Direito Penal

terça-feira, 6 de abril de 2010

Crimes contra a paz pública

Esta nota foi feita muito às pressas, como algumas outras de Direito Penal.

 

Não é a primeira vez que vemos no Código Penal crimes que terão, como núcleo, a incitação.

O legislador penal, ao estabelecer esses crimes, o fez em capítulo próprio por quê? Vamos falar do objeto jurídico para podermos entender essa distinção.

O que é a paz pública enquanto bem jurídico tutelado? A dignidade sexual, por exemplo, é um bem jurídico pessoal, de alguém. Essa foi uma grande mudança, porque tínhamos os costumes, que eram bens jurídicos de todos, da sociedade. Hoje falamos em dignidade sexual, que é um direito individual. Aqui falaremos da paz pública, que é um bem coletivo; ainda que seja desprovido de personalidade, não falamos de alguém individualmente, mas do corpo social.

Ao falar em paz pública, estamos falando das pessoas. O crime que atinge a paz individualmente considerada é o de rixa, do art. 137. Ali falamos na paz de alguém, daí estar no título de crimes contra a pessoa.

Os crimes contra a paz pública atingem a coletividade.

A paz pública tem que ser vista sob dois aspectos: um, o subjetivo, que é o indivíduo se sentir seguro em sua região de habitação ou mesmo no plano internacional. Traduz-se em segurança jurídica: se você, com sucesso, tirou passaporte para viajar para um país que o exige, você poderá estar seguro que, ao lá chegar, pelo menos em tese, você terá o direito de permanecer. Além dele há o aspecto objetivo, que não é o que se pensa sobre a segurança pública, mas todo o arcabouço jurídico que o conjunto de indivíduos tem e que os dará proteção quando precisarem. Idealmente falando, portanto, temos dois sentidos de paz pública.

Quando ocorre uma violação, nós, que sabemos Direito, sabemos o que e como buscar do Estado a reparação. Quando um Ministro de Estado diz: “a ordem está mantida”, as pessoas confundem o sentimento de paz pública com o sentimento de ordem pública. O instituto da prisão preventiva, que veremos depois no Processo Penal, dispõe que um de seus pressupostos é a garantia da ordem pública e econômica. E um grande questionamento que existe hoje em dia, na jurisprudência, é “o que é ordem pública”. Temos, no Código Penal, o que é paz pública, mas não o que é ordem pública. Podemos nos sentir seguros em qualquer lugar que tenha um ordenamento jurídico pronto para proteger os indivíduos, salvo, por exemplo, em caso de guerra civil.

E a ordem pública, quando ela estará ameaçada¸ para efeito de prisão preventiva? Quando não tivermos essa paz pública. Mas a ordem pública está vinculada diretamente ao aspecto objetivo da paz pública. É uma violação ao sentimento de segurança jurídica, que é imposto pelo arcabouço jurídico. Todos temos, por exemplo, o direito à liberdade de pensamento. Pode ser que isso seja restringido, um dia? Pode. Dependerá da situação. Ou será decorrente da lei penal, ou decorrente de um Estado de Defesa ou de Sítio. A segurança jurídica vem do arcabouço jurídico interno e internacional.

Com segurança jurídica, temos a ordem pública mantida. Mas o fato de a ordem pública estar mantida não significa que tenhamos a segurança sob o aspecto subjetivo. A paz pública será essa combinação de aspectos: subjetivo (cada indivíduo se sentir seguro) e objetivo (manutenção de um arcabouço jurídico efetivo). A ordem pública diz mais respeito à manutenção das instituições, cada uma delas realizando seu papel. Claro que, em alguns momentos, teremos a ordem pública sendo ameaçada por atitudes praticadas pelo corpo social. Por exemplo: linchar um homicida é violação da ordem pública, pois não se pode fazer justiça com as próprias mãos. Ao invés disso, dever-se-ia deixar que o Estado cuide do criminoso. Se o Estado consegue trabalhar para garantir o devido processo legal e a justiça, temos ordem pública.

Por que a doutrina chama os crimes contra a paz pública de “crimes vagos”? Porque a paz pública não tem personalidade jurídica. Não é um bem individual, mas coletivo.

Quando falamos, por exemplo, no crime de apologia, falamos que o sujeito passivo é a coletividade. O sujeito ativo nos crimes contra a paz pública é qualquer pessoa que incite a prática de crime, que faça propaganda de criminoso ou de fato criminoso passado, ou que constitua quadrilha ou bando.

Veja a situação: temos o direito de associação, desde que para fins lícitos. Se feita para fins ilícitos, não falamos em correto exercício do direito de associação mas em crime de quadrilha ou bando.

