Direito Empresarial

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Cédula de crédito


 

Vamos ver hoje as cédulas de crédito. Elas se assemelham muito a um contrato, e têm como características primordiais a atividade econômica exercida e os bens que são dados em garantia por uma cédula de crédito. O que queremos dizer com isso? O pai da Carol tem uma fazenda e quer plantar feijão. Mas não tem dinheiro suficiente para comprar o maquinário, arar a terra, contratar operadores especializados naquelas máquinas e fazer o plantio. O que ele faz? Vai ao Banco do Brasil e toma um empréstimo, especial, com uma finalidade específica. O Banco o dará uma cédula de crédito rural.

Maria Júlia pode também querer entrar no mercado de exportação de burcas para o Afeganistão, então celebra um mútuo com o Banco. Ele a dará uma cédula de crédito de exportação.

Ou então Letícia deseja montar uma loja de vinhos aqui em Brasília. Pega dinheiro no Banco, que lhe dá uma cédula de crédito comercial.

Essa é a primeira característica da cédula de crédito: são atreladas à atividade comercial a que é destinada.

É comum vermos, na cédula de crédito rural, que o banco, quando celebra uma cédula de crédito de qualquer forma, mantém uma fiscalização para saber se o pai da Carol efetivamente empregou o dinheiro na fazenda, ou se Maria Júlia realmente usou o dinheiro obtido para comprar tecidos para burcas e contratar pessoal para operar as máquinas de costura.

Segunda característica: a garantia dada. O pai da Carol pode oferecer a própria fazenda como garantia, então a cédula de crédito será uma cédula de crédito rural hipotecária.

No caso das burcas da Maria Júlia, o Banco do Brasil poderá exigir, como garantia, suas máquinas de costura, que são bens móveis. O que Maria Júlia levará para casa? Uma cédula de crédito comercial pignoratícia. “Pignoratício” é associado a penhor, a garantia real sobre bens móveis, assim como a hipoteca é a garantia real sobre bens imóveis.

Ou, ainda, o Banco, analisando o caso particular do pai da Carol e entendendo que se trata de um risco maior, exigiu a fazenda e o maquinário como garantia. Assim eles celebram uma cédula de crédito hipotecário-pignoratícia.

Essas são as características principais das cédulas de crédito: a destinação do empréstimo está atrelada à atividade econômica específica e a garantia para a celebração daquele contrato. O estudo que fazemos aqui é genérico e se aplica a todas as cédulas de crédito. Cada espécie tem seu próprio regramento, mas esta aqui é uma teoria geral.

A cédula de crédito em sua forma principal se assemelha a um contrato. Há cláusulas, assinatura das partes e de duas testemunhas. Mas, assim como ocorre com a duplicata e com o cheque, o título é causal e ela pode ser negociada mediante endosso.

Conceito de cédula de crédito: são promessas de pagamento emitidas pelo devedor em razão de financiamento dado pelo credor caracterizadas pela descrição dos bens dados em garantia que se tornam impenhoráveis após a emissão da cédula (cédulas hipotecárias, pignoratícias, hipotecário-pignoratícias).

São títulos de crédito causais que surgem de negócio jurídico necessário e que tem ambiente negocial próprio, uma vez que são oriundas de operação financeira que tem como credor um banco ou instituição financeira assemelhada.

A destinação do empréstimo na cédula é elemento essencial do título, sendo vedada a utilização dos valores em atividade econômica de natureza diversa. Embora estudadas como títulos de crédito, em suas formas assemelham-se aos contratos.

 

Espécies de cédula de crédito

  1. Industrial;
  2. Comercial;
  3. Rural;
  4. De exportação.

O que se quer dizer com a parte destacada no conceito? Que a fazenda e os tratores dados pelo pai da Carol não poderão responder por nenhuma outra dívida que não a própria cédula. Não podem ser penhorados em execução por outra obrigação.

Observem que só se pode falar de cédula de crédito associada a um banco ou instituição financeira, pois são essas as instituições autorizadas pelo Banco Central do Brasil para trabalhar com operações de financiamento. Quanto à destinação, os valores não podem ser empregados em atividade diversa. Do contrário será caracterizado o inadimplemento.

 

Requisitos da cédula de crédito

  1. Denominação;
  2. Data e condições de pagamento;
  3. Nome do credor e cláusula à ordem;
  4. Valor do crédito por extenso e em algarismos com a indicação da finalidade e da forma de utilização;
  5. Descrição dos bens dados em garantia indicados pela espécie, quantidade, qualidade, sinais distintivos, bem como local onde se encontram. Se o pai da Carol pegou uma cédula de crédito rural hipotecária, ele dará em garantia a fazenda, descrevendo: “Fazenda Sem Nome do Norte, localizada em Cocalzinho, com tantos alqueires, limitada ao sul pela propriedade do Sr. Bento...”;
  6. Taxa de juros e demais encargos;
  7. Praça do pagamento;
  8. Data e lugar da emissão;
  9. Assinatura do emitente.

