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Hoje vamos ver os crimes contra os costumes, que hoje em dia
são chamados crimes contra a dignidade sexual. Vamos fazer um paralelo para
podermos ver as mudanças desde a Lei 12015/09. Começaremos hoje com o estupro e suas figuras qualificadas.
O estupro sempre esteve no art. 213. A Lei 12015 não mudou o
tipo penal do crime de estupro. O crime foi sempre contra a mulher. Daí havia a
discussão de que somente o homem poderia ser o autor. Mas ainda assim é
possível que a mulher seja autora mediata.
Ela poderia ser autora intelectual da violência. A discussão era grande por
causa da conjunção carnal, que é o ato sexual entre homem e mulher. Não é
qualquer ato sexual, de acordo com o legislador. O que diferenciava o estupro
do atentado violento ao pudor, cujo artigo foi revogado, é que a mulher era
constrangida mediante violência ou grave ameaça à conjunção carnal, enquanto no
atentado violento ao pudor a figura era de constrangimento de alguém a praticar ato libidinoso diverso
da conjunção carnal. O modo de execução é o mesmo: violência ou grave ameaça e
o núcleo também: constranger.
Hoje, com a reforma feita pela Lei 12015, o estupro é junção
dos artigos 213 e o 214 do Código Penal de 1940. Portanto, não é mais absurdo
falar que “um homem foi estuprado”. Na lei de 1940 o homem não poderia ser
constrangido a ter relação sexual. Hoje o estupro é tanto o constrangimento
para ter conjunção carnal ou para qualquer ato libidinoso.
A pena é a mesma do Código Penal originário, com essas
alterações na redação do caput do
art. 213.
Quem pode ser vítima? Qualquer pessoa, enquanto o autor pode
ser também qualquer pessoa. Aí estão os sujeitos do crime de estupro.
O que é constranger? Forçar alguém a fazer algo que não
queira. Temos liberdade, e podemos fazer o que quisermos salvo expressa
proibição legal. O crime de constrangimento ilegal está no art. 146, e é crime
autônomo, e que é elementar do crime de estupro. E como o agente pratica o
constrangimento? Mediante grave ameaça ou violência, que são elementares do
tipo do estupro também.
Qual a natureza jurídica da violência no Código Penal? Aliás,
o que é violência contra a pessoa? Lesão à vida ou integridade física da
pessoa. Qual é a expressão mais drástica da violência contra a pessoa? O homicídio.
Segue-se dos outros crimes contra a vida e as lesões corporais. Então, como se
expressa a violência real no Código Penal brasileiro? Homicídio, lesão corporal e vias de fato. É a violência física.
Ameaça, que também é uma figura autônoma, é o prenuncio de causar mal injusto e
grave. O agente, portanto, usa da violência e/ou grave ameaça para cometer o
estupro.
No Código antes da vigência da Lei 12015, havia a violência
presumida se não houvesse violência real ou grave ameaça. Eram algumas
situações em que o legislador presumia que, mesmo sem que houvesse qualquer
atentado ou dano à integridade física da vítima, havia violência. Eram elas:
menor de 14 anos, alienado mental, e, por último, vítima sem condições de
oferecer resistência. Isso dava muita discussão, pois a presunção poderia ser
entendida como absoluta ou relativa.
O Ministro do STF Marco Aurelio Mello e o autor Luis Flavio
Gomes acreditavam que essa presunção era um absurdo, pois no Direito Penal não
pode haver punições com base em presunções. Isso estava no art. 224, que foi
revogado, que tinha que ser combinado com o 213. Hoje não existe mais essa
possibilidade. Sem violência real ou grave ameaça a figura é atípica quanto ao estupro.
Temos somente um caso de violência presumida absolutamente
no Código Penal, que é o induzimento, instigação ou auxílio a suicídio quando a
vítima é menor de 18 anos e maior de 14. Se, contudo, fosse menor de 14 e
levasse a cabo o suicídio, presume-se que ela sequer poderia entender o que
estava acontecendo, e o agente que induziu ou instigou responde por homicídio.
Hoje, no Direito Penal, não existe mais violência presumida
nos crimes sexuais.