Vamos fazer uma ressalva: a incitação e a apologia são chamados crimes unisubjetivos, que uma pessoa só pode praticar. A quadrilha ou bando é plurissubjetivo, com o mínimo de quatro integrantes. Art. 288: “Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes: Pena – reclusão, de um a três anos. Parágrafo único – A pena aplica-se em dobro, se a quadrilha ou bando é armado.

O concurso de pessoas é obrigatório. Depois iremos diferenciar o crime comum com a causa de aumento.

 

Características gerais dos crimes contra a paz pública

Temos crimes que não exigem resultado. São crimes de perigo abstrato, sem a necessidade de se comprovar o perigo concreto para a coletividade. Basta a incitação ou a apologia para a consumação. Pode ser que eu faça a apologia e ninguém me siga. Ainda assim terei, caso a tenha feito em público, cometido o crime de apologia. A consumação é antecipada.

Os crimes também são formais, pois não precisam do resultado naturalístico. Se incito alguém e a turma realiza o ato, como o MST invadindo qualquer propriedade ou repartição pública, os que praticaram o ato também deverão responder.

Os crimes, em regra, são comuns, unissubjetivos, exceto a quadrilha, que é comum, formal, de perigo abstrato, mas é plurissubjetivo.

A tentativa não é admissível porque são crimes unissubsistentes, e a repartição do iter criminis não é cabível. Diz-se que “o bem jurídico não tem personalidade jurídica.”

Art. 286: “Incitar, publicamente, a prática de crime: Pena – detenção, de três a seis meses, ou multa.

O que é incitar? Veja novamente o art. 122, com o induzimento, instigação ou auxílio a suicídio: “Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça: [...]” A diferença é que aqui no art. 286 a incitação é pública. Incitar alguém a cometer crime não é crime, salvo se publicamente, e também nas hipóteses do art. 62, incisos II e III “A pena será ainda agravada em relação ao agente que: [...] II - coage ou induz outrem à execução material do crime; III - instiga ou determina a cometer o crime alguém sujeito à sua autoridade ou não-punível em virtude de condição ou qualidade pessoal; [...]”. No caso do art. 122, a incitação (na palavra instigar) é elemento do tipo. A incitação é pessoal, é elementar do tipo e é crime autônomo.

A incitação tem uma hipótese de agravação de pena quando o crime ocorre, e também a incitação é elemento do tipo, prevista como conduta nuclear, e é um crime autônomo. Qualquer crime pode ser incitado? Não, só os dolosos. Não faz sentido falar em incitação para crimes culposos. A própria culpa já desnatura a incitação. Posso instigar alguém a agir com culpa? Nunca. O elemento do crime culposo que desnatura o dolo é a previsibilidade. A previsibilidade do crime doloso é igual à do crime culposo, mas no doloso o agente quer o resultado, enquanto no culposo ele dá causa ao resultado por negligência, imperícia ou imprudência.

Apologia: o que é fazer apologia publicamente? Enaltecer a conduta daquela pessoa criminosa. Pode ser ou do crime ou do criminoso.

Qual a diferença, então, entre incitação e apologia? Os autores falam sobre a incitação direta a do art. 286, e de indireta a apologia do art. 287. Na direta, o fato criminoso é futuro. Na apologia (art. 287), o fato é passado. Significa que não se podem enaltecer condutas futuras, mas só pretéritas. Isso é o que caracteriza a apologia.

Por fim, a...

 

Quadrilha ou bando

Associarem-se mais de três pessoas para cometer crimes. A Constituição permite a associação para fins lícitos, sem armas. Mas o legislador restringe essa regra. De que forma? Para o fim de praticar crimes. Esse é o elemento subjetivo que desnatura qualquer tipo de associação. Se a associação se der para o fim de se praticarem crimes, ela será uma quadrilha ou bando.

Qual a diferença entre o art. 288 e o art. 29? Vamos anotar.

No art. 288, temos associação para fins ilícitos. É um dolo específico: para a prática de crimes. No art. 29, não há dolo específico, e a associação também pode se dar para a prática de contravenção. Outra diferença é que quem pratica o crime do art. 288 pratica-o em concurso material, ou formal. A culpabilidade é a mesma para todos os do bando e quadrilha. E também o óbvio: na quadrilha ou bando são necessárias pelo menos quatro pessoas, enquanto no concurso de pessoas do art. 29 bastam duas, e a reunião de agentes é sempre eventual, para qualquer crime.

Por fim, o art. 288 é um tipo autônomo, enquanto o art. 29 é uma causa geral de aumento de pena. Não podemos, portanto, combinar os dois artigos por causa do princípio ne bis in idem. No quadrilha ou bando, também, a presença de inimputáveis não desqualifica o crime.