Direito Penal

terça-feira, 4 de maio de 2010

Crimes contra a família


Crimes contra a assistência familiar

Abandono

Crimes contra o pátrio poder (poder familiar), tutela e curatela

Art. 248 – induzir, confiar, deixar, sem justa causa, de entregar menor de 18 anos

Art. 249 – Subtração de incapaz

Vamos continuar no estudo dos crimes contra a família hoje. Vamos acompanhar alguns preceitos associados à família no Código Civil. Temos a regulação do Direito de Família e do casamento a partir do art. 1511 daquele Código. O que é casamento, o que é habitação, o que é um grupamento familiar, e todos os institutos correlacionados.

 

Revisão da aula passada

Recapitulando, vamos ver alguns dos deveres da família em relação aos descendentes e ascendentes, que está no art. 1511. “O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges.” Há os crimes contra a família constituída pelo casamento ou não.

O Código Civil estabelece algumas diferenças em relação ao Código Penal, que é mais velho. Se falamos em casamento e cônjuge, não estamos falando em união estável. Portanto os crimes contra o casamento, a começar pela bigamia, não podem vitimar o companheiro. São crimes contra o casamento, a instituição formada com base no vínculo jurídico com habilitação prévia.

Temos que observar os impedimentos que estudamos, quando falamos no rol do art. 1521 da Lei Civil, que são os vícios estabelecidos pelo legislador que podem tornar o casamento nulo ou anulável. Os impedimentos que tornam o casamento nulo são os chamados impedimentos absolutos.

Quem contrai casamento sendo casado comete crime de bigamia. Quem é casado e contrai união estável não comete o crime, apenas deslealdade.

Além disso vimos a questão do erro. Ele não torna o casamento nulo de pleno direito, mas pode tornar anulável quando houver vício em relação à honra da pessoa, reputação, até mesmo quanto à saúde física e mental. No art. 1550 temos as situações que tornam o casamento anulável, além do erro: “É anulável o casamento:

I – de quem não completou a idade mínima para casar;

II – do menor em idade núbil, quando não autorizado por seu representante legal;

III – por vício da vontade, nos termos dos arts. 1.556 a 1.558;

IV – do incapaz de consentir ou manifestar, de modo inequívoco, o consentimento;

V – realizado pelo mandatário, sem que ele ou o outro contraente soubesse da revogação do mandato, e não sobrevindo coabitação entre os cônjuges;

VI – por incompetência da autoridade celebrante.

Parágrafo único. Equipara-se à revogação a invalidade do mandato judicialmente decretada.

O erro está no art. 1557: “Considera-se erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge:

I – o que diz respeito à sua identidade, sua honra e boa fama, sendo esse erro tal que o seu conhecimento ulterior torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado;

II – a ignorância de crime, anterior ao casamento, que, por sua natureza, torne insuportável a vida conjugal;

III – a ignorância, anterior ao casamento, de defeito físico irremediável, ou de moléstia grave e transmissível, pelo contágio ou herança, capaz de pôr em risco a saúde do outro cônjuge ou de sua descendência;

IV – a ignorância, anterior ao casamento, de doença mental grave que, por sua natureza, torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado.

Note a correspondência do inciso I do artigo acima com a norma do art. 236 do Código Penal que estudamos. “Contrair casamento, induzindo em erro essencial o outro contraente, ou ocultando-lhe impedimento que não seja casamento anterior: pena – detenção, de seis meses a dois anos.

Observação: o cônjuge pode até querer assumir um casamento com alguém doente.

Nunca se esqueçam de que o casamento nulo tem efeitos ex-tunc, e o anulável tem efeitos ex-nunc. Só quem é casado pode praticá-los, salvo no caso do art. 237: “Contrair casamento, conhecendo a existência de impedimento que lhe cause a nulidade absoluta: pena – detenção, de três meses a um ano.

Nos crimes contra o estado de filiação, importa a relação de parentesco. Pode ser um vínculo familiar, civil ou legal. O este é o caso de adoção. Dá-se a família e o nome àquele que foi adotado. Não é um vínculo biológico mas não deixa de ter importantes efeitos jurídicos. Daí derivarão ascendentes e descendentes comuns.

