Direito Penal

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Crimes contra a assistência familiar

Crimes contra o poder familiar, tutela e curatela.

Hoje vamos chamar atenção sobre um aspecto, que é o Estatuto da Criança e do Adolescente. Quando falamos em abandono dentro deste título do Código Penal, vimos que se trata de um crime diferente dos que temos na periclitação da vida e da saúde (do Título I). Nestes, há perigo, enquanto aqui nos crimes contra a assistência familiar não há. Esse abandono, na verdade, é a entrega de filho menor de 18 anos a pessoa em cuja companhia ele fica moral ou materialmente em perigo. Não existe o abandono em si que causa perigo à saúde ou à vida, mas perigo moral ou material que possa colocar em risco a incolumidade do menor.

Quando nos falamos em abandono moral e material, falamos nos arts. 245 e 247 do Código. A relação é de especialidade porque no art. 247 temos as formas de cometimento do crime de abandono e locais que possam corromper o menor: companhia de pessoas de má vida, locais mal afamados, etc. Temos uma forma de abandono moral especial em relação ao art. 245, artigo em que temos o abandono moral de forma genérica.

O art. 245 possui duas outras figuras, que é o abandono moral e material de filho, no caput; no § 1º temos o abandono moral seguido da possibilidade de obtenção de lucro ou envio para o exterior, e na terceira hipótese, no § 2º, temos a conjugação, embora excluido o perigo moral e material, do fim de lucro e o envio para o exterior. É neste aspecto que temos que prestar atenção no Estatuto da Criança e do Adolescente. A Lei 8069, o ECA, foi criada praticamente junto com a Lei de Crimes Hediondos. No Estatuto, temos crimes e penas, bem como infrações administrativas. Temos figuras bem parecidas com o Código Penal, então haverá conflito aparente de normas que irá se resolver pelo princípio da especialidade. Art. 237 do ECA: “Subtrair criança ou adolescente ao poder de quem o tem sob sua guarda em virtude de lei ou ordem judicial, com o fim de colocação em lar substituto:

Pena – reclusão de dois a seis anos, e multa. 

Art. 238: “Prometer ou efetivar a entrega de filho ou pupilo a terceiro, mediante paga ou recompensa:

Pena – reclusão de um a quatro anos, e multa.

Parágrafo único. Incide nas mesmas penas quem oferece ou efetiva a paga ou recompensa.

Aqui não tem perigo moral nem material. Pode ser filho ou pupilo, que é aquele que se tem a guarda, e entrega-se mediante recompensa ou lucro. É uma figura parecida com esse abandono do art. 245 do Código Penal. Temos as três figuras do art. 245: abandono moral e material, abandono com a possibilidade alternativa de lucro ou envio ao exterior, e a última possibilidade, sem perigo, mas com envio para o exterior com fim de lucro. No Estatuto da Criança e do Adolescente temos a entrega sem perigo, mas sempre havendo pagamento ou recompensa. Não é preciso que o menor vá para o exterior, mas o fim lucrativo é necessário para que se configure o crime. Também dispensa-se, no ECA, o perigo material ou moral. O art. 238 do Estatuto se apresenta como uma figura mais genérica, apesar de estar numa lei especial. O princípio da especialidade é aplicado de forma avessa ou indireta, pois o tipo especial está no Código Penal, que é lei geral, e não na Leiu 8069, que é especial. É que, no CP, temos perigo moral e material, e tem que ser de filho (no caput do art. 245), e não de criança ou adolescente em geral. No § 1º do art. 245 do Código Penal temos o perigo moral e material com a possibilidade de lucro OU envio para o exterior (note a alternatividade); e na terceira figura sim, que é possibilitar, sem qualquer tipo de perigo, o envio para o exterior, com o fito de lucro, ou seja, envio E lucro, o que não existe no Estatuto. Por isso a figura do ECA é genérica, enquanto as do Código Penal são específicas.

Havendo apenas a paga ou promessa para entrega de filho ou pupilo para o exterior sem perigo, estamos diante da figura do art. 238 do ECA, que é a genérica. Se houver perigo material ou moral, voltamos ao art. 245 do CP. Sem perigo, mas com envio para o exterior e paga ou promessa de recomepensa, vamos para o § 2º do art. 245 do Código Penal.

O que devemos deixar claro é que, havendo conflito entre estas duas figuras, devemos resolver pelo princípio da especialidade. Mas qual é o tipo especial? Os do Código Penal! O ECA é lei especial, então a primeira impressão que temos é que devemos aplicá-lo porque é especial, entretanto, os dispositivos sobre esta matéria é que são mais genéricos do que os do Código Penal, portanto aplicamos o Código, que, neste caso, é especial.

