Vamos tentar entender, primeiramente, o que são esses
títulos.
Conhecimento de depósito e warrant vêm da ideia de contrato de depósito. O que é um contrato
de depósito? Luísa quer fazer um mestrado em Londres. Ela quer alugar o
apartamento onde mora e não tem onde deixar seus bens. Há pessoas que têm como
profissão receber essas mercadorias. Rebeca tem um depósito e celebrará, com Luísa,
um contrato de depósito. Rebeca guardará e se responsabilizará, atendidas as
regras do contrato de depósito, e posteriormente devolverá os bens à Luísa.
Temos depositante, depositário, e todos os direitos e
deveres das partes.
Vamos para nossa matéria específica.
O conhecimento de depósito surge com a ideia de armazém geral. Armazém é, obviamente, um
local de armazenamento, onde se fazem depósitos. Rebeca tem um armazém geral e
especializa-se em grãos. Luísa, por sua vez, é a rainha da soja aqui de
Brasília, tem fazendas em vários estados e compete até com Blairo Maggi no Mato
Grosso. Em suma, ela tem uma colheita extraordinária, mas não tem condições de
armazenar a soja. Então ela procurará o armazém geral da Rebeca e lá depositará
a soja colhida.
Qual é o documento que a Rebeca passará para Luísa atestando
que a mercadoria foi depositada lá? Um recibo de depósito, que é o comprovante
de que aquele bem de propriedade da Luísa encontra-se dentro da propriedade da
Rebeca.
Dessa prática, os homens inventaram novos títulos de
crédito. São dois: conhecimento de depósito e warrant. São títulos de crédito causais, que nascem juntos, e são
passados anexadamente. Nascem juntos, mas podem circular separadamente.
Luísa tem o conhecimento de depósito e o warrant. Ela precisa de dinheiro para
uma viagem hoje, mas não tem dinheiro; contudo tem a soja depositada. Algo ela
terá que fazer com essa soja, ainda que ela não possa ser diretamente
convertida em dinheiro (vendida) imediatamente. Ícaro, visionário, querendo
entrar no mercado de exportação, apresenta-se para comprar o título que está em
posse de Luísa. Como transferir? Endosso, como os outros. Então ele dá à Luísa
R$ 20 mil e pega com ela o conhecimento de depósito e o warrant.
Pouco depois, Ícaro procura Rebeca e diz: “agora eu sou o
proprietário da soja que a Luísa depositou aqui.” Vim levantá-la. Assim ele
carrega seu caminhão com a soja e leva para o comércio.
Agora vejam bem: Luísa tem um motivo para não querer se desfazer
da soja agora. Ela acabou de colher, então está na época de colheita, mas em
poucos meses virá a entressafra e o valor da soja irá aumentar bastante no
mercado. Vendê-la agora pode significar arrependimento. Mas ela precisa de
dinheiro, agora. Qual a alternativa que ela tem? Ela pode ir ao Banco do Brasil
pedir um empréstimo. Mesmo que ela seja uma bem-sucedida mulher de negócios, o
Banco, que está sempre atualizado em relação à política e ao mercado no âmbito
rural, sabe que há riscos então exige uma garantia. Assim, Luísa toma R$ 50 mil
emprestados e dá o warrant para o Banco
como garantia de que possui soja depositada. Com o warrant, caso Luísa não pague o empréstimo, o Banco irá penhorar a
soja. Devolvido o valor do empréstimo, devolvido o warrant.
Muito bem. Luísa foi contatada por Ícaro, interessado em
adquirir sua soja. O warrant não está
disponível pois está em poder do Banco, mas o conhecimento de depósito está.
Podem os dois títulos circular em caminhos distintos? Sim. Se o conhecimento de
depósito for endossado sem o warrant,
não haverá problema, mas o endossatário já deverá ficar ciente de que o warrant está circulando como garantia de
alguma coisa. Isso significa risco.
Vamos trabalhar com o exemplo inverso: Luísa resolve, depois
de terminado seu mestrado, passar três meses em Fortaleza. Por acaso ela se encontra
com Ícaro lá. Ela precisa de mais dinheiro para passar suas férias em
Fortaleza, então pede a ele R$ 50 mil, que pode pagar esse valor em troca do
conhecimento de depósito. Fazendo isso, ela estará alienando um bem que já está
gravado. O Ícaro pode comprar a soja, mas já sabendo que aquela soja está
apenhada, tendo constituída sobre ela uma garantia, que é o warrant dado por Luísa ao tomar o
empréstimo no Banco do Brasil. Ícaro corre o risco de não ter essa soja quando
precisar dela. Se Luísa deixar de pagar o empréstimo, ela perderá de uma vez a
soja dada como garantia, aí Ícaro poderá alegar que ela não pagou ao Banco dolosamente
ou mesmo lhe fazer qualquer outra imputação, v.g. ter ignorado que a soja estava em risco no momento da
alienação, e isso será um problema para eles resolverem na esfera cível, o que
foge ao nosso escopo aqui.