Há os crimes de registro de nascimento inexistente, de parto suposto (art. 241), dar parto alheio como próprio, ocultar ou substituir recém-nascido, suprimindo ou alterando o direito inerente ao estado civil. Em que situações os crimes poderiam ocorrer? Entre outras coisas, como uma forma de lesar o Direito Previdenciário. O registro de filho alheio como próprio pode inclusive se dar por motivos bons, de nobreza, o que pode afastar a pena, já que não se trata de comércio ou abandono de crianças, mas sim com o intuito de constituir uma família. Não há redução à condição análoga à de escravo, nem prostituição, negociação para enviar ao estrangeiro. A pessoa apenas adota de forma ilegal a criança para tê-la como filho, sem interesses escusos. Não deixa de ser crime. Adoção à brasileira pode ser para fins criminosos ou não.

O registro de filho alheio como próprio pode gerar privilégio em virtude do motivo de reconhecida nobreza, o que é incompatível com a ação de organizações criminosas. As organizações em geral não visam ao bem-estar da criança roubada, traficada ou enviada a trabalho forçado. Dever-se-á aferir, no caso concreto, se a criança estava sendo bem cuidada.

O crime do art. 242 é cumulativo, porque há múltiplos tipos penais, todos crimes dolosos. Com culpa, só poderá haver indenização, não pena. A ocultação, por exemplo, precisa de uma ação comissiva, um agir.

Depois teremos o crime de abandono, do art. 243, que é o abandono em asilo de expostos para alterar o estado de filiação da criança. Temos que trabalhar com a ideia de que todo crime de abandono no Código Penal, no capítulo da periclitação da vida e da saúde, é aquele que coloca em risco a saúde de alguém. Aqui, o abandono é feito em asilo de expostos ou outra instituição de assistência. Claro que temos que fazer a adaptação do termo hoje: “asilo de expostos” eram aquelas casas de religiosas que cuidavam de pessoas que não tinham para onde ir, ou que cometeram crimes, sem noção de quem seriam seus pais. Esse abandono se dava sem perigo para a vida ou a saúde da pessoa abandonada. Causava somente a modificação ou substituição do estado de filiação. Esse era o intuito de quem abandonava o menor. É um direito que também decorre da personalidade; a vida nova gera direitos e obrigações. A criança precisa de alimentos e cuidados, dados voluntária ou compulsoriamente, por meio da justiça. O vínculo jurídico novo que se forma gerará direitos e obrigações. O bem jurídico tutelado é o estado de filiação. “Quem são meus pais?” – esta é a pergunta que já constituiu fundamento de várias ações de reconhecimento de paternidade, muitas vezes sem pedido de pagamento de alimentos. Buscava-se apenas saber a própria identidade da criança.

O Código Civil estabelece, quando fala em casamento, os direitos e deveres que dele decorrem, que se iniciam com ele. Veja o art. 1565: “Pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família.

§ 1º Qualquer dos nubentes, querendo, poderá acrescer ao seu o sobrenome do outro.

§ 2º O planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e financeiros para o exercício desse direito, vedado qualquer tipo de coerção por parte de instituições privadas ou públicas.

Há alguns institutos de Direito Civil que refletem questões sociais e outros que são questões de interesse público. O planejamento familiar é, por exemplo, uma questão de interesse social, portanto não pode haver interferência do Estado. Médicos da rede pública, por exemplo, não podem fazer laqueadura, sob pena de serem considerados criminosos pela sociedade ou pela mídia. O Estado pode, na melhor das hipóteses, monitorar ou até promover, mas nunca intervir.

Art. 1566: “São deveres de ambos os cônjuges:

I – fidelidade recíproca;

II – vida em comum, no domicílio conjugal;

III – mútua assistência;

IV – sustento, guarda e educação dos filhos;

V – respeito e consideração mútuos.

Quando falamos em assistência familiar, portanto, temos que remeter ao Código Civil. É a fidelidade recíproca, vida em comum, mútua assistência, sustento, guarda e educação dos filhos e respeito e consideração mútuos, todos esses valores.

Às vezes as pessoas querem morar em domicílios distintos, e isso pode inclusive ser considerado um não casamento, mas sim uma união estável. A lei não fala em “coabitar”, mas vida em comum no domicílio conjugal.

Os crimes contra a família constituem um grupo de normas penais em branco, então encontramos respaldo no Código Civil. São deveres em relação à família.

Vamos aos crimes.