Parágrafo único do art. 238 do ECA: “Incide nas mesmas penas quem oferece ou efetiva a paga ou recompensa.

Art. 239: “Promover ou auxiliar a efetivação de ato destinado ao envio de criança ou adolescente para o exterior com inobservância das formalidades legais ou com o fito de obter lucro:

Pena – reclusão de quatro a seis anos, e multa.

Parágrafo único. Se há emprego de violência, grave ameaça ou fraude:

Pena – reclusão, de 6 (seis) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência.

Aqui temos uma hipótese de conflito idêntico com o art. 245, § 2º do Código Penal: “Incorre, também, na pena do parágrafo anterior quem, embora excluído o perigo moral ou material, auxilia a efetivação de ato destinado ao envio de menor para o exterior, com o fito de obter lucro.” Isso quer dizer que no art. 245, § 2º do CP temos o envio para o exterior e o lucro. No ECA temos a inobservância das formalidades legais, que pode levar-nos a entender que há conflito com a figura do art. 242, que é registrar como seu filho de outrem. Mas o fim específico aqui no art. 245, § 2º é o envio para o exterior com lucro, ou seja, conjunto aditiva “e”. No ECA, usa-se a conjunção alternativa “ou”. Isso poderia sugerir três conflitos: primeiro: registrar como seu o filho de outrem, já que fala-se “sem observância das formalidades legais”. Mas aqui se refere ao envio para o exterior. Essa figura, em relação ao registro, é mais específica. Segundo conflito: com o art. 245, § 1º, quando diz que, havendo perigo moral e material, a pessoa enviar para o exterior, ou tenha fim de lucro. É uma outra sugestão de conflito. Só que, no Código Penal, existe a primeira figura, não do caput, mas do § 1º, do perigo moral ou material, que inexiste no ECA. Portanto, não há conflito. Essa figura do ECA, portanto, é afastada.

Na terceira figura, é excluído o perigo moral e material, mas lá temos as duas situações conjugadas: envio para o exterior e fim de lucro. Afasta a hipótese do art. 239 porque nele se usa o OU. Então temos, como regra geral, o Código Penal como lei especial, que é a lei que detalha as figuras de abandono moral e material. Por fim, fixem também que alguns crimes do Estatuto se referem a qualquer criança ou adolescente, e não somente a filho.

 

Abandono intelectual

Art. 246: "Deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar: pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa."

É a conduta em que os responsáveis pela criança ou que têm a guarda deixam de prover sua instrução primária, quando em idade escolar. A idade escolar é o Ensino Fundamental. É uma norma penal em branco, pois agora o Ensino Fundamental vai até a nona série, não mais até a oitava. O Estado que se responsabiliza pela instrução das crianças. Todo o ensino obrigatório deve ser custeado pelo Estado, mesmo que isso não ocorra na realidade. O pai que matricula o filho na escola mas não o obriga a frequentar responde por abandono intelectual. Também o que simplesmente não matricula o filho.

Em todos os crimes há o elemento normativo, que é “sem justa causa”. Se houver problemas de transporte, isso poderá ser um óbice à educação. É um crime raramente conhecido pelas autoridades.

Há pouco tempo atrás um homem foi condenado à pena de multa de R$ 60,00 por não matricular os filhos adolescente no Ensino Médio. É que, na verdade, o pai praticava “home schooling”, e, de fato, conseguiu capacitar os filhos melhor do que a própria escola, tanto que eles passaram no vestibular sem nunca terem ido à escola durante no Ensino Médio. A condenação foi simbólica, apenas com o objetivo de cumprir a lei. Não houve, na verdade, nenhuma forma de abandono. Comentaristas alheios ao problema disseram que o abandono se deveu também ao fato de que os jovens foram privados do convívio social escolar, reputado como conditio sine qua non para a formação. A burocracia e o formalismo educacional existem com a intenção de evitar a “bagunça”. Ninguém, senão instituições reconhecidas pelo MEC, têm competência para emitir certificados de conclusão de curso.

 

Crimes contra o pátrio poder, tutela e curatela

O Código Penal não foi modificado em relação ao seu termo, mas "pátrio poder" deixou de ser usado desde o novo Código Civil. O pai que determinava os rumos do filho, e a mulher era apenas colaboradora. O pátrio poder corresponde ao atual poder familiar.

O poder familiar é o instituto pelo qual os pais têm, em relação aos filhos, o direito e o dever de educá-los, assisti-los, até os 17 anos. Os pais irão gerir a vida deles. Em que sentido? Sobre o aspecto moral, material, espiritual, intelectual, e os filhos, por sua vez, devem obediência aos pais.

