplo de título que não obedece ao princípio da autonomia. Daí sua diferença para o cheque.

 

As teorias sobre os títulos de crédito

Os doutrinadores, ao longo do tempo, queriam entender a origem de um título de crédito. Selecionamos cinco teorias, sendo que quatro possuem críticas significativas, e a última, de Cesare Vivante, é considerada a mais importante. Vivante se debruçou ao estudo dos títulos de crédito. No Brasil, José Xavier Carvalho de Medonça.

Primeira teoria: criada por Einert e completada por Kuntze: o título de crédito é uma promessa unilateral independente de qualquer relação contratual preexistente cuja pendência frustraria a concepção da autonomia do título.

Por que essa teoria não foi aceita? A forma que eles colocam é o mesmo que dizer: “vou acordar e criar um título”. Se prendem somente à autonomia, mas não dizem sobre a inoponibilidade das exceções pessoais. É uma teoria incompleta.

Segunda teoria: de Savigny. Diz que o título é emitido como se fosse um contrato com pessoa incerta em que a dívida encontra-se incorporada no papel tornando-se credor aquele que se encontra na posse do título, eis que esta presume sua propriedade.

Essa parte final está relacionada à teoria subjetiva da posse. Qual é mesmo a diferença entre a posse a propriedade? Posse é o exercício de alguns direitos da propriedade. Usar e gozar. Não pode dispor nem reaver. A teoria é equivocada, mas é usada para justificar a parte inicial da teoria: veremos que não existe contrato com pessoa incerta. Teoria falha pela parte inicial. É como se Savigny tivesse notado o erro e quisesse consertar na segunda parte da teoria.

Teoria de Schweppe: a mais interessante de todas. Também chamada de teoria da personificação. Dispõe que o título é o detentor de seu próprio direito, tratando-o como uma pessoa e não como uma coisa. Teoria bem absurda. O Direito não atribui personificação a coisas inanimadas. Imagine a cadeira ajuizar usucapião contra o CEUB por estar aqui nesta sala há 15 anos...

Teoria de Ihering: a declaração de vontade do emissor do título produz imediatamente um vínculo passivo obrigacional, sem gerar, no entanto, o direito ao crédito que, durante a circulação do título, existe apenas de forma potencial, isto é, até que deixe de circular, não pertencerá ao patrimônio de ninguém.

É outro sujeito que apresentará a teoria objetiva da posse. O que é essa “teoria do germe”, como é conhecida? Ele assume o compromisso de pagar aquele cheque. Mas, enquanto está passando de mão em mão, ele está se vinculando passivamente. Só valerá como obrigação. Só passará a valer algo quando alguém tomar o título e o depositar. Somente nesse momento que o título é agregado ao patrimônio.

Furo: aqueles títulos que estariam sendo vendidos não teriam validade alguma, na bolsa de valores. Compra e venda, por exemplo, tem 3 requisitos: res, pretius e consensus. Ninguém vai comprar ação da Encol.

Então vem a teoria de Vivante, que dá uma explicação mais correta acerca dos vínculos obrigacional dos títulos de crédito. O devedor do título se obriga por uma relação contratual, motivo pelo qual contra ele mantêm-se intactas as defesas pessoais que o direito comum lhe assegura; em relação a terceiros, o fundamento da obrigação está na sua firma, que expressa sua vontade unilateral de se obrigar e esta manifestação não deve defraudar as esperanças que se despertam na circulação do título.

Até o primeiro ponto-e-vírgula: Vivante, ao contrário dos demais, diz que tem que haver uma obrigação contratual fundamental, motivo pelo qual surge a possibilidade de se alegarem as exceções pessoais. Para entender, voltamos ao exemplo da compra e venda em que Arthur vendeu seu carro para Cadu, que lhe pagou com cheque. Por algum motivo, Arthur não apresenta o cheque imediatamente, e Cadu, que teve tempo de visitar o mecânico, pôde ir ao banco a tempo para sustar o cheque. Note que a relação ainda está entre os dois, que são credor e devedor originários, sem chegar a circular. No dia seguinte, Arthur vai ao banco apresentar o cheque para pagamento, e descobre que ele foi sustado. Arthur vai ao encontro de Cadu para reclamar do cheque sustado, que lhe responde que aquele lhe vendera um carro com motor fundido. Essa obrigação contratual que faz com que Cadu tenha o direito de não pagar pela prestação pois ele não teve uma contraprestação. Isso, como veremos em contratos, se chama exceção por contrato não adimplido. Se pago por um bem que não funciona, eu tenho o legítimo direito de frustrar o pagamento. Vivante fala que essa relação contratual primeira que dá o direito de defraudar as expectativas do que porta o título de crédito.

Mas ele vai além dessa relação contratual entre emissor e devedor. Ele passa a ver também na ótica do terceiro que recebe aquele título que entrou em circulação, terceiro esse de boa-fé. É o caso de Lucas, com sua empresa de factoring.

Firma, como sabemos, significa “assinatura”. É a assinatura do Cadu naquele cheque que diz que ele se obriga a pagar o valor ao seu legítimo possuidor. Ele sabe que o cheque é um título autônomo e que irá circular, e que Arthur poderia passá-lo ao Lucas. Lucas irá apresentá-lo para pagamento. E, quando Cadu assina, além de dizer que está se obrigando a pagar aquela obrigação, ele também está dizendo que não irá frustrar, defraudar as expectativas daquela pessoa que recebeu o cheque de sua circulação.

 

Teoria da criação e teoria da emissão

De todas essas teorias, chegamos a duas: teoria da emissão e da criação.

Qual foi a teoria adotada pelo Direito Brasileiro? Nenhuma! Nos filiamos a ambas. Vejamos o art. 905 do Código Civil: “O possuidor de título ao portador tem direito à prestação nele indicada, mediante a sua simples apresentação ao devedor. Parágrafo único. A prestação é devida ainda que o título tenha entrado em circulação contra a vontade do emitente.

A obrigação é devida ainda assim. Teoria da criação, caso Cadu tenha sido roubado. Art. 906: “O devedor só poderá opor ao portador exceção fundada em direito pessoal, ou em nulidade de sua obrigação.

Opa, já surge uma situação em que o Cadu poderá deixar de pagar por aquele cheque! É a teoria da emissão.

Art. 909: “O proprietário, que perder ou extraviar título, ou for injustamente desapossado dele, poderá obter novo título em juízo, bem como impedir sejam pagos a outrem capital e rendimentos. Parágrafo único. O pagamento, feito antes de ter ciência da ação referida neste artigo, exonera o devedor, salvo se se provar que ele tinha conhecimento do fato.

A lei garante a obtenção de medida judicial que impeça o pagamento a outrem. Teoria da emissão de novo. Nosso Código Civil contempla ambas as teorias.

Pode-se dizer que o Direito Brasileiro não se filiou a nenhuma das teorias acima, porquanto o Código Civil brasileiro contempla dispositivos que abarcam tanto uma quanto outra teoria.