Figura fundamental no
crime de estupro
Figura fundamental é a figura do caput, onde encontramos as elementares do crime. Como sabemos, no caput temos as elementares do crime, e
nos parágrafos temos as circunstâncias. Isso não muda no art. 213.
Quais os modos de execução? Grave ameaça e/ou violência
real. Essa é a figura fundamental.
Desde a Lei 12015 há a possibilidade de a mulher ser autora
direta, indireta, mediata ou imediata do crime de estupro.
E o atentado violento ao pudor? Ele, que estava previsto no
art. 214, foi incorporado ao art. 213. Sem atentado violento ao pudor, qual a
consequência? A primeira é a que o estupro e o AVP sempre foram considerados,
pela Lei 8072, crimes hediondos. Significa então que a Lei 8072 foi modificada
pois não existe mais AVP. Se não existe mais um crime, muito menos pode ele ser
considerado hediondo. E a segunda consequência? Abolitio criminis. Mas vejam bem o que aconteceu: a primeira coisa
em que pensamos é mesmo a abolitio.
Significa que a pessoa não pode ser punida por ele, pois o crime deixou de
existir. Mas não houve nenhum benefício em relação a essa mudança; a pena é a
mesma. Ele somente mudou de tipo, indo do 214 para o 213, com as mesmíssimas
características.
Estupro, atentado
violento ao pudor e a lei de crimes hediondos
Mas uma alteração que ocorreu foi em relação às causas
especiais de aumento de pena. Veja o art. 9º da Lei 8072: “A pena de quem pratica estupro ou atentado violento ao pudor será
aumentada de metade se ocorrer presunção de violência.” Pena do crime de
estupro: 6 a 10 anos. Com presunção de violência, iria para 9 anos. Regime
inicial de cumprimento da pena é o fechado, em estabelecimento de segurança
máxima. Hoje o sujeito foi beneficiado pois não mais incide o aumento de pena,
então o criminoso deverá pedir a revisão de sua condenação. Foi abolitio criminis de uma causa de
aumento de pena previsto no art. 9º da Lei 8072.
Hoje, está inviabilizado o concurso material, concurso formal
e a continuidade delitiva. Estupro hoje é a junção do antigo 213 e do antigo
214. Não temos mais a dúvida de que estupro não é um crime complexo. Não é. Vejam
as seguintes observações:
Classificação
doutrinária do estupro
Figuras qualificadas
do crime de estupro
Toda qualificadora tem a natureza jurídica de majorar a
pena. Por isso não está no caput, mas
nos parágrafos.
O crime de estupro qualificado pelos resultados são
preterdolosos, com dolo no estupro e culpa na lesão ou morte. Neste caso a pena
irá de seis a dez anos para oito a doze ou doze a trinta, respectivamente.
Por que o réu responde de forma mais grave? Porque foi ato
do autor que deu ensejo ao resultado mais gravoso.
Cuidado para não confundir estupro em concurso com homicídio
do estupro qualificado pelo resultado morte. Este último é preterdoloso,
enquanto naquele o agente queria os dois resultados. Nunca há absorção do
homicídio pelo estupro ou vice-versa. Depende dos desígnios do autor.
Observação: no Código Penal, pessoas entre 14 e 18 anos são
chamadas de “menores”. É um ranço da legislação antiga. Não confundir com o conceito
de criança e adolescente do ECA.
Violação sexual
mediante fraude
Vamos somente iniciar o estudo deste crime.
Atos sexuais sem constrangimento, mas a vítima é levada,
enganada, a praticar o ato sexual.
Modo de execução: fraude. Somente a mulher era a vítima
desse crime. Hoje qualquer pessoa pode ser vítima.
O legislador entendia que só a mulher poderia ser enganada.
“Estelionato sexual”, como era chamado, só recaía sobre a mulher. É também um
ranço da tradição em que o homem era o único chefe de família e a mulher era
considerada ingênua.
Aqui, o agente cria artifícios
ou ardis para ter ato libidinoso ou conjunção carnal. A fraude é equiparada a
não se ter condições de impedir o ato e a manifestação de vontade da vítima.
Exemplo: embriagar a vítima, ou a vítima está em letargia.