 

O abandono

O que é o abandono, seja material, moral ou intelectual? De maneira simplista, podemos entendê-lo como “deixar de fazer algo”. O abandono material é aquele em que recursos, indispensáveis para alguém da família, deixam de ser providos. Esses recursos devem ou deveriam ser fornecidos por alguém. Não se esqueçam que os alimentos são devidos em relação ao parentesco que se forma. Temos, dentro do art. 244, uma hipótese interessante: “Abandono material – Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta) anos, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo:

Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa, de uma a dez vezes o maior salário mínimo vigente no País.

Parágrafo único – Nas mesmas penas incide quem, sendo solvente, frustra ou ilide, de qualquer modo, inclusive por abandono injustificado de emprego ou função, o pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada.

“Sem justa causa” é elemento normativo do tipo, portanto, matéria de investigação. Aquele que deixa de pagar os alimentos com justa causa não comente o crime de abandono material.

O artigo tem duas partes. Na primeira parte temos, como vítima, o cônjuge, o filho menor de 18 anos, o inapto para o trabalho, o idoso (maior de 60 anos) ou inválido, que não se presta mais ao trabalho. A hipótese criminosa é deixar de fornecer os recursos necessários à subsistência. É o dinheiro para se alimentar, para transporte, remédios, o mínimo indispensável para que se tenha uma vida digna.

O rol de pessoas é fechado. Não se pode falar em companheiro, só cônjuge. Isso seria analogia in mallam partem. Ascendentes e descendentes podem ser vítimas também. Por “recursos” entendemos tudo que possa dar sustento àquelas pessoas.

Na segunda parte, o legislador já modifica a vítima e o tipo de recurso. Sem justa causa ainda é elemento normativo. Agora o sujeito passivo é o enfermo na família que precisa de socorro. Note que aqui o cônjuge foi tirado.

Tecnicamente o Código Penal erra pois o cônjuge não é, na verdade, parente. O vínculo consanguíneo se forma nos descendentes e ascendentes, mas não entre cônjuges. Os descendentes são quem terão aquela mistura de genes. O DNA não se confunde entre cônjuges, só entre filhos, netos, país e avós (e, claro, ascendentes ou descendentes em maior grau). O cônjuge que ajuíza ação de alimentos dificilmente conseguirá provimento para ele próprio, mas conseguirá para os filhos, a não ser que esteja passando muita necessidade. Não será possível fazer analogia entre a primeira e a segunda parte pois seria em malefício do réu.

Daqui tiramos que o padrasto não poderá pedir alimentos pelo enteado, a não ser que o adote, momento a partir do qual haverá vínculo jurídico.

Na segunda parte do art. 244 temos a enfermidade grave. O abandono, agora, é no sentido de deixar o responsável de providenciar recursos para a subsistência do enfermo. Não se fala em filhos, mas em descendentes ou ascendentes, independente da idade. A idade de 18 anos foi posta porque a partir dela o filho não mais é menor. A regra é de 1940, mas há coincidência com o Código Civil de 2002. No caso do descendente, pode ser o filho adotado.

Parágrafo único do art. 244: “Nas mesmas penas incide quem, sendo solvente, frustra ou ilide, de qualquer modo, inclusive por abandono injustificado de emprego ou função, o pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada.” Trata do abandono injustificado do emprego para não pagar um débito. Aqui o legislador fala sobre a parte de recursos alimentícios.

Alimentos podem ser dados voluntariamente ou por força de decisão judicial. Se o juiz fixou o valor, é porque está havendo ou houve o descumprimento da decisão, então dizemos que há crime do agente que frustrou ou ilidiu o pagamento.

O parágrafo é muito importante porque: quem são as vítimas do caput do artigo? Cônjuge, ascendente e descendente. Na segunda parte, o gravemente enfermo. E no parágrafo único? Qualquer pessoa que tenha pedido a pensão e tenha sido concedida. O cônjuge, por exemplo, pode ter pedido e obtido judicialmente, apesar de ser algo incomum. Se o pagamento da pensão for frustrada, o cônjuge é vítima. Até mesmo o parceiro homossexual pode ser vítima se tiver obtido judicialmente o direito a receber alimentos.

 

Abandono moral

Art. 245: “Entregar filho menor de 18 (dezoito) anos a pessoa em cuja companhia saiba ou deva saber que o menor fica moral ou materialmente em perigo:

Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos.

