Vamos ver hoje as cédulas de crédito. Elas se assemelham
muito a um contrato, e têm como características primordiais a atividade econômica
exercida e os bens que são dados em garantia por uma cédula de crédito. O que queremos
dizer com isso? O pai da Carol tem uma fazenda e quer plantar feijão. Mas não
tem dinheiro suficiente para comprar o maquinário, arar a terra, contratar
operadores especializados naquelas máquinas e fazer o plantio. O que ele faz?
Vai ao Banco do Brasil e toma um empréstimo, especial, com uma finalidade
específica. O Banco o dará uma cédula de
crédito rural.
Maria Júlia pode também querer entrar no mercado de
exportação de burcas para o Afeganistão, então celebra um mútuo com o Banco.
Ele a dará uma cédula de crédito de
exportação.
Ou então Letícia deseja montar uma loja de vinhos aqui em Brasília.
Pega dinheiro no Banco, que lhe dá uma cédula de crédito comercial.
Essa é a primeira característica da cédula de crédito: são
atreladas à atividade comercial a que é destinada.
É comum vermos, na cédula de crédito rural, que o banco,
quando celebra uma cédula de crédito de qualquer forma, mantém uma fiscalização
para saber se o pai da Carol efetivamente empregou o dinheiro na fazenda, ou se
Maria Júlia realmente usou o dinheiro obtido para comprar tecidos para burcas e
contratar pessoal para operar as máquinas de costura.
Segunda característica: a
garantia dada. O pai da Carol pode oferecer a própria fazenda como garantia,
então a cédula de crédito será uma cédula de crédito rural hipotecária.
No caso das burcas da Maria Júlia, o Banco do Brasil poderá
exigir, como garantia, suas máquinas de costura, que são bens móveis. O que
Maria Júlia levará para casa? Uma cédula de crédito comercial pignoratícia. “Pignoratício” é associado
a penhor, a garantia real sobre bens móveis, assim como a hipoteca é a garantia
real sobre bens imóveis.
Ou, ainda, o Banco, analisando o caso particular do pai da
Carol e entendendo que se trata de um risco maior, exigiu a fazenda e o maquinário como garantia. Assim eles
celebram uma cédula de crédito hipotecário-pignoratícia.
Essas são as características principais das cédulas de
crédito: a destinação do empréstimo está atrelada à atividade econômica
específica e a garantia para a celebração daquele contrato. O estudo que
fazemos aqui é genérico e se aplica a todas as cédulas de crédito. Cada espécie
tem seu próprio regramento, mas esta aqui é uma teoria geral.
A cédula de crédito em sua forma principal se assemelha a um
contrato. Há cláusulas, assinatura das partes e de duas testemunhas. Mas, assim
como ocorre com a duplicata e com o cheque, o título é causal e ela pode ser
negociada mediante endosso.
Conceito de cédula de
crédito: são promessas de pagamento
emitidas pelo devedor em razão de financiamento dado pelo credor caracterizadas
pela descrição dos bens dados em garantia que se tornam impenhoráveis após a emissão da cédula (cédulas
hipotecárias, pignoratícias, hipotecário-pignoratícias).
São títulos de crédito
causais que surgem de negócio jurídico necessário e que tem ambiente negocial
próprio, uma vez que são oriundas de operação financeira que tem como credor um
banco ou instituição financeira assemelhada.
A destinação do
empréstimo na cédula é elemento essencial do título, sendo vedada a utilização
dos valores em atividade econômica de natureza diversa. Embora estudadas como
títulos de crédito, em suas formas assemelham-se aos contratos.
Espécies de cédula de
crédito
O que se quer dizer com a parte destacada no conceito? Que a
fazenda e os tratores dados pelo pai da Carol não poderão responder por nenhuma
outra dívida que não a própria cédula. Não podem ser penhorados em execução por
outra obrigação.
Observem que só se pode falar de cédula de crédito associada
a um banco ou instituição financeira, pois são essas as instituições autorizadas
pelo Banco Central do Brasil para trabalhar com operações de financiamento. Quanto
à destinação, os valores não podem ser empregados em atividade diversa. Do
contrário será caracterizado o inadimplemento.
