Direito Empresarial - Cambiário

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Conhecimento de depósito e warrant e conhecimento de transporte



 

Vamos tentar entender, primeiramente, o que são esses títulos.

Conhecimento de depósito e warrant vêm da ideia de contrato de depósito. O que é um contrato de depósito? Luísa quer fazer um mestrado em Londres. Ela quer alugar o apartamento onde mora e não tem onde deixar seus bens. Há pessoas que têm como profissão receber essas mercadorias. Rebeca tem um depósito e celebrará, com Luísa, um contrato de depósito. Rebeca guardará e se responsabilizará, atendidas as regras do contrato de depósito, e posteriormente devolverá os bens à Luísa.

Temos depositante, depositário, e todos os direitos e deveres das partes.

Vamos para nossa matéria específica.

O conhecimento de depósito surge com a ideia de armazém geral. Armazém é, obviamente, um local de armazenamento, onde se fazem depósitos. Rebeca tem um armazém geral e especializa-se em grãos. Luísa, por sua vez, é a rainha da soja aqui de Brasília, tem fazendas em vários estados e compete até com Blairo Maggi no Mato Grosso. Em suma, ela tem uma colheita extraordinária, mas não tem condições de armazenar a soja. Então ela procurará o armazém geral da Rebeca e lá depositará a soja colhida.

Qual é o documento que a Rebeca passará para Luísa atestando que a mercadoria foi depositada lá? Um recibo de depósito, que é o comprovante de que aquele bem de propriedade da Luísa encontra-se dentro da propriedade da Rebeca.

Dessa prática, os homens inventaram novos títulos de crédito. São dois: conhecimento de depósito e warrant. São títulos de crédito causais, que nascem juntos, e são passados anexadamente. Nascem juntos, mas podem circular separadamente.

Luísa tem o conhecimento de depósito e o warrant. Ela precisa de dinheiro para uma viagem hoje, mas não tem dinheiro; contudo tem a soja depositada. Algo ela terá que fazer com essa soja, ainda que ela não possa ser diretamente convertida em dinheiro (vendida) imediatamente. Ícaro, visionário, querendo entrar no mercado de exportação, apresenta-se para comprar o título que está em posse de Luísa. Como transferir? Endosso, como os outros. Então ele dá à Luísa R$ 20 mil e pega com ela o conhecimento de depósito e o warrant.

Pouco depois, Ícaro procura Rebeca e diz: “agora eu sou o proprietário da soja que a Luísa depositou aqui.” Vim levantá-la. Assim ele carrega seu caminhão com a soja e leva para o comércio.

Agora vejam bem: Luísa tem um motivo para não querer se desfazer da soja agora. Ela acabou de colher, então está na época de colheita, mas em poucos meses virá a entressafra e o valor da soja irá aumentar bastante no mercado. Vendê-la agora pode significar arrependimento. Mas ela precisa de dinheiro, agora. Qual a alternativa que ela tem? Ela pode ir ao Banco do Brasil pedir um empréstimo. Mesmo que ela seja uma bem-sucedida mulher de negócios, o Banco, que está sempre atualizado em relação à política e ao mercado no âmbito rural, sabe que há riscos então exige uma garantia. Assim, Luísa toma R$ 50 mil emprestados e dá o warrant para o Banco como garantia de que possui soja depositada. Com o warrant, caso Luísa não pague o empréstimo, o Banco irá penhorar a soja. Devolvido o valor do empréstimo, devolvido o warrant.

Muito bem. Luísa foi contatada por Ícaro, interessado em adquirir sua soja. O warrant não está disponível pois está em poder do Banco, mas o conhecimento de depósito está. Podem os dois títulos circular em caminhos distintos? Sim. Se o conhecimento de depósito for endossado sem o warrant, não haverá problema, mas o endossatário já deverá ficar ciente de que o warrant está circulando como garantia de alguma coisa. Isso significa risco.

Vamos trabalhar com o exemplo inverso: Luísa resolve, depois de terminado seu mestrado, passar três meses em Fortaleza. Por acaso ela se encontra com Ícaro lá. Ela precisa de mais dinheiro para passar suas férias em Fortaleza, então pede a ele R$ 50 mil, que pode pagar esse valor em troca do conhecimento de depósito. Fazendo isso, ela estará alienando um bem que já está gravado. O Ícaro pode comprar a soja, mas já sabendo que aquela soja está apenhada, tendo constituída sobre ela uma garantia, que é o warrant dado por Luísa ao tomar o empréstimo no Banco do Brasil. Ícaro corre o risco de não ter essa soja quando precisar dela. Se Luísa deixar de pagar o empréstimo, ela perderá de uma vez a soja dada como garantia, aí Ícaro poderá alegar que ela não pagou ao Banco dolosamente ou mesmo lhe fazer qualquer outra imputação, v.g. ter ignorado que a soja estava em risco no momento da alienação, e isso será um problema para eles resolverem na esfera cível, o que foge ao nosso escopo aqui.

O que temos que saber é que pode-se assumir a posse do conhecimento de depósito sem o respectivo warrant.