§ 1º - A pena é de 1 (um) a 4 (quatro) anos de reclusão, se o agente pratica delito para obter lucro, ou se o menor é enviado para o exterior.

§ 2º - Incorre, também, na pena do parágrafo anterior quem, embora excluído o perigo moral ou material, auxilia a efetivação de ato destinado ao envio de menor para o exterior, com o fito de obter lucro.

Aqui o filho menor de 18 anos fica em perigo moral ou material. O que é perigo moral? Deixar, por exemplo, viver em casa de prostituição ou com traficantes. Viver em casas de jogos mal afamadas também. Enfim, tudo que possa levar à corrupção da criança ou adolescente. E o abandono material? Muito cuidado agora. O artigo anterior tem nome jurídico “abandono material”, e a redação deste é “...saber que o menor fica moral ou materialmente em perigo: [...]” então temos aqui, também, um abandono material. A diferença é que, no art. 244, o abandono é no sentido de deixar de prover os recursos para a subsistência. Enquanto aqui, fala-se em perigo para a integridade da criança.

Uma mina de carvão é um lugar perigoso por si só. Uma criança ou adolescente ficará mais em perigo ainda. Quem vai deixá-la lá ou obriga-a a frequentar tal lugar comete o crime.

Temos o caput, com a figura do filho menor de 18 anos. “Saiba ou deva saber”: quer dizer dolo direto ou eventual. O filho deve ficar em perigo, ou não há crime.

§ 1º: “A pena é de 1 (um) a 4 (quatro) anos de reclusão, se o agente pratica delito para obter lucro, ou se o menor é enviado para o exterior.” Além do perigo, o agente ainda faz com o intuito de lucro ou de enviá-lo para o exterior. Pode ser um ou outro.

§ 2º: “Incorre, também, na pena do parágrafo anterior quem, embora excluído o perigo moral ou material, auxilia a efetivação de ato destinado ao envio de menor para o exterior, com o fito de obter lucro.” Aqui o Código trata da pessoa que auxilia o abandono com fim de lucro, ou quem auxilia o envio da criança para o exterior.

“Materialmente” quer dizer local ou condições, e “moralmente” é com relação ao vínculo com pessoas que não têm boa fama, presumidamente criminosas ou desonestas, que podem corromper o menor.

Outro detalhe sobre o art. 245 é que a vítima deste crime, nas três hipóteses, é o filho menor de 18 anos. Frisamos isso porque veremos, na aula que vem, a previsão semelhante no Estatuto da Criança e do Adolescente. Lá há medidas parecidas, no tocante ao envio para o exterior ou abandono. Mas não se fala, lá, apenas em filho, mas em criança ou adolescente em geral.

Para concluir, temos o art. 247: “Permitir alguém que menor de dezoito anos, sujeito a seu poder ou confiado à sua guarda ou vigilância:

I – frequente casa de jogo ou mal-afamada, ou conviva com pessoa viciosa ou de má vida;

II – frequente espetáculo capaz de pervertê-lo ou de ofender-lhe o pudor, ou participe de representação de igual natureza;

III – resida ou trabalhe em casa de prostituição;

IV – mendigue ou sirva a mendigo para excitar a comiseração pública:

Pena – detenção, de um a três meses, ou multa.

São perigos morais também, mas neste artigo eles estão definidos e enumerados. Temos, portanto, uma relação de especialidade deste artigo em relação ao 245. Aqui, falamos na forma do abandono moral.

 

Abandono intelectual

Art. 246: “Deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar:

Pena – detenção, de quinze dias a um mês, ou multa.

Era insignificante este artigo no passado; hoje a promotoria da educação observa bastante este crime. O pai que matricula o filho na escola mas este deixa de frequentar, sem que o pai nada faça, ou o pai que deixa de matricular o filho comete este crime. Isso sem dizer que muitas vezes o causador de tudo isso é o próprio Estado. Não se esqueça da “justa causa” como elemento do tipo. Os pais estão obrigados a oferecer a instrução primária durante o Ensino Fundamental. Antigamente falava-se em idade (7 a 14 anos), mas hoje fala-se no período do Ensino Fundamental, independente da idade da criança.

Aula que vem: continuamos até o pátrio poder (poder familiar) e veremos mais detalhes do abandono intelectual.