Requisitos da cédula
de crédito
Observações:
Inscrição da cédula
de crédito
Para comprar um bem imóvel, o contrato tem que ter a forma
escrita por meio de instrumento público. Ao vender um imóvel, eu e o comprador
vamos ao imóvel e celebramos uma escritura pública de compra e venda de bem
imóvel. O que dá a propriedade do bem imóvel para o Direito Brasileiro? A
transcrição. O que é? O registro daquele instrumento público perante o cartório
competente.
O mesmo faremos aqui na cédula de crédito, com uma
finalidade distinta. Os bens, como sabemos, não podem responder por outras
dívidas. O pai da Carol deu em garantia os tratores. Arthur, dono do Treta Bank S/A, é credor do pai da Carol
em obrigação de pagar quantia certa e dispõe de um título executivo
extrajudicial pronto para executar o devedor. O que ele requererá? A penhora
dos tratores. Perguntamos: Arthur tem condições de conhecer a condição dos bens
do executado? Não. Qual é, então, a forma que se tem para fazer isso? A
inscrição da cédula de crédito! Ela tem a finalidade de dar conhecimento a
todos da situação dos bens dados em garantia para celebrá-la. Ao celebrar uma
cédula de crédito com o Banco, o pai da Carol deverá inscrever aquela cédula no
cartório competente.
Uma vez celebrado o
negócio, a cédula de crédito, para que tenha eficácia contra terceiros, deverá
ser inscrita no competente cartório de registro de imóveis, a saber:
Vamos esclarecer. Cédula pignoratícia: foram dados como
garantia bens móveis. A loja da Maria Júlia fica em Samambaia, então vamos ao
Cartório do 3º Ofício de Notas. A fazenda do pai da Carol, que fica em
Cocalzinho, será inscrita no cartório de registro de imóveis de Cocalzinho. Mas
se foram somente os tratores dele ficaram depositados num galpão em Palmas,
Tocantins, dados em garantia, será no cartório da circunscrição de Palmas que
deverá ser inscrita a cédula de crédito rural pignoratícia. E, por último, se a
cédula de crédito era hipotecária e pignoratícia, tendo o pai da Carol dado em
garantia tanto a fazenda em Cocalzinho quanto os tratores situados em Palmas, aquele
em hipoteca, estes em penhor, onde a cédula deverá ser inscrita? No cartório de
Cocalzinho e no de Palmas.
Maria Júlia não levou à frente o negócio. O regime talibã
foi derrotado pelos Estados Unidos e cessou a repressão extremista no Afeganistão.
Com isso, também mudou a moda local. Agora as mulheres não querem mais andar
com o rosto coberto. Significa que a venda de burcas ficou severamente prejudicada.
Ela não tem dinheiro para pagar o Banco e o contrato, por consequência, ficou
inadimplido. O que o Banco do Brasil fará ante ao insucesso da Maria? Como que
se cobra um título de crédito? Execução. Se olharmos as leis de regência de
cada uma das cédulas de crédito (rural, comercial, industrial e de exportação),
que são alguns anos mais antigas, veremos que o credor poderá reter para si os
bens dados em garantia.
O Código de Processo Civil, de 1973, instituiu um novo
modelo de execução, que é o que conhecemos. Depois de
reformado, o CPC instituiu ainda mais novos procedimentos de execução. O STJ entendeu que o CPC, por
ser legislação posterior e específica em execução, deverá ser aplicado em detrimento
das leis de regência específicas das cédulas de crédito. Significa então que o
Banco não poderá ficar com as máquinas de costura para si; ele terá que ajuizar
uma ação de execução e pedir para que sejam penhorados, preferencialmente, aqueles
bens dados em garantia. Feita a penhora e não havendo embargos, os bens são levados
a leilão, caso móveis, ou a hasta pública, caso imóveis. O dinheiro é usado
para o pagamento da dívida.
Os bens, antigamente, eram simplesmente tomados, como
previsto na disciplina da cédula de crédito.
Inadimplemento
O inadimplemento da
cédula importará no vencimento imediato da obrigação independentemente de
qualquer interpelação judicial ou extrajudicial.
Embora as leis de
regência da cédula de crédito disciplinem a possibilidade de retenção dos bens
pelos credores, o STJ firmou entendimento no sentido de que, em matéria de
execução, deverá ser seguido o rito previsto no Código de Processo Civil.