O que temos que saber é que pode-se assumir a posse do
conhecimento de depósito sem o respectivo warrant.
Igual à hipoteca: no empréstimo, se não há candidatos a
fiadores, o Banco poderá exigir um imóvel do tomador como garantia. Assim, este
dá àquele o documento da hipoteca. Se o empréstimo não for pago, vai-se atrás
do bem. Portanto, o dono do imóvel até pode alienar o bem hipotecado, mas o
adquirente já ficará ciente de que o imóvel está gravado.
Quando Ícaro terá a propriedade plena daquela soja? Quando Luísa
pagar o empréstimo, pegar o warrant
de volta e entregá-lo.
Conceito de
conhecimento de depósito e warrant:
o conhecimento de depósito é o título
representativo de mercadoria depositada cuja propriedade é transferida com o
endosso do conhecimento. Já o warrant
caracteriza-se como um título pignoratício
cujo endosso investe o endossatário no direito de penhor das mercadorias
negociadas.
Não confundam penhor com penhora, que são institutos completamente
diferentes. Penhora é um instituto de Processo Civil, usado na execução. Penhor
é garantia real, estudada no Direito Civil.
São títulos que nascem
juntos quando do depósito de mercadorias em determinado armazém geral,
possibilitando suas circulações em conjunto ou em separado, entretanto a
propriedade plena da mercadoria será daquele que estiver na posse de ambos os
títulos.
Warrant serve para
instituir garantia.
Requisitos do
conhecimento de depósito e warrant
Conhecimento de
transporte
É, em quase tudo, idêntico ao conhecimento de depósito. A
diferença é que no conhecimento de depósito temos uma mercadoria depositada,
enquanto no conhecimento de transporte temos uma mercadoria sendo transportada.
Luísa, então, em outra safra, embarcou o carregamento num
navio rumo à China. O transportador, empresa especializada, emitiu-lhe um conhecimento de transporte. Ao invés de
fazer o “endosso do conhecimento de depósito”, faz-se o endosso do conhecimento de transporte. Ícaro, que não abandonou sua
pretensão de entrar para o mercado de exportação, interessa-se pela soja. Mas
ela está em trânsito!
Sem problema nenhum. Ele, aqui mesmo no Brasil, procura
Luísa e pergunta se ela quer vender a soja, que concorda. Ele lhe paga o
dinheiro, digamos, R$ 150 mil, e Luísa lhe dá o conhecimento de transporte.
Agora Ícaro é o proprietário dos grãos.
Por que aqui não temos warrant?
Porque o bem não está depositado. Não faz sentido constituir um título que dará
penhor de uma mercadoria que já está em trânsito e provavelmente já tem destino
certo. E se o destino for um armazém em outro estado? Também não há problemas: em
lá chegando, quando for depositado no armazém na cidade destino, emitir-se-á um
conhecimento de depósito.
Conceito de
conhecimento de transporte: título de
crédito cambiariforme extraído após a celebração de um contrato de transporte
por qualquer via (marítima, terrestre ou aérea) que permite a transferência da
propriedade dos bens mediante o endosso do título.
Aquele que estiver na
posse do título poderá exigir que a mercadoria seja entregue no local por ele
indicado mediante o pagamento do respectivo frete.
Ícaro vende, para um contato na China, a soja que adquiriu
de Luísa por meio da entrega do conhecimento de transporte, ganha um dinheiro
razoável, e adquire um lote de eletrônicos. Ele carrega as mercadorias num container no porto de Shenzhen e embarca
rumo ao Brasil. A empresa de transportes lhe dá um conhecimento de transporte.
Chegando ao Brasil, a mercadoria desembarca no porto de Aratu,
na Bahia, e o proprietário imediatamente contrata uma empresa de transportes brasileira,
especializada em transporte por caminhão. Enquanto o caminhão se dirige para o armazém
geral da Rebeca, localizado em Palmas, TO, Luísa, que abriu uma loja de eletroeletrônicos,
interessa-se pela mercadoria transportada por Ícaro. Mas suas lojas ficam no
Rio de Janeiro, então ela compra a mercadoria de Ícaro, que lhe transfere o
conhecimento de transporte enquanto os eletrônicos estão em trânsito, e ordena
que o caminhão mude de rota, passando a ter como destino o armazém geral de
propriedade de Andreza, que fica em Niterói. Feito isso, ela se responsabiliza pela
diferença no valor do frete a ser pago à empresa de transportes.
Requisitos do
conhecimento de transporte