Observações:

 

Inscrição da cédula de crédito

Para comprar um bem imóvel, o contrato tem que ter a forma escrita por meio de instrumento público. Ao vender um imóvel, eu e o comprador vamos ao imóvel e celebramos uma escritura pública de compra e venda de bem imóvel. O que dá a propriedade do bem imóvel para o Direito Brasileiro? A transcrição. O que é? O registro daquele instrumento público perante o cartório competente.

O mesmo faremos aqui na cédula de crédito, com uma finalidade distinta. Os bens, como sabemos, não podem responder por outras dívidas. O pai da Carol deu em garantia os tratores. Arthur, dono do Treta Bank S/A, é credor do pai da Carol em obrigação de pagar quantia certa e dispõe de um título executivo extrajudicial pronto para executar o devedor. O que ele requererá? A penhora dos tratores. Perguntamos: Arthur tem condições de conhecer a condição dos bens do executado? Não. Qual é, então, a forma que se tem para fazer isso? A inscrição da cédula de crédito! Ela tem a finalidade de dar conhecimento a todos da situação dos bens dados em garantia para celebrá-la. Ao celebrar uma cédula de crédito com o Banco, o pai da Carol deverá inscrever aquela cédula no cartório competente.

Uma vez celebrado o negócio, a cédula de crédito, para que tenha eficácia contra terceiros, deverá ser inscrita no competente cartório de registro de imóveis, a saber:

  1. A cédula pignoratícia, no cartório da circunscrição do imóvel em que os bens estejam localizados;
  2. A cédula hipotecária, no cartório da circunscrição do imóvel hipotecado;
  3. A cédula hipotecário-pignoratícia, nos cartórios da circunscrição do imóvel hipotecado e do cartório da circunscrição do imóvel onde se encontram os bens apenhados.

Vamos esclarecer. Cédula pignoratícia: foram dados como garantia bens móveis. A loja da Maria Júlia fica em Samambaia, então vamos ao Cartório do 3º Ofício de Notas. A fazenda do pai da Carol, que fica em Cocalzinho, será inscrita no cartório de registro de imóveis de Cocalzinho. Mas se foram somente os tratores dele ficaram depositados num galpão em Palmas, Tocantins, dados em garantia, será no cartório da circunscrição de Palmas que deverá ser inscrita a cédula de crédito rural pignoratícia. E, por último, se a cédula de crédito era hipotecária e pignoratícia, tendo o pai da Carol dado em garantia tanto a fazenda em Cocalzinho quanto os tratores situados em Palmas, aquele em hipoteca, estes em penhor, onde a cédula deverá ser inscrita? No cartório de Cocalzinho e no de Palmas.

Maria Júlia não levou à frente o negócio. O regime talibã foi derrotado pelos Estados Unidos e cessou a repressão extremista no Afeganistão. Com isso, também mudou a moda local. Agora as mulheres não querem mais andar com o rosto coberto. Significa que a venda de burcas ficou severamente prejudicada. Ela não tem dinheiro para pagar o Banco e o contrato, por consequência, ficou inadimplido. O que o Banco do Brasil fará ante ao insucesso da Maria? Como que se cobra um título de crédito? Execução. Se olharmos as leis de regência de cada uma das cédulas de crédito (rural, comercial, industrial e de exportação), que são alguns anos mais antigas, veremos que o credor poderá reter para si os bens dados em garantia.

O Código de Processo Civil, de 1973, instituiu um novo modelo de execução, que é o que conhecemos. Depois de reformado, o CPC instituiu ainda mais novos procedimentos de execução. O STJ entendeu que o CPC, por ser legislação posterior e específica em execução, deverá ser aplicado em detrimento das leis de regência específicas das cédulas de crédito. Significa então que o Banco não poderá ficar com as máquinas de costura para si; ele terá que ajuizar uma ação de execução e pedir para que sejam penhorados, preferencialmente, aqueles bens dados em garantia. Feita a penhora e não havendo embargos, os bens são levados a leilão, caso móveis, ou a hasta pública, caso imóveis. O dinheiro é usado para o pagamento da dívida.

Os bens, antigamente, eram simplesmente tomados, como previsto na disciplina da cédula de crédito.

 

Inadimplemento

O inadimplemento da cédula importará no vencimento imediato da obrigação independentemente de qualquer interpelação judicial ou extrajudicial.

Embora as leis de regência da cédula de crédito disciplinem a possibilidade de retenção dos bens pelos credores, o STJ firmou entendimento no sentido de que, em matéria de execução, deverá ser seguido o rito previsto no Código de Processo Civil.