Hoje temos uma inversão completa. O pai faz o que o filho quer. Até os 16 anos o filho é representado pelos pais; entre os 16 e 18 ele é assistido. Poderá fazer algumas coisas, mas não todas. Quem está sujeito ao poder familiar não pode querer nada, na verdade. A realidade, infelizmente, não acompanha a lei. Temos adolescentes que trabalham cuidando da casa, sozinhos. Até crianças. Vemos também pessoas maiores de 18 anos sem condições psíquicas e educacionais de trabalhar.

A pessoa só começa a ter independência quando tem independência financeira. É quando ela passa a ter direito de fato à gestão de sua própria vida.

Criticamos os pais de países europeus que "abandonam" os filhos precocemente, aos 17 anos... fato é que eles “abandonam” mesmo, mas com a condição de que trabalhem. Se distanciam cedo, vão estudar em outro país, em outra cidade. A pessoa que não vai para outra cidade depois dos 18 anos é vista com estranheza.

O poder familiar continua sendo o domínio dos pais sobre os filhos, mas não no sentido autoritário. O pai que deixa o filho se drogar ou se transformar em michê não trará um caminho de felicidade para a família. A pessoa está em formação, e quem tem que guiá-lo é alguém que tenha carinho e vontade de ensinar.

O Código Penal ainda chama de pupilo aquele que está sob tutela. À curatela estão sujeitos os que têm mais de 18 anos mas não tem o domínio de suas faculdades mentais, e não têm condições de gerir seu próprio patrimônio. Pródigos, por exemplo. Filho incapaz estará sujeito ao poder familiar o resto da vida. o curador pode ser designado quando os pais morrerem sendo o maior de idade portador de problemas mentais.

 

O crime contra o poder familiar

Chama-se induzimento a fuga, entrega arbitrária ou sonegação de incapazes. É um tipo misto: são três núcleos, mas dois crimes apenas: um, induzir, e outro, confiar ou sonegar. “Induzir menor de dezoito anos, ou interdito, a fugir do lugar em que se acha por determinação de quem sobre ele exerce autoridade, em virtude de lei ou de ordem judicial; confiar a outrem sem ordem do pai, do tutor ou do curador algum menor de dezoito anos ou interdito, ou deixar, sem justa causa, de entregá-lo a quem legitimamente o reclame:

Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa.” São duas figuras que podem concorrer em concurso material. Posso induzir o menor a fugir de casa, e depois entregá-lo (confiá-lo) a alguém, ou então posso induzi-lo a fugir de casa e escondê-lo (sonegá-lo).

O crime pode ser praticado pelos pais também, quando em virtude de decisão judicial a criança fica sob a guarda de um deles, ou de um terceiro.

Art. 249: Subtração de incapazes. “Subtrair menor de dezoito anos ou interdito ao poder de quem o tem sob sua guarda em virtude de lei ou de ordem judicial:

Pena – detenção, de dois meses a dois anos, se o fato não constitui elemento de outro crime.

§ 1º - O fato de ser o agente pai ou tutor do menor ou curador do interdito não o exime de pena, se destituído ou temporariamente privado do pátrio poder, tutela, curatela ou guarda.

§ 2º - No caso de restituição do menor ou do interdito, se este não sofreu maus-tratos ou privações, o juiz pode deixar de aplicar pena.

Temos portanto o crime do art. 248, que é o induzimento a fuga, entrega arbitrária ou sonegação de menor, em que a primeira conduta pode ser praticada em concurso material com qualquer uma das duas outras, mas não as duas últimas entre si: pode-se induzir o menor a fugir e confiá-lo a outrem, ou induzi-lo a fugir e sonegá-lo. No caso da subtração, retira-se-o da esfera de disponibilidade de quem o tem por direito, sem indução. Comparando grosseiramente, é como a diferença entre furto e estelionato, em que no primeiro subtrai-se a coisa, e no segundo mantém-se em erro alguém para que a pessoa entregue algo ao sujeito ativo.

Caso Pedrinho: foi um caso de subtração na maternidade, com posterior registro (de filho alheio) como próprio. Não se fala em sequestro, crime em que é sujeito passivo a pessoa que tem condições de determinar sua própria liberdade. No crime em tela, quem tem o domínio físico são os pais. Daí o crime é contra o poder familiar, não contra a liberdade individual.

O § 2º contém uma previsão de arrependimento eficaz. São casos mais complicados, que demandam ação na Vara da Infância e da Juventude para detemrinar a apreensão do menor.

Se o pai induz o filho a fugir do CAJE, não há lesão a essa bem jurídico, mas sim à Administração Pública.