Igual à hipoteca: no empréstimo, se não há candidatos a fiadores, o Banco poderá exigir um imóvel do tomador como garantia. Assim, este dá àquele o documento da hipoteca. Se o empréstimo não for pago, vai-se atrás do bem. Portanto, o dono do imóvel até pode alienar o bem hipotecado, mas o adquirente já ficará ciente de que o imóvel está gravado.

Quando Ícaro terá a propriedade plena daquela soja? Quando Luísa pagar o empréstimo, pegar o warrant de volta e entregá-lo.

 

Conceito de conhecimento de depósito e warrant: o conhecimento de depósito é o título representativo de mercadoria depositada cuja propriedade é transferida com o endosso do conhecimento. Já o warrant caracteriza-se como um título pignoratício cujo endosso investe o endossatário no direito de penhor das mercadorias negociadas.

Não confundam penhor com penhora, que são institutos completamente diferentes. Penhora é um instituto de Processo Civil, usado na execução. Penhor é garantia real, estudada no Direito Civil.

São títulos que nascem juntos quando do depósito de mercadorias em determinado armazém geral, possibilitando suas circulações em conjunto ou em separado, entretanto a propriedade plena da mercadoria será daquele que estiver na posse de ambos os títulos.

Warrant serve para instituir garantia.

 

Requisitos do conhecimento de depósito e warrant

  1. Denominação;
  2. Nome e qualificação do depositante;
  3. Lugar e prazo do depósito;
  4. Natureza e quantidade da mercadoria;
  5. Qualidade da mercadoria;
  6. Indicação de seguro das mercadorias depositadas;
  7. Declaração dos tributos, encargos e despesas a que são sujeitas as mercadorias depositadas;
  8. Data em que começa a correr a armazenagem;
  9. Data da emissão dos títulos;
  10. Assinatura do emitente.

 

Conhecimento de transporte

É, em quase tudo, idêntico ao conhecimento de depósito. A diferença é que no conhecimento de depósito temos uma mercadoria depositada, enquanto no conhecimento de transporte temos uma mercadoria sendo transportada.

Luísa, então, em outra safra, embarcou o carregamento num navio rumo à China. O transportador, empresa especializada, emitiu-lhe um conhecimento de transporte. Ao invés de fazer o “endosso do conhecimento de depósito”, faz-se o endosso do conhecimento de transporte. Ícaro, que não abandonou sua pretensão de entrar para o mercado de exportação, interessa-se pela soja. Mas ela está em trânsito!

Sem problema nenhum. Ele, aqui mesmo no Brasil, procura Luísa e pergunta se ela quer vender a soja, que concorda. Ele lhe paga o dinheiro, digamos, R$ 150 mil, e Luísa lhe dá o conhecimento de transporte. Agora Ícaro é o proprietário dos grãos.

Por que aqui não temos warrant? Porque o bem não está depositado. Não faz sentido constituir um título que dará penhor de uma mercadoria que já está em trânsito e provavelmente já tem destino certo. E se o destino for um armazém em outro estado? Também não há problemas: em lá chegando, quando for depositado no armazém na cidade destino, emitir-se-á um conhecimento de depósito.

Conceito de conhecimento de transporte: título de crédito cambiariforme extraído após a celebração de um contrato de transporte por qualquer via (marítima, terrestre ou aérea) que permite a transferência da propriedade dos bens mediante o endosso do título.

Aquele que estiver na posse do título poderá exigir que a mercadoria seja entregue no local por ele indicado mediante o pagamento do respectivo frete.

Ícaro vende, para um contato na China, a soja que adquiriu de Luísa por meio da entrega do conhecimento de transporte, ganha um dinheiro razoável, e adquire um lote de eletrônicos. Ele carrega as mercadorias num container no porto de Shenzhen e embarca rumo ao Brasil. A empresa de transportes lhe dá um conhecimento de transporte.

Chegando ao Brasil, a mercadoria desembarca no porto de Aratu, na Bahia, e o proprietário imediatamente contrata uma empresa de transportes brasileira, especializada em transporte por caminhão. Enquanto o caminhão se dirige para o armazém geral da Rebeca, localizado em Palmas, TO, Luísa, que abriu uma loja de eletroeletrônicos, interessa-se pela mercadoria transportada por Ícaro. Mas suas lojas ficam no Rio de Janeiro, então ela compra a mercadoria de Ícaro, que lhe transfere o conhecimento de transporte enquanto os eletrônicos estão em trânsito, e ordena que o caminhão mude de rota, passando a ter como destino o armazém geral de propriedade de Andreza, que fica em Niterói. Feito isso, ela se responsabiliza pela diferença no valor do frete a ser pago à empresa de transportes.

 

Requisitos do conhecimento de transporte

  1. Denominação e nome da empresa emissora;
  2. Número de ordem;
  3. Data;
  4. Nome do remetente;
  5. Nome do destinatário;
  6. Lugares de partida e destino;
  7. Espécies e quantidades da mercadoria;
  8. Marcas e sinais exteriores das embalagens (este lado para cima, frágil, etc.);
  9. Valor do frete com as declarações indicando se este já está pago ou se é a pagar;
  10. Assinatura do emitente.